terça-feira, 31 de outubro de 2017

JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ. EDIÇÃO 92. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO II

JURISPRUDÊNCIA EM TESES. EDIÇÃO. 92. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO II.
Os entendimentos foram extraídos de precedentes publicados até 22 de setembro de 2017.
Brasília, 31 de outubro de 2017.
As teses aqui resumidas foram elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, mediante exaustiva pesquisa na base de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.
1) Nos contratos de seguro habitacional obrigatório sob a égide das regras do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, as seguradoras têm legitimidade para figurar no polo passivo de ação judicial que verse sobre os riscos abarcados pela apólice.
 Precedentes: AgInt no AREsp 975910/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 03/05/2017; EDcl no AgRg no AREsp 416800/PE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 19/11/2015; EDcl no Ag 1257772/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 01/10/2015; AgRg no REsp 1133869/ PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 28/09/2015; AgRg no REsp 1365685/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 13/06/2014; AgRg no AREsp 415037/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013.
 Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 1352198/AL, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2013, DJe 20/06/2013; REsp 1160435/PE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/04/2011, DJe 28/04/2011; AgRg no Ag 1210501/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 16/08/2010; REsp 1171345/ MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 21/05/2010; AgRg no Ag 1241724/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 15/04/2010; REsp 1417887/RN (decisão monocrática), Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, julgado em 27/10/2016, DJe 08/11/2016. (VIDE SÚMULAS ANOTADAS)
2) Nas ações referentes ao Sistema Financeiro da Habitação, a Caixa Econômica Federal tem legitimidade como sucessora do Banco Nacional da Habitação. (Súmula n. 327/STJ)
3) Na execução hipotecária de crédito vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos da Lei n. 5.741/71, a petição inicial deve ser instruída com, pelo menos, dois avisos de cobrança. (Súmula n. 199/STJ)
 Precedentes: AgRg no Ag 1062632/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 11/04/2011; AgRg no Ag 943169/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 01/12/2008; REsp 421508/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 28/06/2006, p. 228; REsp 1483243/ AM (decisão monocrática), Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, julgada em 30/05/2017, DJe 07/06/2017; REsp 1218723/SC (decisão monocrática), Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgada em 21/11/2016, DJe 12/12/2016. (VIDE SÚMULAS ANOTADAS)
 Precedentes: AgRg no REsp 1249453/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015; AgRg no AREsp 25589/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 03/05/2013; REsp 332117/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 10/10/2012; AgRg no Ag 1203614/ DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 04/02/2011; AgRg no REsp 404645/SP, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 22/03/2010. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 506)
4) É desnecessário que os avisos referidos no art. 2º, IV, da Lei n. 5.741/71, sejam pessoalmente recebidos pelos próprios mutuários, bastando tão somente a entrega no domicílio indicado no contrato.
 Precedentes: AgInt no AREsp 1051294/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 28/06/2017; AgInt no REsp 1482289/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 12/12/2016; AgRg no AREsp 621594/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 20/04/2015; AgRg no REsp 1464852/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 17/03/2015; AgRg no REsp 1043793/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 14/11/2014; REsp 969129/MG (recurso repetitivo), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 419) (VIDE SÚMULA N. 454/STJ)
5) No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei n. 8.177/1991, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor, que também será cabível ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n. 8.177/1991, mas desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – TEMA 53)
Precedentes: AgRg no REsp 1359643/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016; AgRg no REsp 1095787/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 14/04/2015; AgRg no REsp 1221004/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 11/09/2014; REsp 736650/ MT, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/08/2014, DJe 01/09/2014; AgRg no AREsp 325448/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 21/11/2013; AgRg no REsp 591448/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 08/11/2013. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 64)
6) O saldo devedor e as prestações dos contratos imobiliários firmados sob as normas do Sistema Financeiro de Habitação devem ser corrigidos, nos meses de março/abril de 1990, pelo Índice de Preços ao Consumidor - IPC no percentual de 84,32%.
 Precedentes: AgRg no AREsp 451489/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 17/06/2014; AgRg na Pet 1721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 11/09/2012, DJe 24/09/2012; AgRg no REsp 931453/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 10/05/2011; REsp 1067237/SP (recurso repetitivo), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 23/09/2009; AREsp 1083233/RS (decisão monocrática), Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 29/06/2017, DJe 01/08/2017; REsp 1482390/DF (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO BUZZI, julgado em 30/05/2017, DJe 12/06/2017. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 221) (VIDE REPERCUSSÃO GERAL - TEMA 249)
7) Em se tratando de contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66, enquanto perdurar a demanda, poderá ser suspensa, uma vez preenchidos os requisitos para a concessão da tutela cautelar, independentemente de caução ou do depósito de valores incontroversos, desde que: a) exista discussão judicial contestando a existência integral ou parcial do débito; b) essa discussão esteja fundamentada em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal ( fumus boni iuris ). (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – TEMA 55)
8) O imóvel construído com recursos do Sistema Financeiro da Habitação não pode ser objeto de usucapião.
 Precedentes: AgInt no REsp 1584104/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 08/09/2017; AgInt no REsp 1653998/PE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 14/08/2017; AgInt no REsp 1483383/AL, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 27/06/2017; AgRg no REsp 1487677/AL, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 22/05/2017; REsp 1448026/PE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 21/11/2016; REsp 1221243/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 10/03/2014. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 594)
9) Nos processos em que possa haver comprometimento dos recursos do Fundo de Compensação das Variações Salariais - FCVS, a competência para julgamento da lide é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
 Precedentes: REsp 1607242/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2016, DJe 11/10/2016; AgInt no REsp 1584571/RS, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 13/06/2016; AgRg no AREsp 469407/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 23/09/2015; AgRg no CC 139106/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2015, DJe 31/08/2015; EDcl no AgRg no AREsp 582062/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 27/05/2015; AgRg no CC 132723/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 18/12/2014. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 262)
 Precedentes: AgInt no REsp 1592478/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 19/12/2016; AgRg no REsp 1185904/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016; AgRg no AgRg no AREsp 404453/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 27/05/2015; AgRg no AREsp 562810/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 13/11/2014; AgRg nos EDcl no REsp 1012073/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 10/11/2014; REsp 1150429/CE (recurso repetitivo), Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/04/2013, DJe 10/05/2013. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 520)
10) No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem a cobertura do mencionado Fundo. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – TEMA 522)
11) É devida a aplicação de multa decendial em função do atraso no pagamento da indenização, objeto do seguro obrigatório, nos contratos vinculados ao SFH, limitada ao valor da obrigação principal.
 Precedentes: AgInt no REsp 1275160/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 15/08/2017; AgInt no REsp 1393789/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 19/06/2017; AgInt no TP 363/PE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 10/05/2017; AgRg no REsp 1425311/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016, DJe 01/07/2016; AgRg no REsp 1023294/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 04/05/2016; AgRg no AREsp 59338/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 12/12/2014. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 375)
Precedentes: REsp 1483061/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 04/11/2014, DJe 10/11/2014; REsp 1095852/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 19/03/2012; REsp 1194402/RS (recurso repetitivo), Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/09/2011, DJe 14/10/2011; REsp 1358614/SP (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO BUZZI, julgado em 28/08/2017, DJe 11/09/2017; REsp 1490140 (decisão monocrática), Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado em 04/08/2017, DJe 10/08/2017. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 494)
12) Salvo disposição contratual em sentido diferente, aplica-se aos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação a regra de imputação prevista no art. 354 do Código Civil de 2002, que reproduz o art. 993 do Código Civil de 1916 e foi adotada pela RD BNH* 81/1969. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – TEMA 426)
* Resolução da Diretoria do Banco Nacional da Habitação - RD BNH
13) É de um ano o prazo para o exercício da pretensão de cobrança da indenização contratada no seguro obrigatório habitacional.
 Precedentes: AgInt no AREsp 878843/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 13/06/2017; AgInt no REsp 1420961/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 30/05/2017; AgInt no AREsp 209662/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 18/04/2017; AgInt no REsp 1367497/AL, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 06/04/2017; AgRg no REsp 1405253/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 12/09/2016; AgRg no REsp 1493135/PB, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 04/02/2016.

sábado, 28 de outubro de 2017

DIREITO À POSSE DA LAJE. ARTIGO DO DES. MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO.

DIREITO À POSSE DA LAJE.
Fonte: GEN Jurídico.
Marco Aurélio Bezerra de Melo. Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Mestre pela UNESA. Professor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro.
O direito real de laje[1] na forma como veio positivado pela lei 13.465/17 (art. 1510-A e segs, CC) pode não atingir com a eficiência esperada os fins da demanda por regularização fundiária das habitações construídas sobre imóveis alheios nos assentamentos humanos informais, denominados popularmente como favela, palavra que está ligada aos homens que serviram ao exército brasileiro para dizimar os seguidores de Antonio Conselheiro na Guerra de Canudos e que receberam como prêmio a possibilidade de construir suas moradias no morro da providência, no Rio de Janeiro. Como no interior da Bahia, onde se dera o extermínio da República de Canudos, existia uma planta chamada faveleira que também era comum no referido morro, os veteranos de guerra passaram a chamar o morro da providência de morro da favela e o vocábulo se espalhou pelo Brasil e, até mesmo por razões históricas, não pode ser visto com sentido depreciativo.
Essa frustração pode se verificar porque o denominado direito de laje surge de modo informal, em tais comunidades, a partir de ocupações irregulares que não possuem assento registral imobiliário, afastando-se da premissa trazida pelo artigo 1510-A, do Código Civil. O citado dispositivo legal prevê que o direito real de laje se assentará a partir da existência de propriedade formal da construção-base, fato que, repise-se, não ocorre na realidade das favelas. Vejamos a redação do citado dispositivo legal, verbis: “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.”.
A venda de lajes traz consigo um problema sério no tocante à segurança da comunidade, sobretudo pelos riscos de desabamento e outros acidentes, mas não há como negar que diante do crescente déficit de moradias diante da explosão demográfica mundial, aumento da expectativa de vida e, algumas vezes, a própria falta de comprometimento público e da sociedade com essa questão, a verticalização das favelas acabou sendo a solução encontrada e, para tanto, aquele que, na realidade, é possuidor do solo acaba por alienar o direito de construir sobre a sua edificação.
Nesse passo, importante reflexão é feita pela professora Cláudia Franco Corrêa[2] em sua alentada tese de doutorado sobre a questão quando diz que a ‘“laje’ está relacionada a uma das formas que o povo da favela instituiu para contornar a falta de recursos, de infraestrutura pública e as dificuldades geológicas e topográficas dos morros e brejos (CAMPOS, 2010: 1), como também articula sua participação em um intenso mercado de circulação de riquezas. Ou seja, o ‘direito de laje’, ao ser instrumentalizado, traz à tona o sentimento de pertencimento ao cidadão, uma vez que o favelado, ao articular tais meios econômicos, participa da mobilidade social, consequência do Estado Democrático de Direito, em que todos possuem possibilidades de participar das riquezas sociais e econômicas”.
Não se nega a importância da regularização registral do direito de laje, fartamente utilizado em comunidades de baixa renda, mas não é possível importar o modelo do direito de sobrelevação português ou suíço com algumas adaptações, pois em tais países não nos parece que a favela seja uma forma de habitação tão ricamente utilizada como ocorre no Brasil. Com efeito, a favela pode ser um problema de qualidade de vida nas cidades em razão da falta de equipamentos urbanos e comunitários como o saneamento básico, assim como a própria violência, mas forçoso é reconhecer que é esse o sistema que possibilitou a milhões de brasileiros, assalariados ou não, afirmarem a dignidade de demorar em alguma habitação para si e sua família e, nesse sentido, a favela é credora do reconhecimento constitucional (arts. 1º, III, 3º, 6º e 182, da CF).
A indigitada aquisição de posse natural que se desdobrará em comunidades de milhares e milhões de pessoas, muitas vezes, é marcada no início com vícios objetivos da posse (art. 1.200, CC) e com má-fé (art. 1.201, CC). A admitir o direito posto na novel legislação, primeiro deverá ser regularizada a situação do dominus soli para, ato contínuo, proceder ao registro do direito real daquele que comprou a laje de seu vizinho em um esforço econômico e jurídico que não se justifica diante da longevidade dessas posses imemoriais.
O fato é que enquanto tal situação jurídica não se verificar, a relação estabelecida entre os moradores será meramente obrigacional e a segurança jurídica de tais transações estará entregue à boa-fé das pessoas que a entabulam e ao registro de tal venda junto à Associação de Moradores[3], local que costuma intervir no negócio jurídico e arquivá-la entre os seus documentos a fim de atribuir a necessária efetividade ao contrato. A pessoa jurídica criada serve, não raro, para amparar e conferir segurança jurídica aos atos de alienação da laje, funcionando como um órgão registral de fato e informal, à guisa de um direito consuetudinário.
Nesse ângulo de visada, colaboramos muito timidamente com a professora Cláudia Franco na elaboração de anteprojeto de lei que se encontra em fase de estudos pelo Governo Federal e que objetiva acrescer ao direito real de laje a possibilidade de reconhecimento de usucapião especial pró-moradia, tendo objeto o espaço aéreo possuído por aquele que gratuita ou onerosamente adquiriu a posse da laje para nela edificar a sua moradia.
Importante assinalar que esse expediente seria utilizado na reurbanização de interesse social (REurb-S) estabelecida pela lei 13.465/17, verbis:
Capítulo V – DO DIREITO REAL DE LAJE
Seção I – Da Laje
Seção II – DA POSSE DA LAJE
Art. 1.510-F A posse do direito de laje constitui direito real autônomo, conferindo ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor e reaver.
Art. 1.510-G Aquele que possuiu como seu espaço aéreo não superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base, tem a concessão do direito real de laje para fins de moradia ou direito real de laje, desde que não seja concessionário ou proprietário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito de que trata este artigo pode ser cedido a título gratuito ou oneroso e transferível por ato inter vivos ou causa mortis.
§ 2º Os sucessores legítimos e testamentários não ficam impedidos de exercer o direito previsto no parágrafo anterior ainda que sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 3º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 4º O direito de que trata este artigo pode ser objeto de alienação fiduciária, em conformidade com a Lei nº 9.514/97.
§ 5º Para fins de REURB S, o direito de que trata este artigo dependerá de comprovação de que unidade imobiliária atende a critérios de habitabilidade, entendendo-se como tal, as condições da edificação ao uso a que se propõe dentro da realidade em que se situa o imóvel, não sendo necessária certidão de habite-se.
§ 6º A unidade imobiliária deverá ter saída própria, direta ou indiretamente para via pública e possuir designação numérica ou alfabética para fins de identificação.
Oxalá que tal positivação futura possa contribuir para a importante, sob o prisma econômico e social, regularização fundiária das favelas.

[1] Sobre o tema: Rodrigo Mazzei. O Direito de Superfície e a Sobrelevação (O Direito de construir na edificação alheia ou direito de laje). 2011. Revista Jurídica, 409, p. 67/84.
[2] Cláudia Franco Corrêa. Controvérsias entre o “direito de moradia” em favelas e o direito de propriedade imobiliária na cidade do Rio de Janeiro, 2012, p. 154.
[3] Cláudia Franco Corrêa. Obra citada, p. 169.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUAS APLICAÇÕES AO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. PARTE I. COLUNA NO MIGALHAS

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUAS APLICAÇÕES AO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. PRIMEIRA PARTE[1]
Flávio Tartuce[2]
Mais uma vez, tive a grande honra de ser convidado para palestrar no XI Congresso Brasileiro de Direito de Família e das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), entre os dias 25 e 27 de outubro deste ano de 2017. Trata-se de um dos maiores congressos do mundo sobre o tema e, sem dúvidas, um dos mais importantes eventos de Direito Privado de nosso País.
As temáticas das exposições, nesta oportunidade, estão baseadas em perguntas práticas que devem ser respondidas pelos palestrantes. A mim coube discorrer sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao Direito de Família e das Sucessões, respondendo à seguinte indagação: “O CPC/2015 consolidou, ajudou e fez avanços na teoria e prática da desconsideração da personalidade jurídica?”.
Procurarei responder a tal pergunta em uma série de três artigos, publicados neste canal. Neste primeiro texto, demonstrarei o enquadramento do tema, bem como a principal aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do Direito de Família e das Sucessões trazida pelo novo Estatuto Processual.
Pois bem, diante de sua concepção como realidade técnica e orgânica, a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres na ordem civil, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem vínculo. Tal realidade pode ser retirada do art. 45 do Código Civil de 2002, ao dispor que começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Fala-se em autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros, o que constava expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916, dispositivo que não foi reproduzido pela atual codificação material, sem que isso traga qualquer conclusão diferente.
Como decorrência lógica desse enquadramento, em regra, os componentes da pessoa jurídica somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual dependendo do tipo societário adotado (responsabilidade in vires). A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica, para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados.
Devido a essa possibilidade de exclusão da responsabilidade dos sócios ou administradores, a pessoa jurídica, por vezes, desviou-se de seus fins, cometendo fraudes e lesando a sociedade ou terceiros, provocando reações na doutrina e na jurisprudência. Visando a coibir tais abusos, surgiu no Direito Comparado a figura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, teoria do levantamento do véu ou teoria da penetração (disregard of the legal entity). Com isso, alcançam-se pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abuso, além dos limites do capital social (responsabilidade ultra vires).
Entre os grandes especialistas no assunto em nosso País, Fábio Ulhoa Coelho demonstra as suas origens com precisão: “a teoria é uma elaboração doutrinária recente. Pode-se considerar Rolf Serick o seu principal sistematizador, na tese de doutorado defendida perante a Universidade de Tübigen, em 1953. É certo que, antes dele, alguns autores já haviam dedicado ao tema, como por exemplo, Maurice Wormser, nos anos 1910 e 1920. Mas não se encontra claramente nos estudos precursores a motivação central de Serick de buscar definir, em especial a partir da jurisprudência norte-americana, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas jurídicas (1950)” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 37. v. 2).
Como se extrai de obra do último jurista, são apontados alguns julgamentos históricos como precursores da tese: caso Salomon vs. Salomon & Co., julgado na Inglaterra em 1897, e caso State vs. Standard Oil Co., julgado pela Corte Suprema do Estado de Ohio, Estados Unidos, em 1892. A verdade é que, a partir das teses e dos julgamentos citados, as premissas de penetração na pessoa jurídica passaram a influenciar a elaboração de normas jurídicas visando a sua regulamentação, especialmente nos Países do modelo da “Civil Law”. Na Itália, fala-se em superamento della personalitá giuridica; na Alemanha, Durchgriff der juristischen person; na Argentina, teoria de la penetración de la personalidad societaria; em Portugal, desconsideração da personalidade colectiva.
Em resumo, o instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios e administradores, com intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa.
Dessa forma, os bens particulares dos sócios ou administradores podem responder pelos danos causados a terceiros. O véu ou escudo, no caso a própria pessoa jurídica, é retirado para atingir quem está atrás dele, o sócio ou administrador. Bens da empresa também poderão responder por dívidas dos sócios, por meio do que se denomina desconsideração inversa ou invertidacom grande incidência para o Direito de Família e das Sucessões.
O atual Código Civil Brasileiro acolheu expressamente a desconsideração. Prescreve o seu art. 50 que: “em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Como a desconsideração da personalidade jurídica foi adotada pelo legislador da codificação privada de 2002, não é recomendável mais utilizar a expressão teoria, que constitui trabalho doutrinário, amparado pela jurisprudência. Tal constatação também é retirada da leitura do Código de Defesa do Consumidor.
O art. 28, caput, da Lei 8.078/1990 enuncia que: “o Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”; (...) § 5º: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Faz o mesmo o art. 4º da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), ao prever que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Tanto em relação à adoção da teoria quanto à manutenção das leis especiais anteriores, expressa o Enunciado n. 51, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (2002), que “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”. Eis um argumento doutrinário de relevo pelo qual não se pode mais utilizar a expressão teoria, uma vez que a desconsideração foi abraçada pela codificação privada.
Ponto importante a ser esclarecido, diante do comum baralhamento no uso dos termos, é que a desconsideração não se confunde com a despersonificação ou despersonalização, pois essas últimas expressões significam o fim da pessoa jurídica, tratada pelo art. 51 do Código Civil Brasileiro. Reitere-se que pela desconsideração da personalidade jurídica não há extinção da pessoa jurídica, mas apenas uma ampliação de responsabilidades. A melhor doutrina aponta a existência de duas grandes teorias fundamentais acerca da desconsideração da personalidade jurídica.
A primeira delas é a teoria maior ou subjetiva, segundo a qual a desconsideração, para ser deferida, exige a presença de dois requisitos. O primeiro deles é o abuso da personalidade jurídica; o segundo, o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pelo art. 50 do CC/2002, sendo aplicada para as relações civis, notadamente para aquelas fundadas em vínculo de Direito de Família ou das Sucessões. Incide, portanto, para as fraudes praticadas entre cônjuges ou entre herdeiros.
Por outra via, pela teoria menor ou objetiva, a desconsideração da personalidade jurídica exige um único elemento, qual seja o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pela Lei 9.605/1998, para os danos ambientais e, segundo a posição consolidada da jurisprudência superior – apesar da existência de críticas doutrinárias –, pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Entre os principais precedentes que trazem tal conclusão está o rumoroso caso da explosão do “Shopping Center” de Osasco (STJ, REsp 279.273/SP, Terceira Turma, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004, p. 230). Como não se pode atribuir a subsunção dessas normas para as relações familiares ou entre herdeiros, a aplicação da teoria menor foge do âmbito em estudo neste texto.
De todo modo, existem duas modalidades básicas de desconsideração, sujeitas às duas teorias expostas. A primeira delas é a desconsideração direta ou regular, em que bens dos sócios ou administradores respondem por dívidas da pessoa jurídica. Está ela tratada pelos expostos art. 50 do Código Civil e art. 28 do CDC. A segunda é a desconsideração indireta, inversa ou invertida, hipótese em que bens da pessoa jurídica respondem por dívidas dos sócios ou administradores.
A última modalidade não estava tratada em lei, tendo surgido doutrinariamente no Brasil a partir dos estudos do Professor Rolf Madaleno – quem ora se homenageia –, especialmente no âmbito do Direito de Família e das Sucessões (por todas as suas obras: Direito de família. Aspectos polêmicos. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 31). No âmbito doutrinário, a desconsideração inversa ou invertida também foi reconhecida pelo Enunciado n. 283, da IV Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal (2006), in verbis: “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”. Da jurisprudência superior anterior, vários já eram os arestos que a reconheciam (por todos: STJ, REsp. 948.117/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22.06.2010, publicado no seu Informativo n. 444).
Pensamos que a principal e mais importante inovação do Código de Processo Civil de 2015 sobre a temática foi justamente essa positivação da desconsideração inversa, incluída no seu art. 133, § 2º, no tópico relativo ao “incidente de desconsideração da personalidade jurídica”. E, conforme o Enunciado n. 11, aprovado na I Jornada de Processo Civil, realizada em agosto último pelo mesmo Conselho da Justiça Federal, tal procedimento incide também para essa modalidade de desconsideração.
Sobre as regras relativas ao citado incidente, e suas aplicações ao âmbito do Direito de Família e das Sucessões tratarei no artigo de continuidade a este texto.

[1] Coluna do Migalhas do mês de outubro de 2017.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Professor da Rede LFG. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

RESUMO. INFORMATIVO 612 DO STJ

PROCESSO
EREsp 1.515.895-MS, Rel. Min. Humberto Martins, por unanimidade, julgado em 20/09/2017, DJe 27/09/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Embargos de divergência. Ação coletiva. Direito à informação. Dever de informar. Rotulagem de produtos alimentícios. Presença de glúten. Prejuízos à saúde dos doentes celíacos. Insuficiência da informação-conteúdo "contém glúten". Necessidade de complementação com a informação-advertência sobre os riscos do glúten à saúde dos doentes celíacos.
DESTAQUE
O fornecedor de alimentos deve complementar a informação-conteúdo "contém glúten" com a informação-advertência de que o glúten é prejudicial à saúde dos consumidores com doença celíaca.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A divergência traçada envolve a suficiência dos dizeres "contém glúten" ou "não contém glúten", contidas nas embalagens de alimentos industrializados, para cumprimento das exigências informativas. O acórdão embargado, da Terceira Turma, entendeu "ser suficiente a informação ‘contém glúten’ ou ‘não contém glúten’, para alertar os consumidores afetados pela referida proteína". Já o acórdão da Segunda Turma, invocado como paradigma, considerou "não ser suficiente a informação ‘contém glúten’, pois a informação deve ser complementada pela advertência sobre a prejudicialidade do glúten à saúde dos doentes celíacos". Sobre o tema, o inciso II do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o direito à informação está relacionado com a liberdade de escolha daquele que consome e vinculado à correta, fidedigna e satisfatória informação sobre os produtos e os serviços postos no mercado de consumo. Por sua vez, o dever de informar também deriva do respeito aos direitos básicos do consumidor, designadamente do disposto no inciso III do dispositivo legal supra, o qual prevê, como essencial, a "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem". Ao cuidar da oferta nas práticas comerciais, o CDC traz, em seu art. 31, pelo menos quatro categoriais de informação, intimamente relacionadas: i) informação-conteúdo – correspondente às características intrínsecas do produto ou serviço; ii) informação-utilização – relativa às instruções para o uso do produto ou serviço; iii) informação-preço – atinente ao custo, formas e condições de pagamento; e iv) informação-advertência – relacionada aos riscos do produto ou serviço. Perante as exigências do art. 37, §§ 1º e 3º do CDC, a expressão "contém glúten" é uma informação-conteúdo e como tal, é omissa e incompleta, devendo ser complementada por uma informação-advertência. Acrescente-se que a redação lacunosa do art. 1º da Lei n. 10.674/2003 (Lei do Glúten), que ab-rogou a Lei n. 8.543/1992, não esvazia o comando do art. 31 do CDC (Lei 8.078/1990), que determina, na parte final de seu caput, que o fornecedor de produtos ou serviços deve informar "sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores", o que equivale a uma necessária informação-advertência. Para que a informação seja correta, clara e precisa, torna-se necessária, portanto, a integração jurídica entre a Lei do Glúten (lei especial) e o Código de Defesa do Consumidor (lei geral), pois, em matéria de fornecimento de alimentos e medicamentos, ainda mais a consumidores hipervulneráveis, não se pode contentar com o standard mínimo e sim com o standard mais completo possível.
SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.662.196-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 19/09/2017, DJe 25/09/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO MARÍTIMO
TEMA
Atividade de praticagem. Limites da intervenção do estado na ordem econômica. Fixação de preços máximos pela autoridade marítima.
DESTAQUE
Não é válido o disposto no art. 1º, inciso II, do Decreto n. 7.860/2012 que estabelece a intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem, para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a questão à possibilidade de intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem, para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária. Insta salientar, de início, que o exercício do trabalho de praticagem é regulamentado pela Lei n. 9.537/1997, que, em seu art. 3º, outorga à autoridade marítima a sua implantação e execução, com vista a assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e nas hidrovias, justificando, dessa forma, a intervenção estatal em todas as atividades que digam respeito à navegação. Denota-se, da leitura dos artigos 4º, 12, 13 e 14 da citada legislação, que o serviço tem natureza privada, confiada a particular (práticos) que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação, e entregue à livre iniciativa e concorrência. A respeito da atribuição que se pode conferir à autoridade marítima, para elaborar propostas sobre regulação de preços, abrangência das zonas e medidas de aperfeiçoamento relativas ao serviço, foi editado o Decreto n. 2.596/1998, que trata sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e regulamenta a questão dos preços dos serviços de praticagem, dispondo em seu art. 6º que os valores devem ser livremente negociados entre as partes interessadas, seja pelo conjunto dos elementos ou para cada um deles separadamente. Não obstante a livre concorrência para a formação dos preços dos serviços, bem como o caráter excepcional da intervenção da autoridade marítima para os casos em que ameaçada a continuidade do serviço - tema disciplinado pela lei citada alhures e ratificado pela primeira regulamentação -, editou-se, em 6 de dezembro de 2012, o Decreto n. 7.860, por meio do qual foi estabelecida nova hipótese de intervenção tarifária da autoridade pública, agora de forma permanente e ordinária. Para solucionar a existente antinomia entre os dois decretos regulamentares, frise-se que a Lei n. 9.537/1997 estabelece que a autoridade marítima poderá fixar o preço do serviço, não se afigurando o imperativo que conduza à ideia da obrigatoriedade do tabelamento dos referidos preços nem que possa fazê-lo em caráter permanente, a partir do juízo discricionário do administrador público. Outrossim, em consonância com os ditames constitucionais estabelecidos nos arts. 170 e 174 da Carta Magna, a intervenção do Estado na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da República. Dessa forma, é inconcebível a intervenção do Estado no controle de preços de forma permanente, como política pública ordinária, em atividade manifestamente entregue à livre iniciativa e concorrência, ainda que definida como essencial.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.675.015-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/9/2017, DJe 14/9/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação de compensação por danos morais. Prisão efetuada por policial fora do exercício das funções. Ofensa à liberdade pessoal. Dano configurado.
DESTAQUE
A privação da liberdade por policial fora do exercício de suas funções e com reconhecido excesso na conduta caracteriza dano moral in re ipsa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O contexto delineado pelo Tribunal de origem revela que, ao largo do debate acerca da prática de eventual crime de desacato, houve uma atuação arbitrária por policial ao algemar pessoa idosa, no interior do condomínio onde moram, em meio a uma discussão, o que lhe causou severas lesões corporais, caracterizando-se, assim, a ofensa a sua liberdade pessoal e, consequentemente, a sua dignidade. Com efeito, por se tratar de medida extremamente gravosa, a prisão, quando não decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, é autorizada pelo Estado no flagrante delito ou em hipóteses excepcionais, mediante ordem escrita e fundamentada do juiz, na qual fiquem demonstradas a sua necessidade e a adequação às circunstâncias que a justificam. Nesse sentido, o respeito pela condição fundamental de liberdade é consectário natural do postulado da dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constitui, segundo a doutrina, verdadeira "cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento". Não por outro motivo, a ordem jurídica brasileira qualifica a prisão ilegal como crime, e, na esfera cível, como ato ofensivo à liberdade pessoal (art. 954, parágrafo único, II, do CC/02). Sob essa ótica, porque constitui grave violação da integridade física e psíquica do indivíduo, e, portanto, ofensa a sua dignidade enquanto ser humano, a privação indevida da liberdade, sobretudo por preposto do Estado e fora do exercício das funções, caracteriza dano moral in re ipsa.
PROCESSO
REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 12/9/2017, DJe 21/9/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Promessa de compra e venda de imóvel em construção. Atraso da obra. Cláusula de tolerância. Validade. Previsão legal. Peculiaridades da construção civil. Atenuação de riscos. Benefício aos contratantes.
DESTAQUE
Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, cláusula de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra, que varia entre 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias: a conhecida cláusula de tolerância. É certo que a esses contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei n. 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família. De qualquer modo, apesar de o Código de Defesa do Consumidor incidir na dinâmica dos negócios imobiliários em geral, não há como ser reputada abusiva a cláusula de tolerância. Isso porque existem no mercado diversos fatores de imprevisibilidade que podem afetar negativamente a construção de edificações e onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos. Assim, a complexidade do negócio justifica a adoção no instrumento contratual, desde que razoáveis, de condições e formas de eventual prorrogação do prazo de entrega da obra, o qual foi, na realidade, apenas estimado, tanto que a própria lei de regência disciplinou tal questão, conforme previsão do art. 48, § 2º, da Lei n. 4.591/1964. Logo, observa-se que a cláusula de tolerância para atraso de obra possui amparo legal, não constituindo abuso de direito (art. 187 do CC). Por outro lado, não se verifica também, para fins de mora contratual, nenhuma desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas. Tal disposição contratual concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente, pois ameniza o risco da atividade advindo da dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversos obstáculos e situações imprevisíveis. Por seu turno, no tocante ao tempo de prorrogação, deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei n. 4.591/1964 e 12 da Lei n. 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC). Assim, a cláusula de tolerância que estipular prazo de prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias será considerada abusiva, devendo ser desconsiderados os dias excedentes para fins de não responsabilização do incorporador.

PROCESSO
REsp 1.679.190-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Plano de saúde. Transtorno mental. Depressão. Tratamento psicoterápico. Limitação do número de consultas. Abusividade. Fator restritivo severo. Interrupção abrupta de terapia. CDC. Incidência.
DESTAQUE
Há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que importe em limitação/interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, devendo as consultas excedentes ser custeadas em regime de coparticipação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fixa periodicamente diretrizes de atenção à saúde bem como atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para a cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. Para os atendimentos realizados em consultório ou em ambulatório, o art. 21, inciso IV da Resolução Normativa (RN) n. 338/2013 da ANS, dispôs sobre a cobertura de psicoterapia, limitada, entretanto, ao número de sessões estabelecido em um de seus anexos. Por seu turno, o Anexo II da referida resolução estabeleceu diferentes quantidades de sessões ou de consultas obrigatórias mínimas a serem custeadas pelo plano de saúde conforme o grau de severidade do transtorno mental. Posteriormente, com a superveniência da RN n. 387/2015, algumas coberturas mínimas foram ampliadas, como as sessões de psicoterapia que passaram de 12 (doze) por ano de contrato para 18 (dezoito). Ocorre que os tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração, de modo que um número tão exíguo de sessões anuais não é capaz de remediar a maioria dos distúrbios mentais. Dessa forma, a restrição severa de cobertura poderá provocar a interrupção da própria terapia, o que comprometerá o restabelecimento da higidez mental do usuário, a contrariar não só princípios consumeristas (art. 51, IV, da Lei n. 8.078/1990), mas também os de atenção integral à saúde na Saúde Suplementar (art. 3º da RN n. 338/2013, hoje art. 4º da RN n. 387/2015). Ademais, em conformidade com entendimento firmado por esta Corte Superior, é de rigor que o médico ou profissional habilitado – e não o plano de saúde – tenha autonomia para aferir o período de atendimento adequado segundo as necessidades de cada paciente, de forma que a operadora não pode limitar o número de sessões recomendadas para o tratamento integral de determinado transtorno mental. Assim, será abusiva qualquer cláusula contratual ou ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Logo, o número de consultas/sessões anuais de psicoterapia fixado pela ANS deve ser considerado apenas como cobertura obrigatória mínima a ser custeada plenamente pela operadora de plano de saúde; mas, para não haver o esvaziamento do tratamento da enfermidade mental, a quantidade que ultrapassar tais balizas deverá ser suportada tanto pela operadora quanto pelo usuário, em regime de coparticipação, aplicando-se, por analogia, o que ocorre nas hipóteses de internação em clínica psiquiátrica. A estipulação de coparticipação nessas situações se revela necessária, porquanto, por um lado, impede a concessão de consultas indiscriminadas ou o prolongamento em demasia de tratamentos e, por outro, restabelece o equilíbrio contratual (art. 51, § 2º, do CDC), visto que as sessões acima do limite mínimo estipulado pela ANS não foram consideradas no cálculo atuarial do fundo mútuo do plano, o que evita a onerosidade excessiva para ambas as partes.

PROCESSO
REsp 1.374.232-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação coletiva. Direitos individuais homogêneos. Remessa necessária. Não cabimento.
DESTAQUE
Não se admite o cabimento da remessa necessária, tal como prevista no art. 19 da Lei n. 4.717/65, nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida se refere à aplicabilidade da remessa necessária em ação civil pública ajuizada com o objetivo de tutelar direitos individuais homogêneos de consumidores aderentes a determinados planos coletivos de seguro de vida. No que se refere à ação civil pública, a controvérsia surge em razão de a Lei n. 7.347/85 não haver previsto dispositivo que verse sobre a necessidade de reexame por Tribunal, apesar das similitudes entre os direitos e interesses tutelados por meio desse instrumento e da ação popular, que prevê esse instituto no art. 19 da Lei n. 4.717/65. Assim, buscando norma de integração dentro do microssistema processual da tutela coletiva, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de ser aplicável o reexame necessário nas hipóteses de ação civil pública, independentemente da presença de pessoa de direito público no polo passivo. No entanto, cumpre estabelecer se o mesmo entendimento deve ser aplicável às ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. Nesse ponto, importante consignar que os direitos transindividuais e individuais homogêneos são distintos inclusive em razão de expressa disposição legal, nos termos do art. 81, parágrafo único, I e II, do CDC. Cuidando-se de situações heterogêneas, portanto, há de se questionar a possibilidade de empregar as mesmas consequências jurídicas. Para se obter essa resposta, importante consignar que para se valer do raciocínio analógico, não basta que haja semelhança entre as duas hipóteses. É necessário, ainda, que as semelhanças ocorram em características das situações que constituam a causa para que a mesma solução seja concedida à hipótese não regulamentada. As razões que fundamentaram o raciocínio analógico para a aplicação do art. 19 da Lei da Ação Popular a hipóteses de ação civil pública (Lei 7.347/85) – sua transindividualidade e sua relevância para a coletividade como um todo – não são observadas em litígios que versem exclusivamente sobre direitos individuais homogêneos, os quais são apenas acidentalmente coletivos. Isso porque a coletivização dos direitos individuais homogêneos tem um sentido meramente instrumental, com a finalidade de permitir uma tutela mais efetiva em juízo, carecendo de uma razão essencial ou ontológica para essa classificação.

PROCESSO
REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 19/09/2017, DJe 28/09/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Propriedade industrial. Conjunto-imagem (trade dress). Comercialização de produto afim. Embalagens assemelhadas. Concorrência desleal. Perícia técnica. Necessidade.
DESTAQUE
A caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A matéria devolvida ao conhecimento do STJ se limita a analisar a extensão protetiva assegurada ao conjunto-imagem de produto ou serviço (trade dress) no que tange à caracterização de danos morais e patrimoniais. Inicialmente, cabe registrar que o conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279/1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI). Cabe destacar que o diálogo entre concorrência e direitos exclusivos decorrentes de propriedades industriais é limitado e somente justificará a intervenção do Judiciário para afastar as condutas concorrenciais que desbordem a razoabilidade da disputa legítima, encontrando suas balizas ora na confusão do consumidor decorrente de imitação desleal (hipótese em análise), ora na usurpação de vantagem alheia decorrente da associação de seu produto ou serviço com a prestação de seu concorrente, situação em que é notório o intuito de "pegar carona" no sucesso obtido pelo investimento de outrem, e não para meramente assegurar um direito de exploração exclusiva a bem não registrado na forma legalmente exigida. Ao se analisar a confusão entre marcas, os parâmetros anunciados pela doutrina já introduziam a importância fundamental dos elementos laterais para captura da atenção e do interesse do público-alvo no momento do posicionamento de produtos no mercado. No contexto do conjunto-imagem, deve-se transpor a fronteira da questão de direito marcário para se adentrar ao campo fático da concorrência desleal, uma vez que se contrapõem marcas dessemelhantes ostensivamente utilizadas, como no caso dos autos, porém se alega que a imagem global do produto é capaz de implantar no imaginário do consumidor a confusão entre os produtos concorrentes. Em razão dessas nuances, a confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado.

PROCESSO
REsp 1.642.327-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Sociedade Anônima. Incorporação de ações. Transformação de controlada em subsidiária integral. Oferta pública. Ausência de previsão legal. Equiparação a fechamento de capital. Aplicação do art. 4º, § 4º, da Lei das S/A por analogia. Descabimento.
DESTAQUE
Não configura o fechamento em branco ou indireto de capital a hipótese de incorporação de ações de sociedade controlada para fins de transformação em subsidiária integral (art. 252 da Lei das S/A), realizada entre sociedades de capital aberto, desde que se mantenha a liquidez e a possibilidade de os acionistas alienarem as suas ações.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade de a companhia controladora realizar oferta pública de aquisição de ações em favor dos acionistas preferenciais de companhia que teve suas ações incorporadas para fins de transformação em subsidiária integral. O fechamento de sociedade aberta consiste no cancelamento do registro, ou registros de negociação das ações e valores mobiliários emitidos pela companhia, e envolve procedimentos, estabelecidos na lei e em regulamentos, com o objetivo de zelar pelos interesses dos minoritários. A lei estabelece como condição para o fechamento da companhia a absorção das ações em circulação no mercado pelo acionista controlador. Para tanto, o controlador possui a obrigação de formular oferta pública de aquisição de todas as ações (ordinárias e preferenciais) por preço justo, conforme previsto no art. 4º, § 4º, da Lei n. 6.404/1976. Por outra via, tem-se por incorporação, segundo a doutrina mais especializada, a operação pela qual uma sociedade anônima se torna subsidiária integral de outra. Viabiliza-se pelo aumento do capital social da incorporadora, com emissão de novas ações, que serão subscritas em nome dos acionistas da futura subsidiária (a sociedade cujas ações são incorporadas), ao mesmo tempo em que se transfere à titularidade da primeira toda a participação societária representativa do capital social desta última. Cumpre salientar que, nos moldes do art. 252 da Lei das S/A, a incorporação pode ser deliberada pelo controlador que detenha mais da metade das ações com direito a voto, restando aos minoritários dissidentes tão somente a opção pelo direito de retirada, que nem sempre é vantajosa, pois o reembolso da ação é calculado, em regra, pelo valor patrimonial da ação (cf. art. 45 da Lei n. 6.404/1976). Portanto, a incorporação de ações difere da incorporação de uma sociedade por outra, pois, no primeiro caso, a sociedade incorporada continua existindo, na condição de subsidiária integral, ao passo que, no segundo, a sociedade incorporada é simplesmente extinta. Pode-se dizer, assim, que, na incorporação de ações, o controlador toma a posição do acionista minoritário na sociedade incorporada (o que no direito estadunidense é chamado 'squeeze out'), retribuindo-o com ações da sociedade incorporadora, haja ou não interesse deste nessa substituição de ações. Uma vez alçado à condição de único acionista, o controlador ficaria livre das normas que protegiam os minoritários (uma companhia de único acionista não tem minoritário), podendo tomar deliberações que antes não seriam tão fáceis de serem aprovadas e implementadas. Para evitar fraude à lei (o chamado "fechamento branco"), sempre que o controlador adquirir, direta ou indiretamente, ações no mercado que acabem pondo em risco a liquidez desse valor mobiliário, será também exigível a realização de oferta pública para aquisição das ações que remanesceram em circulação. Tratando-se, no caso dos autos, de companhias de capital aberto, com ações plenas de liquidez, não havendo a retirada dos acionistas da possiblidade de alienar suas ações no mercado de capitais, não há que se aplicar por analogia a norma prevista no art. 4, § 4º da Lei de S/A.

PROCESSO
REsp 1.627.286-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 20/06/2017, DJe 03/10/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Inventário. Participação acionária. Sociedade anônima. Inventariante. Alteração do poder de controle. Acervo patrimonial. Alienação. Impossibilidade. Atuação. Limite. Administração e conservação dos bens.
DESTAQUE
O inventariante, representando o espólio, não tem poder de voto em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio, com a pretensão de alterar o controle da companhia e vender bens do acervo patrimonial, cujo benefício não se reverterá a todos os herdeiros.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão que se põe em debate é definir se votar em nome do falecido em assembleia geral de sociedade da qual ele era sócio, com a finalidade de alterar a natureza das ações, convertendo ações preferenciais em ordinárias, e vender bens da sociedade, é ato albergado pelos poderes de gestão do inventariante. Inicialmente, ressalta-se que, no momento da sucessão, o patrimônio do falecido se constitui numa universalidade de bens, que sofrerá divisão com o término da partilha. Enquanto perdura o processo de divisão do patrimônio, é preciso que alguém administre o espólio, zelando pelos bens que o integram, daí a figura do inventariante. De acordo com o art. 991, II, do CPC/1973, incumbe ao inventariante "administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência como se fossem seus", dependendo de autorização judicial, segundo o art. 992 do mesmo diploma legal, a alienação de bens de qualquer espécie, a transação, o pagamento de dívidas do espólio e a realização de despesas para a conservação e o melhoramento dos bens. Como se observa da redação da norma, o inventariante deve procurar "zelar", isto é, proteger, conservar o patrimônio, de modo que no momento da divisão os bens tenham seu valor mantido. Assim, o que se inclui dentro dos poderes de administração do inventariante são os atos tendentes à conservação dos bens para a futura partilha, como o pagamento de tributos e de aluguéis, realização de reparos e aplicação de recursos, atendendo os interesses dos herdeiros. Na hipótese, o inventariante busca alterar o estatuto social da companhia, para permitir a conversão de ações preferenciais em ordinárias, atendendo seu interesse pessoal e de alguns outros herdeiros. Se realizada a alteração aludida, os herdeiros detentores de ações preferenciais, que não têm direito a voto, passariam a ter esse direito, o que poderia modificar o controle acionário da companhia. Trata-se, portanto, de ato que extrapola a simples administração. Nesse contexto, não há como entender que o voto do inventariante para modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima esteja dentro dos limites estabelecidos pelo art. 991, II, do CPC/1973. Por fim, cumpre assinalar que conforme se verifica do percentual de ações que cabe a cada herdeiro, a pretensão do inventariante de converter as ações preferenciais em ordinárias somente poderia ser alcançada por ele durante o inventário, na qualidade de representante de todos os sucessores, pois com a partilha das ações, não haveria alteração do poder de controle e a conversão das ações dependeria da concordância de todos os herdeiros.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.586.910-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 29/08/2017, DJe 03/10/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Prestações de mútuo firmado com instituição financeira. Desconto em conta-corrente e desconto em folha. Hipóteses distintas. Aplicação, por analogia, da limitação legal ao empréstimo consignado ao mero desconto em conta-corrente, superveniente ao recebimento da remuneração. Inviabilidade. Dirigismo contratual sem supedâneo legal. Impossibilidade.
DESTAQUE
A limitação de desconto ao empréstimo consignado, em percentual estabelecido pelos arts. 45 da Lei n. 8.112/1990 e 1º da Lei n. 10.820/2003, não se aplica aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A principal questão controvertida consiste em saber se a instituição financeira pode aplicar, por analogia, a limitação de desconto utilizada nas hipóteses de crédito consignado em folha para os contratos de mútuo em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente. Inicialmente, constata-se que a jurisprudência do STJ sobre o tema é dispersa, na medida em que há julgados desta Corte que se valem da analogia para limitar o desconto em conta-corrente da remuneração ou proventos do devedor aos mesmos limites legais impostos às consignações em folha de pagamento. Todavia, não parece razoável e isonômico, a par de não ter nenhum supedâneo legal, aplicar essa limitação, de maneira arbitrária, a contrato específico de mútuo livremente pactuado. Em que pese haver precedentes a perfilhar o entendimento de que a limitação é adotada como medida para solucionar o superendividamento, a bem da verdade, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que virtualmente leva à denominada amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. É conveniente salientar que a norma que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador - desde que preservado o mínimo existencial - em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. A aplicação dessa limitação aos descontos em conta corrente significa restrição à autonomia privada, pois, com exceção do desconto forçoso em folha, não é recomendável estabelecer limitação percentual às prestações contratuais estendendo indevidamente regra legal que não se subsume ao caso, sob pena de dificultar o tráfego negocial e resultar em imposição de restrição a bens e serviços, justamente em prejuízo dos que têm menor renda. Sem mencionar ainda a possível elevação das taxas para aqueles que não conseguem demonstrar renda compatível com o empréstimo pretendido. Além disso, é desarrazoado que apenas o banco não possa lançar mão de procedimentos legítimos para satisfação de seu crédito e que, eventualmente, em casos de inadimplência, seja privado, em contraposição aos demais credores, do acesso à justiça, para arresto ou penhora de bens do devedor