sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

RESUMO. INFORMATIVO 722 DO STJ.

 RESUMO. INFORMATIVO 722 DO STJ.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

CC 181.190-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 30/11/2021, DJe 07/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

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Tema

Empresa em recuperação judicial. Execução fiscal. Constrição judicial dos bens da recuperanda. Conflito de competência. Materialização da oposição concreta à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial. Imprescindibilidade.

DESTAQUE

A caracterização de conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça pressupõe a materialização da oposição concreta do Juízo da execução fiscal à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito do ato constritivo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O incidente processual centra-se em saber se o Juízo em que tramita execução fiscal contra empresa em recuperação judicial - ao rejeitar a exceção de pré-executividade e determinar o prosseguimento do feito executivo, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio da executada -, invade ou não a competência do Juízo da recuperação judicial, segundo dispõe o § 7º-B do art. 6º da Lei de Recuperação e Falência, com redação dada pela Lei n. 14.112/2020.

A divergência jurisprudencial então existente entre esta Segunda Seção e as Turmas integrantes da Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça acabou por se dissipar em razão da edição da Lei n. 14.112/2020, que, a seu modo, delimitou a competência do Juízo em que se processa a execução fiscal (a qual não se suspende pelo deferimento da recuperação judicial) para determinar os atos de constrição judicial sobre os bens da recuperanda; e firmou a competência do Juízo da recuperação judicial para, no exercício de um juízo de controle, "determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial".

A partir da vigência da Lei n. 14.112/2020, com aplicação aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à competência), não se pode mais reputar configurado conflito de competência perante esta Corte de Justiça pelo só fato de o Juízo da recuperação ainda não ter deliberado sobre a constrição judicial determinada no feito executivo fiscal, em razão justamente de não ter a questão sido, até então, a ele submetida.

A submissão da constrição judicial ao Juízo da recuperação judicial, para que este promova o juízo de controle sobre o ato constritivo, pode ser feita naturalmente, de ofício, pelo Juízo da execução fiscal, em atenção à propugnada cooperação entre os Juízos. O § 7º-B do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 apenas faz remissão ao art. 69 do CPC/2015, cuja redação estipula que a cooperação judicial prescinde de forma específica. E, em seu § 2º, inciso IV, estabelece que "os atos concertados entre os juízos cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas".

Caso o Juízo da execução fiscal assim não proceda, tem-se de todo prematuro falar-se em configuração de conflito de competência perante o STJ, a pretexto de se obter o sobrestamento da execução fiscal liminarmente. Não há, nesse quadro, nenhuma usurpação da competência, a ensejar a caracterização de conflito. A inação do Juízo da execução fiscal - como um "não ato" que é - não pode, por si, ser considerada idônea a fustigar a competência do Juízo recuperacional ainda nem sequer exercida.

Assim, na hipótese de o Juízo da execução fiscal não submeter, de ofício, o ato constritivo ao Juízo da recuperação judicial, deve a recuperanda instar o Juízo da execução fiscal a fazê-lo ou levar diretamente a questão ao Juízo da recuperação judicial, que deverá exercer seu juízo de controle sobre o ato constritivo, se tiver elementos para tanto, valendo-se, de igual modo, se reputar necessário, da cooperação judicial preconizada no art. 69 do CPC/2015.

Registre-se que, após o exercício de tais competências, a caracterização de conflito perante esta Corte de Justiça somente se fará presente se o Juízo da execução fiscal vier, concretamente, a se opor à deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição do bem, substituindo-o ou tornando-a sem efeito, ou acerca da essencialidade do bem de capital constrito, o que, por ora, nem se cogita.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 472

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.918.949-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

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Tema

Condomínio. Assembleia ordinária ou extraordinária. Promitente comprador. Ciência da alienação. Imissão na posse do imóvel. Direito a voto. Legitimidade.

DESTAQUE

Os promissários compradores têm legitimidade para participar das assembleias, ordinária ou extraordinária, desde que tenha havido a imissão na posse da unidade imobiliária e a cientificação do condomínio acerca da transação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o adquirente de unidade imobiliária em condomínio, portador de promessa de compra e venda sem averbação no registro de imóveis, tem direito de voto na condominial.

O art. 1.335 do Código Civil de 2002 estabelece o direito do condômino de usar, fruir e livremente dispor da sua unidade imobiliária, de utilizar-se das partes comuns e de votar nas deliberações das assembleias. Para a última hipótese, exige-se que esteja adimplente com o pagamento das despesas condominiais.

Nesse contexto, não há dúvidas de que o proprietário da unidade imobiliária pode exercer o direito de voto, permitindo-lhe que constitua procurador com poderes específicos para representá-lo na assembleia condominial.

A par disso, o art. 9º da Lei n. 4.591/1964 prescreve que "os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio (...)".

Ademais, o art. 1.334 do CC/2002, ao disciplinar as cláusulas obrigatórias da convenção condominial, também dispõe que são "equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas."

Com base nos referidos dispositivos, verifica-se que os promissários compradores têm, em regra, legitimidade para participar das assembleias - ordinária ou extraordinária -, haja vista que são equiparados aos respectivos proprietários. Por mais que não tenham efetivamente a propriedade do bem, que somente ocorrerá com o registro imobiliário da escritura pública, detêm um título que, a princípio, obriga as partes negociantes em relação a determinada unidade imobiliária.

Para tanto, importa inicialmente que seja estabelecida a relação jurídica de direito material entre as partes em relação ao imóvel, com a celebração do compromisso de compra e venda que confirme a obrigação e a intenção de alienar o referido bem.

Todavia, para que o promissário comprador tenha a legitimidade de votar em assembleia condominial, também há a necessidade de imissão na posse do imóvel, visto que é partir desse momento que ele também terá o dever de arcar com as despesas condominiais, instituindo, assim, a referida relação jurídica entre condômino e condomínio.

Ou seja, o compromisso de compra e venda firma a mera vinculação negocial entre as partes contratantes, mas é somente a partir da imissão na posse na unidade imobiliária que será concretizada a relação do promissário comprador com o condomínio, independentemente de o contrato estar registrado Cartório de Imóveis.

Portanto, para a jurisprudência desta Corte, inclusive firmada no julgamento de recurso especial repetitivo (Tema n. 886), o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação (REsp 1.345.331/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/4/2015, DJe 20/4/2015).

Além disso, o condomínio precisa ser cientificado da transação e da imissão na posse, com vistas a cumprir a vontade formalizada pelas partes. Se tal comunicação for feita pelo promissário comprador, nada impede que o condomínio notifique o promitente vendedor se houver dúvida razoável acerca do contrato ou simplesmente para confirmar a realização do negócio.

Dessa forma, o promissário comprador, a partir da ciência do condomínio acerca do compromisso de compra e venda e da imissão na posse da unidade imobiliária, tem o direito de participar e de votar nas assembleias.

Processo

REsp 1.929.806-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

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Tema

Ação renovatória de locação. Diferenças dos aluguéis vencidos. Termo inicial dos juros de mora. Prazo fixado na sentença transitada em julgado. Intimação para o cumprimento de sentença.

DESTAQUE

O termo inicial dos juros de mora relativos às diferenças dos aluguéis vencidos será a data para pagamento fixada na própria sentença transitada em julgado (mora ex re) ou a data da intimação do devedor - prevista no art. 523 do CPC/2015 - para pagamento no âmbito da fase de cumprimento de sentença (mora ex persona)

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge a controvérsia a determinar, no âmbito de ação renovatória de aluguel, o termo inicial dos juros de mora relativos às diferenças de aluguéis vencidos.

De início, vale destacar que a sentença de procedência do pedido renovatória produz efeitos ex tunc, isto é, o novo aluguel é devido desde o primeiro dia imediatamente posterior ao fim do contrato primitivo.

Dessa forma, fixado o novo valor do aluguel, pode remanescer saldo relativo às diferenças de aluguéis vencidos em favor do locador ou do locatário, a depender de o novo valor ser, respectivamente, maior ou menor do que o original.

Com efeito, as diferenças, se existentes, a teor do art. 73 da Lei n. 8.245/1991, serão executadas nos próprios autos da ação renovatória.

Em razão disso, na ação renovatória, a citação não tem o condão de constituir em mora o devedor, pois, quando da sua ocorrência, ainda não é possível saber quem será o credor e quem será o devedor das diferenças, se existentes, o que somente ocorrerá após o trânsito em julgado.

Na hipótese de ação renovatória de locação, portanto, tendo em vista que, em regra, não há mora sem fato ou omissão imputável e sem dívida certa, líquida e exigível, é de fundamental importância verificar se a sentença que julga procedente a pretensão autoral fixa prazo para pagamento do saldo de aluguéis.

Isso porque, após o trânsito em julgado, se a própria sentença marcar data para pagamento das diferenças, incorrerá em mora o devedor que não adimplir no termo estipulado, pois esta data integrará, definitivamente o título executivo. Trata-se de hipótese de mora ex re. Por outro lado, inexistindo o referido prazo na própria sentença, o devedor deverá ser interpelado para pagar, sob pena de incidir em mora. Trata-se, aqui, de mora ex persona.

Ocorre, no entanto, que o referido entendimento merece ser atualizado, levando-se em consideração as modernas balizas do processo civil. De fato, no processo civil contemporâneo, em virtude da adoção do chamado processo sincrético, a "citação na ação de execução" foi substituída pela intimação do devedor para pagar no âmbito da fase de cumprimento de sentença, data que deverá ser considerada, portanto, como termo inicial dos juros moratórios, se a própria sentença não estipular prazo para pagamento.

Assim, pode-se afirmar que: a) renovada a locação, os novos aluguéis fixados em sentença são devidos desde o primeiro mês subsequente o fim do contrato primitivo; b) o termo inicial dos juros de mora relativos às diferenças dos aluguéis vencidos será a data para pagamento fixada na própria sentença transitada em julgado (mora ex re) ou a data da intimação do devedor - prevista no art. 523 do CPC/2015 - para pagamento no âmbito da fase de cumprimento de sentença (mora ex persona).

Processo

REsp 1.943.335-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

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Tema

Seguro empresarial contra incêndio. Seguro de dano. Perda total do bem segurado. Limitação da indenização ao prejuízo efetivamente experimentado.

DESTAQUE

Na hipótese de perda total do bem segurado, o valor da indenização só corresponderá ao montante integral da apólice se o valor segurado, no momento do sinistro, não for menor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cumpre salientar que, segundo a doutrina, a indenização a ser recebida pelo segurado, no caso da consumação do risco provocador do sinistro, deve corresponder ao real prejuízo do interesse segurado. Há de ser apurado por perícia técnica o alcance do dano. O limite máximo é o da garantia fixada na apólice. Se os prejuízos forem menores do que o limite máximo fixado na apólice, o segurador só está obrigado a pagar o que realmente aconteceu.

Se a própria lei estabelece que a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato (art. 778 do CC/2002), e se o valor do bem segurado corresponde, de ordinário, ao valor da apólice (uma vez que de outra forma não se teria uma reparação efetiva do prejuízo sofrido, escopo maior do contrato de seguro), parece lícito admitir que a indenização deva ser paga pelo valor integral da apólice na hipótese de perecimento integral do bem.

Mas essa assertiva precisa ser tomada com bastante cautela. Isso porque o art. 781 do CC/2002, inovando em relação aos art. 1.437 do CC/16 e 778 do CC/2002, e prestigiando ainda mais o princípio indenitário, afirmou que o valor da coisa segurada, que servirá de teto para a indenização, deve ser aferido no momento do sinistro.

Assim, o valor da coisa no momento da celebração do negócio (que corresponde de ordinário ao valor da própria apólice) serve apenas como um primeiro limite para a indenização securitária, uma vez que a garantia contratada não pode ultrapassar esse montante.

Como segundo limite apresenta-se o valor do bem segurado no momento do sinistro, pois é esse valor que reflete, de fato, o prejuízo sofrido pelo segurado em caso de destruição do bem.

Vale mencionar que a regra contida na primeira parte do art. 781 do CC/2002, tem em vista a variação na expressão econômica do interesse segurado ao longo do tempo.

Deste modo, pode ocorrer variação no valor do interesse segurado. Tal circunstância deve ser considerada para que o sinistro não resulte em fonte de lucro para o segurado, ou, ao contrário, em fonte de prejuízo.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 573

Processo

REsp 1.946.388-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 07/12/2021, DJe 17/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

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Tema

Compra e venda de automóvel. Vício do produto. Resolução do contrato de financiamento. Responsabilidade de agente financeiro não vinculado à montadora. Não cabimento. Exceção. Banco integrante do grupo econômico da montadora.

DESTAQUE

Os agentes financeiros ("bancos de varejo") que financiam a compra e venda de automóvel não respondem pelos vícios do produto, subsistindo o contrato de financiamento mesmo após a resolução do contrato de compra e venda, exceto no caso dos bancos integrantes do grupo econômico da montadora ("bancos da montadora").

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido da ausência de responsabilidade da instituição financeira que atua como mero "banco de varejo" por vício do veículo financiado.

A exceção a esse entendimento fica por conta dos bancos integrantes do grupo econômico da própria montadora, hipótese em que a jurisprudência estende a responsabilidade por vício do produto para o agente financeiro.

Assim, a responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a concessionária de automóveis somente se perfaz quando existe vinculação entre ambas, isto é, a instituição financeira atua como "banco da montadora", integrando a cadeia de consumo e, portanto, sendo responsável pelo defeito no produto.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 554

Processo

REsp 1.801.518-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Ação Civil Pública. Execução coletiva. Art. 98 do CDC. Direitos individuais homogêneos. Ausência de legitimidade do Ministério Público.

DESTAQUE

O Ministério Público não possui legitimidade para promover a execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social a justificar sua atuação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, cumpre salientar que os direitos individuais homogêneos, por sua própria natureza, comportam execução individual na fase de cumprimento de sentença, conforme previsto no art. 97 do CDC.

Além da execução individual, surgem ainda duas outras possibilidades, a execução "coletiva" do art. 98, e a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100, ambos do CDC.

Embora o art. 98 do CDC faça referência aos legitimados elencados no art. 82 do CDC, cumpre observar que, na fase de execução da sentença coletiva, a cognição judicial se limita à função de identificar o beneficiário do direito reconhecido na sentença (cui debeatur) e a extensão individual desse direito (quantum debeatur), pois, nessa fase processual, a controvérsia acerca do núcleo de homogeneidade do direito já se encontra superada.

Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução.

Segundo a doutrina, "a legitimidade do Ministério Público fica reservada para as hipóteses de direitos difusos ou de direitos coletivos em sentido estrito ou, subsidiariamente, para a hipótese de 'coletivização' do resultado do processo, o que se dá quando a quantidade de habilitações individuais é inexpressiva (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor). Essa excepcionalíssima hipótese, em que admitimos a legitimidade do Ministério Público em causas que versem direitos individuais homogêneos, decorre justamente dessa nova destinação do resultado concreto da ação".

Nessa linha de entendimento, impõe-se declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para o pedido de cumprimento da sentença coletiva, sem prejuízo da legitimidade para a execução residual prevista no art. 100 do CDC.

Processo

REsp 1.878.653-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

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Tema

Cooperativa de crédito. Liquidação pelo Banco Central do Brasil. Submissão ao processo de falência. Cabimento. Especialidade da Lei n. 6.024/1974 ante a Lei n. 11.101/2005.

DESTAQUE

É possível a submissão de cooperativa de crédito ao processo de falência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, cumpre salientar que a cooperativa de crédito se equipara a instituição financeira, sujeitando-se, portanto, ao regime de liquidação especial previsto na Lei n. 6.024/1974.

Como se verifica do art. 2º, inciso II da Lei n. 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial e Falência excluiu de seu âmbito de incidência as cooperativas de crédito.

Nesse passo, tendo em vista a especialidade da Lei n. 6.024/1974, o art. 2º, inciso II, da Lei n. 11.101/2005 excluiu tão somente o regime da recuperação judicial, não afastando a possibilidade de decretação da quebra com base na previsão normativa expressa da Lei n. 6.024/1974, em seu art. 21, alínea b, com natural aplicação das disposições da Lei n. 11.101/2005, em caráter subsidiário.

A doutrina afirma que "a cooperativa de crédito distingue-se das cooperativas em geral. Enquanto as primeiras, por desempenharem atividade de intermediação financeira, poderão ser submetidas à falência, as cooperativas em geral são consideradas pela Lei sociedades simples, independentemente do objeto por elas desenvolvido (art. 982, parágrafo único, do CC)".

Deste modo, admite-se a possibilidade de decretação da quebra de sociedades cooperativas de crédito.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

DA IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE EM CASOS DE ADOÇÃO PRÉVIA.

 

DA IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE EM CASOS DE ADOÇÃO PRÉVIA.

INAPLICABILIDADE DA TESE DO TEMA N. 622, JULGADO PELO STF.

Flávio Tartuce[1]

Com enorme impacto para a teoria e prática, o Supremo Tribunal Federal julgou, no ano de 2016, a repercussão geral relativa à parentalidade socioafetiva. Conforme a tese firmada, “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (Recurso Extraordinário 898.060/SC, com repercussão geral, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no seu Informativo n. 840, Tema n. 622).

Como já destaquei em textos anteriores, não se pode negar que uma das grandes contribuições do aresto foi consolidar a posição jurídica de que a socioafetividade é forma de parentesco civil, em posição igualitária frente ao parentesco consanguíneo. Nesse sentido, destaque-se o seguinte trecho do voto do Ministro Relator Luiz Fux:

“A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais; (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele que utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio)” (STF, Recurso Extraordinário 898.060/SC, Tema n. 622).

Como se pode notar, o julgado aponta que a parentalidade socioafetiva é fundada na posse de estado de filho, tendo como parâmetros os seus critérios já consolidados em doutrina: nome, tratamento e reputação, a tríade nominatio, tractatio e reputatio. Além do reconhecimento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco, tenho destacado outros três aspectos de seu conteúdo.

O primeiro deles é o reconhecimento expresso, o que foi feito por vários Ministros, de ser a afetividade um valor jurídico e um princípio inerente à ordem civil-constitucional brasileira.

O segundo aspecto, frise-se, diz respeito ao fato de estar a parentalidade socioafetiva - cujo fundamento legal é o art. 1.593 do CC/2002, pela menção à “outra origem” -, em situação de igualdade com a paternidade biológica. Em outras palavras, não há hierarquia entre uma ou outra modalidade de filiação, o que representa um razoável e desejável equilíbrio.

O terceiro é último aspecto do decisum superior é a vitória da multiparentalidade ou pluriparentalidade, que passou a ser admitida pelo Direito brasileiro, mesmo que contra a vontade do pai biológico. Ficou claro, pelo julgamento, que o reconhecimento do vínculo concomitante é para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios. De toda sorte, como se retira da tese final do julgamento, é possível o reconhecimento do vínculo biológico concomitante desde que exista um vínculo de parentalidade socioafetiva prévio, fundado na posse de estado de filhos. Esse foi o caso levado a julgamento ao Supremo Tribunal Federal.

Conforme tenho sustentado, emergem grandes desafios dessa tese, mas é tarefa da doutrina, da jurisprudência e dos aplicadores do Direito resolverem os problemas que surgem, de acordo com os casos concretos colocados a julgamento pelo Poder Judiciário. Uma das hipóteses de enorme debate sobre a incidência ou não da tese do Tema n. 622 diz respeito à existência de adoção prévia.

Em uma análise superficial do panorama jurídico que emergiu com a decisão do STF poder-se-ia afirmar que deve ser reconhecido o duplo vínculo de paternidade nessas situações, tanto em relação ao pai adotivo como também em relação ao suposto pai biológico. Entretanto, como alerta Ricardo Calderon, em comentários à decisão do STF, "aspecto central nesta temática é que o caso concreto em si deverá indicar qual a decisão mais acertada para aquela situação fático-jurídica, o que não recomenda que se adotem soluções apriorísticas. Apenas a análise da situação em pauta poderá permitir concluir se naquele caso específico deve prevalecer uma dada modalidade de filiação, ou ainda, se devem coexistir ambas as modalidades em multiparentalidade. A manutenção de vínculos concomitantes passa a ser mais uma opção que se oferta para o acertamento de casos concretos que envolvam a questão" (CALDERÓN, Ricardo. O princípio da afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Edição, 2017, p. 217).

Nesse contexto, penso que a tese exarada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Tema n. 622 não incide para os casos de adoção, que é totalmente irrevogável no sistema jurídico brasileiro. Pensar o contrário feriria a legislação prevista a respeito desse instituto e o colocaria em total descrédito.

Vale lembrar que, sob a égide do Código Civil de 1916 e da Lei n. 6.697/1979, já se admitia a modalidade da adoção plena. Consoante o art. 29 do último diploma legal, “a adoção plena atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. Ademais, como estava no seu art. 37, “a adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, as quais estão equiparados os adotados, com os mesmos direitos e deveres”.

Tais previsões foram confirmadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que ora rege o instituto da adoção. Prevê o seu art. 41, caput, que “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. E mais, nos termos do seu art. 39, “a adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei. § 1º. A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei” (Incluído pela Lei n. 12.010, de 2009).

O entendimento pela não aplicação da tese do Tema n. 622 do Supremo Tribunal Federal aos casos de adoção é compartilhada por João Ricardo Brandão Aguirre. Segundo as suas palavras, “a partir dessa fundamental premissa, é possível se responder às questões relacionadas à adoção e às técnicas de reprodução assistida, posto que pleitos pautados apenas pela intenção de se obter vantagens patrimoniais ou econômicas não devem prosperar. Deste modo, o adotado que pretende desconstituir o vínculo de parentesco estabelecido com a nova família em virtude da adoção, apenas para pleitear a herança de um parente natural ou para dele requerer alimentos, não deve ter seu pedido conhecido, pois que a ausência da socioafetividade afasta a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, ressalvando-se o direito de o adotado conhecer a sua origem biológica, consoante disposto pelo art. 48 do ECA. Isso significa dizer que o vínculo meramente biológico não é capaz de produzir os efeitos decorrentes das relações de parentesco, em razão da ausência da afetividade, mas será capaz de garantir o exercício do direito à identidade. O mesmo se diga daqueles que pretendem o reconhecimento da multiparentalidade com os doadores de sêmen ou de qualquer outro material genético para clínicas de reprodução assistida, eis que a eles está garantido o direito de conhecerem a origem genética, mas não os efeitos decorrentes da multiparentalidade, posto não existir a relação socioafetiva” (AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Reflexões sobre a multiparentalidade e a repercussão geral nº 622 do STF. Direito das relações familiares contemporâneas: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Coordenação: Marcos Ehrhardt, Fabíola Albuquerque Lobo e Gustavo Andrade. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 207-208). E mais, citando José Fernando Simão, em entendimento que conta com o meu total apoio:

“Assim sendo, é possível se afirmar, forte no escólio de José Fernando Simão, que ‘o doador de esperma, na hipótese de técnica de reprodução assistida heterólogo, não é pai, mas apenas ascendente genético’. Também no caso de adoção ‘há rompimento dos vínculos de filiação com a família genética, ou seja, o filho terá apenas o pai adotivo, sendo que aquele que um dia foi seu pai assume o status apenas de ascendente genético’. E, por fim, aquele que desconhece o fato de possuir um filho biológico, pois sua namorada não contou da gravidez, por exemplo, ‘e um dia descobre que esse filho foi criado por outro homem, a quem chama de pai, não é pai, mas apenas ascendente genético’. Isso porque não há, em nenhum desses casos, relação socioafetiva capaz de dar fundamento à multiparentalidade”.

Na mesma linha, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que “em nosso sentir, apenas ilustrando, pensamos não ser possível a aplicação da tese em caso de adoção – por expressa disposição de lei - nem aos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga” (Novo Curso de Direito Civil. Volume 6. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 11ª Edição, 2021, p. 637). Também Paulo Lôbo, um dos grandes especialistas sobre o tema da parentalidade socioafetiva em nosso País, leciona que “permanece o direito ao reconhecimento da origem genética, como direito da personalidade, sem efeito de parentesco, na hipótese de adoção, conforme previsto no art. 48 do ECA, com redação dada pela Lei 12.010/2009: (...). Em caso de recusa ao acesso, pode ser ajuizada ação para tal finalidade, que não se confunde com a ação de investigação de paternidade ou maternidade. A decisão do STF não implica inconstitucionalidade de norma legal que estabelece a ruptura dos vínculos familiares de origem do adotado, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais” (Parentalidade socioafetiva e multiparentalidade. Questões Atuais. In Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência. Coordenadores: Luis Felipe Salomão e Flavio Tartuce, São Paulo: Atlas, 2018, p. 607).

Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “não será possível aplicar a multiparentalidade nos casos em que a filiação socioafetiva decorrer de uma adoção. Isso porque, por expressa disposição do art. 49 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção rompe todos os vínculos biológicos que não serão restabelecidos, sequer, pela morte dos adotantes. De fato, permitir o estabelecimento de uma parentalidade plúrima entre pais adotivos e biológicos poderia ser a depreciação da adoção, reduzindo a sua relevância e segurança jurídica. Quem adota, naturalmente, pressupõe a ruptura definitiva dos liames biológicos do adotado, não havendo espaço para a tese” (Curso de Direito Civil. Volume 6. Famílias. Salvador: Juspodivm, 13ª Edição, 2021, p. 656). Igualmente, Maria Berenice Dias, ao analisar especificamente a multiparentalidade pontua que “o art. 48 do ECA garante ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica. Deste modo, não há como negar-lhe acesso à Justiça. No entanto, como a adoção é irrevogável (ECA 39 §1º), o reconhecimento da filiação biológica não enseja alterações no assento de nascimento e nem gera efeitos pessoais ou patrimoniais” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Salvador: Juspodivm, 13ª Edição, 2020, p. 291-292). Observe-se, na linha do que ensinam os últimos autores, que eventual reconhecimento não se dá em ação investigatória de parentalidade, mas em ação de busca de ascendência genética. E, ao final desta ação, apenas se declara o vínculo biológico, sem se estabelecer o parentesco, com todas as suas consequências jurídicas.

Como última nota, é preciso fazer a distinção (“distinguishing”) da hipótese de adoção prévia em relação ao que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal quando do Tema n. 622. Nas palavras, de Silvano José Gomes Flumignan, trata-se de “uma técnica que busca comparar os pressupostos de fato e de direito preponderantes para a tese do precedente em relação a um determinado caso concreto. Se os pressupostos forem os mesmos ou, pelo menos, existir grande similitude fática e jurídica, o precedente é adequado àquele caso. Se, por outro lado, os casos não forem similares, haverá inadequação do precedente” (Debates iniciais sobre distinção para precedentes em formação. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-19/direito-civil-atual-debates-distincao-precedentes-formacao-dis.... Publicado em 19 de julho de 2021. Acesso em 17 de janeiro de 2021).

O caso analisado pelo STF, como antes pontuado, disse respeito à hipótese concreta em que alguém – já reconhecido por pai socioafetivo, por meio de adoção informal ou “adoção à brasileira” -, pretendia o reconhecimento do vínculo biológico. Como está das fls. 9 do inteiro teor do acórdão, em trecho de parte do voto do Ministro Fux, “, rapidamente, a verdade é que nós nos defrontamos com uma arguição no recurso extraordinário, e é o que foi afetado na repercussão geral, sobre o fato de que o recorrente se opunha ao reconhecimento da paternidade biológica, e já havia a paternidade socioafetiva. Então, havia um confronto. O que o Tribunal decidiu? Que uma coisa não inibe a outra. Qual é a minha tese? A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público - no caso, essa era declarada; porque também nós reconhecemos a afetividade como um fato gerador de filiação -, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências jurídicas” (STF, Recurso Extraordinário 898.060/SC, Tema n. 622). Sendo assim e fazendo-se a referida distinção, há, sem dúvidas, inadequação do precedente à adoção.

Por fim, além dessa distinção a respeito do julgado superior em si, a verdade é que os precedentes anteriores sobre a multiparentalidade também dizem respeito a vínculo de parentalidade socioafetiva cumulado com o vínculo biológico, e não quanto à adoção, o que confirma a afirmação de sua inaplicabilidade na última situação.


[1] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP). Conselheiro seccional da OABSP e Diretor da ESAOABSP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.