Estado de convivente
Por Jones Figueirêdo Alves.
As pessoas que vivem em união
estável, sejam elas solteiras, separadas de fato ou judicialmente, viúvas ou,
ainda, divorciadas, guardam o seu estado civil anterior; ou seja, a entidade
familiar do companheirismo não tem sido entendida como um novo estado civil.
Essa condição, todavia, tem o
pressuposto lógico de um novo estado civil, a saber tratar-se de “uma qualidade
de pessoa” condizente com suas atuais relações de união, de onde se extraem,
por ditado da própria lei, direitos e deveres.
Nessa toada, tem-se, de logo, para
fins de obrigações recíprocas, o que preconiza o artigo 1.724 do Código Civil,
segundo o qual “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos”. Com efeito, referidas relações que conferem direitos e deveres,
faz exsurgir a concepção própria, para os fins legais, de um estado civil
específico.
Mais ainda: o direito sucessório, a
seu turno, demonstra o convivente com o atributo próprio de um estado civil, ao
reconhece-lo participante da sucessão do outro, nas condições que estabelece
(art. 1.790, Código Civil), deferindo-lhe a administração sucessiva da herança,
até quando o compromisso do inventariante, (art. 1,797, I, CC), com tratamento
legal similar ao do cônjuge.
Para além de o direito sucessório
definir a sua concorrência na herança, o companheiro também adquire direitos
patrimoniais, a saber do regime de comunhão parcial de bens, no que couber
(art. 1.725, CC), certo que outro regime poderá ser instituído, por contrato
escrito. Demais disso, a realidade desse estado civil recomenda que, em
escrituras públicas de compra e venda, o vendedor declare, sob as penas da lei,
não se achar em união estável com terceiro, em resguardo ao comprador como
terceiro de boa-fé.
De efeito, a proteção jurídica dos
conviventes sob união estável, como entidade familiar, surge visível no novo
Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, de 16 de março) ao indicar outras
exigências legais em proveito deles, mencionando-os ao longo da codificação.
A comunhão de vida e de interesses
(compartilhamento essencial), a satisfação do amor recíproco na ínsita ideia de
uma família constituída, sob a égide da “affectio maritalis” já íntrinseca nas
núpcias romanas, equiparam, em substancia, o companheirismo ao casamento. No
ponto, a união estável, sob os parâmetros do artigo 1.723 do Código Civil
objetivamente será, mais ainda, um “casamento de fato”. O novo texto do CPC indica,
nessa linha, avanços significativos. Agora, o parágrafo 3º do art. 73 do
CPC/2015 exige que o companheiro necessitará do consentimento do outro para
propor ação que verse sobre direito real imobiliário (artigo 1.647, II, CC). Também
a confissão do companheiro não valerá sem a do outro (artigo 391, parágrafo
único, CPC/2015).
Assim, a necessidade de vênia do(a)
companheiro(a) para as ações reais imobiliárias, significa, segundo Flávio
Tartuce, um novo instituto jurídico, o da “outorga convivencial”, equipotente
ao da “outorga conjugal (art. 1.647, II, CC) Mas não é só. Tem-se por certo,
que para a validade de determinados negócios jurídicos, a necessidade de
“outorga convivencial” afigura-se idêntica, aos atos de alienação de bens
imóveis ou de gravames de ônus real sobre eles (art. 1.647, I, CV). Impõe-se, à
sua falta, a anulabilidade deles (art. 1.649, CC). Em outra latitude, o direito
a alimentos do companheiro tem sido consagrado sem discrepâncias, a tanto valendo
referir a um iniludível estado civil.
Sergio Gischkow Pereira (2007) bem o
demonstra, doutrinando: Quem era viúvo, por exemplo, e estabeleceu convivência
com outrem, como se casado fosse, deixa de ser viúvo e passa a ser companheiro.
Terminada a união de fato, volta a ser viúvo, já que não é nominada a condição
de ex-companheiro.
A jurisprudência constrói idêntico
entendimento: “A existência
de união estável implica alteração do estado civil, pois esta figura jurídica,
ao lado do casamento, é constitucionalmente considerada uma
entidade familiar protegida pelo Estado” (TJRS – 7ª Câmara Cível - Apelação
Cível n° 70010045045, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos).
Suficiente observar que o permissivo da adição do patronímico do companheiro no
registro civil torna inconteste a ocorrência de um estado civil de companheiro.
Projeto de Lei nº 1773/2003 na Câmara Federal, dispondo
sobre o estado civil dos companheiros na união estável, alterando o Código
Civil, e que tramitou por mais de dez anos, foi agora desarquivado
(19.02.2015). Fica agora ao legislador dizer, com exatidão, que o estado de
convivente é um estado civil, na dignidade de ser um direito de personalidade
reconhecido ao companheiro.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de
Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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