Reforma Trabalhista - Dano extrapatrimonial: dano moral, estético e existencial? Parte 1
José Fernando Simão. Livre-docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da USP, onde é Professor Associado. Consultor jurídico, advogado e parecerista em São Paulo. Coordenador Geral do CPJUR - Centro Preparatório Jurídico.
Fonte: Jornal Carta Forense. Edição de outubro de 2017.
Tive a grata oportunidade de assistir à brilhante palestra do Prof. Flavio Tartuce no CPJUR – Centro Preparatório Jurídico a respeito da reforma trabalhista (lei 13.467/17). Dessa conversa, creio que alguns pontos merecem a reflexão de um civilista.
Um ponto que me chamou especial atenção é a redação do novo artigo Art. 223-E da CLT:
“São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”.
A CLT, após a reforma, adota a denominação dano extrapatrimonial e não moral. A utilização dessa expressão não é desproprositada. Pretende o legislador ampliar a abrangência da lei para todo e qualquer dano que não seja patrimonial. Em resumo, não se tratando de dano emergente ou de lucro cessante temos a aplicação do artigo 223-E.
Qual a extensão do termo “dano extrapatrimonial”? O dano moral e o dano estético estão abrangidos nesta categoria.
Dano moral é a lesão a direitos de personalidade (dano moral em sentido amplo) e também aquele que causa dor ou sofrimento (dano moral em sentido estrito) chamado de pretium doloris. São exemplos clássicos de danos morais à morte de um parente querido (dano moral indireto ou por ricochete) e a inscrição indevida no cadastro de mal pagadores (dano moral direto).
No direito do trabalho, podemos pensar em dano moral quando o empregado sofre revistas por parte do empregador de maneira vexatória ou mesmo a constante humilhação por parte do chefe que o expõe ao ridículo perante os colegas. Assédio moral e sexual têm por efeito o dano moral.
Dano estético é uma alteração morfológica (de forma, morfos em grego) permanente que causa um afeamento à vítima. São exemplos de dano estético a perda de partes do corpo como mãos e braços, ou mesmo cicatrizes e deformações, em razão de acidentes do trabalho.
Dano moral e dano estético são tratados como civilistas de maneira autônoma. Assim a Súmula 387 do STJ permite a cumulação de ambos. Imaginemos um empregado que em razão de acidente de trabalho perde a mão. Teremos o dano estético pela alteração morfológica, o dano moral pelo sofrimento e o dano patrimonial perda pela ou diminuição da capacidade laborativa.
Essa afirmação não é isenta de críticas. Se dano moral impróprio é aquele que afronta direitos da personalidade, o dano estético atinge a integridade física da vítima, logo é um atentado aos direitos da personalidade. Por que não ser espécie de dano moral? A doutrina não costuma enfrentar a questão. No Brasil, como a indenização por danos morais (e também estéticos) padece de subjetivismo, mesmo com o esforço do STJ a partir da orientação do Ministro Sanseverino em se adotar um sistema bifásico, a delimitação conceitual passa a ser menos relevante pois sendo o dano estético moral ou autônoma, na quantificação da indenização acaba-se por considerar a gravidade do dano ou mesmo do evento que o causou e não sua natureza.[i]
Contudo, além dessas categorias de dano extrapatrimonial, temos ainda o chamado “dano existencial”.
Se danos morais e estéticos são categorias construídas pela doutrina brasileira por décadas a fio (aqui rendem-se as homenagens a Carlos Alberto Bittar e Teresa Ancona Lopes) e têm contornos claros, o que é, então, o dano existencial tal como utilizado pela Justiça do Trabalho?
“O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador”. TST – Recurso de Revista (RR) 10347420145150002- Publicação em 13/11/2015)
A questão que se coloca é a seguinte. Existe uma categoria autônoma denominada dano existencial? Qual a origem dessa categoria se é estranha para o Direito brasileiro?
Como nota final informamos que foi na Itália que a categoria foi criada e lá tem sido amplamente utilizada.
Contudo, antes de prosseguirmos nossas reflexões, cabem algumas indagações quando se pretende importar figuras estrangeiras. Sãos elas possíveis e necessárias ao sistema brasileiro? Há peculiaridades no sistema italiano que exigem a figura do dano existencial? Essas peculiaridades se verificam no Brasil?
Essas indagações serão respondidas em nossa próxima coluna da Carta Forense.
[i] “Os valores de indenização, fixados em R$ 15.000,00 para os danos estéticos, e em R$ 35.000,00 para os danos morais, não são exorbitantes nem desproporcionais aos danos sofridos pela parte agravada, decorrentes de acidente de trânsito. Ressalte-se que o acidente causou uma cicatriz cirúrgica de aproximadamente 40 cm, em face lateral da raiz da coxa direita do autor, dor física resultante das lesões e do procedimento cirúrgico e susto pela gravidade do acidente”. (AgInt no AREsp 979.520/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 13/09/2017)
“No particular, o Tribunal de origem levou em conta a gravidade do fato em si, a jurisprudência local acerca da matéria, tendo em vista o interesse jurídico lesado, bem como as condições pessoais da ofendida e do ofensor, de modo a arbitrar a quantia considerada razoável, diante das circunstâncias concretas, para compensar o dano moral suportado pela recorrida. Assim sopesadas as peculiaridades dos autos, o valor de R$ 5.000, 00 (cinco mil reais), arbitrado no acórdão recorrido para compensar o dano moral, não se mostra exorbitante. (REsp 1669680/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 22/06/2017)”
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