sábado, 27 de abril de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 645 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 645 DO STJ.
SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.797.175-SP, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO AMBIENTAL
TEMA
Animal silvestre. Habitat natural. Reintegração. Inviabilidade. Dimensão ecológica do princípio da dignidade humana.
DESTAQUE
Viola a dimensão ecológica da dignidade humana a reintegração, ao seu habitat natural, de ave silvestre que já possui hábitos de animal de estimação e convivência habitual duradoura com seu dono.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre destacar que se deve refletir sobre o conceito kantiano, antropocêntrico e individualista de dignidade humana para incidir também em face dos animais não humanos, bem como de todas as formas de vida em geral, à luz da matriz jusfilosófica biocêntrica (ou ecocêntrica), capaz de reconhecer a teia da vida que permeia as relações entre ser humano e natureza. Inserido nesse pensamento é que se faz premente a discussão, principalmente em relação aos animais não humanos, devendo-se reformular o conceito de dignidade, objetivando o reconhecimento de um fim em si mesmo, ou seja, de um valor intrínseco conferido aos seres sensitivos não humanos, que passariam a ter reconhecido o status moral e dividir com o ser humano a mesma comunidade moral, conforme proposto pela doutrina. Em outras palavras, pode-se falar também de limitações aos direitos fundamentais dos seres humanos com base no reconhecimento de interesses não humanos. Observa-se que estes direitos são legitimados constitucionalmente, como é facilmente identificados na tutela dispensada à fauna e à flora através da vedação constitucional de "práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal). Nesse sentido, a própria ideia de um tratamento não cruel dos animais deve buscar o seu fundamento não mais na dignidade humana ou na compaixão humana, mas sim na própria dignidade inerente às existências dos animais não humanos. Cuida-se de um dever moral. Outrossim, essa visão da natureza como expressão da vida na sua totalidade possibilita que o Direito Constitucional e as demais áreas do direito reconheçam o meio ambiente e os animais não humanos como seres de valor próprio, merecendo, portanto, respeito e cuidado, de sorte que pode o ordenamento jurídico atribuir-lhes titularidade de direitos e de dignidade. Entretanto, verifica-se, no caso concreto, que o aresto a quo estabeleceu a guarda provisória e determinou que o Ibama desenvolva condições para viabilizar a guarda do animal. Ocorre que o decisum ocasionou uma instabilidade nebulosa, pois, ao mesmo tempo que permitiu a continuidade do laço afetivo entre a recorrente e a ave silvestre, condicionou o término dessa relação à condição incerta e imprevisível. No entanto, nessas condições, a reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe mais prejuízos do que benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que já possui hábitos de ave de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa humana da insurgente, pois permite um convívio provisório, mas impõe o fim do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá ocorrer. Noutro ponto, também viola a dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças de ambiente perpetuam o estresse do animal, pondo em dúvida a viabilidade de uma readaptação a um novo ambiente. Ante o exposto, imperativo que se determine a guarda definitiva do papagaio ao seu dono.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.693.718-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 26/03/2019, DJe 04/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Direito ao cadáver. Destinação do corpo humano após a morte. Manifestação de última vontade do indivíduo. Inexistência de formalidade específica. Criogenia. Possibilidade.
DESTAQUE
Não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à vontade manifestada em vida.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Preliminarmente, é conveniente frisar que os direitos de personalidade, e entre eles o direito ao cadáver, se orientam pela lógica do Direito Privado, primando pela autonomia dos indivíduos, sempre que esta não violar o ordenamento jurídico. Nesse contexto, a escolha feita pelo particular de submeter seu cadáver ao procedimento da criogenia encontra proteção jurídica, na medida em que sua autonomia é protegida pela lei e não há vedação à escolha por esse procedimento. Ademais, verifica-se que as razões de decidir do tribunal de origem estão embasadas na ausência de manifestação expressa de vontade do genitor das litigantes acerca da submissão de seu corpo ao procedimento de criogenia após a morte. Ocorre que, analisando as regras correlatas dispostas no ordenamento jurídico - que disciplinam diferentes formas de disposição do corpo humano após a morte -, em razão da necessidade de extração da norma jurídica a ser aplicada ao caso concreto, considerando a existência de lacuna normativa, verifica-se que não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo. Da análise do § 2º do art. 77 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), extrai-se que, com exceção da hipótese de "morte violenta" - que necessita também de autorização judicial -, os requisitos para a realização da cremação do cadáver são: i) a existência de atestado de óbito assinado por 2 (dois) médicos ou por 1 (um) médico legista; e ii) a anterior manifestação de vontade do indivíduo de ser incinerado após a morte. Dessa maneira, não exigindo a Lei de Registros Públicos forma especial para a manifestação em vida em relação à cremação, será possível aferir a vontade do indivíduo, após o seu falecimento, por outros meios de prova legalmente admitidos. É de se ressaltar que, em casos envolvendo a tutela de direitos da personalidade do indivíduo post mortem (direito ao cadáver), o ordenamento jurídico legitima os familiares mais próximos a atuarem em favor dos interesses deixados pelo de cujus. Logo, na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida acerca da destinação de seu corpo após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela apresentada por seus familiares mais próximos.
PROCESSO
REsp 1.799.041-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Recuperação judicial. Classificação de créditos. Pensionamento decorrente de acidente de trânsito. Incapacidade definitiva para o trabalho. Natureza Alimentar. Equiparação a crédito derivado da legislação trabalhista.
DESTAQUE
O pensionamento fixado em sentença judicial, decorrente de ação de indenização por acidente de trânsito, pode ser equiparado ao crédito derivado da legislação trabalhista para fins de inclusão no quadro geral de credores de sociedade em recuperação judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que créditos de natureza alimentar, ainda que não decorram especificamente de relação jurídica submetida aos ditames da legislação trabalhista, devem receber tratamento análogo para fins de classificação em processos de execução concursal. Essa posição da jurisprudência decorre do reconhecimento de que as diversas espécies de verbas que ostentam natureza alimentar, dada a afinidade ontológica que lhes é inerente, devem receber tratamento isonômico para os fins da Lei de Falência e Recuperação de Empresas, ainda que ausente disposição legal específica versando sobre cada uma elas. Essa foi a orientação da Corte Especial por ocasião do julgamento o REsp 1.152.218/RS (DJe 9/10/2014), submetido à sistemática dos recursos repetitivos, que acabou fixando a tese de que os valores devidos a título de honorários advocatícios devem, de fato, ser classificados no mesmo patamar destinado aos créditos trabalhistas. Da mesma forma, versando a hipótese sobre valores que ostentam indubitável natureza alimentar, pois se referem à pensão fixada em decorrência de perda definitiva da capacidade laboral deve ser observado, quanto a esses, o tratamento conferido aos créditos derivados da legislação do trabalho.

PROCESSO
REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Agravo de instrumento. Art. 1.015, XI c/c art. 373, § 1º, do CPC/2015. Ônus da prova. Distribuição dinâmica. Atribuições distintas da regra geral. Recorribilidade imediata. Cabimento.
DESTAQUE
É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que no direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra geral prevista no art. 373, I e II, do CPC/2015, denominada de distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e cabe ao réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, admitindo-se, ainda, a existência de distribuição estática do ônus da prova de forma distinta da regra geral, caracterizada pelo fato de o próprio legislador estabelecer, previamente, a quem caberá o ônus de provar fatos específicos, como prevê, por exemplo, o art. 38 do CDC. Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia catalogação pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência passaram a excepcionar a distribuição estática do ônus da prova, criando e aplicando regras de distribuição diferentes daquelas estabelecidas em lei, contexto em que surge a regra de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, reiteradamente aplicada por esta Corte mesmo antes de ser integrada ao direito positivo, tendo ambas – inversão e distribuição dinâmica – a característica de permitir a modificação judicial do ônus da prova (modificação ope judicis). As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste de acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, do CPC/2015, demonstra que nem todas as decisões interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são recorríveis de imediato, mas, sim, apenas aquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC/2015, que contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/2015, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido. Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC/2015, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica. Em síntese, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.

PROCESSO
REsp 1.770.123-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 26/03/2019, DJe 02/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação rescisória. Art. 966, inciso VII, do CPC/2015. Prova nova. Conceito. Inclusão da prova testemunhal.
DESTAQUE
No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo na ação rescisória.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se a prova testemunhal obtida em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão rescindenda está incluída no conceito de "prova nova" a que se refere o artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a ser considerado, para fins de contagem do prazo decadencial, o termo inicial especial previsto no artigo 975, § 2º, do CPC/2015 (data da descoberta da prova nova). O novo CPC, com o nítido propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. Assim, nas ações rescisórias fundadas na obtenção de prova nova, o termo inicial do prazo decadencial é diferenciado, qual seja, a data da descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
PROCESSO
REsp 1.798.975-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Fixação da data da separação de fato do casal para fins de partilha. Decisão interlocutória. Mérito da controvérsia. Recorribilidade imediata. Possibilidade. Art. 1.015, II, do CPC/2015.
DESTAQUE
Cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC/2015, contra decisão interlocutória que fixa data da separação de fato do casal para efeitos da partilha dos bens.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O CPC/2015, nos termos do art. 356, caput e incisos, passou a admitir, expressamente, a existência de decisões parciais de mérito, reconhecendo a possibilidade de pedidos cumulados ou de parcelas de pedidos suscetíveis de fracionamento estarem aptos para julgamento em momentos processuais distintos, seja porque sobre eles não existe controvérsia, seja porque sobre eles não há necessidade de mais aprofundada dilação probatória, com aptidão, em ambas as hipóteses, para a formação de coisa julgada material. Na hipótese, a decisão que fixou a data da separação de fato do casal para fins de partilha de bens versa sobre o mérito do processo, na medida em que se refere a um diferente fragmento de um mesmo pedido e de um mesmo objeto litigioso – a partilha de bens das partes –, especialmente porque a pretensão de partilha de bens deduzida em juízo pressupõe a exata definição "do quê" se partilha, o que somente se pode delimitar a partir do exame dos bens suscetíveis de divisão em um determinado lapso temporal. Se entendeu o juízo de 1º grau de jurisdição que seria mais apropriado fracionar o pedido de partilha, resolvendo-o em sucessivas decisões na medida da evolução da tramitação processual e ao exato tempo em que as questões apresentadas eram suficientemente esclarecidas, não há error in procedendo, sobretudo porque a forma de condução do processo está no âmbito dos poderes diretivo e de gestão processual do magistrado.Finalmente, anote-se que eventual afirmativa de que a fixação da data da separação de fato para fins de partilha não compõe o mérito da pretensão de partilha de bens e resulta, em última análise, no reconhecimento de que a decisão que a fixou não é recorrível de imediato pelo agravo de instrumento, o que acarretaria na possibilidade de haver o trânsito em julgado daquela decisão parcial de mérito antes de se definir os termos inicial e final da relação conjugal das partes para fins de partilha, cenário hipotético em que a eventual modificação da data da separação de fato encontraria intransponível óbice na coisa julgada material formada sobre a partilha parcial dos bens.

PROCESSO
REsp 1.799.166-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Tempestividade. Suspensão do prazo recursal. Nascimento do filho do único patrono da causa. Comunicação imediata ao juízo. Desnecessidade.
DESTAQUE
A suspensão do processo em razão da paternidade do único patrono da causa se opera tão logo ocorra o fato gerador (nascimento ou adoção), independentemente da comunicação imediata ao juízo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal é dizer sobre a tempestividade da apelação, considerando o nascimento do filho do único patrono da causa no curso do prazo recursal. A disposição legal do art. 313, X e § 7º, do CPC/2015, ao lado do previsto no inciso IX do mesmo artigo, visa dar concretude aos princípios constitucionais da proteção especial à família e da prioridade absoluta assegurada à criança, na medida em que permite aos genitores prestar toda a assistência necessária – material e imaterial – ao seu filho recém-nascido ou adotado, além de possibilitar o apoio recíproco em prol do estabelecimento da nova rotina familiar que se inaugura com a chegada do descendente. Assim, se a lei concede ao pai a faculdade de se afastar do trabalho para acompanhar o filho nos seus primeiros dias de vida ou de convívio familiar, não é razoável lhe impor o ônus de atuar no processo, durante o gozo desse nobre benefício, apenas para comunicar e justificar aquele afastamento. Logo, a legislação não impõe ao advogado o ônus de comunicar ao Juízo o nascimento de seu filho para só a partir de então se beneficiar da suspensão. Por força da lei, a suspensão do processo pela paternidade tem início imediatamente à data do nascimento ou adoção, ainda que outra seja a data da comprovação nos autos, que pode ser feita no momento da interposição do recurso ou da prática do primeiro ato processual do advogado, desde que aquelase dê antes de operada a preclusão, já considerado no cômputo do respectivo prazo o período suspenso de 8 (oito) dias.

PROCESSO
REsp 1.743.088-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/03/2019, DJe 22/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO REGISTRAL, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Sociedade empresária. Integralização de capital social por meio de imóveis. Contrato social. Registro Público de Empresas Mercantis. Título translativo. Transferência de titularidade. Registro no cartório de registro de imóveis. Necessidade.
DESTAQUE
O registro do título translativo no Cartório Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida está em saber se a constituição de sociedade empresarial, registrada em Junta Comercial, com a estipulação de integralização do capital social por meio de imóveis, indicados pelo sócio, é suficiente para operar a transferência da propriedade. Assinala-se, inicialmente, que o estabelecimento do capital social — assim compreendido como os recursos a serem expendidos pelos sócios para a formação do primeiro patrimônio social, necessários para a constituição da sociedade —, e o modo pelo qual se dará a sua integralização, consubstanciam elementos essenciais à confecção do contrato social (art. 997, III e IV, do Código Civil). A integralização do capital social da empresa, ademais, pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens — móveis ou imóveis —, havendo de se observar, necessariamente, o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual. Em se tratando de imóvel, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Nesse sentido, já se pode antever que o registro do título translativo no Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial. De fato, a inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, destina-se, primordialmente, à constituição formal da sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria, absolutamente distinta dos sócios dela integrantes. Explicitado, nesses termos, as finalidades dos registros em comento, pode-se concluir que o contrato social, que estabelece a integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade; constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da propriedade, mediante registro, perante o Cartório de Registro de Imóveis em que se encontra registrada a matrícula do imóvel. Portanto, enquanto não operado o registro do título translativo — no caso, o contrato social registrado perante a Junta Comercial — no Cartório de Registro de Imóveis, o bem, objeto de integralização, não compõe o patrimônio da sociedade empresarial.
QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.605.346-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 12/02/2019, DJe 28/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Previdência privada. Inscrição de beneficiário. Pagamento de joia. Previsão no regulamento do plano de benefícios. Possibilidade.
DESTAQUE
É válida a exigência de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar para fazer jus à pensão por morte.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que o art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. O art. 40 da Lei n. 6.435/1977 estabelecia que, "para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". Já o artigo 1º da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício. A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Nesse diapasão, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

A LEI 13.811/2019 E A UNIÃO ESTÁVEL DO MENOR DE 16 ANOS. COLUNA DO MIGALHAS DE ABRIL DE 2019

A LEI N. 13.811/2019 E A UNIÃO ESTÁVEL DO MENOR DE 16 ANOS
Flávio Tartuce[1]
Em texto anterior, publicado neste canal, fiz uma breve e inicial análise da Lei n. 13.811/2019, que alterou o art. 1.520 do Código Civil Brasileiro, passando a proibir, expressamente, o casamento do menor de 16 anos, denominado por alguns como casamento infantil. Conforme o atual texto do dispositivo da codificação privada, “não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.
Como antes pontuei, não houve alteração ou revogação expressa de qualquer outro comando do Código Civil em vigor. Diante dessa realidade legal, e como o menor de 16 anos já era considerado incapaz para o casamento pelo sistema anterior, manifestei a minha opinião doutrinária no sentido de subsistir a nulidade relativa ou anulabilidade do casamento do menor de 16 anos. Assim, continua plenamente em vigor o art. 1.550, inc. I, da codificação material, que assim o expressa. A mesma conclusão vale para os dispositivos que tratam da possibilidade de convalidação do casamento do menor (arts. 1.551 e 1.553 do CC/2002); da norma que elenca os legitimados para promoverem a ação anulatória (art. 1.552) e do comando que consagra o prazo decadencial de 180 dias para o ingresso da ação anulatória do casamento em casos tais (art. 1.560, § 1º).
Não me convence, portanto, a afirmação feita por alguns doutrinadores no sentido de ser o casamento infantil nulo de pleno direito, diante da norma emergente. Argumentam que a lei proíbe a prática do ato sem cominar sanção, presente a chamada nulidade virtual, nos termos do art. 166, inc. VII, segunda parte, do Código Civil. Contudo, com o devido respeito, esse comando geral somente seria aplicado se não existissem todas as disposições específicas citadas, que não foram revogadas expressa ou tacitamente pela Lei n. 13.811/2019. Para afastar a alegação de revogação tácita, lembro e insisto: o casamento do menor de 16 anos já não era admitido pelo sistema jurídico nacional, presente hipótese de incapacidade para o ato.
Resta agora analisar a hipótese fática da união estável constituída pelo menor de 16 anos. Seria ela nula ou perfeitamente válida, na realidade jurídica brasileira? A resposta a essa indagação é importante pois, estando proibido peremptoriamente o casamento infantil, a união estável acaba sendo uma opção para muitas pessoas que querem constituir outra entidade familiar. Imagine, por exemplo, o caso de uma menor com 15 anos de idade que engravida do namorado de 18 anos e que pretende com ele viver em estado de conjugalidade, cuidando do filho havido dessa união, em comunhão plena de vidas.
Como é notório, a união estável é tida como uma união livre, cujos elementos caracterizadores constam do art. 1.723 da codificação privada, segundo o qual é reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, "configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". São seus elementos fundamentais, portanto: a) a convivência pública, no sentido de notória ou conhecida; b) a continuidade e certa durabilidade da união, o que não encontra previsão de um prazo mínimo na lei, demandando análise casuística; c) o objetivo de constituição de família já presente no caso concreto (intuitu familiae), o que serve para diferenciar essa entidade familiar de um namoro ou de um noivado, hipóteses em que o objetivo é de constituição de uma família no futuro.
Não há qualquer dispositivo que trate da idade mínima para a sua constituição, a exemplo do que ocorre com o casamento, estando a idade núbilde 16 anos fixada no antes citado art. 1.517 do Código Civil. Sobre a união estável, há outro comando a ser destacado, que afasta a sua caracterização em havendo impedimento matrimonial, prevendo o art. 1.727 da codificação que "as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato". Todavia, como adverti em meu texto anterior, a questão da idade não importa em impedimento para o casamento, mas em questão afeita à incapacidade matrimonial. Por isso, o último preceito não tem incidência para a temática que ora se analisa.
Apesar dessa ausência de norma específica relativa à capacidade para a constituição da união estável, é forte o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que devem ser observados, por analogia, os mesmos critérios presentes para o casamento. Seguindo essa posição, a união estável do menor de 16 anos deve ser tida como nula ou até como inexistente. Isso porque, em havendo incapacidade para o casamento, esta também se faz presente para a união estável, aplicando-se o art. 1.517 do Código Civil para a última entidade familiar. Não se cogita a anulabilidade da união estável pela falta de previsão legal a respeito da invalidade, ao contrário do que ocorre com o casamento (art. 1.550, inc. I, do CC). Nesse sentido, colaciona-se, entre os arestos estaduais:
"DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO. REQUISITOS. MENOR DE 16 ANOS. RECUSA DO GENITOR. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS À CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Para a configuração da União protegida pelo ordenamento constitucional, exige-se, primordialmente, que o relacionamento ostente estabilidade e que, por conseguinte, seja contínuo, ou seja, sem interrupções e sobressaltos, pressupondo-se, ainda, a publicidade e o essencial objetivo de constituição de família, traduzido na comunhão de vida e de interesses, além da ausência de impedimentos ao Casamento e a capacidade para casar, nos termos do artigo 1.517, do Código Civil. II. Inviável a qualificação como União Estável da relação amorosa mantida por aquele que ainda não alcançou a idade núbil, dada a ausência de capacidade para a manifestação plena da sua intenção de constituir família, circunstância essa que não restou suprida, na espécie, pela autorização do representante legal, em virtude da manifesta recusa do genitor do de cujus no reconhecimento do vínculo familiar pretendido. III. Conquanto seja certo que a Recorrente e o de cujus mantiveram relacionamento amoroso até o momento do óbito, não se afigura possível afirmar, com amparo no contexto probatório dos autos, que referida relação ostentava estabilidade, continuidade e publicidade compatível com o objetivo mútuo de comunhão familiar, afastando-se a pretensão de reconhecimento da União Estável post mortem. IV. Recurso conhecido e desprovido, nos termos do voto do Eminente Desembargador Relator" (TJES, Apelação cível n. 0011778-29.2010.8.08.0030, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Namyr Carlos de Souza Filho, julgado em 07.08.2012, DJES 14.08.2012).
“Apelação cível. Ação de reconhecimento de união estável. Instituto equiparado, por analogia, ao casamento. Convivente menor de idade ao tempo da união. Ausência de idade núbil. Aplicação do art. 1.517, do Código Civil. Impossibilidade jurídica do pedido. Recurso conhecido e desprovido. I. Primeiramente, a Lei n. 9.278/1996 reconheceu a união estável e disciplinou os direitos e deveres dos companheiros perante a entidade familiar, bem como os direitos patrimoniais e sucessórios advindos dessa espécie de relacionamento. Contudo, omissa a aludida Lei acerca dos requisitos necessários a sua efetivação, aplicáveis, por analogia, as disposições contidas no Código Civil que regulamentam o casamento, por se tratar de institutos jurídicos que se equiparam, em que pese distintos (art. 226, § 3.º, CF). III. Consoante disposição contida no art. 1.517 do Código Civil, podem casar o homem e a mulher com dezesseis anos, exigida a autorização dos pais ou representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Todavia, ausente idade núbil mínima exigida pela legislação, não há falar em casamento ou reconhecimento da união estável, por impossibilidade jurídica do pedido” (TJSC, Apelação Cível 2008.007832-0, Criciúma, 1.ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, j. 02.05.2011, DJSC31.05.2011, p. 114).
Entretanto, é possível concluir de forma diversa, entendimento sobre o qual tenho refletido a partir da entrada em vigor da Lei n. 13.811/2019. De início, para afastar a tese quanto à aplicação do art. 1.517 do Código Civil por analogia, lembro que se trata de norma restritiva, que, como tal, não comporta essa forma de integração, prevista no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Sobre o argumento de equiparação das duas entidades familiares – que ganhou força com o julgamento do STF de inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, publicado no Informativo n. 864 da Corte –, anote-se a afirmação no sentido de que permanecem diferenças entre o casamento e a união estável, sobretudo quanto às normas de constituição e de formalidades. Nesse sentido, pelo menos parcialmente, o Enunciado n. 641, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal em 2018: "a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável".
A eventual conclusão pela existência e validade da união estável do menor de 16 anos tem como fundamento a afirmação doutrinária no sentido de tratar-se de um ato-fato jurídico, um fato jurídico qualificado por uma vontade não relevante em um primeiro momento, mas que se revela relevante por seus efeitos. Em havendo tal instituto, mitigam-se as regras de validade, notadamente as que dizem respeito à capacidade. Nesse contexto, não deve ser considerada a incapacidade absoluta prevista no art. 3º do Código Civil, quanto aos menores de 16 anos. Relativiza-se, ainda, o que consta do art. 166, inc. I, da própria codificação, no sentido de ser nulo o negócio jurídico celebrado por absolutamente incapaz, sem a devida representação.
A melhor expressão de análise casuística da vontade no ato-fato jurídico é retirada do teor do Enunciado n. 138, aprovado na III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese dos menores de 16 anos, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. Não se pode negar que a constituição de uma união estável é uma situação existencial e, tendo o menor de idade o necessário discernimento para esse ato familiar, pode ele ser tido como plenamente válido.
Sempre tive minhas resistências em relação ao ato-fato jurídico, por entender que a categoria não teria a necessária e efetiva aplicação prática no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, quanto à união estável, vinha sustentando tratar-se de um negócio jurídico ou de um ato jurídico em sentido estrito, a depender da qualificação da vontade no caso concreto. Todavia, a hipótese fática de união estável do menor de 16 anos traz conclusão em sentido contrário, de efetividade do instituto, sendo viável doutrinariamente adotá-lo em casos tais.
Como palavras finais, nota-se que o casamento e a união estável acabam por receber uma certa condenação legislativa prévia em alguns casos, no sentido de não admiti-los para não prejudicarem determinadas pessoas, tidas como em situações de vulnerabilidade. Esse raciocínio, por exemplo, fazia com que fosse proibido o casamento do enfermo mental, conforme a redação original do art. 1.548, inc. I, do Código Civil, revogado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015). Essa revogação, propiciando o casamento da pessoa com deficiência, evidencia o pensamento em contrário, de não se poder considerar a constituição da entidade familiar como prejudicial.
Todavia, a ideia de condenar a constituição da família parece ter voltado com a emergência da Lei n. 13.811/2019, na alteração relativa ao art. 1.520 do Código Civil. Seria correto estender tal raciocínio à união estável? Entendo que existem motivos consideráveis para se afirmar que não, dando-se ao sistema jurídico certa margem de liberdade para o exercício da autonomia privada quanto à escolha de uma ou outra entidade familiar.

[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor Titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Professor do G7 Jurídico. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

sábado, 13 de abril de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 644 DO STJ.

RESUMO INFORMATIVO 644 DO STJ. Abril de 2019
RECURSOS REPETITIVOS
PROCESSO
REsp 1.521.999-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 28/11/2018, DJe 22/03/2019 (Tema 969)
RAMO DO DIREITO
DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Falência. Classificação de créditos. Encargo legal inscrito em dívida ativa da União. Crédito não tributário. Preferência conferida aos créditos tributários. Extensão. Tema 969.
DESTAQUE
O encargo do DL n. 1.025/1969 tem as mesmas preferências do crédito tributário devendo, por isso, ser classificado, na falência, na ordem estabelecida pelo art. 83, III, da Lei n. 11.101/2005.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Nos termos do art. 1º do DL n. 1.025/1969, o encargo de 20% inserido nas cobranças promovidas pela União, pago pelo executado, é recolhido aos cofres públicos como renda da União, sendo que, com o advento da Lei n. 7.711/1988, conforme previsão do parágrafo único do art. 3º, "será recolhido ao Fundo a que se refere o art. 4º, em subconta especial, destinada a atender a despesa com o programa previsto neste artigo [...]", que é voltado para o incentivo da arrecadação, administrativa ou judicial, de receitas inscritas como Dívida Ativa da União e outras atividades relacionadas. Portanto, o encargo do DL n. 1.025/1969 é crédito não tributário destinado à recomposição das despesas necessárias à arrecadação, à modernização e ao custeio e diversas outras (despesas) pertinentes à atuação judicial da Fazenda Nacional. Não obstante, adequado o seu enquadramento no inciso III do art. 83 da atual Lei de Falências. Importante observar que no crédito tributário a que se refere a lei falimentar, estão incluídos somente a correção monetária e os juros de mora incidentes sobre o tributo devido pelo falido (art. 161 do CTN). Nessa linha e em tese, na falta de previsão legal, admitir que o encargo do DL n. 1.025/1969 seja classificado como crédito tributário poderia implicar violação do princípio do par conditio creditorum (igualdade de tratamento dos credores), segundo o qual todos os credores de uma mesma categoria devem ser tratados de forma igualitária (art. 126 da Lei n. 11.101/2005), pois um acréscimo de 20% da dívida cobrada da massa tem impacto na expectativa dos demais credores da mesma estatura (Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias). Entretanto, o § 4º do art. 4º da Lei n. 6.830/1980 dispõe: "Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário Nacional." Com base nos referidos dispositivos se observa que, por opção do legislador, foi estendida expressamente ao crédito não tributário inscrito em dívida ativa a preferência dada ao crédito tributário, preferência já existente antes da LC n. 118/2005. Assim, se o encargo do mencionado Decreto-lei tem natureza não tributária (Lei n. 7.711/1988), compõe a dívida ativa da Fazenda Nacional (art. 2º, §§ 2º, 5º, II, da Lei n. 6.830/1980) e tem as mesmas preferências do crédito tributário, por força da autorização contida no art. 4º, § 4º, da Lei n. 6.830/1980, pode-se concluir pelo seu enquadramento, por equiparação, no inciso III do art. 83 da Lei n. 11.101/2005. Ademais, caso a questão surja sob a égide do DL n. 7.661/1945, antiga Lei de Falências, com o mesmo raciocínio deve-se-lhe assegurar a classificação pertinente aos créditos tributários, nos termos do art. 186 do CTN, antes da alteração implementada pela LC n. 118/2005.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.722.691-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Sucessão. Inventário. Imóvel residencial. Ocupação e uso gratuito (comodato). Herdeiro. Adiantamento da legítima. Inocorrência. Colação. Desnecessidade.
DESTAQUE
É prescindível que herdeiro necessário traga à colação o valor correspondente à ocupação e ao uso a título gratuito de imóvel que pertencia ao autor da herança.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, salienta-se que a utilização do imóvel decorre de comodato e a colação restringe-se a bens doados a herdeiros e não a uso e ocupação a título de empréstimo gratuito, razão pela qual não se vislumbra ofensa ao art. 2.002 do Código Civil. Com efeito, não se pode confundir comodato, que é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, com a doação, mediante a qual uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Somente a doação tem condão de provocar eventual desequilíbrio entre as quotas-partes atribuídas a cada herdeiro necessário (legítima), importando, por isso, em regra, no adiantamento do que lhe cabe por herança. Já a regra do art. 2.010 do Código Civil dispõe que não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime. À luz dessa redação, poderia haver interpretação, a contrario sensu, de que quaisquer outras liberalidades recebidas pelos descendentes deveriam ser trazidas à colação. No entanto, o empréstimo gratuito não pode ser considerado "gasto não ordinário", na medida em que a autora da herança nada despendeu em favor de uma das herdeiras a fim de justificar a necessidade de colação.

PROCESSO
REsp 1.742.246-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Responsabilidade civil de advogado. Ato praticado exclusivamente pelo substabelecido. Responsabilidade do substabelecente. Culpa in eligendo. Inexistência. Necessidade de circunstância contemporânea à escolha e de conhecimento do substabelecente.
DESTAQUE
O advogado substabelecente somente irá responder por ato ilícito cometido pelo advogado substabelecido se ficar evidenciado que, no momento da escolha, a despeito de possuir inequívoca ciência acerca da inidoneidade do aludido causídico, ainda assim o elegeu para o desempenho do mandato.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se o advogado substabelecente (mantidos os seus poderes) responsabiliza-se solidariamente pelos prejuízos causados a cliente por ato ilícito praticado unicamente pela causídica substabelecida, que deixou de lhe repassar os valores recebidos em razão de acordo, por ela subscrito, realizado entre as partes, o qual pôs fim à demanda. Dos termos do § 2º do art. 667 do Código Civil, ressai que, em regra, na hipótese de haver autorização para substabelecer, o mandatário não responde pelos atos praticados pelo substabelecido que venham causar danos ao mandante, salvo se for comprovada a sua culpa in eligendo, que se dá no caso de o mandatário proceder a uma má escolha do substabelecido, recaindo sobre pessoa que não possui capacidade legal (geral ou específica), condição técnica ou idoneidade para desempenhar os poderes a ela transferidos. A culpa in eligendo resta configurada, ainda, se o substabelecente negligenciar orientações ou conferir instruções deficientes ao substabelecido, subtraindo-lhe as condições necessárias para o bom desempenho do mandato. De suma relevância anotar que, para o reconhecimento da culpa in eligendo do substabelecente, é indispensável que este, no momento da escolha, tenha inequívoca ciência a respeito da ausência de capacidade legal, de condição técnica ou de idoneidade do substabelecido para o exercício do mandato. Ademais, não se olvida que o substabelecimento, em especial o com reserva de poderes, evidencia, naturalmente, a existência, entre as partes envolvidas (substabelecente e substabelecido), de uma relação calcada, minimamente, na confiança. Todavia, essa relação prévia, por si, não é suficiente para vincular o substabelecente, a ponto de responsabilizá-lo por atos praticados pelo substabelecido que venham a desbordar dos poderes transferidos, a revelar sua inaptidão para o exercício do mandato. Entendimento contrário redundaria, por óbvio, em todos os casos, na responsabilidade solidária entre mandatário e substabelecido pelos atos perpetrados por esse último, imputação objetiva que não encontra nenhum amparo legal.

PROCESSO
REsp 1.749.954-RO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 26/02/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Acidente de trânsito. Condução de motocicleta sob estado de embriaguez. Presunção de culpabilidade do infrator. Responsabilidade civil. Configuração. Inversão do ônus probatório. Cabimento.
DESTAQUE
Em ação destinada a apurar a responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito, presume-se culpado o condutor de veículo automotor que se encontra em estado de embriaguez, cabendo-lhe o ônus de comprovar a ocorrência de alguma excludente do nexo de causalidade.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, consigna-se que as responsabilidades administrativa e criminal, autônomas entre si, não se confundem com a responsabilidade civil advinda de acidente de trânsito. Porém, é inegável que a inobservância de regra administrativa de trânsito ou a prática de crime de trânsito pode repercutir na responsabilização civil, na medida em que a correlata conduta evidencia um comportamento absolutamente vedado pelo ordenamento jurídico, contrário às regras impostas. Efetivamente, a inobservância das normas de trânsito pode repercutir na responsabilização civil do infrator, a caracterizar a sua culpa presumida se tal comportamento representar, objetivamente, o comprometimento da segurança do trânsito na produção do evento danoso em exame. É preciso ressalvar que não é todo e qualquer comportamento contrário às normas de trânsito que repercute na apuração da responsabilidade civil. A caracterização da culpa presumida se dá quando o comportamento se revela idôneo a causar o acidente no caso concreto, hipótese em que, diante da inversão do ônus probatório operado, caberá ao transgressor comprovar a ocorrência de alguma excludente do nexo de causalidade, tal como a culpa ou fato exclusivo da vítima, a culpa ou fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito ou a força maior. Assim, é indiscutível que a condução de veículo em estado de embriaguez, por si, representa gravíssimo descumprimento do dever de cuidado e de segurança no trânsito, na medida em que o consumo de álcool compromete as faculdades psicomotoras, com significativa diminuição dos reflexos; enseja a perda de autocrítica, o que faz com que o condutor subestime os riscos ou os ignore completamente; promove alterações na percepção da realidade; enseja déficit de atenção; afeta os processos sensoriais; prejudica o julgamento e o tempo das tomadas de decisão; entre outros efeitos que inviabilizam a condução de veículo automotor de forma segura, trazendo riscos, não apenas a si, mas, também aos demais agentes que atuam no trânsito, notadamente aos pedestres, que, por determinação legal (§ 2º do art. 29 do CTB), merecem maior proteção e cuidado dos demais.

PROCESSO
REsp 1.770.358-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de consórcio. Seguro prestamista contratado. Falecimento de consorciado. Liberação imediata da carta de crédito à beneficiária.
DESTAQUE
A beneficiária do consorciado falecido tem direito à liberação imediata da carta de crédito, em razão da quitação do saldo devedor pelo seguro prestamista contratado, independentemente da efetiva contemplação ou do encerramento do grupo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O contrato de consórcio é instrumento que, firmado pelo consorciado e pela administradora, cria vínculo jurídico obrigacional entre as partes e pelo qual o consorciado formaliza o seu ingresso em grupo de consórcio, estando nele expressas as condições da operação. Em certas hipóteses, há a previsão adicional de contratação de seguro com cobertura para o evento morte, denominado seguro prestamista, como garantia à própria família do consorciado segurado. É certo que a Lei n. 11.795/2008, embora disponha sobre o sistema de consórcio, não trouxe previsão específica acerca da situação de falecimento do consorciado que aderiu ao pacto prestamista, tampouco da possibilidade de o(s) beneficiário(s) fazer(em) jus ao recebimento da carta de crédito quando da ocorrência de fatídico evento. Vale frisar que a referida lei delegou ao Banco Central do Brasil – órgão regulador e fiscalizador das operações do segmento – a competência para disciplinar normas suplementares. Ocorre que, quanto a tal situação específica, tampouco houve qualquer normatização por parte do BACEN. Para solucionar a celeuma, indispensável, portanto, que se averigue a dimensão social do consórcio à luz da cláusula geral da função social do contrato, conciliando-se o bem comum pretendido – qual seja, a aquisição de bens ou serviços por todos os consorciados – e a dignidade de cada integrante do núcleo de obrigações financeiras (perante o grupo consorcial) absorvidas pela própria seguradora, quando do adimplemento do saldo devedor remanescente. Com efeito, e amparando-se na própria função social do contrato, se existe previsão contratual de seguro prestamista vinculado ao contrato de consórcio, não há lógica em se exigir que o beneficiário aguarde a contemplação do consorciado falecido ou o encerramento do grupo para o recebimento da carta de crédito, uma vez que houve a liquidação antecipada da dívida (saldo devedor) pela seguradora, não importando em qualquer desequilíbrio econômico-financeiro ao grupo consorcial. Ressalte-se que estaria configurado o próprio enriquecimento sem causa a disponibilização de todo o valor da cota do falecido ao grupo consorcial, sem a devida contraprestação por parte deste.

PROCESSO
REsp 1.717.111-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Prestação de serviços de hotelaria. Período da diária (24 horas). Lei n. 11.771/2008 e Decreto n. 3.781/2010. Horários diversos de check-in check-out. Legalidade.
DESTAQUE
Não é abusiva a cobrança de uma diária completa de 24 horas em hotéis que adotam a prática de check-in às 15:00h e de check-out às 12:00h do dia de término da hospedagem.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que a interpretação literal do enunciado normativo do § 4º do art. 23 da Lei n. 11.771/2008 (Lei Nacional de Turismo), ou mesmo do art. 25 do Decreto n. 7.380/2010, conduziria à conclusão de que a diária de um hotel ou qualquer outro estabelecimento congênere de hospedagem em unidades mobiliadas consubstancia período de 24 horas entre a entrada e saída do hóspede. Contudo, uma interpretação razoável tem em conta, notadamente, a boa-fé do fornecedor, a razoabilidade no estabelecimento de um período de tolerância para a entrada do novo hóspede no apartamento por ele reservado e os usos e costumes do serviço prestado ao mercado consumidor. Natural a previsão pelo estabelecimento hoteleiro, para permitir a organização de sua atividade e prestação de serviços com a qualidade esperada pelo mercado consumidor, de um período entre o check-out do anterior ocupante da unidade habitacional e o check-in do próximo hóspede, inexistindo ilegalidade ou abusividade a ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Ademais, a prática comercial do horário de check-in não constitui propriamente um termo inicial do contrato de hospedagem, mas uma prévia advertência de que o quarto poderá não estar disponível ao hóspede antes de determinado horário. Assim, a fixação de horários diversos de check-in (15:00hs) e check-out (12:00hs) atende a interesses legítimos do consumidor e do prestador dos serviços de hospedagem, espelhando antiga prática amplamente aceita dentro e fora do Brasil.

PROCESSO
REsp 1.737.428-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Espetáculos culturais. Aquisição de ingressos na internet. Cobrança de taxa de conveniência. Venda casada indireta. Prática abusiva. Configuração.
DESTAQUE
É abusiva a venda de ingressos em meio virtual (internet) vinculada a uma única intermediadora e mediante o pagamento de taxa de conveniência.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Salienta-se preliminarmente que a venda casada "às avessas", indireta ou dissimulada consiste em se admitir uma conduta de consumo intimamente relacionada a um produto ou serviço, mas cujo exercício, é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim, a liberdade de escolha do consumidor. A venda pela internet, que alcança interessados em número infinitamente superior do que a venda por meio presencial, privilegia os interesses dos produtores e promotores do espetáculo cultural de terem, no menor prazo possível, vendidos os espaços destinados ao público e realizado o retorno dos investimentos até então empregados. Ademais, a fim de preservar a boa-fé e a liberdade contratual dos consumidores, os produtores e promotores do espetáculo cultural, ao optarem por submeter os ingressos à venda terceirizada em meio virtual (da internet), devem oferecer ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, caso contrário, a liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra é cerceada, de modo a ficar configurada a venda casada, ainda que em sua modalidade indireta ou "às avessas", nos termos do art. 39, I e IX, do CDC. Além disso, é fictícia a liberdade do consumidor em optar pela aquisição virtual ou pela presencial, ante a uma acentuada diferença de benefícios entre essas duas opções: ou o consumidor adquire seu ingresso por meio virtual e se submete à cobrança da taxa, tendo ainda que pagar uma nova taxa para receber o ingresso em seu domicílio; ou, a despeito de residir ou não na cidade em que será realizado o espetáculo cultural, adquire o ingresso de forma presencial, correndo o risco de que todos os ingressos já tenham sido vendidos em meio virtual, enfrentando filas e deslocamentos. Assim, não fosse a restrição da liberdade contratual bastante para macular a validade da cobrança da taxa de conveniência, por violação da boa-fé objetiva, esses fatores adicionais agora enumerados também têm o condão de modificar substancialmente o cálculo da proporcionalidade das prestações envolvidas no contrato, não sendo mais possível vislumbrar o equilíbrio pretendido pelas partes no momento da contratação ou eventual vantagem ao consumidor com o oferecimento conjunto dos serviços. Por fim, o serviço de intermediação apresenta mais uma peculiaridade: a de que não há declaração clara e destacada de que o consumidor está assumindo um débito que é de responsabilidade do incumbente – produtor ou promotor do espetáculo cultural – não se podendo, nesses termos, reconhecer a validade da transferência do encargo (assunção de dívida pelo consumidor). Verifica-se, portanto, da soma desses fatores, o desequilíbrio do "contrato, tornando-o desvantajoso ao consumidor enquanto confere vantagem sem correspectivo (sem "sinalagma", do grego, câmbio) ao fornecedor", o que também acaba por vulnerar o princípio da vedação à lesão enorme, previsto nos arts. 39, V, e 51, IV, do CDC. Desse modo, deve ser reconhecida a abusividade da prática da venda casada imposta ao consumidor em prestação manifestamente desproporcional, devendo ser admitido que a remuneração da intermediadora da venda, mediante a taxa de conveniência, deveria ser de responsabilidade das promotores e produtores de espetáculos culturais, verdadeiros beneficiários do modelo de negócio escolhido.

PROCESSO
REsp 1.634.844-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Plano de recuperação judicial. Criação de subclasses. Possibilidade. Parâmetros objetivos. Credores com interesses homogêneos.
DESTAQUE
É possível a criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial, desde que estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando vedada a anulação de direitos de eventuais credores isolados.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Lei n. 11.101/2005, consagra o princípio da paridade entre credores. Apesar de se tratar de um princípio norteador da falência, momento em que o patrimônio do falido será vendido e o produto utilizado para o pagamento dos credores na ordem estabelecida na lei (realização do ativo para o pagamento do passivo), seus reflexos se irradiam na recuperação judicial, permitindo o controle de legalidade do plano de recuperação sob essa perspectiva. Na recuperação judicial, não há realização do ativo para o pagamento dos credores. Em regra, todos os credores serão pagos. Diante disso, o princípio da paridade se aplica "no que couber", como declara o Enunciado nº 81 da II Jornada de Direito Comercial. Significa dizer que deve haver tratamento igualitário entre os credores, mas que pode ocorrer o estabelecimento de distinções entre integrantes de uma mesma classe com interesses semelhantes. Tal fato se justifica pela constatação de que as classes de credores, especialmente a de quirografários, reúnem credores com interesses bastante heterogêneos: credores financeiros, fornecedores em geral, fornecedores dos quais depende a continuidade da atividade econômica, credores eventuais, créditos com privilégio geral, entre outros. Nesse contexto, a divisão em subclasses deve se pautar pelo estabelecimento de um critério objetivo, abrangendo credores com interesses homogêneos, com a clara justificativa de sua adoção no plano de recuperação. Essa providência busca garantir a lisura na votação do plano, afastando a possibilidade de que a recuperanda direcione a votação com a estipulação de privilégios em favor de credores suficientes para a aprovação do plano, dissociados da finalidade da recuperação judicial. Vale lembrar, no ponto, que a recuperação judicial busca a negociação coletiva e não individual, reunindo os credores para tentar a superação das dificuldades econômicas da empresa. Outro ponto que deve ser objeto de atenção é evitar que credores isolados, com realidades específicas, tenham seu direito de crédito anulado com a criação de subclasses.

PROCESSO
REsp 1.574.008-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos - ECT. Prerrogativa de intimação pessoal. Inaplicabilidade. Sistema PJE. Cadastro do advogado feito em nome próprio. Intimação. Validade.
DESTAQUE
É valida a intimação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT realizada na pessoa do advogado cadastrado no sistema PJe.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, convém salientar que o art. 12 do Decreto-Lei n. 509/1969 atribui à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) os privilégios concedidos à Fazenda Pública no concernente, dentre outros, a foro, prazos e custas processuais. Nessa linha, o STF firmou o entendimento, a partir do julgamento do RE 220.907/RO (Segunda Turma, julgado em 12/06/2001, DJ de 31/08/2001), no sentido de que a ECT é empresa pública, prestadora de serviço público, que integra o conceito de Fazenda Pública. No entanto, o art. 12 do Decreto-Lei n. 509/69 não faz qualquer referência à prerrogativa de intimação pessoal quando trata dos "privilégios" concedidos à Fazenda Pública estendidos à ECT. Nessa toada, há de ser salientado que a ECT não é representada judicialmente por órgão da Advocacia Pública, a quem a lei determina seja a intimação realizada pessoalmente, por carga, remessa ou meio eletrônico. Ademais, em se tratando de processo eletrônico, prevê o § 6º do art. 5º da Lei n. 11.419/2006 que as intimações feitas na forma do referido artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais. É dizer, a intimação por meio eletrônico aos devida e previamente cadastrados – nos termos do art. 2º da mesma lei – é tida como pessoal e se considera realizada no dia em que efetivada a consulta eletrônica ao seu teor ou no dia em que escoado o prazo de 10 dias corridos para fazê-lo. Logo, se o advogado, no momento em que ajuizou a ação, fez o cadastro em nome próprio, não pode, posteriormente, alegar a nulidade da intimação realizada na sua pessoa, e não na da entidade que representa, para se eximir da responsabilidade de acompanhar o andamento do processo, a partir da consulta assídua ao sistema PJe.

PROCESSO
REsp 1.724.453-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Agravo de instrumento. Art. 1.015, VII, do CPC/2015. Pedido de exclusão de litisconsorte. Decisão interlocutória de indeferimento. Irrecorribilidade imediata.
DESTAQUE
Não cabe agravo de instrumento contra decisão de indeferimento do pedido de exclusão de litisconsorte.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal é definir se o conceito de "decisões interlocutórias que versarem sobre exclusão de litisconsorte", previsto no art. 1.015, VII, do CPC/2015, abrange somente a decisão que determina a exclusão do litisconsorte ou se abrange também a decisão que indefere o pedido de exclusão. Inicialmente, destaque-se que o CPC/2015 disciplinou, de modo específico, sobre os vícios de que padecerão as sentenças proferidas sem a integração de um litisconsorte: (i) na hipótese de litisconsórcio necessário e unitário, a sentença é nula (art. 115, I); (ii) na hipótese de litisconsórcio necessário e simples, a sentença será ineficaz em relação aos que não foram citados (art. 115, II); (iii) e, em ambas as situações, o não atendimento da ordem judicial que determina a integração do polo passivo para a inclusão dos litisconsortes necessários faltantes acarretará a extinção do processo (art. 115, parágrafo único). Justamente porque a errônea exclusão de um litisconsorte é capaz de invalidar a sentença de mérito, inclusive porque à parte excluída deveria ser facultada a ampla participação na atividade instrutória, é que se admite que a decisão interlocutória com esse conteúdo seja, desde logo, reexaminada pelo tribunal, antes da sentença. Essa é a razão de existir do art. 1.015, VII, do CPC/2015. Todavia, não se verifica a mesma consequência jurídica quando se examina a decisão interlocutória que rejeita excluir o litisconsorte. A manutenção, no processo, de uma parte alegadamente ilegítima não fulmina a sentença de mérito nele proferida, podendo o tribunal, por ocasião do julgamento do recurso de apelação, reconhecer a ilegitimidade da parte e, então, exclui-la do processo. Por mais que o texto legal seja amplo e genérico – realmente, o conceito de "versar sobre" previsto no art. 1.015, caput, do CPC/2015, é bastante elástico e comporta debate sobre a sua real abrangência – a boa hermenêutica não autoriza que se coloque, na mesma hipótese, questões assentadas em premissas teóricas distintas ou que sejam ontologicamente diferentes. Nesse aspecto, sublinhe-se que ambas as decisões interlocutórias poderão ser reexaminadas pelo tribunal, diferenciando-se o momento em que a parte poderá exercer o direito de recorrer (na exclusão, imediatamente por agravo; na manutenção, posteriormente por apelação), o que é lícito, legítimo e justificável. O regime recursal diferenciado criado pelo legislador na hipótese se assentou em razão de um aspecto objetivo da controvérsia (maior gravidade do ato que exclui o litisconsorte em relação ao ato que o mantém). Ademais, quando quis, o CPC/2015 expressamente estabeleceu o cabimento recursal para a hipótese de acolhimento e de rejeição do requerimento da parte, como se verifica, por exemplo, no art. 1.015, IX, que expressamente prevê a recorribilidade imediata da decisão interlocutória que versar sobre a admissão e também sobre a inadmissão de intervenção de terceiros.

PROCESSO
REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Agravo de instrumento. Art. 1.015, I, do CPC/2015. Decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória para fins de recorribilidade imediata. Abrangência.
DESTAQUE
O conceito de "decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória" previsto no art. 1.015, I, do CPC/2015, abrange as decisões que examinam a presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória e, ainda, a necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O art. 1.015, I, do CPC/2015 ("decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória") deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela, porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame da questão em 2º grau de jurisdição. Isso não significa dizer, todavia, que absolutamente toda e qualquer questão relacionada ao cumprimento, operacionalização ou implementação fática da tutela provisória se enquadre no conceito de decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória e, consequentemente, possa ser impugnada de imediato pelo agravo de instrumento. Como exemplo: a necessidade de recolhimento de taxas, despesas ou custas para a implementação da medida deferida. Tais providências, não se relacionam, direta e nem mesmo indiretamente, com a tutela provisória objeto da decisão interlocutória impugnável, mas sim, com a execução, operacionalização e implementação fática da providência que já foi requerida e obtida, descabendo discutir, em âmbito de tutela provisória, a questão relacionada ao fato de a parte beneficiária da tutela arcar com as despesas e, ao final, ser ressarcida pelo vencido, inclusive como decorrência lógica da necessidade de plena reintegração que permeia a tutela jurisdicional efetiva.

PROCESSO
REsp 1.775.812-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO MARCÁRIO
TEMA
Reconvenção. Pedido de nulidade de registros de marca sob o mesmo fundamento da defesa. Posição processual do INPI. Litisconsórcio sui generis. Legitimidade recursal. Aferição para cada ato.
DESTAQUE
O INPI possui legitimidade para recorrer de decisão que extinguiu, sem resolução de mérito, reconvenção apresentada por litisconsorte passivo, na qual se veiculou pedido de nulidade de registro de marca.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Nos termos do art. 175, caput, da Lei n. 9.279/1996, o INPI deve intervir nas ações anulatórias de registro. A participação do INPI, entretanto, não lhe impõe a defesa do ato concessivo do registro por ele praticado. Ao contrário, o interesse jurídico do INPI se distingue do interesse individual de ambas as partes, tendo por objetivo último a proteção da concorrência e do consumidor, direitos essencialmente transindividuais, o que atrai certo temperamento das regras processuais tradicionais da defesa de direitos individuais. Por essa razão, a legitimidade ad causam do INPI, bem como todas as demais situações processuais, dependerá de exame casuístico e particularizado, não se resolvendo por meio da simples aplicação de conceitos consolidados. Nesse sentido, a doutrina moderna vem ressaltando que a apreciação da legitimidade, embora não se tenha libertado da avaliação inicial in status assertionis, deve também levar em consideração as "zonas de interesse" dos sujeitos litigantes, que ora se contrapõem, ora se coincidem e ora se complementam pela atuação baseada sobretudo num interesse social ou público. Desse modo, para além de uma legitimidade ad causam, verificável ab initio, há que se reconhecer uma legitimidade móvel refletida na prática dos atos processuais adequados e necessários à defesa de sua "zona de interesse". A Terceira Turma do STJ já se posicionou no sentido de que o INPI desempenha função própria, mediante intervenção sui generis, nos processos de anulação de registro de marca. Em face disso, nem sempre se comportará como litisconsorte passivo, devendo a sua legitimidade e os consectários da sua atuação processual tomarem em consideração a função efetivamente exercida no caso concreto. Daí se extrai que, sobrevindo ação anulatória de registro, mesmo que o ente estatal não fosse parte na demanda originária, seria impositiva sua participação, podendo, após sua integração no polo passivo da demanda, reposicionar-se em qualquer um dos polos da reconvenção. Essa imposição de intervenção, além de não inviabilizar, por si só, a utilização do instituto da reconvenção, legitima o INPI a impugnar a sentença que a extingue, com ou sem resolução de mérito, e qualquer que tenha sido o resultado do julgamento, devendo o interesse recursal ser avaliado sob a perspectiva da atuação concreta do INPI ao longo da tramitação da reconvenção.