quarta-feira, 31 de maio de 2023

O CANCELAMENTO DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS INSERIDAS NO TESTAMENTO E NA DOAÇÃO

 O CANCELAMENTO DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS INSERIDAS NO TESTAMENTO E NA DOAÇÃO

Flávio Tartuce[1]

Como é notório, o art. 1.848 do Código Civil trata das cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, que podem constar do testamento, gravando bens da legítima. Como está no caput desse comando, “salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima”. As restrições são comuns na prática, não só em atos de manifestação de última vontade como também em doações.

As próprias cláusulas, em si mesmas, sempre foram objeto de ressalvas e censuras na doutrina, especialmente pelas duras restrições existentes ao direito de propriedade e à liberdade individual. Da obra de Carlos Alberto Dabus Maluf podem ser retiradas, com minúcias, objeções práticas, econômicas e constitucionais, especialmente à cláusula de incomunicabilidade, que impede a desejável plena circulação dos bens (Cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. 4. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 35-41). Adotando esse caminho, Maria Berenice Dias afirma que “é flagrante a afronta à garantia constitucional do direito à herança, a possibilidade de serem impostas cláusulas restritivas ao direito de propriedade do herdeiro necessário. Praticamente o transforma em mero usufrutuário dos bens que lhe pertencem” (Manual das sucessões. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 283).

Com o devido respeito, não vejo inconstitucionalidades às claras nas estipulações restritivas que podem clausular a herança, pois entendo que igualmente decorrem da tutela da herança como direito fundamental e da liberdade individual do instituidor, como incremento da dignidade humana nas relações privadas. Em muitas situações concretas, é com o intuito de proteger o herdeiro ou a própria família – base da sociedade, com especial proteção do Estado, na dicção do art. 226, caput, da CF/1988 – que as cláusulas são impostas, conforme se depreende da doutrina de ontem e de hoje que analisa a matéria. Nesse contexto, pode-se dizer que o próprio legislador ponderou os direitos envolvidos e resolveu manter tais restrições no sistema civilístico nacional. Em reforço, a instituição da exigência da justa causa acabou por diminuir o impacto social das cláusulas restritivas testamentárias.

Todavia, tenho refletido se já não é o momento de retirar as categorias da lei geral privada, até pelo arcaísmo que os institutos representam e pelas dificuldades que as restrições, sobretudo a inalienabilidade, podem gerar para os herdeiros e beneficiados. Valem aqui as palavras de Marcelo Truzzi, no sentido de que o legislador brasileiro de 2002 perdeu a excepcional oportunidade de “voltar a assegurar, em termos absolutos, a intangibilidade da legítima, como ocorre em Itália, Portugal, Argentina, Chile, Peru, Equador e Venezuela” (Justa causa testamentária. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 60). Além disso, se a manutenção do clausulado oferecer sérios embaraços aos herdeiros, não há razão para a manutenção das restrições, como tem lecionado a mesma doutrina. Caso contrário, o testamento e a doação trarão em seu conteúdo um verdadeiro presente de grego, um Cavalo de Troia não desejado também pelo Direito Civil. Esse é o tema central deste breve artigo.

Pois bem, pelo § 2º do art. 1.848 da codificação material, por meio de autorização judicial e havendo a citada justa causa para tanto, é possível a alienação dos bens clausulados, cancelando-se as cláusulas restritivas. Apesar de a lei mencionar expressamente apenas o cancelamento da inalienabilidade, entendo que as outras cláusulas, de incomunicabilidade e impenhorabilidade, também podem ser extintas nos termos do diploma em questão. Para amparar tal afirmação, lembro que, pelo art. 1.911, caput, do Código Civil de 2002 – que reproduz parcialmente a antiga Súmula n. 49 do Supremo Tribunal Federal –, a instituição das cláusulas de inalienabilidade acarreta automaticamente a incomunicabilidade e a impenhorabilidade do bem.

A propósito, o parágrafo único do art. 1.911 complementa o § 2º do art. 1.848, elencando hipóteses de justa causa para o cancelamento das cláusulas restritivas e prevendo que caberá sua extinção quando houver desapropriação de bens clausulados ou quando necessária a alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro. A conveniência econômica do herdeiro ou donatário pode estar associada à função social da propriedade, como ainda será desenvolvido.

Lembro que o sistema do Código Civil de 1916 era bem mais rígido sobre tal cancelamento, estabelecendo o seu art. 1.676 que o cancelamento somente caberia em hipóteses de expropriação por necessidade ou utilidade pública e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis. Entretanto, a jurisprudência anterior já interpretava a norma revogada de forma mais abrandada ou temperada, entendendo que outras hipóteses poderiam ser admitidas para a extinção dos gravames. Novamente como leciona Marcelo Truzzi Otero, “antes mesmo da vigência do Código Civil, os Tribunais flexibilizavam o rigor do artigo 1.676 do Código revogado que, à evidência, depunha contra os interesses do herdeiro e da sociedade na medida em que fazia prevalecer a vontade individual do testador em detrimento dos interesses coletivos na circulação da riqueza” (Justa causa testamentária. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 176). A título de exemplo, essa flexibilização foi feita no seguinte aresto superior:

“CIVIL E PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE VITALÍCIA – CANCELAMENTO – VIOLAÇÃO AO ARTIGO 1.109 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 356/STF – RECURSO NÃO CONHECIDO. (...). 2 – O Tribunal a quo, apenas ad argumentandum, ao analisar o caso, conferiu ao art. 1.676, do CC de 1916, a interpretação que considerou mais razoável, permitindo, inclusive – afora as hipóteses de desapropriação por necessidade ou utilidade pública e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade –, a alienação do citado lote de ações clausuladas, tendo em vista a necessidade premente da requerente, desde que o preço obtido fosse, integral e simultaneamente, empregado na aquisição de um bem imóvel ou de títulos da dívida pública, de igual valor ou superior à cotação das mesmas, ou, ainda, levado a depósito em caderneta de poupança, nos quais ficariam sub-rogados os encargos. Logo, inexistiu qualquer ofensa ao art. 1.109, do CC. (...)” (STJ, REsp 373.282/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 10.08.2004, DJ 30.08.2004, p. 291).

Em suma, as corretas interpretações dadas ao então art. 1.676 do Código Civil de 1916 já indicavam que, se presente uma justa causa no caso concreto, as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade deveriam ser reputadas como extintas ou canceladas. Como tenho sustentado, a exigência da justa causa dá uma abertura maior, de natureza objetiva, para o afastamento das restrições testamentárias.

A verdade é que existem dois caminhos interpretativos sobre o cancelamento das cláusulas restritivas. O primeiromais rígido, apegado ao rigor formal e adotado em alguns Tribunais Estaduais, somente admite esse cancelamento em casos excepcionalíssimos, e nos exatos termos do texto legal. O segundo, mais funcionalizado e flexível, e menos formalista, tem abrandado esse rigor, sobretudo diante da aplicação da função social da propriedade. Essa última tem sido a interpretação prevalecente no Superior Tribunal de Justiça e a que deve ser adotada para os devidos fins práticos.

Como primeiro aresto a ser citado, e com essa segunda solução, entendeu a Terceira Turma da Corte que, “se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade” (STJ, REsp 1.158.679/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.04.2011, DJe 15.04.2011). O decisum demonstra que, em casos de penúria do beneficiado, as cláusulas restritivas devem ser mitigadas, sobretudo a de inalienabilidade, que veda a transmissão onerosa ou gratuita do bem a terceiros, como a sua venda. Também a ser destacado, entendeu a mesma composição da Corte, em aresto de 2014:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE. PEDIDO DE CANCELAMENTO. 1 – Pedido de cancelamento de cláusula de inalienabilidade incidente sobre imóvel recebido pelo recorrente na condição de herdeiro. 2 – Necessidade de interpretação da regra do art. 1.676 do CC/16 com ressalvas, devendo ser admitido o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representar lesão aos seus legítimos interesses. 3 – Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 4 – Recurso especial provido por maioria, vencida a relatora” (STJ, REsp 1.422.946/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 05.02.2015).

Em seu voto prevalecente, pontuou o saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino que “a eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, proferiu voto no sentido de negar provimento ao recurso especial, para manter o acórdão recorrido, por não ter o recorrente apresentado situação excepcional, que justifique o levantamento da restrição quanto ao restante do bem. Com a devida vênia, divirjo da eminente Relatora para dar provimento ao recurso especial, entendendo que o cancelamento da restrição deve alcançar a totalidade do imóvel. Este Superior Tribunal já se manifestou acerca da necessidade de se interpretar a regra do art. 1.676 do Código Civil de 1916 com ressalvas, devendo ser admitido o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representar lesão aos seus legítimos interesses. (...). A cláusula de inalienabilidade representa uma severa restrição ao direito de propriedade, pois impede que o proprietário exerça um dos poderes inerentes ao domínio: o de dispor livremente do bem. Em alguns casos, – deve-se reconhecer – ela vai ao encontro da intenção do autor da herança de assegurar aos descendentes um substrato financeiro que lhes garanta uma vida confortável, como na hipótese de prodigalidade. Tais casos, contudo, constituem exceção à regra de que a cláusula de inalienabilidade na sucessão hereditária representa afronta ao livre exercício do direito de propriedade dos herdeiros” (STJ, REsp 1.422.946/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 05.02.2015).

Na sequência, o Relator para o Acórdão demonstra as ressalvas doutrinárias a respeito das restrições em estudo, outrora mencionadas, feitas por Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery e Orlando Gomes, concluindo que a cláusula de inalienabilidade vitalícia constante de testamento deveria ser cancelada, pois os pais do beneficiado tinham a intenção não de proteger o prédio clausulado – com grande valor histórico –, mas sim de proteger o patrimônio de sua prole, “sem que houvesse, ao menos em princípio, um motivo específico para tanto. Segundo o recorrente, a manutenção do imóvel, localizado no município de Conselheiro Lafaiete/MG, tem sido um pesado fardo, pois, por residir no Estado de São Paulo, não tem qualquer interesse em preservar o bem em seu patrimônio. O recorrente afirma, ademais, dispor de recursos financeiros suficientes para proporcionar, a ele e a sua família, uma vida confortável, do que não se pode duvidar, considerando tratar-se de pessoa plenamente capaz, exercendo a profissão de engenheiro, conforme declarado na petição inicial”. Nesse contexto, concluiu o julgador, em seu voto, que o cancelamento da cláusula deveria recair sobre a totalidade do bem, por haver lesão ao exercício do direito de propriedade e à sua função social (REsp 1.422.946/MG).

O Ministro Marco Buzzi acabou por seguir tal forma de interpretar o Direito Privado, citando expressamente a função social da propriedade para suas deduções de cancelamento da cláusula de inalienabilidade:

“É possível afirmar-se que, em determinados casos, como o que ora está em discussão, mostra-se perfeitamente adequado mitigar a imposição dessa cláusula restritiva e liberar o bem clausulado para lhe proporcionar o melhor e mais amplo aproveitamento social e econômico. A solução proposta pela divergência traduz/atrai tranquilidade social, especialmente em relação ao recorrente que, embora proprietário desse imóvel, por força da cláusula restritiva, agregada ao tombamento do bem, teve drasticamente diminuída a sua utilização enquanto beneficiário da herança deixada por seus genitores. Assim, a cláusula imposta pelos genitores do recorrente – que, em vez de proteger o herdeiro, apresenta-se como fator de lesividade aos seus interesses – por impossibilitar qualquer aproveitamento do patrimônio imobiliário – descumpre o ditame máximo da função social da propriedade (artigo 5º, inciso XXIII, da CF), uma vez afastada a sua utilidade ante a inviabilidade de sua comercialização e consequente geração de riqueza, deixando de proporcionar para o ora insurgente e para toda a coletividade a sua necessária destinação social e econômica” (STJ, REsp 1.422.946/MG, Voto do Ministro Marco Buzzi).

Essa mesma e correta posição foi adotada, posteriormente, pela Corte Superior, em outro julgado igualmente impactante, também relatado pelo saudoso Ministro Sanseverino, que concluiu pelo cancelamento da cláusula restritiva de inalienabilidade em caso de doação. A extinção do gravame foi deferida pelo fato de que haviam se passado mais de vinte anos do ato de liberalidade, não havendo mais justa causa na sua manutenção. Nos seus termos exatos, “a doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1.848 do CCB, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade. (...). Possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. (...). Interpretação do art. 1.848 do Código Civil à luz do princípio da função social da propriedade” (STJ, REsp 1.631.278/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 19.03.2019, DJe 29.03.2019).

A posição doutrinária é exatamente a mesma dos acórdãos colacionados, tendo o meu total apoio. Como corretamente pontuam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald a respeito do levantamento da sub-rogação do gravame, é “possível o levantamento ou sub-rogação da cláusula restritiva imposta pelo testador em situações excepcionais, como em casos de perigo de perecimento da coisa, para garantir a utilidade do bem ou mesmo para assegurar a dignidade do titular do patrimônio. Enfim, trata-se de imperativa leitura das cláusulas restritivas sob a ótica civil-constitucional, visando o respeito integral aos princípios constitucionais. Efetivamente, não teria sentido garantir a alguém patrimônio privando, contudo, de conferir ao titular a devida utilidade, mesmo quando necessário para a sua sobrevivência” (Curso de direito civil. São Paulo: Atlas, 2015. v. 7: Sucessões. p. 390). Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho igualmente se posicionam, aduzindo: “parece-nos plenamente razoável defender-se, em situações excepcionais, a eventual possibilidade de revogação de tais cláusulas, com a finalidade de imprimir função social à propriedade e de preservar a dignidade da pessoa do proprietário, o que tem encontrado guarida na jurisprudência” (Novo curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 7: Direito das sucessões. p. 346). Por fim, sem prejuízo de muitos outros doutrinadores, Marcelo Truzzi Otero, em sua exímia obra, segue exatamente a mesma posição, elencando exemplos em que cabe a extinção dos gravames, entre os quais a comum situação de oferecimento de imóvel rural para obter crédito agrícola, concretizando a função social da propriedade:

“Pelas mesmas razões, a autorização para alienar ou desonerar o imóvel gravado de impenhorabilidade atende a conveniência do herdeiro ou legatário que pretende utilizar os recursos para quitar as mensalidades da faculdade ou de curso de pós-graduação, assegurando-lhe, futuramente, o exercício de uma profissão e, mais do que isso, preservar-lhe a própria dignidade; o mesmo se dá para quitar crédito educativo; para oferecer o próprio imóvel em garantia do crédito para custeio agrícola, sem o que o imóvel doado ou herdado não cumprirá a função social, considerando a carência de recursos financeiros do herdeiro ou legatário para fazê-lo produtivo; ou, ainda, para permitir ao herdeiro necessário ou seu parente próximo submeter-se a tratamento estético para a correção de imperfeição física ultrajante” (Justa causa testamentária. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 178).

A função social da propriedade – além de constar como direito fundamental no art. 5º, inc. XXIII, da Constituição Federal de 1988 – foi inserida expressamente no art. 1.228, § 1º, do Código Civil de 2002, segundo o qual “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. A função social do domínio, na visão de Léon Duguit – e na linha do que foi adotado pelo nosso Texto Maior e pelo Código Civil brasileiro –, compõe o próprio direito de propriedade.

Como palavras finais para este artigo, conforme explica Carlos Alberto Dabus Maluf, “a propriedade já não é o direito subjetivo do indivíduo, mas uma função social a ser exercida pelo detentor da riqueza”. Ainda segundo o Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, “ao antigo absolutismo do direito, consubstanciado no famoso jus utendi et abutendi, contrapõe-se, hoje, a socialização progressiva da propriedade – orientando-se pelo critério da utilidade social para maior e mais ampla proteção aos interesses e às necessidades comuns” (Limitações ao direito de propriedade. 3. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 73-74). No contexto dessas afirmações é que se enquadram as decisões do Superior Tribunal de Justiça, irreparáveis e corretas tecnicamente, na minha opinião doutrinária.

 


[1] Pós-Doutor e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

RESUMO. INFORMATIVO 776 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 776 DO STJ. 30 DE MAIO DE 2023.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

EREsp 1.559.348-DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Alienação fiduciária. Transmissão condicional da propriedade. Bem de família dado em garantia.

DESTAQUE

A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário.

Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

Esta Corte Superior, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018).

Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis.

Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a "impenhorabilidade" do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a "alienabilidade" do bem.

Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: "a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário" (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019).

Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.


Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 635

· Informativo de Jurisprudência n. 664

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.026.425-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 25/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Menor sob guarda judicial. Equiparação a filho. Inscrição em plano de saúde. Inclusão como dependente natural do guardião. Possibilidade.

DESTAQUE

O menor sob guarda judicial do titular de plano de saúde deve ser equiparado a filho natural, impondo-se à operadora a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 2º, I, b, da Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde (ANS) n. 295/2012 estabelece que é dependente "o beneficiário de plano privado de assistência à saúde cujo vínculo contratual com a operadora depende da existência de relação de dependência ou de agregado a um beneficiário titular".

A jurisprudência desta Corte, por sua vez, se consolidou no sentido de que o menor sob guarda é tido como dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários, consoante estabelece o § 3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Inclusive, sob essa perspectiva, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.411.258/RS, pela sistemática dos recursos repetitivos (julgado em 11/10/2017, DJe 21/2/2018 - Tema 732), fixou a tese de que "o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória n. 1.523/1996, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/1997".

Sob essa perspectiva, a Terceira Turma, ao analisar situação análoga à dos autos, equiparou o menor sob guarda judicial ao filho natural, impondo à operadora, por conseguinte, a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião, titular do plano de saúde.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 33, § 3º

Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) n. 295/2012, art. 2º, I, b

Lei n. 9.528/1997

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema 732

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 619

Processo

HC 790.283-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 

Tema

Medida protetiva na modalidade acolhimento institucional. Destituição de poder familiar. Criança em situação de risco. Negligência materna. Tentativas do Juízo da Infância e da Rede Socioassistencial de reintegração na família natural sem êxito. Ausência de adesão da genitora aos acompanhamentos. Resistência injustificada em atender às orientações técnicas. Permanência em abrigo institucional. Caráter temporário. Ilegalidade flagrante. Violação do princípio do melhor interesse e da proteção integral.

DESTAQUE

A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito à legalidade das determinações do Juízo da Infância de suspensão das visitas maternas e de autorização para o início de busca de pretendentes à adoção de criança que, atualmente com 9 anos de idade, está em abrigo institucional há quase 3 anos, sem que ainda tenha sido proferida sentença destituindo o poder familiar de sua genitora.

Toda criança tem o direito de ser criada e educada, prioritariamente, no seio de sua família natural ou extensa e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a sua convivência familiar em ambiente que garanta o seu desenvolvimento e proteção integral (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/1990, arts. 15 e 19). Na análise de questões dessa natureza, a jurisprudência desta Corte Superior, com esse norte, consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento de colocação de menor em abrigo institucional.

No caso, todos os relatórios técnicos apresentados pela Rede Socioassistencial e do Setor Técnico do Juízo, foram unânimes em recomendar que a criança fosse colocada em família substituta o mais rápido possível diante da constatação da impossibilidade de retorno para a família natural, pois ela seria novamente submetida a uma situação de risco (negligência e abandono), na medida em que genitora não teria condições mínimas de assumir os cuidados da filha. O longo período de permanência em abrigo institucional tem trazido problemas de ordem emocional, o que causa preocupação e revela que o seu melhor interesse não está sendo observado com a sua permanência no abrigo, conforme constatou a perícia psicossocial do Juízo da Infância.

Nesse sentido, a duradoura permanência em abrigo institucional é manifestamente prejudicial aos interesses da infante. O art. 163 do ECA dispõe que o procedimento para perda e suspensão do poder familiar deverá ser concluído no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias e, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, caberá ao Juiz dirigir esforços para preparar a criança ou adolescente com vistas à colocação em família substituta. Portanto, no caso, o fato de a ação de destituição do poder familiar dos genitores estar tramitando há mais de 3 anos e não ter sido sentenciada não impede sejam tomadas providências para abreviar o tempo de abrigamento institucional.

A notória inviabilidade de manutenção do poder familiar reclama que, pelo menos, sejam tomadas as providências para início de colocação dela em família substituta. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça - CNJ n. 289, de 14/8/2019, que a respeito da implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, no seu anexo I dispõe acerca da regulamentação técnica, que prevê em seus arts. 3º e 4º que "A colocação de criança ou do adolescente na situação 'apta para adoção' deverá ocorrer após o trânsito em julgado do processo de destituição ou extinção do poder familiar, ou ainda quando a criança ou o adolescente for órfão ou tiver ambos os genitores desconhecidos" . E, ainda, que "O juiz poderá, no melhor interesse da criança ou do adolescente, determinar a inclusão cautelar na situação 'apta para adoção' antes do trânsito em julgado da decisão que destitui ou extingue o poder familiar, hipótese em que o pretendente deverá ser informado sobre o risco jurídico".

Dessa forma, sem prejuízo do que possa ser decidido nos autos da ação de destituição do poder familiar, a manutenção da paciente em abrigo institucional, além de manifestamente ilegal, não atende ao interesse prioritário e superior de criança, que por previsão constitucional e legal, tem o direito absoluto à dignidade como pessoa em processo de desenvolvimento e como sujeito de direito.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), arts. 1519 , 28, § 5º

Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n. 289/2019, arts. 3º e 4º

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 679

· Jurisprudência em Teses / DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - EDIÇÃO N. 27: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - GUARDA E ADOÇÃO

· Pesquisa Pronta / DIREITO CIVIL - FAMÍLIA

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.736.786-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/4/2023, DJe 4/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL

Tema

Violação de direitos autorais. Contrafator e contratante. Solidariedade passiva. Utilização de poema sem autorização do autor. Campanha publicitária veiculada em horário nobre.

DESTAQUE

Responde solidariamente com o contrafator quem utiliza obra reproduzida com fraude, com a finalidade de obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se há solidariedade passiva entre aquele que adquire, distribui, vende ou utiliza obra fraudulenta com o objetivo de auferir proveito econômico com o contrafator pela violação do direito autoral. No caso, a empresa de publicidade criou um comercial institucional em comemoração dos 25 anos de sua contratante, utilizando um poema sem autorização de seu autor. A campanha publicitária foi veiculada em horário nobre, nos principais canais de televisão.

Nos termos do art. 265 do Código Civil, a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Acerca da solidariedade em violação de direitos autorais, assim dispõe o art. 104 da Lei n. 9.610/1998 (Lei de Diretos Autorais): "Art. 104. Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior".

De acordo com esse dispositivo, há solidariedade entre o contrafator direto e quem obteve ganho, vantagem, proveito ou lucro na divulgação da publicidade. Sob essa perspectiva, a Terceira Turma reconheceu a solidariedade entre município e sociedade empresária de telefonia, pela utilização de imagens fotográficas em cartões telefônicos sem autorização do fotógrafo, por entender que "aquele que adquire, distribui, vende ou utiliza obra fraudulenta com o objetivo de auferir proveito econômico também responde, solidariamente com o contrafator, pela violação do direito autoral, conforme disposto categoricamente no art. 104 da Lei n. 9.610/1998, sem que haja espaço para discussão acerca de sua culpa para a ocorrência do ilícito" (REsp n. 1.785.771/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 26/8/2020).

Nesse sentido, "reconhecida a responsabilidade do contrafator, aquele que adquiriu a obra fraudulenta e obteve alguma vantagem com ela, material ou imaterial, também responde pela violação do direito do autor, sem espaço para discussão acerca da sua culpa pelo evento danoso" (REsp n. 1.123.456/RS, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe de 3/12/2010).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 265

Lei n. 9.610/1998, art. 104

Processo

AgInt no AREsp 2.235.620-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 17/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Prescrição. Ajuizamento de ação. Necessidade de emenda da petição inicial. Interrupção do prazo prescricional. Data em que a petição reuniu condições para desenvolvimento válido e regular do processo. Acolhimento da emenda.

DESTAQUE

A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 240 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em determinar a que data deve retroagir a interrupção da prescrição quando o juízo determina a emenda da petição inicial, porque não foram preenchidos os requisitos previstos no Código de Processo Civil (CPC).

O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a interrupção da prescrição, na forma prevista no art. 240, § 1º, do CPC, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo.

No caso, ao receber a petição inicial o magistrado ordenou sua emenda, porque não foram preenchidos os requisitos do art. 319 do CPC. O autor apresentou a emenda e, assim, foi ordenada a citação. Todavia, o ato somente ocorreu após o decurso do prazo prescricional, impondo o reconhecimento da prescrição.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 240, § 1º, e 319

Processo

AgInt no AREsp 1.728.279-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 17/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Cartão de crédito. Fraude. Responsabilidade da instituição financeira. Discrepância com o perfil de compras do consumidor. Estabelecimento comercial objeto de suspeita em transações anteriores. Dever de segurança. Descumprimento.

DESTAQUE

A instituição financeira responde civilmente, caracterizando-se fortuito interno, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, quando descumpre o dever de segurança que lhe cabe e não obsta a realização de compras com cartão de crédito em estabelecimento comercial suspeito, com perfil de compra de consumidor que discrepa das aquisições fraudulentas efetivadas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar se a responsabilização de empresa responsável por cartão de crédito por descumprir seu dever de segurança constitui ofensa ao art. 14, § 3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O entendimento jurisprudencial desta Corte Superior é de que a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista.

Porém, no caso, apesar de o consumidor ter entregue seus cartões a motoboy após telefonema de um suposto funcionário da instituição financeira, o qual detinha conhecimento dos dados pessoais e das informações referentes às suas últimas transações, não há como afastar a responsabilidade da instituição financeira. Há evidente descumprimento no seu dever de segurança ao não obstar a realização de compras por cartão de crédito em estabelecimento comercial objeto de suspeita em transações anteriores, na mesma data, e que discrepam do perfil de gastos do consumidor nos meses anteriores.

Por fim, não se pode olvidar que a vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, cristaliza a falha na prestação de serviço.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 14§ 3º, I e II

Saiba mais:

· Jurisprudência em Teses / DIREITO DO CONSUMIDOR - EDIÇÃO N. 162: DIREITO DO CONSUMIDOR - VI

RESUMO. INFORMATIVO 776 DO STJ. 30 DE MAIO DE 2023.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

EREsp 1.559.348-DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Alienação fiduciária. Transmissão condicional da propriedade. Bem de família dado em garantia.

DESTAQUE

A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário.

Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

Esta Corte Superior, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018).

Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis.

Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a "impenhorabilidade" do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a "alienabilidade" do bem.

Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: "a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário" (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019).

Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.

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· Informativo de Jurisprudência n. 635

· Informativo de Jurisprudência n. 664

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.026.425-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 25/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 

Tema

Menor sob guarda judicial. Equiparação a filho. Inscrição em plano de saúde. Inclusão como dependente natural do guardião. Possibilidade.

DESTAQUE

O menor sob guarda judicial do titular de plano de saúde deve ser equiparado a filho natural, impondo-se à operadora a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 2º, I, b, da Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde (ANS) n. 295/2012 estabelece que é dependente "o beneficiário de plano privado de assistência à saúde cujo vínculo contratual com a operadora depende da existência de relação de dependência ou de agregado a um beneficiário titular".

A jurisprudência desta Corte, por sua vez, se consolidou no sentido de que o menor sob guarda é tido como dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários, consoante estabelece o § 3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Inclusive, sob essa perspectiva, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.411.258/RS, pela sistemática dos recursos repetitivos (julgado em 11/10/2017, DJe 21/2/2018 - Tema 732), fixou a tese de que "o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória n. 1.523/1996, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/1997".

Sob essa perspectiva, a Terceira Turma, ao analisar situação análoga à dos autos, equiparou o menor sob guarda judicial ao filho natural, impondo à operadora, por conseguinte, a obrigação de inscrevê-lo como dependente natural - e não como agregado - do guardião, titular do plano de saúde.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 33, § 3º

Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) n. 295/2012, art. 2º, I, b

Lei n. 9.528/1997

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema 732

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 619

Processo

HC 790.283-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 

Tema

Medida protetiva na modalidade acolhimento institucional. Destituição de poder familiar. Criança em situação de risco. Negligência materna. Tentativas do Juízo da Infância e da Rede Socioassistencial de reintegração na família natural sem êxito. Ausência de adesão da genitora aos acompanhamentos. Resistência injustificada em atender às orientações técnicas. Permanência em abrigo institucional. Caráter temporário. Ilegalidade flagrante. Violação do princípio do melhor interesse e da proteção integral.

DESTAQUE

A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito à legalidade das determinações do Juízo da Infância de suspensão das visitas maternas e de autorização para o início de busca de pretendentes à adoção de criança que, atualmente com 9 anos de idade, está em abrigo institucional há quase 3 anos, sem que ainda tenha sido proferida sentença destituindo o poder familiar de sua genitora.

Toda criança tem o direito de ser criada e educada, prioritariamente, no seio de sua família natural ou extensa e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a sua convivência familiar em ambiente que garanta o seu desenvolvimento e proteção integral (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/1990, arts. 15 e 19). Na análise de questões dessa natureza, a jurisprudência desta Corte Superior, com esse norte, consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento de colocação de menor em abrigo institucional.

No caso, todos os relatórios técnicos apresentados pela Rede Socioassistencial e do Setor Técnico do Juízo, foram unânimes em recomendar que a criança fosse colocada em família substituta o mais rápido possível diante da constatação da impossibilidade de retorno para a família natural, pois ela seria novamente submetida a uma situação de risco (negligência e abandono), na medida em que genitora não teria condições mínimas de assumir os cuidados da filha. O longo período de permanência em abrigo institucional tem trazido problemas de ordem emocional, o que causa preocupação e revela que o seu melhor interesse não está sendo observado com a sua permanência no abrigo, conforme constatou a perícia psicossocial do Juízo da Infância.

Nesse sentido, a duradoura permanência em abrigo institucional é manifestamente prejudicial aos interesses da infante. O art. 163 do ECA dispõe que o procedimento para perda e suspensão do poder familiar deverá ser concluído no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias e, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, caberá ao Juiz dirigir esforços para preparar a criança ou adolescente com vistas à colocação em família substituta. Portanto, no caso, o fato de a ação de destituição do poder familiar dos genitores estar tramitando há mais de 3 anos e não ter sido sentenciada não impede sejam tomadas providências para abreviar o tempo de abrigamento institucional.

A notória inviabilidade de manutenção do poder familiar reclama que, pelo menos, sejam tomadas as providências para início de colocação dela em família substituta. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça - CNJ n. 289, de 14/8/2019, que a respeito da implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, no seu anexo I dispõe acerca da regulamentação técnica, que prevê em seus arts. 3º e 4º que "A colocação de criança ou do adolescente na situação 'apta para adoção' deverá ocorrer após o trânsito em julgado do processo de destituição ou extinção do poder familiar, ou ainda quando a criança ou o adolescente for órfão ou tiver ambos os genitores desconhecidos" . E, ainda, que "O juiz poderá, no melhor interesse da criança ou do adolescente, determinar a inclusão cautelar na situação 'apta para adoção' antes do trânsito em julgado da decisão que destitui ou extingue o poder familiar, hipótese em que o pretendente deverá ser informado sobre o risco jurídico".

Dessa forma, sem prejuízo do que possa ser decidido nos autos da ação de destituição do poder familiar, a manutenção da paciente em abrigo institucional, além de manifestamente ilegal, não atende ao interesse prioritário e superior de criança, que por previsão constitucional e legal, tem o direito absoluto à dignidade como pessoa em processo de desenvolvimento e como sujeito de direito.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), arts. 1519 , 28, § 5º

Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n. 289/2019, arts. 3º e 4º

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· Informativo de Jurisprudência n. 679

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· Pesquisa Pronta / DIREITO CIVIL - FAMÍLIA

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.736.786-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/4/2023, DJe 4/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL

Tema

Violação de direitos autorais. Contrafator e contratante. Solidariedade passiva. Utilização de poema sem autorização do autor. Campanha publicitária veiculada em horário nobre.

DESTAQUE

Responde solidariamente com o contrafator quem utiliza obra reproduzida com fraude, com a finalidade de obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se há solidariedade passiva entre aquele que adquire, distribui, vende ou utiliza obra fraudulenta com o objetivo de auferir proveito econômico com o contrafator pela violação do direito autoral. No caso, a empresa de publicidade criou um comercial institucional em comemoração dos 25 anos de sua contratante, utilizando um poema sem autorização de seu autor. A campanha publicitária foi veiculada em horário nobre, nos principais canais de televisão.

Nos termos do art. 265 do Código Civil, a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Acerca da solidariedade em violação de direitos autorais, assim dispõe o art. 104 da Lei n. 9.610/1998 (Lei de Diretos Autorais): "Art. 104. Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior".

De acordo com esse dispositivo, há solidariedade entre o contrafator direto e quem obteve ganho, vantagem, proveito ou lucro na divulgação da publicidade. Sob essa perspectiva, a Terceira Turma reconheceu a solidariedade entre município e sociedade empresária de telefonia, pela utilização de imagens fotográficas em cartões telefônicos sem autorização do fotógrafo, por entender que "aquele que adquire, distribui, vende ou utiliza obra fraudulenta com o objetivo de auferir proveito econômico também responde, solidariamente com o contrafator, pela violação do direito autoral, conforme disposto categoricamente no art. 104 da Lei n. 9.610/1998, sem que haja espaço para discussão acerca de sua culpa para a ocorrência do ilícito" (REsp n. 1.785.771/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 26/8/2020).

Nesse sentido, "reconhecida a responsabilidade do contrafator, aquele que adquiriu a obra fraudulenta e obteve alguma vantagem com ela, material ou imaterial, também responde pela violação do direito do autor, sem espaço para discussão acerca da sua culpa pelo evento danoso" (REsp n. 1.123.456/RS, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe de 3/12/2010).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), art. 265

Lei n. 9.610/1998, art. 104

Processo

AgInt no AREsp 2.235.620-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 17/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Prescrição. Ajuizamento de ação. Necessidade de emenda da petição inicial. Interrupção do prazo prescricional. Data em que a petição reuniu condições para desenvolvimento válido e regular do processo. Acolhimento da emenda.

DESTAQUE

A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 240 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em determinar a que data deve retroagir a interrupção da prescrição quando o juízo determina a emenda da petição inicial, porque não foram preenchidos os requisitos previstos no Código de Processo Civil (CPC).

O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a interrupção da prescrição, na forma prevista no art. 240, § 1º, do CPC, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo.

No caso, ao receber a petição inicial o magistrado ordenou sua emenda, porque não foram preenchidos os requisitos do art. 319 do CPC. O autor apresentou a emenda e, assim, foi ordenada a citação. Todavia, o ato somente ocorreu após o decurso do prazo prescricional, impondo o reconhecimento da prescrição.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 240, § 1º, e 319

Processo

AgInt no AREsp 1.728.279-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 17/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Cartão de crédito. Fraude. Responsabilidade da instituição financeira. Discrepância com o perfil de compras do consumidor. Estabelecimento comercial objeto de suspeita em transações anteriores. Dever de segurança. Descumprimento.

DESTAQUE

A instituição financeira responde civilmente, caracterizando-se fortuito interno, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, quando descumpre o dever de segurança que lhe cabe e não obsta a realização de compras com cartão de crédito em estabelecimento comercial suspeito, com perfil de compra de consumidor que discrepa das aquisições fraudulentas efetivadas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar se a responsabilização de empresa responsável por cartão de crédito por descumprir seu dever de segurança constitui ofensa ao art. 14, § 3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O entendimento jurisprudencial desta Corte Superior é de que a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista.

Porém, no caso, apesar de o consumidor ter entregue seus cartões a motoboy após telefonema de um suposto funcionário da instituição financeira, o qual detinha conhecimento dos dados pessoais e das informações referentes às suas últimas transações, não há como afastar a responsabilidade da instituição financeira. Há evidente descumprimento no seu dever de segurança ao não obstar a realização de compras por cartão de crédito em estabelecimento comercial objeto de suspeita em transações anteriores, na mesma data, e que discrepam do perfil de gastos do consumidor nos meses anteriores.

Por fim, não se pode olvidar que a vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, cristaliza a falha na prestação de serviço.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 14§ 3º, I e II

Saiba mais:

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