quinta-feira, 28 de maio de 2020

A UTILIZAÇÃO DE MEDIDAS COERCTIVAS ATÍPICAS DO ART. 139, INC. VI, DO CPC NAS AÇÕES DE FAMÍLIA EM TEMPOS PANDÊMICOS E PÓS-PANDÊMICOS

A UTILIZAÇÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS DO ART. 139, INCISO IV, DO CPC NAS AÇÕES DE FAMÍLIA EM TEMPOS PANDÊMICOS E PÓS-PANDÊMICOS
Flávio Tartuce[1]
Notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça, em 22 de maio de 2020, revela que a sua Segunda Seção passou a admitir a utilização de medidas coercitivas atípicas em ações de investigação de paternidade (disponível em http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Juiz-devera-aplicar-medidas-coercit.... Conforme o Tribunal, no caso de pais que se recusam a fornecer material para exame de DNA, o juiz pode fazer uso das medidas coercitivas autorizadas pelo art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, não só contra o réu da ação investigatória, mas contra outros familiares do suposto pai.
No âmbito dos alimentos, tem-se entendido que todas as medidas previstas em lei para a efetivação do recebimento do crédito alimentar, caso da prisão civil do devedor e em regime fechado, estão em rol meramente exemplificativo (numerus apertus), admitindo-se as citadas medidas atípicas, retiradas do art. 139 do CPC/2015, in verbis: “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Sobre esse comando, escreve Daniel Amorim Assumpção Neves, um dos primeiros a defender o uso de medidas como a apreensão do passaporte ou da carteira de motorista do devedor, que "o dispositivo consagra de forma clara o princípio da atipicidade dos meios executivos, e nesses termos não chega a ser uma novidade, considerando-se a aceitação de tal princípio pela doutrina e pela jurisprudência durante a vigência do CPC/1973. A novidade pode ser computada à expressa menção de aplicação do princípio da atipicidade dos meios executivos às execuções de obrigação de pagar quantia certa, em previsão não existente, ao menos não de forma expressa, no diploma processual revogado" (ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. “Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa – art. 139, IV, do Novo CPC”. Publicado na Revista de Processo n. 127, de março de 2017).
A respeito da sua admissão nas ações de alimentos, vejamos importante precedente superior que trata da execução de alimentos e da combinação das medidas executórias:
“Diferentemente do CPC/73, em que vigorava o princípio da tipicidade dos meios executivos para a satisfação das obrigações de pagar quantia certa, o CPC/15, ao estabelecer que a satisfação do direito é uma norma fundamental do processo civil e permitir que o juiz adote todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação de amplo espectro e que rompe com o dogma da tipicidade. Respeitada a necessidade de fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, conformando os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, permite-se, a partir do CPC/15, a adoção de técnicas executivas apenas existentes em outras modalidades de execução, a criação de técnicas executivas mais apropriadas para cada situação concreta e a combinação de técnicas típicas e atípicas, sempre com o objetivo de conferir ao credor o bem da vida que a decisão judicial lhe atribuiu. Na hipótese, pretende-se o adimplemento de obrigação de natureza alimentar devida pelo genitor há mais de 24 (vinte e quatro) anos, com valor nominal superior a um milhão e trezentos mil reais e que já foi objeto de sucessivas impugnações do devedor, sendo admissível o deferimento do desconto em folha de pagamento do débito, parceladamente e observado o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, observando-se que, se adotada apenas essa modalidade executiva, a dívida somente seria inteiramente quitada em 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual se deve admitir a combinação da referida técnica sub-rogatória com a possibilidade de expropriação dos bens penhorados” (STJ, REsp 1.733.697/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.12.2018, DJe 13.12.2018).
Sobre a possibilidade de combinação dos ritos de execução – de prisão e de penhora ou expropriação –, vale destacar o Enunciado n. 32 do IBDFAM, aprovado no seu XII Congresso Brasileiro, realizado em outubro de 2019: “é possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma”. Como não poderia ser diferente, em prol da efetividade e da instrumentalidade, e visando também ao recebimento do crédito pelo alimentando, o enunciado doutrinário teve o meu total apoio naquele evento. De todo modo, resta saber de será viável a sua utilização em tempos pandêmicos e pós-pandêmicos, pela dureza da efetividade da combinação das medidas, ainda mais em uma realidade que revelará a perda considerável de ganhos financeiros e de renda pela sociedade brasileira em geral.
Voltando-se ao tema central deste breve artigo, além da combinação de medidas executórias, tem-se debatido a viabilidade jurídica da apreensão de passaporte ou de carteira de motorista do devedor nas demandas de alimentos, o que tende a ser aplicado também nas ações de investigação de paternidade, na linha do primeiro julgado aqui citado.
Em outro importante precedente, que não dizia respeito a dívida de alimentos, a Corte Superior acabou por não admitir a sua possibilidade no caso concreto, apesar de não afastar a sua viabilidade jurídica, em termos gerais, e analisar importante questão procedimental. Nos termos do aresto que igualmente merece destaque especial em um dos seus trechos:
“O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que têm na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza” (STJ, RHC 97.876/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.06.2018, DJe 09.08.2018).
Merece ser citado, ainda, acórdão da mesma Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça que confirmou decisão inferior de não admissão dessas medidas restritivas em ação específica de alimentos, por entender que não seriam viáveis no caso concreto: "segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu que as medidas de apreensão do passaporte e suspensão da CNH do executado são inadequadas e desproporcionais aos propósitos da credora. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial" (STJ, Ag. Int. no REsp 1805273/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 29.10.2019, DJe 06.11.2019). De todo modo, como se pode perceber, a Corte não fecha as possibilidades para a sua utilização também nesse último acórdão.
O meu entendimento doutrinário vinha sendo no sentido de que no caso dos alimentos familiares o debate ganharia especial magnitude, uma vez que é possível medida até mais severa, qual seja a prisão civil do devedor, em regime fechado. Sendo assim, se é viável o mais é possível o menos, ou seja, a apreensão de documentos com a consequente restrição de direitos, o que acaba sendo medida até menos onerosa e alternativa à restrição da liberdade, e deve ser buscado nestes tempos de COVID-19.
Assim, não vejo óbice para que a apreensão do passaporte ou da carteira de motorista do devedor de alimentos seja efetivada em casos excepcionais, observados os parâmetros constantes do último acórdão. Porém, como derradeira ressalva, resta saber se, superada a pandemia, essas medidas se mostrarão realmente efetivas no caso concreto, especialmente a apreensão do passaporte, pelas dificuldades que serão encontradas nos deslocamentos e nas viagens internacionais, notadamente nos próximos anos. Somente o tempo dirá...

[1] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

sábado, 23 de maio de 2020

RESUMO. INFORMATIVO 670 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 670 DO STJ.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 24/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. Doação. Nulidade. Arts. 145, II, 262 e 1.176, todos do CC/1916.
DESTAQUE
É nula a doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Em se tratando de regime de bens em que os cônjuges possuem a copropriedade do acervo patrimonial que possuíam e que vierem a adquirir na constância do vínculo conjugal, destaca-se, desde logo, a manifesta impossibilidade de que haja doação entre cônjuges casados sob esse regime, na medida em que, se porventura feita a doação, o bem doado retornaria, uma vez mais, ao patrimônio comum amealhado pelo casal.
Conquanto essa matéria não tenha sido amplamente debatida nesta Corte, há antigo precedente exatamente no sentido de que "a doação entre cônjuges, no regime de comunhão universal de bens, é nula, por impossibilidade jurídica do seu objeto" (AR 310/PI, 2ª Seção, DJ 18/10/1993).
Por fim, na vigência do Código Civil de 1916, a existência de descendentes ou de ascendentes excluía o cônjuge sobrevivente da ordem da vocação hereditária, ressalvando-se, em relação a ele, todavia, a sua meação, de modo que, reconhecida a nulidade da doação entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens, deve ser reservada a meação do cônjuge sobrevivente e deferida aos herdeiros necessários a outra metade.
PROCESSO
REsp 1.787.027-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 24/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de mandato. Ausência de reconhecimento de firma da assinatura. Relativização de vícios formais. Autenticidade comprovada por perícia grafotécnica.
DESTAQUE
A ausência do reconhecimento de firma da assinatura do mandante não induz, necessariamente, a nulidade do instrumento particular de mandato.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Nos termos do art. 1.289, §4º, do Código Civil de 1916, "o reconhecimento da letra e firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade, em relação a terceiros".
Embora o respeito à forma prescrita em lei tenha relevância – se assim não fosse, seria desnecessária a existência de previsões legais de cunho essencialmente formal como condições de validade dos negócios jurídicos – é bem verdade que se deve se admitir, ainda que excepcionalmente, a relativização de vícios formais, especialmente aqueles que se podem reputar como menos graves e que sejam insuficientes para comprometer a substância do ato negocial.
No caso, embora não tenha havido, na forma da lei, o reconhecimento de firma da assinatura do mandante do contrato de mandato, qualquer dúvida acerca da autenticidade do documento foi dirimida pela prova pericial grafotécnica.

PROCESSO
REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA
Crime histórico. Pena cumprida. Veiculação futura de matérias jornalísticas sobre o delito. Possibilidade. Direito ao esquecimento. Censura prévia. Não cabimento.
DESTAQUE
Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia cinge-se em analisar os limites do direito ao esquecimento de pessoa condenada por crime notório, cuja pena se encontra extinta.
Inicialmente, importante reconhecer o caráter não absoluto do direito ao esquecimento. Incorporar essa dimensão implica assumir a existência de um aparente conflito no qual convivem, de um lado, o próprio direito ao esquecimento, os direitos à personalidade e à vida privada; e, de outro, a liberdade de manifestação do pensamento, a vedação à censura prévia e o interesse público no cultivo à memória coletiva.
Sob a faceta de projeção da liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de imprensa não se restringe aos direitos de informar e de buscar informação, mas abarca outros que lhe são correlatos, tais como os direitos à crítica e à opinião. Por também não possuir caráter absoluto, encontra limitação no interesse público e nos direitos da personalidade, notadamente à imagem e à honra das pessoas sobre as quais se noticia.
Ademais, a exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional, nos arts. 41, VIII e 202, da Lei n. 7.210/1984 e 93 do Código Penal. Contudo, apesar de haver nítida violação dos mencionados direitos e princípios, apta a ensejar condenação pecuniária posterior à ofensa, inviável o acolhimento da tese do direito ao esquecimento.
Ressalta-se que o interesse público deve preponderar quando as informações divulgadas a respeito de fato criminoso notório forem marcadas pela historicidade, permanecendo atual e relevante para a memória coletiva.
Assim, diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.

PROCESSO
REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Crime histórico. Matéria jornalística. Exposição da vida de terceiros, parentes do autor do delito. Impossibilidade. Ofensa ao princípio da intranscendência.
DESTAQUE
A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, registra-se ser desnecessário adentrar o estudo sobre o direito ao esquecimento, porquanto o esposo e os filhos da autora não se tornaram figuras notórias à época do ato criminoso. Pelo contrário, não tinham nenhum envolvimento ou exposição pública referente ao fato, tendo sido apenas atingidos, posteriormente, devido à relação familiar. Por isso, resta claro que a violação é distinta por afetar terceiros não integrantes do fato histórico rememorado.
Nesse aspecto, a matéria jornalística apresentou ofensa ao princípio da intranscendência, ou da pessoalidade da pena, descrito nos artigos 5º, XLV, da Constituição Federal e 13 do Código Penal. Isso porque, ao expor publicamente a intimidade dos familiares, em razão do crime ocorrido, a reportagem compartilhou dimensões evitáveis e indesejáveis dos efeitos da condenação então estendidas à atual família da ex-condenada.
Especificamente quanto aos filhos, menores de idade, ressalta-se a Opinião Consultiva n. 17, de 28 de agosto de 2002 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entende que o melhor interesse das crianças e dos adolescentes é reconhecido como critério regente na aplicação de normas em todos os aspectos da vida dos denominados "sujeitos em desenvolvimento".
Ademais, a exposição jornalística da vida cotidiana dos infantes, relacionando-os, assim, ao ato criminoso, representa ofensa ao direito ao pleno desenvolvimento de forma sadia e integral, nos termos dos artigos 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente e 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto n. 99.710/1990

QUARTA TURMA
PROCESSO
AgInt no AREsp 1.560.257-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 23/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Honorários advocatícios. Contrato de remuneração exclusivamente por verba sucumbencial. Revogação do mandato. Serviços prestados. Arbitramento judicial da verba honorária. Cabimento.
DESTAQUE
Nos contratos de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a rescisão unilateral pelo cliente justifica o arbitramento judicial de honorários pelo trabalho do causídico até o momento da rescisão contratual.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O STJ tem entendimento firme no sentido de que, nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbenciais, a revogação unilateral do mandato pelo mandante acarreta a remuneração do advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da rescisão contratual.
Observa-se que, nessas hipóteses, o risco assumido pelo advogado é calculado com base na probabilidade de êxito da pretensão de seu cliente, sendo esse o limite do consentimento das partes no momento da contratação. Não é possível que o risco assumido pelo causídico venha a abarcar a hipótese de o contratante, por ato próprio e sem uma justa causa, anular o seu direito à remuneração, rescindindo o contrato.
O cliente pode, sem dúvida, exercer o direito de não mais ser representado pelo advogado antes contratado, mas deve, por outro lado, assumir o ônus de remunerá-lo pelo trabalho desempenhado até aquele momento, sob pena de ser desconsiderado todo o trabalho desempenhado.
Desse modo, é cabível o arbitramento judicial da verba honorária, levando em consideração as atividades desenvolvidas pelo causídico.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

DA NECESSIDADE DE UMA NORMA EMERGENCIAL SOBRE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA. ARTIGO EM COAUTORIA COM JOSÉ FERNANDO SIMÃO E MAURÍCIO BUNAZAR

DA NECESSIDADE DE UMA NORMA EMERGENCIAL SOBRE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA.
Flávio Tartuce[1]
José Fernando Simão[2]
Maurício Bunazar[3]
Tramita no Congresso Nacional - atualmente na Câmara dos Deputados - o Projeto de Lei n. 1.179/2020, proposto pelo Senador Antonio Anastasia, após uma iniciativa do Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. A proposta legislativa cria um "Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)"; e contou com a nossa participação, conjuntamente com outros juristas, liderados pelos Professores Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Xavier Leonardo, que assessoraram os trabalhos legislativos.
Naquela etapa inicial, quando o projeto era debatido no Senado Federal, fizemos sugestões ao texto, algumas delas acatadas, a saber: a) aprimoramento do dispositivo que trata da prescrição e da decadência (art. 3º) e; b) previsão a respeito da prorrogação automática dos mandatos dos síndicos em condomínios edilícios, vencidos no período da pandemia (art. 12, parágrafo único).
Entretanto, entre as sugestões que não foram acolhidas, destacamos a regra geral a respeito da possibilidade da revisão contratual nos contratos de locação urbana. O projeto aprovado traz apenas uma previsão a respeito do afastamento do despejo liminar - permitido pelo artigo 59 parágrafo único da Lei 8.245/1991 -, em algumas hipóteses envolvendo a locação imobiliária (art. 9º). Abaixo, transcrevemos a nossa proposição sobre revisão dos contratos de locação urbana, ao lado da redação original que constava do PL 1.179/2020:
Dispositivo a respeito da locação no PL 1.179/2020, conforme a nossa proposta compartilhada: 
"Art. 10. Os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender o pagamento dos alugueres vencíveis, a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.
§ 1° Na hipótese de exercício da suspensão parcial do pagamento de que trata o caput, o locatário deve garantir o pagamento mínimo mensal de 30% do valor devido, parcelando o restante dos aluguéis pelos seis meses seguintes à data do vencimento.
§ 2° Os locatários deverão comunicar aos locadores o exercício da suspensão previsto no caput.
§ 3º A comunicação prevista no § 2º poderá ser realizada por qualquer ato que possa ser objeto de prova lícita.
§ 4º O disposto neste artigo aplica-se às locações não residenciais de imóveis destinados à atividade empresarial exercida por empresários individuais, empresas individuais de responsabilidade limitadas e por sociedades empresariais qualificadas como micro empresas e empresas de pequeno porte
§ 5º. O juiz deverá levar em consideração a condição econômico-financeira do locador para, se for o caso, deixar de aplicar o disposto neste artigo ou mitigar equitativamente sua aplicação".
Dispositivo a respeito da locação no PL 1.179/2020, na sua redação original: 
"Art. 10. Os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.
§ 1° Na hipótese de exercício da suspensão do pagamento de que trata o caput, os alugueres vencidos deverão ser pagos parceladamente, a partir de 30 de outubro de 2020, na data do vencimento, somando-se à prestação dos alugueres vincendos o percentual mensal de 20% dos alugueres vencidos.
§ 2° Os locatários deverão comunicar aos locadores o exercício da suspensão previsto no caput.
§ 3º A comunicação prevista no § 2º poderá ser realizada por qualquer ato que possa ser objeto de prova lícita"
Nas justificativas que enviamos ao Professor Otávio Luiz Rodrigues, Jr., coordenador da comissão de juristas que atuou no Senado Federal, pontuamos o nosso entendimento conjunto de que a simples suspensão do pagamento dos aluguéis pelos locatários, como constava do projeto, seria excessivamente onerosa aos locadores. Por isso, nos termos do novo § 5º, a situação econômica do locador também deve ser levada em conta e, se for o caso, a moratória deve ser afastada.
Propusemos, ainda, a moratória legal em termos próximos aos do artigo 916 do Código de Processo Civil vigente. Esse plano de pagamento por nós sugerido, por estar previsto na própria lei processual, é interessante, experimentado e aceito pelas partes e magistrados, já havendo larga experiência quanto à sua efetivação, e pode, portanto, ser aplicado para outras esferas, como por exemplo nas locações.
Também sugerimos a inclusão de preceito segundo o qual a regra incidiria para a locação não residencial, desde que exercida por empresários individuais, empresas individuais de responsabilidade limitadas e por sociedades empresariais qualificadas como micro empresas e empresas de pequeno porte. O objetivo seria a tutela de pequenos empresários locatários, dando-lhes a oportunidade de fazer uso da moratória legal, se for o caso.
Essas sugestões acabaram por se acatadas pela comissão de juristas que auxiliava o Senado Federal para a aprovação do projeto. Todavia, infelizmente, a proposição - artigo 10 do projeto -, acabou por ser retirada pelo próprio Senador Anastasia e também pela Relatora, Senadora Simone Tebet. A retirada deveu-se à preocupação dos senadores mencionados com a situação dos locadores, que poderiam vir a ser prejudicados economicamente ao não receberem a integralidade do que lhes é devido.
No entanto, a realidade que se revela neste curto período de crise é a da existência de inúmeras demandas ajuizadas por inquilinos pleiteando ora a redução do valor dos alugueres, ora a cessação integral da obrigação de pagar. À falta de uma norma legal que forneça critérios objetivos e, por isso seguros aos magistrados, o que se vê são decisões muito divergentes entre si, o que colabora para a criação de um ambiente de insegurança jurídica e de incremento de conflitos.
Se dúvida havia sobre a necessidade de uma lei disciplinado especificamente a questão da locação em tempos de pandemia, a realidade fática superou essa dúvida. Em pesquisa realizada no portal Jusbrasil no dia 8 de maio de 2020, em ferramenta que propicia o encontro de julgados que mencionam os termos não só nas suas ementas como também nos corpos das decisões, foram encontrados 182 resultados com as expressões "locação" e "pandemia"; e 149 resultados com "locação" e "Covid". Pontue-se que tal pesquisa elenca não só decisões de segundo como de primeiro grau.
Entre essas, como já apontado, existe uma grande variação nas conclusões dos julgadores, notadamente em sede de cognição sumária, para a concessão ou não de tutelas provisórias. De início, afastando-se a concessão de medidas de urgência para a suspensão ou redução dos pagamentos de aluguéis, destacamos, somente para ilustrar:
"LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. AÇÃO REVISIONAL. PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO OU REDUÇÃO DO VALOR DA LOCAÇÃO EM RAZÃO DA PANDEMIA DECORRENTE DO COVID-19. Requisitos ausentes. INDEFERIMENTO. Manutenção da decisão recorrida. Ausentes os requisitos legais do art. 300 do CPC, o indeferimento da tutela provisória de urgência é medida que se impõe. RECURSO DESPROVIDO" (TJSP, Agravo de instrumento n. 2070513-61.2020.8.26.0000, Acórdão n. 13513877, São José dos Campos, Vigésima Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Antonio Nascimento, julgado em 28/04/2020, DJESP 05/05/2020, pág. 2236).
"LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA DESTINADA A SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DOS ALUGUÉIS EM FACE DA QUARENTENA DECORRENTE DA PANDEMIA POR COVID-19. DESCABIMENTO. Moratória que pelo regime legal não pode ser imposta ao credor pelo Juiz, devendo decorrer de ato negocial entre as partes ou por força de especial disposição legal. Evocação. Do caso fortuito e força maior que tampouco autoriza aquela medida. Cabimento, porém, da vedação à extração de protesto de título representativo do crédito por aluguéis. Recurso parcialmente provido". (TJSP, Agravo de instrumento n. 2063701-03.2020.8.26.0000, Acórdão n. 13459046, São Paulo, Trigésima Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Arantes Theodoro, julgado em 06/04/2020, DJESP 13/04/2020, pág. 1824).
Outros julgados e decisões, porém, concedem as medidas pleiteadas, com redução de percentuais dos aluguéis que variam de 20% a 50% do valor pago, enquanto durara pandemia. Mais uma vez somente a ilustrar, cite-se decisum da 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal Paulista que, em 6 de maio, reformou decisão de primeiro grau que havia indeferido a concessão da tutela provisória, e que restou assim ementada:
"Locação comercial. Tutela de urgência. Pandemia por COVID19. Redução do valor do aluguel em face da proibição à abertura do estabelecimento comercial. Fato do príncipe que corresponde à figura da força maior. Artigo 317 do Código Civil que autoriza nesses casos a readequação do valor da contraprestação. Redução em 50% que se mostra razoável enquanto persistir aquela proibição. Recurso provido" (TJSP, Agravo de instrumento n. 20817534720208260000, Relator Des. Arantes Theodoro, data de julgamento: 06/05/2020, 36ª Câmara de Direito Privado).
Também existem decisões, em sede de locação em "shopping center", que determinam o pagamento de valores mínimos, diante da ausência de atividades no local, como outra do Tribunal Paulista, em que se concedeu tutela provisória de urgência para o pagamento apenas do "aluguel percentual". Como consta do trecho de sua ementa, que novamente cita o art. 317 da codificação privada, "pela análise dos elementos constantes nos autos, em juízo de cognição sumária, considerando a relação continuada de locação, o fechamento do shopping devido à pandemia e os dados apresentados, cabe, a priori, observar a teoria da imprevisão, nos termos do art. 317 do CC, sopesando os valores sociais em conflito. Assim, estão preenchidos os requisitos necessários para concessão da tutela de urgência em relação ao pagamento temporário de 'aluguel percentual' até ulterior deliberação, mantidos os pagamentos das despesas de condomínio e demais encargos" (TJSP, Agravo de instrumento n. 20670017020208260000, Relator Des. Kioitsi Chicuta, data de julgamento: 23/09/2016, 32ª Câmara de Direito Privado).
Como dissemos anteriormente, as decisões já passam de uma centena, em pouco mais de dois meses, sendo desnecessário mencionar outros julgados, uma vez que a finalidade deste artigo é reforçar a conveniência de uma norma jurídica que traga algum critério objetivo para a resolução das disputas locatícias, que devem se avolumar nos próximos meses, e também depois que passar o primeiro surto da pandemia.
Em não havendo norma jurídica específica, os julgadores serão obrigados a decidir com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito - como determina o artigo 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro -, o que, não raro, conduz a julgamentos de equidade, por definição, imprevisíveis e inseguros. A nossa opinião é que é necessário se garantir uma coerência decisória por meio de um parâmetro lega de modo a evitar o colapso do regime contratual da locação por disparidade de decisões em casos idênticos.
Espera-se, assim, que o Congresso Nacional aproveite a tramitação do PL 1.179/2020 para regulamentar a questão premente das locações imobiliárias e trazer um mínimo de certeza e de segurança para locadores e locatários. Se por um lado são louváveis as ponderações de parte da doutrina no sentido de se privilegiar "análise do caso concreto”, por outro a experiência mostra que esse espaço de conformação deixado ao magistrado é fonte de grandes instabilidades, como já se viu em inúmeras experiências do Direito Contratual Brasileiro.
Como palavras finais, não se pode negar que uma norma jurídica tratando do tema traria maior certeza para a tese que ora se propõe, devendo a temática ser debatida pela comunidade jurídica nacional nestes duros tempos, de "escolhas trágicas".

sábado, 9 de maio de 2020

RESUMO. INFORMATIVO 669 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 669 DO STJ.
CORTE ESPECIAL
PROCESSO
Rcl 36.476-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Recurso especial repetitivo. Controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ. Reclamação. Não cabimento.
DESTAQUE
Não cabe reclamação para o controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de "casos repetitivos", os quais, conforme o disposto no art. 928 do mesmo Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos.
Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/2015, o art. 988, IV, foi modificado pela Lei n. 13.256/2016: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de "casos repetitivos" foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele.
Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma Lei n. 13.256/2016, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade – consistente no esgotamento das instâncias ordinárias – à hipótese que acabara de excluir.
Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC n. 95/1998, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 13.256/2016, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação.
De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que foi editada a Lei n. 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.
Outrossim, a admissão da reclamação, na hipótese em comento, atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios.
Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo mediante julgamento por amostragem, a interpretação da lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto.
Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/2015.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
REsp 1.841.960-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por maioria, julgado em 12/02/2020, DJe 13/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Honorários advocatícios sucumbenciais. Sentença posterior ao pedido recuperacional. Natureza extraconcursal. Não sujeição ao plano de recuperação judicial.
DESTAQUE
O crédito de honorários advocatícios sucumbenciais constituído após o pedido de recuperação judicial não está submetido ao juízo recuperacional, ressalvando-se o controle dos atos expropriatórios pelo juízo universal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se os créditos decorrentes de honorários sucumbenciais, oriundos da improcedência de embargos à execução opostos anteriormente ao pedido de recuperação judicial, mas cuja condenação e trânsito em julgado da sentença se deram após o pleito recuperacional, devem se submeter, ou não, ao plano de soerguimento.
A Terceira Turma possui entendimento vacilante sobre o tema, inicialmente equiparando os honorários sucumbenciais surgidos posteriormente à sentença, em desfavor da empresa recuperanda, a créditos trabalhistas e submetendo-os aos efeitos da recuperação judicial.
De outra parte, a Quarta Turma e a Segunda Seção desta Corte Superior possuem entendimento predominante no sentido de reconhecer que os honorários sucumbenciais surgidos posteriormente ao pleito de recuperação judicial da empresa devedora não se sujeitam aos efeitos do processo de soerguimento – são créditos extraconcursais –, incumbindo ao juízo da recuperação exercer o controle dos atos expropriatórios na execução particular, entendimento, aliás, que foi adotado pela Terceira Turma em seu julgamento mais recente sobre a questão (Aglnt nos EDcl no REsp 1.649.186/RS, DJe 30/8/2019).
A Corte Especial do STJ, no julgamento do EAREsp 1.255.986/PR em decisão unânime, concluiu que a sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais) é o ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Dessarte, em exegese lógica e sistemática, se a sentença que arbitrou os honorários sucumbenciais se deu posteriormente ao pedido de recuperação judicial, o crédito que dali emana, necessariamente, nascerá com natureza extraconcursal, já que, nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, sujeitam-se ao plano de soerguimento os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos, e não os posteriores. Por outro lado, se a sentença que arbitrou os honorários advocatícios for anterior ao pedido recuperacional, o crédito dali decorrente deverá ser tido como concursal, devendo ser habilitado e pago nos termos do plano de recuperação judicial.
Outrossim, equivocado o raciocínio desenvolvido no sentido de que a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais ensejaria a sua submissão ao plano de soerguimento, posto que equiparados às verbas trabalhistas. Como é cediço, o que define se o crédito integrará o plano de soerguimento é a sua natureza concursal ou extraconcursal. Dessarte, é inequívoco que há créditos de natureza alimentar e/ou trabalhistas na seara dos concursais (os quais estarão sujeitos à recuperação judicial) e dos extraconcursais.
Isto é, independentemente da natureza, a jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que aqueles créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial não estarão sujeitos ao plano eventualmente aprovado, nos termos do artigo 49 da Lei n. 11.101/2005
É de se ter, ademais, que o Juízo universal da recuperação é o competente para decidir acerca da forma de pagamento dos débitos da sociedade empresária constituídos até aquele momento (art. 49). Por conseguinte, os créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial ficarão excluídos dos seus efeitos.
Tal regra funciona como uma espécie de prêmio/compensação para aqueles que, assumindo riscos, vierem a colaborar para a superação de crise, justamente porque, numa legislação vocacionada ao saneamento financeiro de empresa em crise, será inócua se não contemplar privilégios especiais àqueles que, assumindo riscos, colaboraram efetivamente para o soerguimento da empresa deficitária.
No entanto, deve ser feita uma ressalva. Na linha do raciocínio anterior os credores da empresa em recuperação necessitam de garantias para que o crédito possa fluir com maior segurança em benefício da recuperanda e para que o próprio soerguimento da empresa não fique prejudicado. Tais credores são, notadamente, os fornecedores (e, de um modo geral, credores negociais) e os trabalhadores de seu quadro, quem, efetivamente, mantêm relações jurídicas com a empresa em recuperação e contribuem para seu soerguimento. Daí a importância de tais créditos permanecerem livres das amarras do plano de recuperação judicial. Caso contrário, não haverá quem queira celebrar contrato com a recuperanda.
Desse modo, parece que tal raciocínio não pode ser puramente aplicado a todo e qualquer crédito pelo só fato de ser posterior ao pedido de recuperação judicial, sob pena de completa inviabilização do cumprimento do plano. Somente aqueles credores que, efetivamente, contribuíram com a empresa recuperanda nesse delicado momento - como é o caso dos contratantes e trabalhadores - devem ser tidos como os destinatários da norma.
Ademais, utilizando-se do raciocínio que guia o art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, mesmo os credores cujos créditos não se sujeitam ao plano de recuperação não podem expropriar bens essenciais à atividade empresarial, na mesma linha do que entendia a jurisprudência quanto ao crédito fiscal, antes do advento da Lei n. 13.043/2014.
Portanto, o crédito de honorários advocatícios sucumbenciais constituído após o pedido recuperacional não se sujeita ao plano de soerguimento e as execuções prosseguem, mas o juízo universal deve exercer o controle sobre atos constritivos de patrimônio, aquilatando a essencialidade do bem à atividade empresarial.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
AgInt no REsp 1.843.073-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 30/03/2020, DJe 06/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Pagamento em parcelas. Imputação do pagamento. Juros. Possibilidade. Ausência de óbice contratual.
DESTAQUE
No pagamento diferido em parcelas, não havendo disposição contratual em contrário, é legal a imputação do pagamento primeiramente nos juros.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A imputação dos pagamentos primeiramente nos juros é instituto que, via de regra, alcança todos os contratos em que o pagamento é diferido em parcelas, porquanto tem por objetivo diminuir a oneração do devedor, evitando-se que os juros sejam integrados ao capital para somente depois abater o valor das prestações, de modo a evitar que sobre eles incida novo cômputo de juros.
Nessa linha é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, admitindo a utilização do instituto quando o contrato não disponha expressamente em contrário.
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito do RE 592.377/RS (tema em repercussão geral 33), firmou o entendimento no sentido de que o art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/2001, assentindo a capitalização mensal de juros no sistema financeiro, não padece de inconstitucionalidade, na medida em que preenche os requisitos exigidos no art. 62 da Constituição da República.
PROCESSO
REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Alimentos. Pensionamento por ex-cônjuge. Binômio necessidade-possibilidade. Desoneração. Consideração de outras circunstâncias.
DESTAQUE
A desoneração dos alimentos fixados entre ex-cônjuges deve considerar outras circunstâncias, além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
É cada vez mais firme o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges têm caráter excepcional e transitório, salvo quando presentes particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa, a impossibilidade de (re)inserção no mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira.
Com efeito, há algum tempo, a Terceira Turma do STJ vem reafirmando que "os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados com termo certo, a depender das circunstâncias fáticas próprias da hipótese sob discussão, assegurando-se, ao alimentado, tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento".
Além disso, tem-se afirmado que, "se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos" (REsp 1.205.408/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011).
Isso porque, nas palavras do eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, "a fixação de alimentos depende do preenchimento de uma série de requisitos e não pode decorrer apenas do decurso do tempo. A idade avançada ou a fragilidade circunstancial de saúde da ex-esposa, fatos inexistentes quando da separação, não podem ser imputados ao recorrente, pois houve tempo hábil para se restabelecer após o divórcio, já que separada faticamente do recorrente há quase duas décadas" (REsp 1.789.667/RJ, TERCEIRA TURMA, DJe 22/08/2019).
Assim, outras circunstâncias devem ser examinadas no julgamento de demandas desse jaez, tais como a capacidade potencial para o trabalho do alimentando, bem assim o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração.
PROCESSO
EDcl no AgInt no AREsp 1.510.568-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/03/2020, DJe 30/03/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Tempestividade recursal. Ocorrência de ponto facultativo embasado em ato do Poder Executivo Estadual. Necessidade de comprovação da ausência de expediente forense.
DESTAQUE
A alegação da ocorrência de ponto facultativo embasada em ato do Poder Executivo Estadual não é capaz, por si só, de comprovar a inexistência de expediente forense para aferição da tempestividade recursal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A jurisprudência desta Corte entende que a existência de feriado, de recesso forense ou ponto facultativo local que ocasione a suspensão do prazo processual necessita de comprovação por documento idôneo, ou seja, cópia da lei, ato normativo ou certidão exarada por servidor habilitado.
Contudo, a simples juntada de ato emanado pelo Poder Executivo Estadual, lei e decreto estaduais, determinando ponto facultativo nas repartições públicas estaduais, por si só, não comprova a inexistência de expediente forense para aferição da tempestividade do recurso, em razão da desvinculação administrativa e da separação entre os Poderes.
Da mesma forma, a juntada de calendário extraído de páginas da internet não é meio idôneo para comprovação da tempestividade recursal.
Desse modo, caberia à recorrente, no momento da interposição recursal, fazer a juntada de documento idôneo, o qual, no caso, consistia no inteiro teor do Aviso do tribunal estadual, a fim de vincular a decretação do feriado nas repartições públicas estaduais com a suspensão dos prazos pela Corte de Justiça.

PROCESSO
AgInt no REsp 1.667.308-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 30/03/2020, DJe 01/04/2020
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Impugnação do valor da causa. Acolhimento posterior à decisão de mérito da causa principal. Mera irregularidade. Nulidade. Inexistência.
DESTAQUE
O acolhimento da impugnação do valor da causa em momento posterior à decisão que julgou o mérito da causa principal não gera nulidade do processo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Primeiramente, a prolação da decisão de acolhimento da impugnação do valor da causa em momento posterior à decisão que julgara o mérito da causa principal constitui mera irregularidade, não gerando prejuízo suficiente para decretação da nulidade do processo.
Ademais, ante o princípio da instrumentalidade, atinge seu fim o recolhimento posterior das custas, sem que para tanto seja necessária a decretação da nulidade do ato.
Por fim, não se vislumbra prejuízo suficiente para a parte atingida pela irregularidade, pois o recolhimento das custas pode se dar de forma posterior, tendo por norte o fato de que o princípio da instrumentalidade das formas anda sempre de mãos dadas com o princípio da primazia da resolução de mérito.