quarta-feira, 27 de novembro de 2013
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
RESUMO. INFORMATIVO 530 DO STJ.
DIREITO
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Na fixação do valor
da indenização, não se deve aplicar o critério referente à teoria da perda da
chance, e sim o da efetiva extensão do dano causado (art. 944 do CC), na
hipótese em que o Estado tenha sido condenado por impedir servidor público, em
razão de interpretação equivocada, de continuar a exercer de forma cumulativa
dois cargos públicos regularmente acumuláveis. Na hipótese de perda da chance, o objeto da reparação
é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que há que
fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A
chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá
no montante da indenização. Contudo, na situação em análise, o dano sofrido não
advém da perda de uma chance, pois o servidor já exercia ambos os cargos no
momento em que foi indevidamente impedido de fazê-lo, sendo este um evento
certo, em relação ao qual não restam dúvidas. Não se trata, portanto, da perda
de uma chance de exercício cumulativo de ambos os cargos, porque isso já
ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal gerou dano de caráter
certo e determinado, que deve ser indenizado de acordo com sua efetiva extensão
(art. 944 do CC). REsp
1.308.719-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/6/2013.
DIREITO CIVIL.
COBERTURA DO SEGURO DPVAT. A vítima de dano pessoal causado por veículo
automotor de via terrestre tem direito ao recebimento da indenização por
invalidez permanente prevista no art. 3º da Lei 6.194/1974 – a ser coberta pelo
seguro DPVAT – na hipótese em que efetivamente constatada a referida invalidez,
mesmo que, na data do evento lesivo, a espécie de dano corporal sofrido – hoje
expressamente mencionada na lista anexa à Lei 6.194/1974 (incluída pela MP
456/2009) – ainda não constasse da tabela que, na época, vinha sendo utilizada
como parâmetro para o reconhecimento da invalidez permanente (elaborada pelo
Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP). De fato, a expressão “invalidez permanente” prevista
no art. 3º da Lei 6.194/1974 constitui conceito jurídico indeterminado. Em um
primeiro momento, o conteúdo da expressão foi determinado a partir da listagem
de situações que, sabidamente, seriam aptas a gerar invalidez permanente, total
ou parcial. Entretanto, não é possível prever, por meio de uma listagem de
situações, todas as hipóteses causadoras de invalidez permanente, de forma que,
em última análise, incumbe ao intérprete a definição do conteúdo daquele
conceito jurídico indeterminado. Assim, deve-se considerar que as situações
previstas na lista anexa à Lei 6.194/1974 constituem rol meramente
exemplificativo, em contínuo desenvolvimento tanto na ciência como no direito.
O não enquadramento de uma determinada situação na lista previamente elaborada
não implica, por si só, a não configuração da invalidez permanente, sendo
necessário o exame das peculiaridades de cada caso concreto. Nesse contexto, a
nova lista – bem como os critérios científicos que pautaram sua elaboração –
pode e deve ser utilizada como instrumento de integração da tabela anterior, em
razão do princípio da igualdade, sem que isso constitua aplicação retroativa. REsp
1.381.214-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/8/2013.
DIREITO CIVIL.
DIREITO DE VOTO EM ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO. Em assembleia condominial,
o condômino proprietário de diversas unidades autônomas, ainda que inadimplente
em relação a uma ou algumas destas, terá direito de participação e de voto
relativamente às suas unidades que estejam em dia com as taxas do condomínio. É certo que o CC submete o exercício do direito de
participar e votar em assembleia geral à quitação das dívidas que o condômino
tiver com o condomínio. Todavia, deve-se considerar que a quitação exigida pelo
art. 1.335, III, do CC para que o condômino tenha o direito de participar das
deliberações das assembleias com direito a voto refere-se a cada unidade.
Assim, considerando que as taxas condominiais são devidas em relação a cada
unidade, autonomamente considerada, a penalidade advinda de seu não pagamento,
consequentemente, também deve ser atrelada a cada unidade. Ressalte-se que, a
partir de uma interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos que
tratam do condomínio edilício, é possível depreender que a figura da
"unidade isolada" constitui elemento primário da formação do condomínio,
estando relacionada a direitos e deveres, que devem ser entendidos como
inerentes a cada unidade. De fato, em razão da natureza propter rem
das cotas condominiais, a dívida delas decorrente estará atrelada a cada
unidade, por se tratar de despesa assumida em função da própria coisa.
Destaque-se que o CC trouxe como objeto central do condomínio edilício a
"unidade autônoma" – e não a figura do condômino –, em virtude da
qual o condomínio se instaura, numa relação de meio a fim, apontando assim para
a adoção da concepção objetiva de condomínio. Ademais, as dívidas relativas ao
imóvel são por ele garantidas, o que indica a estrita vinculação entre o dever
de seu pagamento e a propriedade do bem. REsp
1.375.160-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2013.
DIREITO CIVIL E
DO CONSUMIDOR. PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO. Aplica-se a regra contida no
art. 14 do CDC, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo
fato do serviço, em ação regressiva ajuizada por seguradora objetivando o
ressarcimento de valor pago a segurado que tivera seu veículo roubado enquanto
estava sob a guarda de manobrista disponibilizado por restaurante. Isso porque, na ação regressiva, devem ser aplicadas
as mesmas regras do CDC que seriam utilizadas em eventual ação judicial promovida
pelo segurado (consumidor) contra o restaurante (fornecedor). Com efeito, após
o pagamento do valor contratado, ocorre sub-rogação, transferindo-se à
seguradora todos os direitos, ações, privilégios e garantias do segurado, em
relação à dívida, contra o restaurante, de acordo com o disposto no art. 349 do
CC. REsp
1.321.739-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 5/9/2013.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. O restaurante que ofereça serviço de manobrista (valet parking) prestado em via pública não poderá ser civilmente
responsabilizado na hipótese de roubo de veículo de cliente deixado sob sua
responsabilidade, caso não tenha concorrido para o evento danoso. O
roubo, embora previsível, é inevitável, caracterizando, nessa hipótese, fato de
terceiro apto a romper o nexo de causalidade entre o dano (perda patrimonial) e
o serviço prestado. Ressalte-se que, na situação em análise, inexiste
exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à
disposição do cliente. É certo que a diligência na guarda da coisa está
incluída nesse serviço. Entretanto, as exigências de garantia da segurança
física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas
atinentes aos estacionamentos de shopping
centers e hipermercados, pois, diferentemente destes casos,
trata-se de serviço prestado na via pública. REsp 1.321.739-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 5/9/2013.
DIREITO CIVIL E
DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE DISTRATO. É abusiva a cláusula
de distrato – fixada no contexto de compra e venda imobiliária mediante
pagamento em prestações – que estabeleça a possibilidade de a construtora
vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das
parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Isso porque os arts. 53 e 51, IV, do CDC coíbem
cláusula de decaimento que determine a retenção de valor integral ou
substancial das prestações pagas, por consubstanciar vantagem exagerada do
incorporador. Nesse contexto, o art. 53 dispõe que, nos “contratos de compra e
venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas
alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as
cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do
credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a
retomada do produto alienado”. O inciso IV do art. 51, por sua vez, estabelece
que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Além disso, o fato
de o distrato pressupor um contrato anterior não implica desfiguração da sua
natureza contratual. Isso porque, conforme o disposto no art. art. 472 do CC,
"o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato", o que
implica afirmar que o distrato nada mais é que um novo contrato, distinto ao
contrato primitivo. Dessa forma, como em qualquer outro contrato, um
instrumento de distrato poderá, eventualmente, ser eivado de vícios, os quais,
por sua vez, serão passíveis de revisão em juízo, sobretudo no campo das
relações consumeristas. Em outras palavras, as disposições estabelecidas em um
instrumento de distrato são, como quaisquer outras disposições contratuais,
passíveis de anulação por abusividade. REsp
1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013
DIREITO CIVIL E
DO CONSUMIDOR. RETENÇÃO DE PARTE DO VALOR DAS PRESTAÇÕES NA HIPÓTESE DE
DISTRATO. Na hipótese de distrato referente à compra e venda de imóvel,
é justo e razoável admitir-se a retenção, pela construtora vendedora, como
forma de indenização pelos prejuízos suportados, de parte do valor
correspondente às prestações já pagas, compensação que poderá abranger, entre
outras, as despesas realizadas com divulgação, comercialização, corretagem e
tributos, bem como o pagamento de quantia que corresponda à eventual utilização
do imóvel pelo adquirente distratante. Precedente citado: RCDESP no AREsp 208.018-SP,
Terceira Turma, DJe 5/11/2012. REsp
1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.
DIREITO CIVIL.
RECUSA À SUBMISSÃO A EXAME DE DNA. No âmbito de ação declaratória de
inexistência de parentesco cumulada com nulidade de registro de nascimento na
qual o autor pretenda comprovar que o réu não é seu irmão, apesar de ter sido
registrado como filho pelo seu falecido pai, a recusa do demandado a se
submeter a exame de DNA não gera presunção de inexistência do parentesco,
sobretudo na hipótese em que reconhecido o estado de filiação socioafetivo do
réu. Em demandas envolvendo
reconhecimento de paternidade, a recusa de filho em se submeter ao exame de DNA
permite dois ângulos de visão: a referente a filho sem paternidade estabelecida
e a relacionada a filho cuja paternidade já tenha sido fixada. No primeiro
caso, deve-se conferir ao pai o direito potestativo de ver reconhecido seu
vínculo de paternidade com o fim de constituição da família, nada impedindo,
porém, que o suposto descendente recuse submeter-se ao exame pericial. O caso
será, então, interpretado à luz do art. 232 do CC – “A recusa à perícia médica
ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame” –,
considerando o fato de que é imprescindível existirem outras provas da
filiação. Já nas situações em que o suposto filho que possui a paternidade
fixada recuse a realização do exame de DNA, a complexidade é exacerbada, de
modo que, a depender do caso, dever-se-á reconhecer, sem ônus, o direito à
recusa do filho, especialmente nas hipóteses nas quais se verifique a
existência de paternidade socioafetiva, uma vez que a manutenção da família é
direito de todos e deve receber respaldo do Judiciário. Na hipótese em apreço,
a recusa do filho não pode gerar presunção de que ele não seria filho biológico
do pai constante no seu registro de nascimento. Inicialmente, porque a manifestação
espontânea do desejo de colocar o seu nome, na condição de pai, no registro do
filho é ato de vontade perfeito e acabado, gerando um estado de filiação
acobertado pela irrevogabilidade, incondicionalidade e indivisibilidade (arts.
1.610 e 1.613 do CC). Nesse sentido, não se pode esquecer que "o
reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando
demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de
anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é
necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por
exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (REsp
1.022.763-RS, Terceira Turma, DJe 3/2/2009). Além disso, deve haver uma ponderação
dos interesses em disputa, harmonizando-os por meio da proporcionalidade ou
razoabilidade, sempre se dando prevalência àquele que conferir maior projeção à
dignidade humana, haja vista ser o principal critério substantivo na direção da
ponderação de interesses constitucionais. Dessa forma, no conflito entre o
interesse patrimonial do irmão que ajuíza esse tipo de ação, para o
reconhecimento de suposta verdade biológica, e a dignidade do réu em preservar
sua personalidade – sua intimidade, identidade, seu status jurídico de
filho –, deve-se dar primazia aos últimos. Ainda que assim não fosse, isto é,
mesmo que, na situação em análise, reconheça-se a presunção relativa decorrente
da negativa da demandada em se submeter ao DNA, nenhuma consequência prática
nem jurídica poderia advir daí. Isso porque o STJ sedimentou o entendimento de
que, em conformidade com os princípios do CC e da CF de 1988, o êxito em ação
negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, de que
inexiste origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado
de filiação fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na
convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da
paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em
aberto conflito com a paternidade socioafetiva. Portando, o exame de DNA em
questão serviria, por via transversa, tão somente para investigar a
ancestralidade da ré, não tendo mais nenhuma utilidade para o caso em apreço.
Ocorre que, salvo hipóteses excepcionais, o direito de investigação da origem
genética é personalíssimo, e somente pode ser exercido diretamente pelo titular
após a aquisição da plena capacidade jurídica. REsp
1.115.428-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.
DIREITO CIVIL.
AÇÃO CIVIL EX DELICTO. O termo inicial do prazo de prescrição para o
ajuizamento da ação de indenização por danos decorrentes de crime (ação civil ex
delicto) é a data do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, ainda que se trate de ação proposta contra empregador em razão de
crime praticado por empregado no exercício do trabalho que lhe competia. Sabe-se que, em regra, impera a noção de independência
entre as instâncias civil e criminal (art. 935 do CC). O CC, entretanto, previu
dispositivo inédito em seu art. 200, reconhecendo causa impeditiva da
prescrição. De acordo com o referido artigo, “Quando a ação se originar de fato
que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da
respectiva sentença definitiva”. Assim, prestigiando a boa-fé e a segurança
jurídica, estabelece a norma que o início do prazo prescricional não decorre da
violação do direito subjetivo em si, mas, ao contrário, a partir da definição
por sentença no juízo criminal que apure definitivamente o fato, ou seja, há
uma espécie legal de actio nata. A aplicação do art. 200 do CC tem
valia quando houver relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal
– isto é, quando a conduta originar-se de fato também a ser apurado no juízo
criminal –, sendo fundamental a existência de ação penal em curso (ou, ao
menos, inquérito policial em trâmite). Posto isso, cumpre ressaltar que o art.
933 do CC considera a responsabilidade civil por ato de terceiro como sendo
objetiva. A responsabilização objetiva do empregador, no entanto, só exsurgirá
se, antes, for demonstrada a culpa do empregado ou preposto, à exceção, por
evidência, da relação de consumo. Nesse contexto, em sendo necessária, para o
reconhecimento da responsabilidade civil do patrão pelos atos do empregado, a
demonstração da culpa anterior do causador direto do dano, deverá, também,
incidir a causa obstativa da prescrição do art. 200 no tocante à ação civil ex
delicto, caso esta conduta do preposto esteja também sendo apurada em
processo criminal. É que, como bem adverte a doutrina, não obstante a ação
penal só se dirigir contra os autores do dano, o prazo prescricional ficará
suspenso, também, para o ajuizamento da ação contra os responsáveis, já que na
lei não se encontra limitação desse efeito (art. 932 do CC). Além disso,
devem-se aplicar as regras de hermenêutica jurídica segundo as quais ubi
eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo
direito) e ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma
razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir). Ademais, o fato
gerador da responsabilidade indireta é a confirmação do crime praticado por seu
preposto, até porque a ação civil pode ter outra sorte caso haja, por exemplo,
o reconhecimento de alguma excludente de ilicitude ou até mesmo a inexistência
do dito fato delituoso ou sua autoria. Por fim, não se pode olvidar que, apesar
do reconhecimento do fato criminoso pelo preposto, ainda caberá a discussão
quanto à causa específica da responsabilização por ato de outrem, isto é, a
relação de preposição e a prática do ato em razão dela. REsp
1.135.988-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/10/2013.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. Em uma relação contratual
avençada com fornecedor de grande porte, uma sociedade empresária de pequeno
porte não pode ser considerada vulnerável, de modo a ser equiparada à figura de
consumidor (art. 29 do CDC), na hipótese em que o fornecedor não tenha violado
quaisquer dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 do CDC. De fato, o art. 29 do CDC dispõe que, “Para os fins
deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas". Este
dispositivo está inserido nas disposições gerais do Capítulo V, referente às
Práticas Comerciais, e faz menção também ao Capítulo VI, que trata da Proteção
Contratual. Assim, para o reconhecimento da situação de vulnerabilidade, o que
atrairia a incidência da equiparação prevista no art. 29, é necessária a
constatação de violação a um dos dispositivos previstos no art. 30 a 54, dos
Capítulos V e VI, do CDC. Nesse contexto, caso não tenha se verificado práticas
abusivas na relação contratual examinada, a natural posição de inferioridade do
destinatário de bens ou serviços não possibilita, por si só, o reconhecimento
da vulnerabilidade. REsp
567.192-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/9/2013.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
RESUMO. INFORMATIVO 529 DO STJ.
RESUMO. INFORMATIVO 529 DO STJ.
DIREITO CIVIL.
FORMA PRESCRITA EM LEI PARA A CESSÃO GRATUITA DE MEAÇÃO. A lavratura de
escritura pública é essencial à validade do ato praticado por viúva consistente
na cessão gratuita, em favor dos herdeiros do falecido, de sua meação sobre
imóvel inventariado cujo valor supere trinta salários mínimos, sendo
insuficiente, para tanto, a redução a termo do ato nos autos do inventário. Isso porque, a cessão gratuita da meação não configura
uma renúncia de herança, que, de acordo com o art. 1.806 do CC, pode ser
efetivada não só por instrumento público, mas também por termo judicial.
Trata-se de uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do CC,
far-se-á por escritura pública ou instrumento particular, devendo-se observar,
na hipótese, a determinação contida no art. 108 do CC, segundo a qual “a
escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País”. De fato, enquanto a renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão
e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro – a
posse ou a propriedade dos bens do de cujus transmitem-se aos
herdeiros quando e porque aberta a sucessão (princípio do saisine) –,
a meação, de outro modo, independe da abertura da sucessão e pode ser objeto de
ato de disposição pela viúva a qualquer tempo, seja em favor dos herdeiros ou
de terceiros, já que aquele patrimônio é de propriedade da viúva em decorrência
do regime de bens do casamento. Além do mais, deve-se ressaltar que o ato de
disposição da meação também não se confunde com a cessão de direitos
hereditários (prevista no art. 1.793 do CC), tendo em vista que esta também pressupõe
a condição de herdeiro do cedente para que possa ser efetivada. Todavia, ainda
que se confundissem, a própria cessão de direitos hereditários exige a
lavratura de escritura pública para sua efetivação, não havendo por que
prescindir dessa formalidade no que tange à cessão da meação. REsp
1.196.992-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/8/2013.
DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL À
PRETENSÃO DE COBRANÇA DE PARCELAS INADIMPLIDAS ESTABELECIDAS EM CONTRATO DE
MÚTUO PARA CUSTEIO DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS. A pretensão de cobrança de parcelas inadimplidas estabelecidas
em contrato de crédito rotativo para custeio de estudos universitários
prescreve em vinte anos na vigência do CC/1916 e em cinco anos na vigência do
CC/2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002. De
fato, na vigência do CC/1916, a pretensão estava sujeita ao prazo prescricional
do art. 177 do referido código – vinte anos –, em razão da inexistência de
prazo específico. No entanto, com a entrada em vigor do CC/2002, impera regra
específica inserta no art. 206, § 5º, I, do CC/2002, que prevê o prazo prescricional
quinquenal para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular. É inadequada, portanto, a incidência do
prazo geral decenal previsto no art. 205 CC/2002 – dez anos –, destinado às
hipóteses em que não existir prazo menor especial, previsto em algum dos
parágrafos do art. 206. REsp 1.188.933-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/8/2013.
DIREITO CIVIL.
INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE CONTRATO DE SEGURO. No
contrato de seguro de vida e acidentes pessoais, o segurado não tem direito à
indenização caso, agindo de má-fé, silencie a respeito de doença preexistente
que venha a ocasionar o sinistro, ainda que a seguradora não exija exames
médicos no momento da contratação. Isso
porque, quando da contratação de um seguro de vida, ao segurado cabe o dever de
fazer declarações verídicas sobre seu real estado de saúde, cujo conteúdo é
determinante para a aceitação da proposta, bem como para a fixação do prêmio.
Ademais, o CC destaca a necessidade de boa-fé para as relações securitárias
(art. 765), além de estar presente como cláusula geral de interpretação dos
negócios jurídicos (art. 113) e como diretriz de observância obrigatória na
execução e conclusão de qualquer contrato (art. 422). Sendo assim, a seguradora
só pode se eximir do dever de indenizar, alegando omissão de informações por parte
do segurado, se dele não exigiu exames clínicos, caso fique comprovada sua
má-fé. AgRg no REsp
1.286.741-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2013.
DIREITO CIVIL.
PRAZO PRESCRICIONAL DE PRETENSÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DA NÃO
RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO DE VIDA COLETIVO. Prescreve em três
anos a pretensão do segurado relativa à reparação por danos sofridos em
decorrência da não renovação, sem justificativa plausível, de contrato de
seguro de vida em grupo, após reiteradas renovações automáticas. Isso porque a causa de pedir da indenização é a
responsabilidade extracontratual da seguradora decorrente da alegada
abusividade e ilicitude da sua conduta de não renovar o contrato sem
justificativa plausível, em prejuízo dos seus consumidores. Assim, o prazo
prescricional da pretensão do segurado não é o de um ano definido pelo art.
206, § 1º, II, do CC – o qual diz respeito às hipóteses em que a
pretensão do segurado se refira diretamente a obrigações previstas em
contrato de seguro –, mas sim o de três anos prescrito pelo art. 206, § 3º, V,
do mesmo código. REsp
1.273.311-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2013.
DIREITO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DE EMBARQUE DE CRIANÇA PARA O EXTERIOR. É
lícita a conduta de companhia aérea consistente em negar o embarque ao exterior
de criança acompanhada por apenas um dos pais, desprovido de autorização na
forma estabelecida no art. 84 do ECA, ainda que apresentada – conforme
estabelecido em portaria da vara da infância e da juventude – autorização do
outro genitor escrita de próprio punho e elaborada na presença de autoridade
fiscalizadora no momento do embarque. Isso porque, quando se tratar de viagem para o exterior,
exige-se a autorização judicial, que somente é dispensada se a criança ou o
adolescente estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsáveis, ou se
viajarem na companhia de um deles, com autorização expressa do outro por meio
de documento com firma reconhecida (art. 84 do ECA). Dessa forma, portaria
expedida pela vara da infância e juventude que estabeleça a possibilidade de
autorização do outro cônjuge mediante escrito de próprio punho elaborado na
presença das autoridades fiscalizadoras no momento do embarque não tem a
aptidão de suprir a forma legalmente exigida para a prática do ato. Ademais,
deve-se ressaltar que o poder normativo da justiça da infância e da juventude
deve sempre observar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente
e, sobretudo, as regras expressas do diploma legal regente da matéria. Além
disso, é válido mencionar que, não obstante o País tenha passado por uma onda
de desburocratização, a legislação deixou clara a ressalva de que o
reconhecimento de firma não seria dispensado quando exigido em lei, bem como
que a dispensa seria exclusivamente para documentos a serem apresentados à
administração direta e indireta (art. 1º do Dec. 63.166/1968, art. 2º do Dec.
83.936/1979 e art. 9º do Dec. 6.932/2009). REsp
1.249.489-MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 13/8/2013.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO EM CONTRATO DE PENHOR. Em
contrato de penhor firmado por consumidor com instituição financeira, é nula a
cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo
ou extravio do bem empenhado. De
fato, nos termos do inciso I do art. 51 do CDC, serão consideradas abusivas e
nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a
responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e
serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Cumpre ressaltar que,
na situação em análise, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois esse,
necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são
inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela
instituição financeira. Nessa avença, a avaliação, além de unilateral, é focada
precipuamente nos interesses do banco, sendo que o valor da avaliação é sempre
inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista. Note-se que, ao
submeter-se ao contrato de penhor perante a instituição financeira, que detém o
monopólio de empréstimo sob penhor de bens pessoais, o consumidor demonstra não
estar interessado em vender os bens empenhados, preferindo transferir apenas a
posse temporária deles ao agente financeiro, em garantia do empréstimo. Pago o
empréstimo, tem plena expectativa de retorno dos bens. Ademais, deve-se levar
em consideração a natureza da atividade exercida pela instituição financeira,
devendo-se entender o furto ocorrido como fortuito interno. Precedente citado:
REsp 1.133.111-PR, Terceira Turma, DJe 5/11/2009; e REsp 273.089-SP, Quarta
Turma, DJ de 24/10/2005. REsp
1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. DANOS MORAIS NO CASO DE FURTO DE BEM EMPENHADO. É possível
que instituição financeira seja condenada a compensar danos morais na hipótese
de furto de bem objeto de contrato de penhor. Efetivamente, o consumidor que decide pelo penhor
assim o faz pretendendo receber o bem de volta e, para tanto, confia que o
credor o guardará pelo prazo ajustado. Se o bem empenhado fosse um bem
qualquer, sem nenhum valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela
venda do bem e, certamente, obteria um valor maior. REsp
1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
CURSO AASP E ENAOAB-CONSELHO FEDERAL. LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRESENCIAL E TELEPRESENCIAL.
LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA: ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS
Coordenação.
Dr. Flávio Tartuce
Horário
19 h (horário de Brasília/DF)
Carga Horária
8 h
AULAS TELEPRESENCIAIS. Sistema de transmissão 'ao vivo' via satélite, sendo possível a remessa de indagações ao palestrante durante a exposição. As aulas são transmitidas para Escolas da Advocacia de todo o País, em parceria com a Escola Superior da Advocacia do Conselho Federal da OAB.
Programa
11/11. Segunda-feira.
Regras processuais gerais das ações locatícias e suas polêmicas.
Dr. William Santos Ferreira.
12/11. Terça-feira.
O controle das cláusulas locatícias abusivas.
Dr. Flávio Tartuce.
13/11. Quarta-feira.
Ação de depejo: aspectos processuais.
Dra. Fernanda Tartuce.
14/11. Quinta-feira.
Garantias locatícias.
Dr. José Fernando Simão.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
ARTIGO DE ANDERSON SCHREIBER SOBRE BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS.
Fonte: Conjur.
Estabelecimento de parâmetros é solução para as biografias
Por Anderson Schreiber. Professor de Direito Civil da UERJ, Advogado.
O amplo debate público em torno das biografias não autorizadas veio à tona no Brasil de modo extremamente polarizado, contrapondo dois grupos antagônicos: de um lado, aqueles que defendem a necessidade de prévia autorização dos biografados, o que resultaria em uma espécie de “poder de veto” às biografias não autorizadas; de outro lado, aqueles que defendem “carta branca” para os biógrafos, sustentando que a vida das chamadas “pessoas públicas” pertence a toda a sociedade, que o público tem direito à informação e que, na pior das hipóteses, a eventual invasão de privacidade deveria ser resolvida por meio de indenização em dinheiro. Juridicamente, contudo, nenhuma das soluções apresentadas até o momento, por qualquer dos lados em disputa, se mostra adequada à luz da nossa ordem constitucional. O caminho parece ser outro.
A Constituição brasileira trata tanto o direito à privacidade e à honra quanto as liberdades de expressão e informação como direitos fundamentais, não estabelecendo qualquer hierarquia entre eles (artigo 5º, X e IX). Significa dizer que, à luz do texto constitucional, nenhuma solução absoluta pode ser adotada nessa matéria. Por um lado, não se pode exigir a autorização prévia como condição necessária para a publicação de toda e qualquer biografia, já que obras biográficas, além de exprimirem o exercício da liberdade intelectual do biógrafo, são um instrumento fundamental para o conhecimento e para a cultura do povo brasileiro. Por outro lado, não se pode excluir em absoluto a proteção à privacidade e à honra do biografado pelo simples fato de que se trata de “pessoa pública”, expressão, aliás, que é tecnicamente imprópria: toda pessoa é privada, por definição. Seus atos é que podem ser públicos, mas isso não exclui nem atenua a tutela da sua vida privada. A sociedade não tem, por exemplo, qualquer direito de acesso aos detalhes íntimos da vida sexual de uma atriz de cinema ou aos detalhes penosos das trocas de curativos que se seguiram à sua eventual cirurgia plástica, se sobre esses fatos ela jamais se pronunciou publicamente. São fatos “sensíveis”, que escapam à sua atividade pública, inserindo-se no âmbito da sua vida privada, constitucionalmente protegida.
Para a Constituição brasileira, portanto, os dois lados em disputa no campo das biografias tem alguma razão, mas nenhum dos dois tem, por assim dizer, uma razão absoluta. A solução somente pode residir em uma via intermediária, ou seja, na ponderação entre esses dois conjuntos de interesses juridicamente protegidos, com base em certos parâmetros. O que deveríamos estar fazendo é discutindo esses parâmetros, em vez de assistirmos a um desfile insistente de posições extremadas, que os jornais têm chamado de “a guerra das biografias” – bem ao gosto do sensacionalismo, que os dois grupos afirmam querer evitar. Estabelecer parâmetros é o único modo de superarmos esse dilema sem ferir a Constituição.
Tais parâmetros podem ser estabelecidos de modo mais ou menos específico. Por exemplo, em artigo publicado no Valor Econômico em 29 de outubro de 2013 (A questão da biografia: quem tem razão?), listei alguns parâmetros específicos que vêm sendo usados na experiência estrangeira, como a proibição de uso de dados de prontuários médicos ou de descrições da intimidade sexual do biografado, de um lado, e, de outro, a permissão de uso de dados já veiculados publicamente pelo biografado no passado, bem como de uso de dados constantes de processos judiciais ou administrativos que não corram sob segredo de justiça. Além desses parâmetros específicos, é possível fixar parâmetros mais gerais, como (i) a repercussão emocional do fato sobre o biografado; (ii) a atitude mais ou menos reservada do biografado em relação ao fato; (iii) a importância daquele fato para a formação da personalidade do biografado (e, portanto, a necessidade da sua divulgação no âmbito da biografia); e assim por diante.
Um modelo muito eficiente e didático é a combinação desses parâmetros no desenvolvimento de filtros ou “testes” voltados a aferir concretamente se a veiculação de uma certa informação fere ou não a privacidade da pessoa a que diz respeito. Um exemplo de teste seria o seguinte: 1º) O fato retratado integra a dimensão pública da vida do biografado? 2º) Se não integra a dimensão pública, é um fato necessário ou importante para a compreensão da vida do biografado? 3º) Caso seja um fato importante ou necessário, trata-se de fato “sensível”, assim entendido o fato que, nunca tendo sido revelado publicamente pelo próprio biografado, se afigura objetivamente capaz de expor a intimidade do biografado de modo indesejável? 4º) Em caso afirmativo, a importância ou necessidade do fato “sensível” para a reconstrução da trajetória do biografado perante o público justifica proporcionalmente, diante do seu impacto sobre o biografado, a sua divulgação? 5º) Nesse último caso, foram adotadas cautelas adequadas no modo de exposição do fato, atenuando na medida do possível o seu impacto sobre o biografado (por exemplo, houve limitação ao essencial para a reconstrução da trajetória do biografado, houve contextualização suficiente, foram ouvidas diferentes fontes com diferentes pontos de vista, foi dada oportunidade ao biografado de expor sua impressão, e assim por diante).
Esses exemplos não constituem obviamente uma proposta pronta e acabada para a realidade brasileira; são apenas exemplos para demonstrar que um caminho intermediário é possível. Testes dessa natureza ou simples indicações de parâmetros podem ser estabelecidos pela legislação brasileira. O Projeto de Lei 393/2011, que tramita atualmente no Congresso Nacional, caminha, todavia, no sentido oposto. É lacônico e, do modo como está redigido, não resolverá a questão das biografias não autorizadas no Brasil. A proposta limita-se a acrescentar um parágrafo ao artigo 20 do Código Civil que terá a seguinte redação: “A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.” A inovação é inútil porque, na prática, quando o Poder Judiciário brasileiro proíbe a circulação de uma biografia não autorizada, não o faz ao simples argumento de que aquela biografia não foi autorizada pelo biografado. O principal argumento dessas decisões judiciais é que o biografado ou seus familiares (no caso das biografias póstumas) foram atingidos em sua honra ou em sua intimidade. Como está redigido, o Projeto de Lei 393 não impedirá, portanto, que, diante de uma afronta à sua privacidade ou à sua honra, o biografado ou seus familiares venham exigir a proibição da circulação de uma biografia. O que o Projeto de Lei deveria indicar são parâmetros ou testes aptos a atribuir uma base segura para a superação das colisões entre, de um lado, as liberdades de expressão e informação e, de outro, os direitos à honra e à privacidade.
Ainda há tempo para isso, registre-se. Basta alterar o texto do Projeto de Lei 393, o que pode ser feito por emenda de qualquer das Casas do Congresso Nacional, para incluir parâmetros ou testes que efetivamente auxiliem na superação do impasse que se estabelece usualmente no campo das biografias. Outro caminho seria a indicação desses parâmetros ou testes em normas regulamentares, ou em normas deontológicas (como no exemplo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros), ou, ainda, em um código de auto-regulamentação, que poderia ser elaborado conjuntamente por representantes do mercado editorial, sindicatos de atores, sindicatos de atletas e outras instituições interessadas.
Como se vê, trilhar a via da ponderação entre liberdade de expressão/informação e direito à privacidade/honra não significa dizer que as biografias terão de ser analisadas, caso a caso, pelo Poder Judiciário, ao sabor das preferências literárias e culturais de cada juiz ou desembargador. A ponderação de interesses é um procedimento técnico realizado com base em parâmetros que podem ser estabelecidos previamente, como fruto de um debate democrático que pode ser travado tanto no Congresso Nacional quanto no âmbito de entidades interessadas na edição de um código de auto-regulamentação. Claro que, por conta do direito de acesso à Justiça, também tutelado constitucionalmente (artigo 5º, XXXV), quem quer que se sinta ofendido sempre poderá recorrer ao Poder Judiciário. Isso, aliás, acontece não apenas em relação a biografias, mas também em relação a qualquer outro livro, a reportagens jornalísticas, a matérias em revistas e a qualquer outro setor da vida social. Entretanto, com parâmetros ou testes previamente estabelecidos pela legislação ou por códigos de auto-regulamentação, mesmo nos casos em que houvesse ação judicial, a análise do Poder Judiciário se tornaria mais previsível e segura, afastando-se do subjetivismo que, hoje, domina decisões proferidas em relação a biografias. Esse subjetivismo é que consiste no real inimigo das editoras, que não conseguem avaliar, antecipadamente, se um projeto editorial é ou não legítimo à luz da ordem jurídica e quais os parâmetros que devem ser observados na sua realização para evitar liminares proibitivas, que frustram investimentos na obra em si, na sua divulgação, no seu planejamento editorial e assim por diante. Não se trata, portanto, de uma cruzada contra o Poder Judiciário, mas de uma cruzada contra o subjetivismo.
Não parece ter sido, aliás, por outra razão que as editoras recorreram ao próprio Poder Judiciário para buscar uma solução. Foi o que fizeram por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, na qual requerem ao Supremo Tribunal Federal que o artigo 20 seja interpretado de modo a que a falta de autorização prévia do retratado não seja considerada motivo para a proibição das biografias. Mais uma vez, contudo, a solução não será efetiva. As violações à privacidade e à honra continuarão podendo ser invocadas caso a caso, e os tribunais estaduais continuarão sem parâmetros seguros para avaliar e solucionar as colisões entre esses direitos e a liberdade de expressão. Uma solução real para a questão das biografias não autorizadas no Brasil somente virá se o Supremo Tribunal Federal se dispuser a ir além, propondo uma abordagem mais abrangente do problema e estabelecendo testes ou parâmetros para a ponderação entre os interesses em conflito, como aqueles já mencionados, a título de exemplo.
Cabe uma última palavra sobre a proposta, antiga e recentemente retomada por alguns juristas, de que todo esse imenso conflito entre biógrafos, editoras, leitores e biografados se resolva mediante indenização posterior à publicação da obra, evitando-se a qualquer custo — com perdão do trocadilho — a sua proibição. Essa solução indenizatória só é “intermediária” na aparência, na medida em que exprime claramente uma prevalência da liberdade de expressão sobre os direitos à privacidade e à honra. Em palavras simples: a obra poderia invadir a privacidade e lesar a reputação do biografado, desde que a editora e o biógrafo se dispusessem a pagar por isso. O raciocínio não é apenas questionável sob o ponto de vista da sociedade que buscamos construir, mas também é flagrantemente contrário à ordem constitucional brasileira, que, como já dito, não autoriza a prevalência em abstrato de qualquer dos direitos fundamentais em disputa. Contraria também todas as tendências mais recentes em matéria de responsabilidade civil, que priorizam a tutela específica do direito lesado (dar ao lesado exatamente o que a ordem jurídica lhe assegura), reservando à indenização em dinheiro um papel meramente subsidiário, aplicável apenas quando já não for possível proteger concretamente o direito da vítima. A indenização não é, portanto, uma solução intermediária para a questão das biografias porque o que a Constituição brasileira assegura ao biografado não é dinheiro — que, aliás, ele pode não ter o menor interesse em receber —; é a proteção da sua honra e da sua privacidade, direitos considerados indisponíveis e inalienáveis por toda a doutrina jurídica que se ocupa desses temas.
Em conclusão, estabelecer parâmetros ou testes parece ser a única solução viável nesse campo. A temporada das opiniões, todavia, está aberta e é importante ouvi-las, refletindo sobre cada proposta. O que parece urgente é redirecionar o debate, evitando a insistência sobre posições extremadas, que não se coadunam com a Constituição. Polarizada como está, a discussão não vai a lugar nenhum ou não vai a nenhum lugar bom. O melhor caminho aqui é uma solução intermediária, fruto da ponderação entre os direitos fundamentais em conflito.
terça-feira, 5 de novembro de 2013
JULGADO DO TRT DA 15ª REGIÃO. "DUMPING SOCIAL'.
Prezados Leitores.
Vejam no meu site interessante julgado do TRT da 15ª Região condenando o Magazine Luiz por "Dumping Social'.
Acessem em http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201311051606140.magazine_dump.pdf.
Bons estudos!
Professor Flávio Tartuce
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CC. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DECISÃO DO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO.
Prezados Leitores do Blog.
Vejam no meu site a decisão do Pleno do TJES sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, que trata da sucessão do companheiro.
O Tribunal, com controvérsias, entendeu que a norma é constitucional.
Vejam em http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201311041045000.tjesp_1790.PDF.
Boa leitura a todos.
Abraços.
Professor Flávio Tartuce
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
ALTERAÇÃO NA LEI DE INTRODUÇÃO. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAIS PERANTE AUTORIDADES CONSULARES.
Altera
o art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de
1942, para possibilitar às autoridades consulares brasileiras celebrarem a
separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior.
|
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a
possibilidade de as autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação
consensual e o divórcio consensual de brasileiros no exterior, nas hipóteses
que especifica.
Art. 2o O art. 18
do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942,
passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o
e 2o:
“Art. 18. ........................................................................
§ 1º As autoridades consulares brasileiras
também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de
brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os
requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura
pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à
pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu
nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento.
§ 2o É
indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará
mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas
uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário
que a assinatura do advogado conste da escritura pública.” (NR)
Brasília, 29 de outubro de 2013; 192o
da Independência e 125o da República.
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