quinta-feira, 29 de março de 2018

ARTIGO. UNIÃO ESTÁVEL E NAMORO QUALIFICADO. COLUNA DO MIGALHAS DE MARÇO DE 2018

UNIÃO ESTÁVEL E NAMORO QUALIFICADO[1]
Flávio Tartuce[2]
A união estável traz para os aplicadores do Direito grandes dificuldades na análise dos seus elementos caracterizadores. Nos termos do que consta do art. 1.723, caput, do Código Civil de 2002, dispositivo fundamental para a análise do tema, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O dispositivo regulamenta o art. 226, § 3º, da CF/1988, trazendo o mesmo conceito e requisitos que constavam da Lei 9.278/1996, tendo tanto essa lei como o Código Civil a contribuição doutrinária do Professor Álvaro Villaça Azevedo, nosso Mestre nas Arcadas. Vale lembrar que, não obstante a lei mencionar a diversidade de sexos, é possível juridicamente a união estável homoafetiva, conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal no histórico julgamento prolatado no ano de 2011 e publicado no Informativo n. 625 da Corte.
Como se extrai dessa definição, a lei não exige prazo mínimo para a constituição da união estável, sendo necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não. Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública – no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina –, contínua – sem que haja interrupções, sem o famoso “dar um tempo” – e duradoura, além do objetivo dos companheiros ou conviventes de estabelecer uma verdadeira família (animus familiae).
Para a configuração dessa intenção de família, entram em cena o tratamento dos companheiros entre si (tractatus), bem como o reconhecimento social de seu estado (reputatio). Nota-se, assim, a utilização dos clássicos critérios para a configuração da posse de estado de casados também para a união estável.
De todo modo, constata-se que os elementos essenciais para configuração da união estável são abertos e subjetivos, razão pela qual se acredita existir uma verdadeira cláusula geral para a sua constituição. A lei não exige que os companheiros residam sob o mesmo teto, o que é retirado da antiga Súmula 382 do STF, antes aplicada às relações de concubinato, mas cujo teor também incide para a união estável. Nesse sentido a premissa número 2, publicada na edição n. 50 da ferramenta Jurisprudência em Teses, do STJ, dedicada à união estável: “A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável” (precedentes citados: STJ, Ag. Rg. no AREsp 649.786/GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 04/08/2015, DJE18/08/2015; Ag. Rg. no AREsp 223.319/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 18/12/2012, DJE 04/02/2013; Ag. Rg. no AREsp 59.256/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 18/09/2012, DJE 04/10/2012; Ag. Rg. nos EDcl. no REsp 805265/AL, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), 3ª Turma, julgado em 14/09/2010, DJE 21/09/2010, REsp 1.096.324/RS, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 4ª Turma, julgado em 02/03/2010, DJE 10/05/2010, e REsp 275.839/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 02/10/2008, DJE 23/10/2008).
Em complemento, não há qualquer requisito formal obrigatório para que a união estável reste configurada, como a necessidade de elaboração de uma escritura pública entre as partes ou de uma decisão judicial de reconhecimento. A propósito, em importante precedente, entendeu o Ministro Luís Roberto Barroso, em julgamento prolatado no âmbito do STF, que “não constitui requisito legal para concessão de pensão por morte à companheira que a união estável seja declarada judicialmente, mesmo que vigente formalmente o casamento, de modo que não é dado à Administração Pública negar o benefício com base neste fundamento. (...). Embora uma decisão judicial pudesse conferir maior segurança jurídica, não se deve obrigar alguém a ir ao Judiciário desnecessariamente, por mera conveniência administrativa. O companheiro já enfrenta uma série de obstáculos decorrentes da informalidade de sua situação. Se ao final a prova produzida é idônea, não há como deixar de reconhecer a união estável e os direitos daí decorrentes” (STF, Mandado de Segurança 330.008, Distrito Federal, 03/05/2016).
Justamente por tais dispensas de formalidades, ao contrário do que ocorre com o casamento, tem variado muito a jurisprudência no enquadramento da união estável. Gosto sempre de citar, com o fim de ilustrar as dificuldades existentes na configuração da união estável, aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que afastou a sua caracterização no caso em que duas pessoas namoravam havia cerca de oito anos, mas que não chegaram a constituir família. O relator do acórdão entendeu pela inexistência da união estável e pela presença de um namoro, pois “faltou um requisito essencial para caracterizá-lo como união estável: inexistiu o objetivo de constituir família. Com efeito, durante os longos anos de namoro mantido entre os litigantes, eles sempre mantiveram vidas próprias e independentes. Realizaram várias viagens juntos, comemoraram datas festivas e familiares, participavam de festas sociais e entre amigos, a autora realizava compras para a residência do réu – pagas por ele –, às vezes ela levava o carro dele para lavar, e consta que ela gozou licença-prêmio para auxiliar o namorado num momento de doença. Contudo, ainda que o relacionamento amoroso tenha ocorrido nesses moldes, nunca tiveram objetivo de constituir família” (TJRS, Embargos Infringentes 70008361990, 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, decisão de 13/08/2004).
Na esteira do que consta do julgado, o intuito de constituição de família é o que diferencia cabalmente o namoro da união estável. Conforme destacado por José Fernando Simão em aulas e exposições sobre o tema, se há um projeto futuro de constituição de família, estamos diante de namoro. Se há uma família já constituída, com ou sem filhos, ou seja, se ela já existe no presente, há uma união estável. Para que se verifique a existência dessa família no presente, devem ser levados em conta os critérios da reputação e do tratamento, antes destacados, que podem ser demonstrados por todos os meios de prova, como testemunhas e documentos, sejam eles públicos ou não.
Tais critérios também servem para diferenciar a união estável do chamado namoro qualificado, aquele que se prolonga por muito tempo, mas não chega a apresentar todos os requisitos essenciais para que a família presente esteja configurada. Um dos primeiros a utilizar tal expressão entre nós foi o Professor Euclides de Oliveira, em suas brilhantes palestras sobre a “escalada do afeto” (o seu instigante texto sobre o tema pode ser encontrado em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/13.pdf>).
Mais recentemente, Zeno Veloso escreveu sobre o assunto em preciosa obra recém-lançada, que congrega a análise de vários temas por esse grande jurista. Ao tratar do namoro qualificado, ensina-nos o Mestre do Pará:
“Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de 'namoro qualificado', os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo” (VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018. p. 313).
Como se pode perceber também das lições transcritas, o que é fundamental para a configuração de um ou outro instituto é o objetivo de constituição de família, o que é retirado do comportamento das partes envolvidas e do reconhecimento social de haver no relacionamento uma família presente.
Assim como ocorre no âmbito da doutrina, podem ser encontradas decisões que utilizam o termo namoro qualificado para denotar o namoro longo, em que não há a presença dos requisitos familiares de uma união estável. De importante precedente do Superior Tribunal de Justiça extrai-se o seguinte:
“Na relação de namoro qualificado os namorados não assumem a condição de conviventes porque assim não desejam, são livres e desimpedidos, mas não tencionam naquele momento ou com aquela pessoa formar uma entidade familiar. Nem por isso vão querer se manter refugiados, já que buscam um no outro a companhia alheia para festas e viagens, acabam até conhecendo um a família do outro, posando para fotografias em festas, pernoitando um na casa do outro com frequência, ou seja, mantêm verdadeira convivência amorosa, porém, sem objetivo de constituir família” (STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, julgado em 19/06/2012, DJe 26/06/2012).
Na linha do que defendi e das palavras de Zeno Veloso, o aresto aponta a necessidade da intenção de constituição de família, o animus familiae, como fundamento essencial para a união estável, eis que “a configuração da união estável é ditada pela confluência dos parâmetros expressamente declinados, hoje, no art. 1.723 do CC/2002, que tem elementos objetivos descritos na norma: convivência pública, sua continuidade e razoável duração, e um elemento subjetivo: o desejo de constituição de família. A congruência de todos os fatores objetivos descritos na norma, não levam, necessariamente, à conclusão sobre a existência de união estável, mas tão somente informam a existência de um relacionamento entre as partes. O desejo de constituir uma família, por seu turno, é essencial para a caracterização da união estável pois distingue um relacionamento, dando-lhe a marca da união estável, ante outros tantos que, embora públicos, duradouros e não raras vezes com prole, não têm o escopo de serem família, porque assim não quiseram seus atores principais” (REsp 1.263.015/RN).
Concluindo do mesmo modo, mais recentemente, também do Tribunal da Cidadania, entendeu-se que “o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado ‘namoro qualificado’ –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros” (STJ, REsp 1.454.643/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015).
Como palavras derradeiras, por todas as lições e conclusões expostas, nota-se que a intenção e a conduta com objetivo de constituição de uma família que existem no presente são fulcrais para a diferenciação da união estável em relação ao chamado namoro qualificado, sendo a análise de tais requisitos nas circunstâncias do caso concreto essenciais para que se chegue à conclusão pela existência ou não da entidade familiar.
[1] Coluna do Migalhas de março de 2018.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

sábado, 24 de março de 2018

RESUMO. INFORMATIVO 620 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 620 DO STJ.
PROCESSO
REsp 1.534.831-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Ação indenizatória. Defeitos aparentes da obra. Art. 26 do CDC. Prazo decadencial. Inaplicabilidade à pretensão indenizatória. Sujeição a prazo prescricional. Art. 205 do CC/02.
DESTAQUE
Aplica-se o prazo prescricional do art. 205 do CC/02 às ações indenizatórias por danos materiais decorrentes de vícios de qualidade e de quantidade do imóvel adquirido pelo consumidor, e não o prazo decadencial estabelecido pelo art. 26 do CDC.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na hipótese, discute-se em ação de indenização por danos materiais, entre outras questões, o afastamento da prejudicial de decadência no tocante aos vícios de qualidade e de quantidade de imóvel adquirido pelo consumidor. Primeiramente, faz-se necessário salientar que o prazo quinquenal disposto no art. 618 do CC/02, para que o comitente verifique eventual existência de defeito ou vício que estivesse oculto por ocasião da entrega da construção, é de garantia, na medida em que visa protegê-lo contra riscos futuros e eventuais. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial. Isso significa que, apesar da entrega da obra, o empreiteiro permanecerá responsável por vício oculto que venha a ser revelado dentro do quinquênio legal, comprometendo a segurança e a solidez da construção. Verificado o vício nesse interregno, poderá o comitente reclamá-lo; entretanto, qual o prazo para que o faça? Essa questão suscitou bastante divergência na doutrina e nos Tribunais pátrios, mormente com a introdução do parágrafo único ao art. 618 pelo CC/2002(sem correspondente na legislação anterior), o qual passou a estabelecer que "decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra ao empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito". Sobre o tema, a doutrina majoritária se inclina no sentido de que o prazo de 180 dias, de natureza decadencial, se refere apenas ao direito de o comitente pleitear a rescisão contratual ou o abatimento no preço (ação de índole desconstitutiva), permanecendo a pretensão de indenização, veiculada em ação condenatória sujeita ao prazo prescricional disposto no art. 205 do CC/02, o qual, além de corresponder ao prazo vintenário anteriormente disposto no art. 177 do CC/16, é o prazo que regula as pretensões fundadas no inadimplemento contratual. De outro turno, quando o litígio envolve relação de consumo, novas considerações devem ser feitas, haja vista que o CDC, em matéria de vícios de qualidade ou de quantidade do produto ou serviço, confere tratamento diverso do que aquele da codificação civilista. Isso porque, mesmo não havendo no CDC qualquer prazo específico de garantia dos trabalhos de construção, como ocorre no art. 618 do CC/02em relação à "solidez e segurança" de "edifícios e outras construções consideráveis", possui o consumidor proteção mais abrangente, haja vista que estará resguardado de vícios na obra ainda que estes surjam após o prazo de cinco anos do recebimento. A princípio, em qualquer momento em que ficar evidenciado o defeito, poderá o consumidor enjeitá-lo, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 90 dias, o qual, inclusive, pode ser suspenso pela reclamação do vício junto ao fornecedor ou pela instauração de inquérito civil (art. 26§ 2º, do CDC). Ademais, para além da possibilidade de redibir o contrato ou de pleitear o abatimento do preço – alternativas que vigoram no Código Civil para vícios ocultos – o CDC coloca à disposição do consumidor uma terceira opção, consistente na substituição do produto ou na reexecução do serviço (arts. 18§ 1ºI, e 20I, do CDC). A despeito das considerações supracitadas, cabe registrar que a solução, segundo a legislação consumerista, da questão relativa à decadência do direito de reclamar por vícios no imóvel (prazo de 90 dias, contado do recebimento do bem, em se tratando de vício aparente, ou do aparecimento do defeito, em se tratando de vício oculto) não obsta a que seja aplicado o raciocínio anteriormente desenvolvido no que tange à prescrição da pretensão indenizatória. Sendo assim, o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC se relaciona ao período de que dispõe o consumidor para exigir em juízo alguma das alternativas que lhe são conferidas pelos arts. 18§ 1º, e 20caput do mesmo diploma legal, não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má-execução do contrato. E, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual – o prazo quinquenal disposto no art. 27 é exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou do serviço – entende-se que deve ser aplicado o prazo geral decenal do art. 205 do CC/02.
ROCESSO
REsp 1.715.485-RN, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 27/02/2018, DJe 06/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Previdência privada fechada. Suplementação de pensão por morte. Indicação de beneficiário no plano. Omissão. Óbito do participante. Companheiro. Inclusão posterior. Possibilidade. Rateio igualitário entre o ex-cônjuge e o companheiro do instituidor da pensão. Presunção de dependência econômica simultânea.
DESTAQUE
É possível a inclusão de companheiro como beneficiário de suplementação de pensão por morte quando existente, no plano de previdência privada fechada, apenas a indicação de ex-cônjuge do participante.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que a indicação de beneficiário na previdência complementar fechada é livre. Todavia, não pode ser arbitrária, dada a finalidade social do contrato previdenciário. Com efeito, a previdência complementar e a previdência social, apesar de serem autônomas entre si, pois possuem regimes distintos e normas intrínsecas, acabam por interagir reciprocamente, de modo que uma tende a influenciar a outra. Assim, é de rigor a harmonização do sistema previdenciário como um todo. É por isso que nos planos das entidades fechadas de previdência privada é comum estabelecer os dependentes econômicos ou os da previdência oficial como beneficiários do participante, pois ele, ao aderir ao fundo previdenciário, geralmente possui a intenção de manter o padrão de vida que desfruta na atividade ou de amparar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais afeitas, de modo a não os deixar desprotegidos economicamente quando de seu óbito. Desse modo, a designação de agraciado pelo participante visa facilitar a comprovação de sua vontade sobre quem deverá receber o benefício previdenciário suplementar na ocorrência de sua morte; contudo, em caso de omissão, é possível incluir dependente econômico direto dele no rol de beneficiários, como quando configurada a união estável, sobretudo se não houver prejuízo ao fundo mútuo, que deverá repartir o valor da benesse entre os indicados e o incluído tardiamente. No caso dos autos, o participante havia indicado como beneficiário do plano de previdência privada sua esposa à época da adesão ao fundo. Posteriormente, separou-se e vivia em união estável com outra mulher quando veio a óbito, situação essa devidamente comprovada, tanto que recebe pensão por morte paga pelo INSS. Nesse cenário, promover a inclusão da companheira, ao lado da ex-esposa, no rol de beneficiários da previdência privada, mesmo no caso de omissão do participante quando da inscrição no plano, aperfeiçoará o regime complementar fechado, à semelhança do que já acontece na previdência social e nas previdências do servidor público e do militar nos casos de pensão por morte. De fato, em tais situações, é recomendável o rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro do instituidor da pensão, visto que não há ordem de preferência entre eles. Deste modo, havendo o pagamento de pensão por morte, seja a oficial ou o benefício suplementar, o valor poderá ser fracionado, em partes iguais, entre a ex-esposa e a convivente estável, haja vista a possibilidade de presunção de dependência econômica simultânea de ambas em relação ao falecido.
QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.561.097-RJ, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, por maioria, julgado em 06/02/2018, DJe 02/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação de oferta de alimentos. Participação nos lucros e resultados. Integração na base de cálculo da verba alimentar. Acréscimo patrimonial decorrente do contrato de trabalho. Incremento da possibilidade do alimentante.
DESTAQUE
Os valores recebidos a título de participação nos lucros e resultados integram a base de cálculo dos alimentos estabelecidos em porcentagem fixa do salário líquido do alimentante.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De pronto, verifica-se que a temática ainda não possui um enfrentamento uniforme pelas Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte Superior, havendo julgados em ambos os sentidos. Entretanto, a verba recebida a título de participação nos lucros objetiva estimular a produtividade do empregado, visto que esse terá seus vencimentos ampliados na medida em que produza mais, tratando-se, portanto, de rendimento decorrente da relação de emprego. A sua percepção beneficia a família, não importando que seja variável, porque dependente do desempenho pessoal do trabalhador e dos resultados financeiros e comerciais do empregador. Inegavelmente, o auferimento da participação de lucros, embora não habitual, integra a remuneração e reflete na possibilidade de sustento familiar, não havendo falar em natureza indenizatória, até porque não visa a ressarcir o empregado de algum dano, mas se destina a incentivar a sua produtividade. Assim, não obstante o que dispõe o artigo , inciso XI, da CF/88, isto é, ser direito dos trabalhadores a "participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração", infere-se que tal previsão dirige-se essencialmente aos aspectos trabalhistas, previdenciários e demais ônus sociais, objetivando a desoneração dos empregadores e, por conseguinte, ao seu estímulo no que concerne às suas iniciativas em benefício da evolução das relações de trabalho. Isso não impede que a participação nos lucros ou resultados seja considerada como base de cálculo para se aferir o quantum devido a título de alimentos, fixados sobre a "remuneração líquida", "salário líquido", "rendimentos líquidos". Dessa forma, com base em tais premissas e para fins de apuração do valor relativo aos alimentos, deve ser reconhecida a natureza salarial/remuneratória da verba em questão, porquanto inegavelmente implica um acréscimo em uma das variáveis do binômio da prestação alimentar, isto é, na possibilidade do alimentante. Reitera-se, por oportuno, o entedimento já adotado pela Quarta Turma, quando do julgamento do REsp n. 1.332.808/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24/02/2015 (Informativo de Jurisprudência n. 553).

PROCESSO
REsp 1.378.284-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 08/02/2018, DJe 07/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Bancorbrás. Hotel conveniado. Má prestação de serviço. Solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços. Legitimidade passiva ad causam.
DESTAQUE
A Bancorbrás é parte legítima para figurar no polo passivo de ação indenizatória de dano moral decorrente de defeito do serviço prestado por hotel integrante de sua rede conveniada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso analisado, em que consumidor, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares - submetido a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo  e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor. No contexto analisado, a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. A intermediação configurar-se-ia se o contrato fosse fundado na livre escolha do consumidor, sem qualquer condução ou direcionamento da Bancorbrás. Ao revés, a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. Nesse sentido, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Deste modo, é de se reconhecer a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás para responder por defeito do serviço de hotel conveniado.

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
PROCESSO
ProAfR no REsp 1.680.318-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018 (Tema 989)
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.708.104-SP, de sorte a definir tese sobre a seguinte controvérsia: se o ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa faz jus à manutenção no plano de saúde coletivo empresarial quando, na atividade, a contribuição foi suportada apenas pela empresa empregadora.

segunda-feira, 12 de março de 2018

LANÇAMENTO DE OBRA NO STJ. LIVRO DIREITO CIVIL: DIÁLOGOS ENTRE A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA. COORDENAÇÃO COM MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO.


Ministro do STJ e professor lançam livro sobre conexões entre doutrina e jurisprudência no Direito Civil
Fonte: Site do STJ.
Disciplina que concentra alguns dos temas mais controvertidos na sociedade contemporânea, como a adequação do sexo dos transexuais, a parentalidade socioafetiva e o direito ao esquecimento, o Direito Civil é campo de profundas interações entre a doutrina e a jurisprudência, em interseção contínua que envolve julgadores e estudiosos do direito privado em todo o país.
As conexões entre as decisões judiciais e os posicionamentos doutrinários são o objeto principal do livro Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência, coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão e pelo professor Flávio Tartuce, doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). O lançamento será no dia 10 de abril, às 18h30, no Espaço Cultural STJ.
De acordo com o professor Flávio Tartuce, a ideia de confecção da obra surgiu da lacuna existente no meio editorial brasileiro e dos impactos teóricos e práticos dos temas mais recentes do Direito Civil. Os artigos, todos inéditos, foram construídos em um sistema de elaboração cega, ou seja, sem que um autor tivesse acesso prévio ao texto escrito pelo outro autor do mesmo tema.
“Isso trouxe riqueza ao trabalho, pois se pode notar a concordância e a sadia discordância dos autores em relação a alguns assuntos”, apontou Tartuce, que também lembrou que alguns doutrinadores atuam como julgadores.
Conteúdo multitemático
Além de questões relativas aos transexuais e ao direito ao esquecimento, o livro traz assuntos como a boa-fé objetiva, a dupla eficácia da função social do contrato, polêmicas relativas ao seguro-saúde, critérios de quantificação dos danos morais na jurisprudência, a função social da posse e da propriedade e os alimentos entre cônjuges.
Nesse universo temático, o professor ressaltou a existência de pontos em que a doutrina e a jurisprudência ainda estão relativamente dissonantes, como no caso da função social do contrato.
“Também vejo uma distância grande entre doutrina e jurisprudência a respeito dos critérios para quantificação dos danos morais, tema que interessa a toda a sociedade brasileira. Porém, em alguns assuntos, o livro demonstra que foi atingida certa harmonia entre a doutrina e a jurisprudência, caso da concorrência do cônjuge com os descendentes na sucessão legítima”, destacou o professor.
Dividido em 15 capítulos, o livro Direito Civil: Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência reúne assuntos polêmicos desse ramo do direito debatidos em conjunto por doutrinadores e magistrados.
Entre os autores, estão os ministros do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro, além dos ministros aposentados Ruy Rosado e Sidnei Beneti.

domingo, 11 de março de 2018

RESUMO. INFORMATIVO 619 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 619 DO STJ. 
SÚMULA N. 602. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas. Segunda Seção, aprovada em 22/2/2018, DJe 26/2/2018.
SÚMULA N. 603. É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual. Segunda Seção, aprovada em 22/2/2018, DJe 26/2/2018.
PROCESSO
REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018. (Tema 732).
RAMO DO DIREITO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Menor sob guarda judicial. Dependente econômico. Óbito do instituidor da pensão em data posterior à vigência da MP 1.523/1996, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/1997. Manutenção do benefício previdenciário. Proibição de retrocesso. Diretrizes constitucionais de isonomia, prioridade absoluta e proteção integral à criança e ao adolescente.
DESTAQUE
O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33§ 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão jurídica objeto de afetação ao rito dos recursos repetitivos consiste em definir sobre a possibilidade (ou não) do pagamento de pensão por morte ao menor sob guarda, quando o óbito do segurado tenha ocorrido após a vigência da MP 1.523/1996, que alterou o art. 16§ 2º da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/1991). A redação original do mencionado dispositivo previa que o menor sob guarda judicial se equiparava a filho do segurado e, portanto, detinha a condição de dependente natural ou automático dele (do segurado), como beneficiário do RGPS. Ocorre que a MP 1.523/1996, convertida na Lei n. 9.528/1997, alterou o citado dispositivo e retirou do menor sob guarda a condição de dependente previdenciário. Entretanto, a jurisprudência mais recente desta Corte Superior reconhece ao menor sob guarda a condição de dependente para fins previdenciários, condição que resulta de situação essencialmente fática, cabendo-lhe o direito à pensão previdenciária sempre que o mantenedor (segurado do INSS) faleça, a fim de não se deixar o hipossuficiente ao desabrigo de qualquer proteção, máxime quando se achava sob guarda, forma de tutela que merece estímulos, incentivos e subsídios do Poder Público, conforme compromisso constitucional assegurado pelo art. 227§ 3ºVI da Carta Magna, além de atentar contra a proteção da confiança com aquele já devidamente cadastrado como dependente do segurado, mediante a prática de ato jurídico administrativo perfeito, pelos agentes do INSS. Assim, a alteração do art. 16§ 2º, da Lei n. 8.213/1991, pela Lei n. 9.528/1997, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo nas diretrizes constitucionais de isonomia e proteção à criança e ao adolescente. Da leitura do art. 227 da CF, constata-se que foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Outra reflexão instigante diz respeito ao fato de alteração normativa veicular entendimento adverso, claramente maculador do princípio que deve permear as leis reconhecedoras de direitos sociais, como os previdenciários, ou seja, o da proibição de retrocesso; assim, se já definida uma orientação legal mais favorável à proteção dos hipossuficientes, não se afigura aceitável, do ponto de vista jurídico e sistêmico que, a partir da adoção de lei restritiva ocasional, dê-se a inversão da orientação até então vigorante. Finalmente, registre-se que a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que, convém ressaltar, é norma específica e em perfeita harmonia com o mandamento constitucional, dispõe em seu art. 33§ 3º que "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário". Nessa linha de raciocínio, impõe-se concluir que, se fosse a intenção do legislador infraconstitucional excluir o menor sob guarda da pensão por morte, teria alterado também a Lei n. 8.069/1990 o que, como visto, não ocorreu.
PROCESSO
REsp 1.442.440-AC, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 07/12/2017, DJe 15/02/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Reintegração de posse. Mandado judicial. Cumprimento. Impossibilidade. Apossamento administrativo e ocupação consolidada. Conversão em ação indenizatória de ofício. Viabilidade. Supremacia do interesse público e social. Julgamento extra petita. Inexistência.
DESTAQUE
A ação possessória pode ser convertida em indenizatória (desapropriação indireta) – ainda que ausente pedido explícito nesse sentido – a fim de assegurar tutela alternativa equivalente ao particular, quando a invasão coletiva consolidada inviabilizar o cumprimento do mandado reintegratório pelo município.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, trata-se de ação de reintegração de posse em que a parte autora, a despeito de ter conseguido ordem judicial, encontra-se privada de suas terras há mais de 2 (duas) décadas, sem que tenha sido adotada qualquer medida concreta para obstar a constante invasão do seu imóvel, seja por ausência de força policial para o cumprimento do mandado reintegratório, seja em decorrência dos inúmeros incidentes processuais ocorridos nos autos ou em face da constante ocupação coletiva ocorrida na área, por milhares de famílias de baixa renda. Nesse contexto, discute-se, entre outros temas, a possibilidade de conversão da ação reivindicatória em indenizatória (por desapropriação indireta), de ofício pelo Juiz. Sobre a temática, vale ressaltar que as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa certa fundadas em título judicial ensejam a aplicação de tutela específica, na forma do art. 461, § 1º, do CPC/1973, sendo totalmente cabível a conversão em perdas e danos para a obtenção de resultado prático correspondente, quando situação fática consolidada no curso da ação exigir a devida proteção jurisdicional. Nesse passo, a conversão operada na espécie não configura julgamento ultra petita ou extra petita, ainda que não tenha havido pedido explícito nesse sentido, diante da impossibilidade prática de devolução da posse à autora, sendo descabido o ajuizamento de outra ação quando uma parte do imóvel já foi afetada ao domínio público, mediante apossamento administrativo e a outra restante foi ocupada de forma precária por inúmeras famílias com a intervenção do Município e do Estado, que implementaram toda a infraestrutura básica na área sub judice. Outrossim, também não há falar em violação ao princípio da congruência, devendo ser aplicada, no caso, a teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, como fruto dos brocardos iura novit curia e mihi factum dabo tibi ius. Conclui-se, portanto, que a conversão em comento é consequência lógica da impossibilidade de devolução do imóvel à autora, sendo desimportante o fato de não ter havido pedido sucessivo/cumulado na exordial ou arguição pelos possuidores (réus na ação reivindicatória), em sede de contestação, quanto à possibilidade de indenização pela perda da posse.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.677.895-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 08/02/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação monitória. Prescrição. Interrupção. Ato inequívoco pelo devedor que reconheça direito. Pedido de prazo. Análise de documentos. Dívida não reconhecida.
DESTAQUE
O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência de débito não tem o condão de interromper a prescrição.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Nos termos do art. 202VI, do CC/02, é causa interruptiva do prazo prescricional "qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor". Ao interpretar esse dispositivo, o tribunal de origem entendeu pela incidência de causa interruptiva, porquanto o pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) pelo devedor. Partindo-se de uma análise semântica, a doutrina entende que o termo "ato inequívoco" é definido como "ato jurídico praticado de modo claro e que se mostra perfeitamente indicativo do desejo efetivo do agente. Não está sujeito à impugnação por ser certo o seu objeto e pela insofismável manifestação de vontade nele expressa". Nessas circunstâncias, o ato capaz de interromper a prescrição deve possuir tamanha clareza e ser exangue de qualquer dúvida que o simples pedido de prazo para análise da procedência do pedido não é capaz de interromper o lustro prescricional. O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados apenas poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se fosse destinado ao pagamento de valores, mas nunca para analisar a existência do próprio débito.
PROCESSO
REsp 1.642.118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 20/02/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Ação regressiva. Condenação ao pagamento de diferença de ações. Debêntures conversíveis em ação preferencial. Cisão parcial. Dívidas próprias de natureza societária.
DESTAQUE
Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se de ação de regresso ajuizada por empresa cindida contra empresa resultante de cisão parcial, a quem imputou a obrigação de arcar com parte de condenação, oriunda de demanda judicial apreciada antes da divisão empresarial, em que sustenta a existência de responsabilidade solidária entre as empresas, na medida em que a condenação decorreu da diferença de quantidade de ações subscritas em razão do exercício de conversão de debêntures correspondentes. De início, importante destacar que a cisão envolve duas classes de obrigações: a) obrigações tipicamente societárias, decorrentes do vínculo societário que agrega os acionistas; e, b) obrigações cíveis lato sensu, advindas da apuração do patrimônio líquido da sociedade cindida. No tocante à primeira classe, nos termos do art. 229, § 1º, da Lei das Sociedades Anonimas (LSA), verifica-se que haverá indiscutível sucessão de direitos e obrigações relacionados no protocolo de cisão. Com efeito, da cisão decorrerá o aumento de capital da empresa destinatária, que absorverá a parcela do patrimônio líquido cindido a título de integralização das ações subscritas em benefício dos sócios da empresa cindida. Assim, há um completo entrelaçamento do quadro societário das empresas em negociação. A atribuição de participação societária na empresa receptora aos sócios da empresa cindida, na medida em que configura elemento essencial do instituto jurídico, não pode ser afastada por mera disposição contratual, sob pena de absoluto desvirtuamento do instituto jurídico. Não é por outra razão que a liberdade contratual para alteração da proporcionalidade entre as novas ações subscritas no ato de incorporação do patrimônio cindido e as correspondentes ações da empresa cindida, por expressa disposição legal, demanda a anuência de todos os sócios, inclusive daqueles sem direito a voto, conforme dispõe o art. 229, § 5º, da LSA. Por sua vez, a segunda classe de obrigações titularizadas pela sociedade trata da mera quantificação e especificação do objeto transferido na cisão, elemento sem dúvida relevante inclusive para a verificação da proporcionalidade de ações a serem subscritas em favor dos sócios. Quanto à parcela patrimonial, o tratamento legal é tão distinto em relação às obrigações societárias a ponto de nem sequer se exigir a participação (votação) dos sócios sem direito a voto. Isso porque a cisão será deliberada pela Assembleia-Geral, ainda que reunida extraordinariamente e mediante quorum qualificado, na esteira do que definem os arts. 121 e 136IX, da Lei n. 6.404/1976, sem resguardar o direito de recesso ao sócio dissidente. Com isso, conclui-se que o tratamento legal dispensado aos credores societários não se confunde com a proteção legal atribuída aos credores cíveis da sociedade parcialmente cindida. Enquanto para estes é imprescindível a verificação do protocolo de cisão e da relação patrimonial envolvida, a fim de se extrair a extensão do patrimônio transferido, naquele impõe-se tão somente a manutenção da proporção das ações ou a existência de deliberação social específica e unânime em sentido diverso. No caso analisado, tem-se que a natureza da obrigação debatida é inquestionavelmente de direito societário, porquanto se refere ao quantitativo de ações correspondentes àquele debenturista a partir da opção por converter suas debêntures em proporção inferior àquela posteriormente reconhecida na sentença – descompasso este que gerou reflexos na proporção de ações percebidas na empresa sucessora, representando, assim, o liame obrigacional entre as empresas sucessoras e cindida. Daí pela sucessiva extensão ou "transferência" do benefício auferido aos demais sócios e sociedades envolvidos, em contraposição ao prejuízo suportado individualmente pelo acionista em questão, é devido o reconhecimento de que as empresas sucessoras devem suportar a indenização na exata proporção da participação do benefício, igualmente auferido. Por via de consequência, é devida a ação de regresso para ressarcimento pela empresa resultante da cisão, observando-se a proporção do patrimônio cindido recebido.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.327.773-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO MARCÁRIO
TEMA
Propriedade industrial. Uso indevido de marca de empresa. Dano moral. Aferição in re ipsa.
DESTAQUE
O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No tocante ao dano moral, especificamente quanto ao uso indevido da marca, verifica-se que há, no estudo da jurisprudência da Casa, uma falta de harmonização, haja vista que parcela dos julgados vem entendendo ser necessário – ainda que de forma indireta – a comprovação do prejuízo; ao passo que, em outros precedentes, o STJ reconhece que o dano moral decorre automaticamente da configuração do uso indevido da marca. Diante dessa dispersão da jurisprudência, o tema do dano moral, quando presente a vulneração da marca, deve ser mais aprofundado. De fato, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular (ordem privada), mas visa, acima de tudo, resguardar o mercado (ordem pública), protegendo os consumidores, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, além de evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Não se pode olvidar, ademais, que a marca, muitas vezes, é o ativo mais valioso da empresa, sendo o meio pelo qual o empresário consegue, perante o mercado, distinguir e particularizar seu produto ou serviço, enaltecendo sua reputação. Portanto, por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da marca, pois, forçosamente, a reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam sendo atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente menoscabo de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais. O contrafator, causador do dano, por outro lado, acaba agregando valor ao seu produto, indevidamente, ao se valer da marca alheia. Sendo assim, o dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral, haja vista que o vilipêndio do sinal, uma vez demonstrado, acarretará, por consectário lógico, a vulneração do seu bom nome, reputação ou imagem.