quarta-feira, 27 de abril de 2022

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E CAUÇÃO DE IMÓVEL COMO GARANTIA LOCATÍCIA

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E CAUÇÃO DE IMÓVEL COMO GARANTIA LOCATÍCIA 


Flávio Tartuce[1]

Com grande repercussão para a prática, a Lei n. 8.009/1990 consagra regras específicas quanto à proteção do bem de família legal, prevendo o seu art. 1º que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei”. Trata-se de importante norma de ordem pública que protege pela impenhorabilidade tanto a família quanto a pessoa humana, notadamente o seu direito fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988.

Sendo norma cogente ou de ordem pública, as exceções à impenhorabilidade do bem de família legal seriam apenas as previstas no rol taxativo ou numerus clausus do seu art. 3º, envolvendo as seguintes hipóteses: a) pelo titular do crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos decorrentes do contrato, o que está justificado pelo fato de a dívida ter origem na própria existência da coisa; b) pelo credor de pensão alimentícia, seja ela decorrente de alimentos convencionais, legais – de Direito de Família – ou indenizatórios – nos termos do art. 948, inc. II, do CC –, o que se fundamenta na subsistência dos respectivos credores; c) para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidos em relação ao imóvel familiar, presentes nesta exceção obrigações propter rem ou ambulatórias, o que inclui as dívidas de condomínio, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE n. 439.003/SP, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 06.02.2007); d) para a execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, sempre no interesse de ambos ou de sua família, tão somente (STJ, EAREsp. n. 848.498/PR, Segunda Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.04.2018, DJe 07.06.2018); e) no caso de o imóvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a execução de sentença penal condenatória de ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e f) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação de imóvel urbano, exceção que foi introduzida pelo art. 82 da Lei n. 8.245/1991 e que não estava originalmente na Lei n. 8.009/1990.

A última previsão de quebra da impenhorabilidade tem sido debatida de forma intensa por doutrina e jurisprudência desde o surgimento do texto legal, sendo forte o argumento de sua inconstitucionalidade, o que ainda me convence. Na primeira vez que a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, no ano de 2005, o Ministro Carlos Velloso proferiu decisão monocrática, reconhecendo que "o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000". Assim, "o bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental. Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º, feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo do inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000” (STF, RE n. 352.940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 25.04.2005).

No meu entender, o principal argumento pela inconstitucionalidade da regra em estudo está associado à lesão ao princípio da igualdade material ou isonomia, retirado do art. 5º, caput, da Constituição da República, seja qual for a modalidade de locação, residencial ou não. Isso porque, reconhecida a sua penhorabilidade, o fiador perde o bem de família, enquanto o locatário, que é o devedor principal da relação jurídica, não.

Entretanto, o plenário do Supremo Tribunal Federal analisou o tema em 8 de fevereiro de 2006 e, por maioria de votos, entendeu ser constitucional a previsão do art. 3º, inc. VII, da Lei 8.009/1990. Segundo o relator da decisão, Ministro Cezar Peluso, a norma é clara ao prever a possibilidade de penhora do imóvel de residência de fiador de locação de imóvel urbano, sendo essa regra inafastável. Entendeu, ainda, que a pessoa tem a plena liberdade de querer ou não assumir a condição de fiadora, devendo subsumir a norma infraconstitucional se assim o fizer, não havendo qualquer lesão à isonomia constitucional, ao contrário do entendimento do Ministro Carlos Velloso.

Por fim, sustentou que o dispositivo protege o mercado imobiliário, devendo ter aplicação plena, nos termos do art. 170 da CF/1988. Votaram com ele os Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. A votação não foi unânime, pois entenderam pela inconstitucionalidade do comando legal os Ministros Eros Grau, Ayres Britto e Celso de Mello (STF, RE n. 407.688/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 08.02.2006).

Apesar dessa decisão superior, surgiram vários acórdãos estaduais de desobediência, concluindo na linha do entendimento minoritário. Como reação a esse movimento, o Superior Tribunal de Justiça editou, em outubro de 2015, a sua Súmula n. 549, estabelecendo que "é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação". A ementa parecia ter encerrado o debate, diante da força vinculativa das súmulas dos Tribunais Superiores, reconhecida em vários dispositivos do Código de Processo Civil de 2015.

Ledo engano. A demonstrar a instabilidade a respeito do tema, em 2018 surgiu nova decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concluindo pela inconstitucionalidade da previsão a respeito da penhora do bem de família do fiador em casos envolvendo locação comercial, retomando-se as afirmações do Ministro Carlos Velloso (RE n. 605.709/SP).

Acrescentou a Ministra Relatora, Rosa Weber, que na locação comercial não haveria justificativa para que "o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador (garante), sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito fundamental à moradia". E mais, complementou que, "no caso de locação comercial, a imposição de restrições ao direito fundamental à moradia do fiador, por meio da penhora do único imóvel destinado à sua residência, tampouco se justifica sob o ângulo da proporcionalidade. A uma, porque a medida não é necessária, ante a existência de instrumentos outros suscetíveis de viabilizar a garantia da satisfação do crédito do locador de imóvel comercial, notadamente caução, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundos de investimento (art. 37 da Lei nº 8.245/1991). A duas, porque conjecturas meramente teóricas, sobre a dificuldade ou a onerosidade na prestação de outras modalidades de garantia ou, ainda, sobre empecilho na obtenção de fiadores com mais de um imóvel, não legitimam, segundo compreendo, o sacrifício do direito fundamental à moradia em nome de projetada promoção da livre iniciativa". Vejamos a sua publicação no Informativo n. 906 da Corte Suprema, em que constam os argumentos dos votos vencidos:

“Impenhorabilidade do bem de família e contratos de locação comercial. Não é penhorável o bem de família do fiador, no caso de contratos de locação comercial. Com base neste entendimento, a Primeira Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de penhora de bem de família do fiador em contexto de locação comercial. Vencidos os Ministros Dias Toffoli (relator) e Roberto Barroso que negaram provimento ao recurso. Ressaltaram que o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por débitos decorrentes do contrato de locação. A lógica do precedente é válida também para os contratos de locação comercial, na medida em que – embora não envolva o direito à moradia dos locatários – compreende o seu direito à livre-iniciativa. A possibilidade de penhora do bem de família do fiador – que voluntariamente oferece seu patrimônio como garantia do débito – impulsiona o empreendedorismo, ao viabilizar a celebração de contratos de locação empresarial em termos mais favoráveis. Por outro lado, não há desproporcionalidade na exceção à impenhorabilidade do bem de família (Lei n.º 8009/1990, art. 3º, VII ). O dispositivo legal é razoável ao abrir a exceção à fiança prestada voluntariamente para viabilizar a livre-iniciativa” (STF, RE n. 605.709/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Red. p/ Ac. Min. Rosa Weber, j. 12.06.2018).

Outros arestos surgiram na mesma linha no Supremo Tribunal Federal e, diante disso, reconheceu-se a necessidade de pacificação da matéria, em sede de repercussão geral (Tema n. 1.127). Em 8 de março de 2022, encerrou-se o seu julgamento virtual e, por 7 votos a 4, o STF confirmou a sua posição anterior, de constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/1990, mesmo em se tratando de locação comercial garantida por fiança, sendo penhorável o bem de família do fiador em casos tais (Recurso Extraordinário n. 1.307.334).

Prevaleceu o entendimento do relator, Ministro Alexandre de Moraes, que retomou argumentos antes aduzidos pelo Ministro Cezar Peluso. Assim, pontuou não haver lesão ao direito de moradia do fiador, que voluntariamente exerce atributo do direito de propriedade ao oferecer seus bens em garantia, por força da fiança. Pensar o contrário, segundo ele, também violaria os princípios da boa-fé objetiva e da livre-iniciativa. Ademais, o art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/1990 não faz qualquer distinção entre a locação residencial e a comercial. Também foram utilizados argumentos econômicos, no sentido de que a impenhorabilidade do bem do fiador no contrato de locação comercial acabaria sendo um desestímulo aos pequenos empreendedores. Tal posição foi acompanhada pelos Ministros Luís Roberto Barros, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux. Em sentido contrário votaram os Ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

De toda sorte, como temática principal deste breve texto, nota-se que a constitucionalidade da previsão foi novamente reconhecida pelo STF tão somente para os casos de fiança ou caução fidejussória, hipótese em que o fiador assume a condição de responsável frente ao credor, com todos os seus bens, sem que a dívida seja sua. Melhor explicando, o fiador tem responsabilidade sem débito (Haftung ohne Schuld). Tal conclusão é retirada do art. 818 do Código Civil, segundo o qual, "pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". Há, assim, uma garantia pessoal, em que todo o patrimônio do fiador, como premissa geral, está vinculado à dívida, o que inclui o seu bem de família, em caso de fiança locatícia regida pela Lei n. 8.245/1991. Nesse contexto, observe-se que o fiador não "dá bem em garantia", como ocorre na hipoteca ou na caução. Repise-se que todo o seu patrimônio está vinculado à dívida.

Isso fica claro pelo teor do art. 37 da Lei n. 8.245/1991, que, ao tratar das garantias locatícias, traz previsões diferentes a respeito da fiança e da caução. Conforme o dispositivo legal, "no contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: I - caução; II - fiança; III - seguro de fiança locatícia; IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento". E, consoante o seu parágrafo único, a confirmar essa separação de garantias, é vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.

Igualmente a demonstrar que a caução não se confunde com a fiança, o art. 38 da Lei n. 8.245/1991 estabelece que a primeira "poderá ser em bens móveis ou imóveis". Em se tratando de caução de bens móveis, "deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula" (§ 1º). A caução em dinheiro, também muito comum na prática, e "que não poderá exceder o equivalente a três meses de aluguel, será depositada em caderneta de poupança, autorizada, pelo Poder Público e por ele regulamentada, revertendo em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento da soma respectiva" (§ 2º). Por fim, “a caução em títulos e ações deverá ser substituída, no prazo de trinta dias, em caso de concordata – leia-se, na atualidade, de recuperação judicial –, falência ou liquidação das sociedades emissoras" (§ 3º do art. 38 da Lei n. 8.245/1991).

Exatamente no sentido de diferenciar a caução – sobretudo de bem imóvel – da fiança locatícia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas suas Terceira e Quarta Turmas, acabou por pacificar o entendimento de que a exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.245/1991 não se aplica aos casos em que um bem imóvel é dado em garantia, seja pelo locatário seja por terceiro. Acrescente-se que também não há que se falar em hipoteca, prevista no inciso V do mesmo comando, pois a caução também não se confunde com essa garantia real.

Nesse sentido, conforme decidiu a Terceira Turma da Corte, "em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar" (STJ, REsp n. 1.887.492/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.04.2021, DJe 15.04.2021). Conforme o preciso voto da Ministra Relatora, que tem o meu total apoio doutrinário, "o fato de a recorrente ter dado o imóvel em caução não é suficiente para afastar a proteção da impenhorabilidade. Isso porque, cumpre repisar, essa hipótese não está contemplada nas exceções previstas na norma de regência e já mencionadas, sendo certo que a oferta do imóvel em caução de contrato de locação não se confunde com a garantia hipotecária de que trata o art. 3º, V, da Lei 8.009/90". Influenciado por esse decisum surgiram outros arestos, da mesma Turma.

Deste ano de 2022, destaco julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido, aduzindo que "o escopo da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. Precedentes. (...). O benefício conferido pela mencionada lei é norma cogente, que contém princípio de ordem pública, motivo pelo qual o oferecimento do bem em garantia, como regra, não implica renúncia à proteção legal, não sendo circunstância suficiente para afastar o direito fundamental à moradia, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Precedentes". E mais, aduziu-se que "a caução levada a registro, embora constitua garantia real, não encontra previsão em qualquer das exceções contidas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990, devendo, em regra, prevalecer a impenhorabilidade do imóvel, quando se tratar de bem de família". Ao final, determinou-se a volta dos autos à Corte de origem para que, "à luz da proteção conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990 e afastada a exceção invocada no acórdão recorrido, proceda ao reexame do agravo de instrumento, analisando-se se o imóvel penhorado no caso concreto preenche os requisitos para se caracterizar como tal" (STJ, REsp. n. 1.789.505/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 22.03.2022, DJe 07.04.2022).

Penso que a posição já está consolidada na Corte Superior, sendo cabível até mesmo a edição de uma ementa de súmula para que a questão se consolide na prática, diante da sua força vinculativa para decisões de primeira e segunda instância, pelo que se retira do Código de Processo Civil em vigor. Assim, é interessante que sejam obervadas as devidas regras técnicas quando da elaboração dos contratos de locação com as respectivas garantias.

Nesse contexto, deve-se evitar ao máximo a elaboração de cláusulas contratuais em que o garantidor dá ou oferece um imóvel em garantia, situação que não se confunde com a fiança ou com a hipoteca, como se retira dos julgados aqui apontados.


[1] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Diretor-Geral da ESAOABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

terça-feira, 26 de abril de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 733 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 733 DO STJ.

PRIMEIRA TURMA

Processo

REsp 1.709.727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 11/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

· 

Tema

Responsabilidade civil do Estado. Acidente de trânsito em rodovia estadual. Óbito da vítima. Omissão estatal quanto ao dever de conservação e sinalização da via pública. Danos materiais devidos.

DESTAQUE

Reconhecida a responsabilidade estatal por acidente com evento morte em rodovia, é devida a indenização por danos materiais aos filhos menores e ao cônjuge do de cujus.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado.

O Tribunal a quo, após reconhecer a conduta omissiva e culposa do ente público, relacionada ao dever de sinalização da via pública, deu parcial provimento ao apelo dos autores, condenando o demandado ao pagamento de indenização por danos morais. Em relação ao danos materiais, registrou não terem sido comprovados.

Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal - má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos.

No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual, mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima.

Nesse passo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e morais, os quais devem ser indenizados.

Com efeito, presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, a jurisprudência desta Corte reconhece devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro meio de prova.

Processo

AREsp 1.825.800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 11/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

· 

Tema

Honorários advocatícios. Contrato administrativo. Licitação para contratação de serviços de advocacia. Cláusula de renúncia aos honorários de sucumbência. Lei n. 8.666/1993.

DESTAQUE

Nos contratos administrativos, é válida a cláusula que prevê renúncia do direito aos honorários de sucumbência por parte de advogado contratado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A regra da vinculação ao instrumento convocatório impõe à Administração e aos contratados a observância estrita das regras do edital. Não obstante, as regras contratuais, ainda que inseridas no campo do direito público, devem observância à lei e à Constituição, razão pela qual não há empecilho para que as partes discutam, em juízo, a legalidade das cláusulas do contrato administrativo, notadamente em atenção ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito").

Não contrariando a lei nem sendo abusivo, o contrato administrativo pode tratar de renúncia a direito do contratado; e esta será eficaz e produzirá seus regulares efeitos na hipótese em que houver expressa concordância do contratado.

Especificamente, com relação aos advogados, a Lei n. 8.906/1994 dispõe serem do advogado os honorários de sucumbência e havia previsão expressa a respeito da impossibilidade de retirar-lhes esse direito; estava no art. 24, § 3º, segundo o qual "é nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência".

Contudo, em 2009, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da regra, uma vez que se trata de direito disponível e, por isso, negociável com o constituinte do mandato. (ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, DJe-171)

Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que prevê a renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte contratada, por livre e espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao patrocínio das causas de seu cliente mediante a remuneração acertada no contrato.

No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e só procurou discutir a cláusula após o fim do contrato.

Oportuno mencionar, aliás, entendimento segundo o qual "a renúncia à verba honorária sucumbencial deve ser expressa, sendo vedada sua presunção pelo mero fato de não ter sido feitas ressalvas no termo do acordo entre os litigantes originários" (REsp 958.327/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe 04/09/2008).

Nesse contexto, considerados os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, forçoso reconhecer não ser adequada a invocação da regra geral de proibição do enriquecimento sem causa para anular a cláusula contratual de renúncia, pois, conforme entendimento jurisprudencial, é legal e constitucional o acordo sobre a destinação dos honorários de sucumbência.

Ademais, mormente depois da rescisão do contrato, não se pode admitir a alteração de regra prevista desde a época da realização do procedimento licitatório, pois aqueles que concorreram para a prestação do serviço se submeteram à mesma regra para elaborarem suas propostas.

Processo

RMS 67.503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL


Tema

Cartório de Registro de Imóveis. Interventor. Retenção de metade da renda líquida da serventia. Levantamento. Legalidade. Teto remuneratório. Art. 37, XI, da CF/1988. Não aplicação.

DESTAQUE

A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis, com base no art. 36, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.935/1994, não se submete ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal de 1988.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Tribunal de origem firmou compreensão no sentido de que a remuneração do interventor da serventia extrajudicial deve obedecer ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal.

Nada obstante esse respeitável raciocínio, certo é que a legislação de regência, ainda em vigor, sinaliza em sentido oposto.

Os parágrafos 2º e 3º do art. 36 da Lei n. 8.935/1994 deixam claro que ao interventor caberá depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá indiscutível direito ao seu levantamento.

No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser carreada ao interventor.

Exegese diversa, mesmo que oriunda do egrégio Conselho Nacional de Justiça - CNJ (em patamar administrativo, portanto), não se poderá sobrepor a explícito comando constante de lei federal, tanto mais quando este não padeça de eventual inconstitucionalidade declarada pela Excelsa Corte, como aqui sucede.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.727.824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

· Tema

Contrato de distribuição. Lista de clientela. Marketing do fabricante. Qualidade do produto e notoriedade da marca. Informações contratuais. Know-how. Apropriação indevida. Inocorrência.

DESTAQUE

Nos contratos de distribuição de bebidas, as informações relativas à formação da clientela estão associadas às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Não obstante as diretrizes traçadas pelo STJ no julgamento do REsp 1.498.829/SP, preferiu o Tribunal de origem delas se afastar para firmar a compreensão de que o know-how supostamente apropriado estaria centrado, simples e genericamente, nos conhecimentos em vendas e na atividade de distribuição, deixando de identificar, pontualmente, qual a técnica de distribuição de produtos utilizada que seria original e/ou eventualmente secreta, isto é, que desbordasse dos conhecimentos e informações já conhecidas em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo.

Por conseguinte, é realmente questionável o direito à indenização daí decorrente, em que as informações alegadamente apropriadas estão dispostas em contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a parte se obrigou expressamente a fornecê-las, circunstância que afasta o caráter original e/ou secreto desses dados.

Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.

Assim, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes.

Processo

REsp 1.965.982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Fundo de Investimento em Participações (FIP). Natureza jurídica. Condomínio especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Cotas. Constrição judicial. Possibilidade.

DESTAQUE

Fundo de investimento pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

As normas aplicáveis aos fundos de investimento dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio, mas nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico ditado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas, e, não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações.

O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) constituído sob a forma de condomínio e de não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte.

As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo, tampouco de outros cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro devedor.

A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.

Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Processo

RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 18/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Obrigação de alimentos. Prisão civil do devedor. Inadequada e ineficaz no caso concreto. Afastamento excepcional. Legalidade.

DESTAQUE

A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na linha da jurisprudência do STJ, em regra, a maioridade civil e a capacidade, em tese, de promoção ao próprio sustento, por si só, não são capazes de desconstituir a obrigação alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos.

Particularidades do caso concreto, contudo, permitem aferir a ausência de atualidade e urgência no recebimento dos alimentos, porque (i) o credor é maior de idade, com formação superior e inscrito no respectivo conselho de classe; (ii) a saúde física e psicológica fragilizada do devedor de alimentos, que não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e (iii) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de prisão.

De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão civil em janeiro de 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.

A Terceira Turma já decidiu, em caso semelhante, que o fato de a credora ter atingido a maioridade e exercer atividade profissional, bem como fato de o devedor ser idoso e possuir problemas de saúde incompatíveis com o recolhimento em estabelecimento carcerário, recomenda que o restante da dívida seja executada sem a possibilidade de uso da prisão civil como técnica coercitiva, em virtude da indispensável ponderação entre a efetividade da tutela e a menor onerosidade da execução, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora e também do devedor (RHC 91.642/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 9/3/2018).

Portanto, a medida coativa extrema se revela desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria sobrevivência do credor, não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço.

Processo

REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 07/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

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Tema

Comercialização de ingressos on-line. Evento cancelado ou adiado. Ausência de comunicação adequada, prévia e eficaz aos consumidores. Falha na prestação do serviço (fato do serviço). Dano moral configurado. Responsabilidade solidária.

DESTAQUE

A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em dizer se a sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais.

Em se tratando de responsabilidade pelo fato do serviço, não faz o Diploma Consumerista qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual é uníssono o entendimento de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável.

Assim, a venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. Com efeito, é impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e comercial do empreendimento.

Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.

A jurisprudência do STJ é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.

Qualquer leitura dissimilar levaria a prática de constantes lesões aos consumidores, máxime porque os fornecedores de produtos ou serviços, sob o guante do argumento de ocorrência de "meros aborrecimentos comuns cotidianos" ou "meros dissabores", atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.

Processo

REsp 1.972.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022, DJe 01/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL


Tema

Empresa incorporada a grupo empresarial em recuperação judicial. Crédito constituído anteriormente. Controle dos atos de constrição. Juízo universal.

DESTAQUE

O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação judicial deve se submeter ao juízo universal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, tem-se que a despeito de o crédito ter sido constituído até a data do pedido da recuperação judicial, a incorporação da empresa pelo conglomerado de empresas em recuperação se deu posteriormente.

Todavia, já foi decidido por esta Corte que, em situação análoga, pelo fato de o juízo universal possuir força atrativa para gerir os atos de constrição da empresa em recuperação, da mesma forma deve ocorrer tal atração quando já tiver sido determinada penhora pelo juízo da execução singular em data anterior ao deferimento do pedido de recuperação judicial.

Utilizando de raciocínio análogo, mesmo que a empresa não estivesse no conglomerado de empresas que tiveram o pedido de recuperação judicial deferido, deve prevalecer o princípio da preservação da empresa, razão pela qual o juízo universal deve ser o único a gerir os atos de constrição e alienação dos bens do grupo de empresas em recuperação.

Sendo assim, o juízo universal deve exercer o controle sobre os atos constritivos sobre o patrimônio do grupo em recuperação judicial, adequando a essencialidade do bem à atividade empresarial, independente da data em que a empresa foi incorporada à outra, já em plano de recuperação judicial.

Nessa esteira, mesmo que a incorporação tenha ocorrido após a constituição do crédito e ao pedido de recuperação judicial, deve se operar a força atrativa do juízo universal como forma de manter a higidez do fluxo de caixa das empresas e, assim, gerenciar de forma exclusiva o plano de recuperação.

Processo

REsp 1.899.115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/04/2022, DJe 08/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Nulidade de tarifas bancárias. Pedido amplo. Trânsito em julgado. Posterior ação de repetição de indébito. Juros remuneratórios incidentes sobre a mesma tarifa. Impossibilidade. Existência de coisa julgada.

DESTAQUE

A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 337, §§ 2º e 4º, do Código de Processo Civil de 2015, "uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido", sendo que "há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado".

Na hipótese, da forma como a parte autora formulou o pedido na primeira ação, já transitada em julgado e que tramitou perante o Juizado Especial Cível, consignando expressamente que buscava a devolução em dobro de todos os valores pagos com as tarifas declaradas nulas, é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas, da mesma forma em que se busca na ação subjacente, havendo, portanto, nítida identidade entre as partes, a causa de pedir e o pedido, o que impõe o reconhecimento da coisa julgada.

Ora, se a parte eventualmente esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento dos juros remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada.

Não se pode olvidar que o acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor correspondente à própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores pagos referentes à tarifa nula abrange, por dedução lógica, a restituição também dos respectivos encargos, sendo incabível, portanto, nova ação para rediscutir essa matéria.

QUARTA TURMA

Processo

AREsp 1.837.057-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Intempestividade recursal. Equívoco do sistema eletrônico do Tribunal de Justiça (PROJUDI). Prorrogação do prazo. Demonstração de justa causa. Imprescindibilidade.

DESTAQUE

Para a prorrogação do prazo recursal é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de maneira efetiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Segundo a orientação jurisprudencial do STJ, a contagem correta dos prazos recursais, nos termos definidos pela legislação processual, é ônus exclusivo da parte recorrente, de modo que a data eventualmente sugerida pelo sistema processual eletrônico não o exime de interpor o recurso no prazo previsto em lei (AgRg no AREsp n. 1.825.919/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 16/6/2021).

Não se desconhece o entendimento firmado nesta Corte de que "o equívoco na indicação do término do prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao recorrente" (EREsp 1805589/MT, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 25/11/2020).

E, não obstante o que vem disposto no julgamento do REsp 1.324.432/SC, a Corte Especial deste Tribunal tenha firmado que a existência de equívoco no sistema processual eletrônico do Poder Judiciário possa ser considerado para fins de relativizar a intempestividade recursal, em julgados posteriores à esse paradigma, tem-se exigido que a parte recorrente demonstre, de maneira efetiva, a justa causa para obter o excepcional afastamento da intempestividade recursal.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 666

Processo

EDcl no AgInt no AREsp 1.547.767-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 07/04/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação de revisão de benefício previdenciário. Cumulação de pedidos. Reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e reflexos. Justiça do Trabalho. Competência. Tema 1.166/STF.

DESTAQUE

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, a demanda originária foi ajuizada em face da CEF e FUNCEF, buscando o reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a recomposição da reserva matemática e revisão do benefício de previdência complementar.

Há, portanto, cumulação de pretensões de naturezas distintas, havendo a necessidade de prévio julgamento da controvérsia trabalhista pois, somente em caso de procedência desta, haverá possibilidade de análise do pleito relacionado ao plano previdenciário.

Ou seja, a causa de pedir originária (exclusão da parcela denominada CTVA do salário de contribuição) desdobra-se em dois pedidos, de natureza diversa: (a) na seara trabalhista, pugna-se pelo reconhecimento da natureza salarial, com o respectivo recolhimento das contribuições devidas; e, (b) no âmbito previdenciário, busca-se a revisão do benefício complementar.

Logo, em razão desta cumulação de pedidos, não incide - ao menos não de forma direta - o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 190/STF), no sentido da competência da Justiça Comum para "o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria", ante a necessidade de prévio enfrentamento da controvérsia laboral.

Ademais, em recente julgamento, a Suprema Corte fixou nova tese, em repercussão geral, no sentido de que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada" (Tema 1.166 - RE 1.265.564-SC).