quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

NOVO SITE DO AMIGO PABLO STOLZE GAGLIANO


Prezados Amigos Blogueiros,


Gostaria de convidá-los a visitar o novo site do Grande Amigo e Irmão Professor Pablo Stolze Gagliano.

O novo endereço é http://www.pablostolze.com.br/.


Tenho certeza que o site será de muita utilidade para todos.

Abraços e Feliz 2008!!!

Professor Flávio Tartuce

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

FELIZ NATAL!!!

Prezados Amigos e Amigas,
Gostaria de desejar a todos um Feliz Natal, com muito amor e muita luz.
E que a noite de hoje sirva de preparação para que no ano de 2008 sejamos guiados pelas Grandes Virtudes: a polidez, a fidelidade, a prudência, a temperança, a coragem, a justiça, a generosidade, a compaixão, a misericórdia, a gratidão, a humildade, a simplicidade, a tolerância, a pureza, a doçura, a boa-fé, o humor... o amor (COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado de grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2007).
Saúde! Sucesso! Felicidade!
Professor Flávio Tartuce

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

INFORMATIVO 340 DO STJ. O ÚLTIMO DE 2007...

AR. PACTO COMISSÓRIO. SIMULAÇÃO. Trata-se de ação rescisória que, no entender do autor, está afeta a erros de julgamento devido ao fato de o acórdão rescindendo se haver apoiado na sistemática do anteprojeto do Código Civil para concluir pela inaplicabilidade do art. 104 do CC/1916 e o reconhecimento do pacto comissório sem que a matéria tenha sido objeto de instrução processual. Aduz, ainda, afronta à Súm n. 400-STF. O acórdão rescindendo, da relatoria do Min. Eduardo Ribeiro, reconheceu que, havendo pacto comissório disfarçado por simulação, não se pode deixar de proclamar a nulidade, não pelo vício da simulação, mas em virtude de aquela avença não ser tolerada pelo direito. Agora, o autor da rescisória é sucessor causa mortis da parte sucumbente no processo rescindendo e, nessa qualidade, é parte legítima para a propositura da ação. Superada essa preliminar, destaca ainda o Min. Relator que deve ser apreciada a alegação de ausência de requisito de admissibilidade do recurso, pois, apesar de o Tribunal a quo ter dado interpretação razoável ao disposto no art. 104 do CC/1916, o acórdão rescindendo incursiona na análise do mérito recursal, o que o autor afirma afrontar a Súm. n. 400-STF. O Min. Relator esclarece que a invocação de ofensa à súmula não autoriza ação rescisória, uma vez que não equivale a uma lei e a referência ao anteprojeto foi como reforço de argumentação. Ultrapassados esses questionamentos iniciais, na hipótese dos autos, não foram comprovadas pelo autor as alegações de artifícios e simulação do réu capazes de ludibriar o julgador, não sendo suficientes meras alegações. Também, segundo o Min. Relator, não merece trânsito a alegação de erro de fato quanto ao pacto comissório. Na hipótese, a ocorrência ou não do pacto comissório foi debatida em todo o processo principal, sendo o ponto de divergência entre as partes. Diante do exposto, a Segunda Seção julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários. AR 366-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgada em 28/11/2007.
REVISÃO. INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. HIPÓTESES. Trata-se de ação de exoneração com pedido de revisão de alimentos em que os autores recorrentes alegam alteração da situação econômica das partes. Eles estariam em dificuldades financeiras enquanto o recorrido é pensionista da Previ e empresário do ramo de importações e exportações. A Turma entendeu que há somente duas hipóteses para que se altere o valor da prestação de alimentos decorrentes de ato ilícito, no caso, acidente de trânsito. Uma o decréscimo das condições econômicas da vítima, dentre elas a eventual defasagem da indenização fixada. A outra, a capacidade de pagamento do devedor. Se houver melhora, poderá a vítima requerer revisão para mais, até atingir a integralidade do dano material futuro; se houver piora, o próprio devedor pedirá a revisão para menor em atenção ao princípio da dignidade humana e à faculdade outorgada no art. 602, § 3º, do CPC (atual art. 475-Q, § 3º, do CPC). O fato de a vítima, mediante seus esforços e após enfrentar as adversidades e limitações físicas, reverter sua situação desfavorável não pode premiar o causador do dano irreversível. REsp 913.431-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/11/2007.

EFICÁCIA CAUTELAR. ALIMENTOS PROVISIONAIS. Uma vez não proposta a ação principal de alimentos no prazo de 30 dias (art. 806 do CPC) perde a eficácia a cautelar de alimentos (alimentos provisionais) nos termos do art. 808 do CPC. Precedente citado: EREsp 327.438-DF, DJ 14/8/2006. REsp 436.763-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 27/11/2007.

ANTICONCEPCIONAL. PLACEBO. DANO MORAL. CONSUMIDOR. Cuidou-se de ação civil pública intentada pelo estado-membro e pelo órgão estadual de defesa do consumidor contra laboratório farmacêutico, objetivando o pagamento de danos morais causados à coletividade, visto que colocara, no mercado, anticoncepcional produzido sem o princípio ativo (placebo), do que decorreu a gravidez de várias consumidoras desse medicamento. Neste Superior Tribunal, a Turma, ao prosseguir o julgamento, não conheceu do recurso. Dentre outros temas, entendeu haver a responsabilidade do laboratório como fornecedor, pois a simples suposição de que houvera a participação de terceiros no derramamento do medicamento ineficaz no mercado é relevada pela constatação da prova carreada aos autos de que o laboratório produziu e deu essencial colaboração para que fosse consumido e de que houve dano aos consumidores, o que afasta a cogitação de aplicar-se a excludente de responsabilidade objetiva (art. 12, § 3º, I, do CDC). Sua responsabilidade exsurge, sobretudo, do fato de ter produzido manufatura perigosa sem adotar medidas eficazes para garantir que tal produto fosse afastado de circulação. O Min. Castro Filho, em seu voto vista, adentra a questão da legitimidade do órgão de defesa para a proteção dos interesses individuais homogêneos, apesar de a Min. Relatora haver aplicado a Súm. n. 284-STF, a impedir o exame da questão. REsp 866.636-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/11/2007.
INSCRIÇÃO. NOME. BANCO DE DADOS. AUSÊNCIA. COMUNICAÇÃO. A recorrente alega que, nos termos do art. 43, § 2º, do CDC, não comprovou a ré a prévia comunicação da negativação no banco de dados a que estava obrigada, motivo pelo qual estaria configurado o dano moral. O Min. Relator esclareceu que, constatada a irregularidade, a mencionada negativação deve ser comunicada à inscrita, o que não aconteceu. Porém a autora não questionou, quando da inicial, a existência da dívida. Não bastasse isso, o acórdão recorrido também reconhece a existência de várias outras anotações negativas. Também, a autora não demonstrou, ao longo da ação, haver quitado a dívida, o que corrobora a suposição de que a prévia comunicação sobre sua existência teria tido algum efeito útil. Em tais excepcionais circunstâncias, não vê o Min. Relator como se possa indenizar a autora por ofensa moral, apenas pela falta de notificação. Destarte, bastante que se determine o cancelamento da inscrição até que haja a comunicação formal à devedora sobre aquela, mas dano moral nessa situação não é de ser reconhecido à autora. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e lhe deu parcial provimento para improver o pleito de indenização por dano moral, determinando, contudo, o cancelamento dos registros requeridos pela empresa até que haja o cumprimento da formalidade da comunicação. Precedente citado: REsp 752.135-RS, DJ 5/9/2005. REsp 986.913-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

AÇÃO. INDENIZAÇÃO. DIREITO DE ACRESCER. Cuida-se de ação de indenização movida pela viúva e filhas de vítima de acidente fatal de trânsito resultante da colisão da moto do de cujus com um veículo de propriedade da empresa recorrida. O primeiro ponto refere-se ao valor do dano moral, visto que, embora sempre difícil o arbitramento, a Quarta Turma tem-se guiado por fixá-lo, em hipótese de morte de vítima, em aproximadamente quinhentos salários mínimos, salvo fatores excepcionais, como comportamento doloso do causador do acidente, aqui não existente. No ponto em que tange ao “direito de acrescer”, o entendimento da Turma é no sentido de prestigiá-lo. Se assim não fosse considerado, não haveria indenização justa e eqüitativa. Por exemplo, se um empregado falece e deixa um filho, todo o valor da pensão, digamos R$ 300,00, irá para ele. Já outro que percebe igual remuneração, mas tem cinco filhos, deixará a mesma quantia a ser dividida entre eles, cabendo a cada um apenas R$ 60,00. Para o causador do ilícito, o valor será o mesmo: R$ 300,00. Mas é justo que um dos filhos remanescentes, que só recebe R$ 60,00, individualmente, continue a receber a mesma quantia eternamente, ainda que os irmãos vão atingindo a idade extintiva da pensão? O Min. Relator pensa que não. Para a ré, a pensão não se modifica, mas também não é razoável que ela vá diminuindo a seu favor, paulatinamente, sem que o irmão remanescente possa ver acrescida aos seus R$ 60,00 a quota parte correspondente ao irmão mais velho, que perdeu o direito à pensão. Quanto às despesas de funeral, a Turma inclinou-se a inexigir a prova da realização dos gastos em razão da certeza do sepultamento, pela insignificância no contexto da lide, enquanto limitada ao mínimo previsto na legislação previdenciária e pelo relevo da verba e sua natureza social de proteção à dignidade humana. Precedentes citados: REsp 388.300-SP, DJ 25/11/2002; REsp 17.738-SP, DJ 22/5/1995, e REsp 148.955-PR, DJ 17/5/1999. REsp 625.161-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

PLANO. SAÚDE. CLÁUSULA. CARÊNCIA. A matéria consiste em saber se a cláusula que estabelece a carência em plano de saúde é ou não abusiva. O Min. Relator observou que, em si, a cláusula que fixa a carência não é abusiva porquanto não se afigura desarrazoada a exigência de um período mínimo de contribuição e permanência no plano de saúde para que o contratante possa fruir de determinados benefícios. As condições são voluntariamente aceitas, os planos são inúmeros e oferecem variados serviços e níveis de assistência médica, tudo compatível com a contraprestação financeira acordada e de conhecimento da pessoa que neles ingressa por livre escolha. Todavia a jurisprudência deste Superior Tribunal tem temperado a regra quando surjam casos de urgência de tratamento de doença grave, em que o valor da vida humana sobrepuja-se ao relevo comercial, além do que, em tais situações, a suposição é que, quando foi aceita a submissão à carência, a parte não imaginava que poderia padecer de um mal súbito. No caso, a autora foi acometida de doença surpreendente e grave e, aliás, já quase ao final do período de carência, vinha contribuindo há quase três anos, para uma carência de trinta e seis meses. Nessas condições particulares, torna-se inaplicável a cláusula, não propriamente por ser em si abusiva, mas pela sua aplicação de forma abusiva, em contraposição ao fim maior do contrato de assistência médica, que é o de amparar a vida e a saúde, tornando-o verdadeiramente inócuo na espécie. REsp 466.667-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. SUBSTITUIÇÃO. BEM. O impetrante assevera ser incabível o decreto de prisão por infidelidade no cumprimento do encargo de depositário judicial de bens fungíveis e da ausência de análise da substituição destes por outros. O Min. Relator destacou que a jurisprudência deste Superior Tribunal tem entendido que o depositário judicial tem a faculdade conferida ao depositário contratual de entregar a coisa ou o equivalente em dinheiro, conforme estatuem os arts. 902, I, e 904 do CPC. Uma vez que descumprida a obrigação de guarda do bem, o qual deve ser apresentado pelo depositário quando intimado para tal, resta-lhe a alternativa de fazer o depósito do valor equivalente sob pena de ser declarado infiel. Não se enxerga possibilidade de o depositário apresentar outros bens em substituição ao bem gravado na execução, visto que o seu encargo dirige-se à guarda e conservação de bens certos e determinados. Com esse entendimento, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados: RHC 10.246-SC, DJ 27/11/2000; REsp 133.600-SP, DJ 4//12/2000, e REsp 276.817-SP, DJ 7/6/2004. HC 70.440-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.
COBRANÇA. ALUGUERES. PRESCRIÇÃO. ART. 2.028 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. A recorrente, mediante execução por quantia certa, busca as diferenças de alugueres pagos a menor entre junho/2001 e novembro/2005. Relativamente à prescrição da pretensão sobre alugueres de prédios urbanos ou rústicos, o Código Civil derrogado estabelecia o prazo de cinco anos para a sua ocorrência (art. 178, § 10, IV), ao passo que a Lei n. 10.406/2002 o reduziu para três anos (art. 206, § 3º, I). Resta saber qual o termo a quo da contagem do novo prazo prescricional. Esclareceu a Min. Relatora que a aplicação da lei nova de modo a reduzir o prazo prescricional referente a situações a ela anteriores e sujeitas a um lapso prescricional superior, disciplinado pela lei revogada, efetivamente importará em atentado aos postulados da segurança jurídica e da irretroatividade da lei, caso se considere a data do fato como marco inicial da contagem do novo prazo. Dessa forma, nas hipóteses em que incide a regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, o termo a quo do novo prazo é o início da vigência da lei nova, no caso, 11 de janeiro de 2003, e não a data em que a prestação deixou de ser adimplida. Precedentes citados do STF: RE 79.327-SP, DJ 7/11/1978; do STJ: REsp 698.195-DF, DJ 29/5/2006, e REsp 905.210-SP, DJ 4/6/2007. REsp 948.600-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 29/11/2007.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

INTERESSANTE ENTREVISTA DE MARIA BERENICE DIAS. CONSULTOR JURÍDICO.

Direito das famílias
Monogamia não é um princípio, é só marco regulador
por Gláucia Milicio
Sagrada família, hoje em dia, é apenas um quadro na parede. Aquela composição clássica de papai, mamãe, filhinho e filhinha também é coisa do passado. O que há agora são famílias — no plural — que são resultado de combinações completamente estranhas e inovadoras como as relações homoafetivas e as relações extramatrimoniais, bem como a união estável ou a família parental. Muito confuso? Pois a confusão é ainda maior quando se sabe que toda esta revolução de costumes está se desenrolando sem um marco legal.
É neste vazio de leis que surge o Judiciário, surpreendentemente ativo para ditar caminhos e marcar posições. Com dificuldades próprias de quem está mexendo e removendo crenças e hábitos ancestrais, são os juízes — e não os legisladores, como era de se esperar — que estão construindo o novo Direito de Família, ou o novo Direito das muitas famílias que agora existem.
Neste campo, a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é uma das pioneiras e acabou se tornando um símbolo. Do Rio Grande do Sul tem saído as decisões mais avançadas no novo Direito das famílias, conseqüência não apenas da liderança exercida pela desembargadora, como também do modo de trabalhar da corte. “Há mais de 20 anos, o TJ-RS tem câmaras especializadas. E a especialização eleva a qualidade”, diz Berenice.
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Berenice acabou se especializando, dentro de sua área de atuação, em um nicho do Direito que por enquanto ainda enfrenta resistências para ser considerado Direito de Família: trata-se do Direito Homoafetivo, que trata dos direitos e das relações entre homossexuais.
Os juízes menos apegados ao passado tendem a reconhecer como uma “sociedade de fato” a união estável de parceiros do mesmo sexo. A desembargadora acha ainda uma decisão atrasada. Para ela, a própria legislação desestimula esta solução quando determina que uma sociedade se estabelece quando as pessoas “se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha de seus resultados” (artigo 981 do Código Civil).
Reduzir a essa dimensão comercial as relações de afeto entre duas pessoas, independentemente do sexo delas, é algo como um desastre humano, entende a desembargadora. É difícil discordar da desembargadora, mas os juízes estão apenas tentando se adaptar ao que está escrito na lei.
E na Constituição está escrito que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”. Não se prevê a união entre pessoas do mesmo sexo. Quem escancara a união entre pessoas do mesmo sexo é a realidade. E aí, o que fazer? A desembargadora acredita que nestas circunstâncias cabe ao juiz ousar. “O juiz ao manejar a lei não pode ser aquele algoz que pune as pessoas que saem do modelo convencional”, diz Berenice.
O mesmo raciocínio ela aplica para as relações extramatrimoniais. O que fazer quando, na hora de repartir a herança do falecido, se descobre que ele viveu toda sua bela vida com duas famílias? Mesmo porque, diz a desembargadora, “a monogamia não é um princípio, é apenas um norte organizador da sociedade”.
Defender idéias desse tipo tem seu preço.
O nome da desembargadora freqüenta com muita assiduidade listas de candidatos a uma vaga no Supremo Tribunal Federal ou nos tribunais superiores. Mas ela não tem, nem nunca teve, ilusões quanto a isso, sabedora que é de que em um alto tribunal vanguardismos desta natureza não são bem vindos.
Maria Berenice é formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 1971. É mãe de três filhos e já passou por cinco casamentos, “todos heterossexuais”, brincou, sem preconceito, em entrevista à Consultor Jurídico.
Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro e Maurício Cardoso.
ConJur — Qual o conceito de família hoje?
Maria Berenice Dias — Não existe uma família. Existem várias. Não é mais aquele modelo que víamos nos cadernos escolares. O pai com o jornal, a mãe com a panela, o filho com a bola e a menina com a boneca. O homem com o jornal, mostrava que tinha de ser mais culto que a mulher; a mãe com a panela, lhe destinava o papel de doméstica; a menina com a boneca já estava sendo adestrada para a maternidade; e o menino com a bola indicava que tinha de ser forte e viril e brincar do lado de fora da casa. Fechando os olhos, nós todos enxergamos este modelo de família.
ConJur — A inclusão homoafetiva seria impossível sem as novas famílias?
Maria Berenice Dias — Seria. Só depois de abrir o conceito de família é possível enxergá-la fora do rótulo do casamento. Não podemos mais falar em família no singular. A própria Constituição já esgarçou esse conceito de família. Existe uma nova realidade, que nem é nova, mas ao menos é uma realidade visível que a gente tem de enxergar.
ConJur — Hoje o juiz tem situações mais complicadas para decidir. Por exemplo, pessoas que têm duas famílias. Essa outra, fora do casamento, pode ser reconhecida?
Maria Berenice Dias — Pode. As duas são entidades familiares. Já há decisões no Tribunal de Justiça gaúcho. Lá tem duas Câmaras que tratam de família, a 7ª e a 8ª. A 8ª Câmara reconhece com muita desenvoltura. Entende que a segunda família é uma entidade familiar paralela. Porque a monogamia não é um princípio, é um norte organizador da sociedade. Até a própria Constituição admite o reconhecimento de filhos fora do casamento. O único problema é que esbarra no reconhecimento de direitos, que a maioria dos estados não reconhece, tem poucas decisões nesse sentido. Recentemente o STJ não reconheceu as famílias paralelas. O juiz ao manejar a lei não pode ser aquele algoz que pune as pessoas que saem do modelo convencional.
ConJur — Qual o procedimento para que essa família seja reconhecida?
Maria Berenice Dias — É muito complicado. O que não pode é essa segunda mulher morrer de fome. O que consigo, infelizmente, é dar indenização pelos serviços domésticos prestados. Quando a Justiça não reconhece a filiação adulterina, as famílias extramatrimoniais, ela está protegendo o homem. A lei é feita pelo homem, e protege o homem.
ConJur — Mas em termos de lei, de legislativo, como é que poderia ser feito o reconhecimento da família paralela?
Maria Berenice Dias — Ao reconhecer os direitos, nós não estamos rompendo este princípio regulador de sociedade, que é a monogamia. Então, se o homem agiu errado, constituiu duas famílias, devemos condená-lo à prisão? A sociedade prefere punir a mulher, mesmo sabendo que não foi ela quem optou por ter uma família paralela, foi o homem. Para mim, não precisava nem mexer na lei. A família paralela é uma união estável, estão presentes as características da união estável.
ConJur — E como fica a questão da fidelidade?
Maria Berenice Dias — Nesta união não existe nenhum dever de fidelidade. Eu não vejo nenhuma justificativa da lei trazer deveres no casamento, porque eles não podem ser cobrados. O fato de o homem ter amante é um problema dele. Ele escolheu viver desse jeito, então tem que pagar por isso, independentemente da mulher.
ConJur — Qual a base de uma família parental?
Maria Berenice Dias — É a família formada independentemente da diferença de graus de parentesco, não é entre um grau e outro grau, a ascendência e descendência. São famílias de parentes do mesmo grau: família de irmãos, família de primos, pessoas que vivem e constituem uma entidade familiar, independentemente da diversidade de graus de parentesco.
ConJur — A família antiga tinha uma organização muito voltada para as questões econômicas. Como se coloca o aspecto econômico neste novo conceito de famílias?
Maria Berenice Dias — Antes a propriedade precisava passar de uma família a outra. Por isso é que existia o regime de comunhão universal de bens. Era exatamente para manter essa característica patrimonial. O patrimônio só poderia ser passado para os filhos com o sangue do patriarca e, para isso, ele precisava ter certeza de que os filhos eram dele. A mulher tinha que casar virgem. O princípio da virgindade nunca foi uma qualidade da mulher, nunca foi valorizada por isso. Só tinha o significado de assegurar ao homem a certeza de que os filhos eram dele e ponto. Mas já houve uma evolução na sociedade.
ConJur — Em que sentido?
Maria Berenice Dias — Eu não vejo o motivo de se prestar mais valor aos aspectos patrimoniais da família, do que aos aspectos afetivos da família. No fundo, família é um núcleo de afetividade, é onde existe um comprometimento mútuo.
ConJur — Em caso de separação, a mãe continua com a prioridade da guarda do filho?
Maria Berenice Dias — O perfil da família brasileira mudou. O homem participa mais no convívio com os filhos. Há uma disputa maior pela guarda filhos e também por uma convivência com eles depois do fim do casamento. Antes, o homem pagava a pensão e, na maioria das vezes, não convivia. Nesse novo viés de família, a convivência é um direito. A ausência dele gera o chamado dano afetivo, sem necessidade de comprovação. Basta o pai não conviver com o filho para gerar esse dano, passível de indenização. O problema da Lei do Divórcio é dizer que, na separação, o filho ficará com a mãe ou o pai, assegurado ao outro o direito de visita. Essa necessidade gera uma disputa e ganhar a guarda do filho é quase um troféu.
ConJur — O que acha da guarda compartilhada?
Maria Berenice Dias — A proposta diz que, na separação, os filhos é que ficam com a guarda compartilhada dos pais. É importante porque ainda há juízes que, por falta de previsão em lei, não reconhecem essa possibilidade, mesmo quando o casal e os filhos queiram. Se aprovada, a lei vai mudar aos poucos a cultura de que a guarda deve ser só do pai ou só da mãe. As pessoas ficam muito inseguras na separação, mas a mudança que a lei propõe é importante para modificar essa concepção.
ConJur — Essa nova concepção depende muito mais da mudança cultural do que de lei, não é?
Maria Berenice Dias — Essa proposta é muito boa e servirá como um marco. Se entrar em vigor, vai funcionar daquele jeito e as pessoas terão de se adaptar. A mesma coisa em relação ao direito dos homossexuais. A Lei Maria da Penha diz que, para efeitos da proteção da lei, independe a orientação sexual. Essa é a primeira norma no Brasil que insere famílias formadas por pessoas do mesmo sexo dentro do conceito de família. Então, para efeitos de aplicação da lei, famílias de mulheres, de transexuais ou travestis também são famílias. A Lei Maria da Penha veio reconhecer esses direitos.
ConJur — O fato de a lei Maria da Penha proteger a mulher e não os parceiros é um problema?
Maria Berenice Dias — É uma solução, porque existe um fato social. Infelizmente muitas mulheres são vítimas de violência doméstica. Quando os homens são alvos de violência, eles também estão protegidos, a legislação os protege. Agora, como a violência doméstica tem esse viés decorrente do sentimento de propriedade e tal, e os números são escandalosos, é preciso ter uma legislação adequada sim.
ConJur — Recentemente, dois episódios tiveram grande repercussão. O caso do Richarlyson, e o outro do juiz que desqualificou a lei Maria da Penha. Essas manifestações radicais refletem a imagem real do Judiciário?
Maria Berenice Dias — Não, esses casos são exceções, mas rezo bastante para que o Judiciário não se manifeste assim. Esse juiz já está sendo processado. Isso leva a crer que o Judiciário estranhou a postura. Não é corriqueiro esse tipo de atitude. Não acredito que seja reflexo do Judiciário.
ConJur — No caso Richarlyson caberia a ação? Ser chamado de gay é ofensa?
Maria Berenice Dias — Com certeza, porque ele foi chamado de uma maneira pejorativa. Da mesma forma que não dá para chamar negro de negro. Isso é crime, ainda que a pessoa seja negra. Chamar homossexual de homossexual tem conotação pejorativa. Ninguém é rotulado de heterossexual, ninguém é ofendido por ser chamado de heterossexual. Está na hora de acabar com todos esses estereótipos porque esses segmentos são alvos de tanta discriminação que eles não conseguem se impor como voz.
ConJur — O conservadorismo dos juízes impede o reconhecimento das uniões homoafetivas?
Maria Berenice Dias — Há uma resistência muito grande em reconhecer direitos aos homossexuais. Isso se vê na Justiça em geral, mas às vezes tem situações de tão escancarado direito que não reconhecer gera injustiça. Ao enxergar as uniões homossexuais só como uma sociedade de fato, os juízes tiram o vínculo afetivo, excluem a natureza sexual desta relação. Com isso, tiram a relação homoafetiva do âmbito do Direito de Família, que é o grande guarda-chuva protetor do cidadão. Dentro do Direito de Família há a possibilidade de se encontrar uma solução dentro do justo. Mas este é um caminhar difícil porque esbarra no preconceito do juiz, que não consegue enxergar aí uma família.
ConJur — Ao reconhecer a relação homoafetiva como uma sociedade de fato percebe-se que já houve um avanço do Judiciário. Mas já há uma abertura da Justiça para enquadrar esta relação como sociedade familiar?
Maria Berenice Dias — Sim. A abertura começou pelo Tribunal do Rio Grande do Sul. Eu sou de lá e estou lutando há muito tempo. Mas já tem alguns estados do país reconhecendo. O último caso de união homossexual reconhecida como entidade familiar é de Minas Gerais, que é um estado conservador. É importante lembrar que se a Justiça não reconhece a união como uma família, não é possível dar direito real de habitação, reconhecer direito sucessório, garantir direito a alimentos. Mas isso está pipocando aos poucos. Já há decisões de Tribunal de Justiça. Os tribunais superiores, no entanto, ainda não se manifestaram, depois que surgiu essa nova postura diante do assunto.
ConJur — A saída pela sociedade de fato gera problemas?
Maria Berenice Dias — Sim. A redação da lei que define a sociedade de fato deixa evidente que a união estável não pode ser considerada uma sociedade. O artigo 981 do Código Civil diz que celebra um contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica. Este é o conceito. Para alguém enxergar a relação de duas pessoas dentro desse conceito, e não dentro do conceito de família, precisa ter uma lente poderosa. Pedir o reconhecimento de uma sociedade de fato é uma maneira de encontrar uma saída sem se comprometer. Há todo um preconceito contra os homossexuais. Por isso, há uma dificuldade para que sejam aceitos como família. Nós temos ainda um conceito de família muito encharcado pela religião. Essa idéia de família — a sagrada família, pai, mãe, filho, crescei e multiplicai-vos — tem toda uma idéia, uma auréola de proteção.
ConJur — Como a Justiça resolve os casos de sucessão nos casos de união extramatrimonial?
Maria Berenice Dias — Até 1994, os parceiros em relações extramatrimoniais não tinham Direito a sucessão, não tinham direito a alimentos. A Justiça perversamente, nunca deu. Mesmo depois da Constituição Federal, que em 1988 disse que eram uma entidade familiar, a jurisprudência não reconheceu. A Justiça continuou chamando de sociedade de fato e as ações continuaram sendo julgadas nas varas cíveis, não nas varas de família. E continuava não dando nem alimento e nem direito sucessório. A Justiça fez uma legião de famintas, porque o patrimônio sempre esteve na mão dos homens.
ConJur — Como está a tramitação do anteprojeto de Estatuto da Família que o IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito da Família) entregou no Congresso?
Maria Berenice Dias — O projeto foi apresentado pelo deputado Sérgio Barradas (PT-BA), e a relatora sorteada foi a Rita Camata (PMDB-ES). Ela é uma mulher bem esclarecida e ele é um otimista. Por ele, as coisas são aprovadas muito rapidamente. Acho que vai tramitar, é um projeto viável, mas acho arrojado demais para os nossos parâmetros sociais. Apesar de ser um código da realidade da família de hoje, ele é um código que acho que vai ser entendido daqui a cinqüenta anos.
ConJur — Por que o Judiciário acaba assumindo a função do Legislativo?
Maria Berenice Dias — No meu entender, por falta de compromisso do legislador em fazer a lei que atenda à realidade da sociedade. Eles não estão preocupados com isso. Eles estão preocupados só com sua reeleição. Está muito desvirtuado o nosso legislador, a tramitação, no Legislativo, é horrorosamente morosa. Há um descomprometimento total com qualquer coisa que se tente, se consiga. Eu acho o nosso legislador péssimo.
ConJur — Há um vazio legislativo na área do Direito Homoafetivo. O Judiciário, de alguma maneira, preenche?
Maria Berenice Dias — No vácuo da lei, o Judiciário acaba tendo que enxertar esse vazio, já que ele convive mal com injustiças. Dá para enxergar isso com muita clareza nos casos de concubinatos. A união extramatrimonial ficou à margem do Direito, à margem de qualquer regulamentação por 70 anos. Esta união só foi reconhecida porque o Judiciário, ao se defrontar com o fato, buscou soluções. Como não tem lei, a jurisprudência está começando a construir um verdadeiro ramo do Direito de tutela a essas uniões. Porque eu sempre digo que o fato esbofeteia o juiz, a realidade está ali e ele não consegue negar.
ConJur — Acha que vai demorar para que esse novo ramo seja reconhecido?
Maria Berenice Dias — Não. Em sete anos, desde que eu comecei a trabalhar com relações homoafetivas, nós fizemos o que foi feito em 70 anos em relação às uniões extramatrimoniais.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2007

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NO STJ. MAIS UMA DECISÃO.

Pai que reconheceu filho, sabendo inexistir a relação biológica, não pode anular registro

Publicado em 12 de Dezembro de 2007 às 09h20

Um cidadão de Minas Gerais não conseguiu anular o registro de uma menina que assumiu como filha, mesmo comprovando não ser o seu pai biológico.
Por ter ele declarado espontaneamente a paternidade da menina, a Justiça não enxergou, na hipótese, qualquer nulidade legal que autorize a correção. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) num recurso especial julgado pela Quarta Turma. S.V.V. registrou T.D.S.V. como filha, sabendo que não havia relação biológica entre ambos. Ele tenta, desde 1996, a anulação do registro de nascimento.
Baseados em voto do relator, Ministro Hélio Quaglia Barbosa, os ministros entenderam que, salvo nas hipóteses de erro, dolo (intenção), coação, simulação ou fraude, a pretensão de anulação do ato de registro de um filho, tido como ideologicamente falso, só pode ser acionada por terceiros interessados, não sendo admitida a revogação do reconhecimento pelo próprio declarante.
Em primeiro e segundo graus, o pedido de anulação do registro foi negado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) manteve intacto o registro de nascimento da filha, atualmente com 15 anos, por entender que não haveria anulabilidade, já que o autor assumiu a paternidade espontaneamente e apenas se arrependera do ato. O nascimento da menina ocorreu, segundo afirma o pai, antes mesmo do início do relacionamento dele, então com 59 anos, com a mãe de T., a qual tinha pouco mais de 20 anos.
O pai narra que, quando conheceu a mãe, teria se sensibilizado com a situação da menina. Registrou-a como filha a pedido da mãe, em 1995, quando ainda se relacionavam. Ocorre que, logo após o reconhecimento, ela teria terminado o romance e ingressado com ação de alimentos. S., por sua vez, moveu a ação para anular o registro da menina.
Inconformado com as decisões da Justiça mineira, o pai recorreu ao STJ, mas a Quarta Turma entendeu que o TJ/MG não contrariou os dispositivos de lei apontados por ele no processo. Por isso, os Ministros não conheceram do recurso. O Ministro Quaglia Barbosa destacou que “o estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode assumir feições originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética”. A decisão foi unânime.
O STJ já se manifestou, em maio deste ano, sobre ser possível a anulação de registro de paternidade quando é reconhecida ainda que voluntariamente pelo pai, mas baseada em erro, por exemplo, por falsa informação prestada pela mãe. (Os dados do processo não foram fornecidos pela fonte).


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ARTIGO. A POLÊMICA DO BEM DE FAMÍLIA OFERTADO.

Prezados Amigos Blogueiros,

Já está disponível em nosso site, o último artigo de nossa autoria, tratando da polêmica do BEM DE FAMÍLIA OFERTADO.

Acesse: www.flaviotartuce.adv.br. Seção ARTIGOS DO PROFESSOR.

Boa Leitura!
Boas Reflexões!

Professor Flávio Tartuce

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

STJ. SEGURO-SAÚDE.

Doença grave está acima de prazo de carência, decide STJ
UOL. Da Redação
Em São Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluiu a aplicação do prazo de carência em um contrato firmado entre o Centro Trasmontano de São Paulo e uma associada.
O prazo de carência é tempo que o alguém é obrigado a cumprir antes de ter acesso a determinado serviço. No caso, a paciente associou-se à entidade em 1996 e, quase no fim do terceiro ano de carência, foi diagnosticada com um tumor medular.
O prazo de carência era de 36 meses e a entidade negou a prestação do serviço. A associada teve de fazer uma cirurgia de emergência e arcar com os custos de internação, no valor de R$ 5,7 mil. Para o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo, que deu entrevista à Agência Estado, a cláusula que fixa um período de carência não é fora de propósito.
Entretanto, a própria jurisprudência do STJ muda a regra quando surgem casos de urgência envolvendo doença grave.
Segundo o ministro, o valor da vida deve estar acima das razões comerciais. A advogada da ProTeste, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Maria Inês Dolci, afirma que outros casos semelhantes já foram julgados e em alguns foi dado ganho de causa aos associados.
Ela reitera que este julgamento serve de parâmetro para outros semelhantes. "A decisão do STJ é importante pois gera precedentes e subsídios para novos casos", afirma. Segundo o Procon, os planos de saúde e odontológicos estão em 10º lugar no ranking de reclamações na cidade de São Paulo.
Entre janeiro e setembro deste ano foram 536 casos registrados no instituto. Outro lado A assessoria da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), associação que reúne as empresas Amil, Transmontano, Medial, Golden Cross, entre outras, declarou que prefere não comentar a decisão por se tratar de um caso pontual.

TJ/RS. CONDENAÇÃO CIGARRO.

Souza Cruz é condenada a pagar R$ 490 mil a família de fumante
DO SITE ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Por 5 votos a 3, o 3º Grupo Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) negou nesta sexta-feira (7/12) recurso da Souza Cruz e manteve a indenização à família de um fumante como forma de reparação de danos morais pela sua morte, causada por doenças decorrentes do uso de cigarros da empresa.
A condenação havia sido imposta pela 5ª Câmara Cível.
Serão beneficiadas a esposa e cinco filhos de Vitorino Mattiazzi, cada um em R$ 70 mil, e dois netos, com a quantia de R$ 35 mil cada. No total, a empresa terá de pagar R$ 490 mil.
Os valores devidos a partir da sessão de julgamento da 5ª Câmara Cível, em 27 de junho de 2007, deverão ser corrigidos aplicando-se juros legais a contar da morte, ocorrida em 24 de dezembro de 2001, na ordem de 6% ao ano.
Os magistrados entenderam, por maioria, que a venda de cigarros é lícita. Mas "a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a demandada de reparar prejuízos gerados por si comercializados e distribuídos".
Vitorino Mattiazzi nasceu em 1940 e começou a fumar na adolescência. Chegou a consumir dois maços de cigarros por dia. Em 1998, foi diagnosticado portador de câncer no pulmão, morrendo em 24 de dezembro de 2001, com a causa mortis "adenocarcinoma pulmão". A família sustentou que o único fator de risco de Vitorino foi o tabagismo.
A empresa defendeu-se afirmando que exerce atividade lícita e cumpre as regras impostas pelo governo federal. Alegou que inexistiu a propaganda enganosa do cigarro ou do nexo de causalidade entre a publicidade e a decisão de Vitorino começar a fumar.
A primeira sentença julgou os pedidos improcedentes, mas a Câmara Cível do TJ-RS proveu o recurso da família de Vitorino.
Para o relator, desembargador Paulo Sergio Scarparo, "não há falar em liberalidade ou voluntariedade do usuário do tabaco". Ele considerou que a vontade do indivíduo "estava maculada, quer pela ausência de informações a respeito dos malefícios do produto, seja pela dependência química causada por diversos componentes, especialmente, pela nicotina". A empresa interpôs embargos infringentes contra a decisão da Câmara, mas não obteve sucesso.
Para o desembargador Ubirajara Mach de Oliveira, relator no julgamento ocorrido nesta sexta, a demanda da família tem que ser analisada dentro das relações de consumo. Entendeu que o ônus da prova cabe à empresa e não aos autores da ação.
Ele observou que a relação havida entre Vitorino Mattiazzi e os produtos da empresa foi de "longa duração, constituída há mais de 40 anos", como informou o depoimento da viúva.
Registrou que "beira as raias da má-fé a alegação de que o óbito teria decorrido de culpa exclusiva do fumante, na medida em que a própria embargante reconhece que o tabagismo é, pelo menos, um fator de risco para as doenças que vitimaram o autor". "O depoimento pessoal da viúva demonstra, justamente, a dificuldade do falecido em se livrar do vício, pois tentou parar várias vezes antes da doença (inclusive com uso de spray e balas)", disse o juiz.
Sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE BRASÍLIA SUSPENDENDO OS EFEITOS DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA QUE TRATA DA ORTOTANÁSIA

DECISÃO Nº : ______________/2007-B
PROCESSO Nº : 2007.34.00.014809-3
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
DECISÃO
Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação detutela, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, questionando a Resolução CFM nº 1.805/2006,que regulamenta a ortotanásia.
Aduz, em apertada síntese, que oConselho Federal de Medicina não tem poder regulamentar paraestabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada comocrime.O processo foi ajuizado em 09 de maio de 2007.
O ilustre Juiz Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA - oficiando no feito em virtude de minhadesignação para, com prejuízo das funções, prestar auxíliona 25a Vara (Juizado Especial Federal) desta Seção Judiciária do Distrito Federal no período de 02 a 22 de maio de 2007 - despachou nodia 15 de maio de 2007 oportunizando a oitiva do Réu, no prazo de 72h, antes de apreciar a antecipação de tutela.
Intimado, o Conselho Federal de Medicina protocolou as informações preliminares no dia 31 de maio de 2007, asseverando a legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006 e a inexistência dos requisitosnecessários à concessão da antecipação de tutela.
É o relatório. Decido.
Em questão de ordem, registro que as informações preliminares prestadas pelo Réu somente foram juntadas efetivamente ao processo em 27 de agosto de 2007, em virtude da necessidade de abertura de novo volume de autos, vindo então conclusos para decisão em 17 de outubrode 2007.
Daí, recomendo à Secretaria, dentro das possibilidades quedecorrem naturalmente da limitação de pessoal para fazer frente àpletora de processos que tramitam nesta Vara, maior diligência najuntada de petições, abertura de volume de autos e conclusão para decisão nas hipóteses em que existe pedido de tutela de urgência, como no caso.
Pois bem.
A lide cinge-se à legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis.
Impende salientar, inicialmente, que a questão é complexa e polêmica, como se infere da petição inicial desta ação civil pública, que tem nada menos que 129 folhas, vindo instruída com osdocumentos de fls. 133-296, bem assim das informações preliminares do Réu, que têm 19 folhas e são instruídas com os documentos encartados em dois volumes de autos, totalizando mais de 400 folhas.
Na verdade, trata-se de questão imensamente debatida no mundo inteiro.
Lembre-se, por exemplo, da repercussão do filme espanhol 'Mar Adentro' e do filme americano 'Menina de Ouro'.
E o debate não vem de hoje, nem se limita a alguns campos do conhecimento humano, como o Direito ou a Medicina, pois sobre tal questão há inclusive manifestação da Igreja, conforme a 'Declaração sobre a Eutanásia' da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 05 de maio de 1980, no sentido de que 'na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo'.
Entretanto, analisada a questão superficialmente, como convém em sede de tutela de urgência, e sob a perspectiva do Direito, tenho para mim que a tese trazida pelo Conselho Federal de Farmácia nas suas informações preliminares, no sentido de que a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família, não elide a circunstância segundo a qual tal conduta parece caracterizar crime de homicídio no Brasil, nos termos do art. 121, do Código Penal.
E parece caracterizar crime porque o tipo penal previsto no sobredito art. 121, sempre abrangeu e parece abranger ainda tanto a eutanásia como a ortotanásia, a despeito da opinião de alguns juristas consagrados em sentido contrário.
Tanto assim que, como bem asseverou o representante do Ministério Público Federal, em sua bem-elaborada petição inicial, tramita no Congresso Nacional o 'anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal, colocando a eutanásia como privilégio ao homicídio e descriminando aortotanásia' (fl. 29).
Desse modo, a glosa da ortotanásia do mencionado tipo penal não pode ser feita mediante resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, ainda que essa resolução venha de encontro aos anseios de parcela significativa da classe médica e até mesmo de outros setores da sociedade.
Essa glosa há de ser feita, como foi feita em outros países, mediante lei aprovada pelo Parlamento, havendo inclusive projeto-de-lei nesse sentido tramitando no Congresso Nacional. Em última análise, para suprir a ausência de lei específica, aglosa pode ser 'judicializada' mediante provocação ao Supremo Tribunal Federal, como ocorreu, por exemplo, na Argüição deDescumprimento de Preceito Fundamental nº 54, ajuizada em 17 de junhode 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e na qual se discute se ocorre crime de aborto no caso de anencéfalo.
Registro, para efeito de documentação, a ementa do acórdão proferido em questão de ordem na referida ação constitucional, litteris:
EMENTA: 'ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACRO PROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados ainterrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do SupremoTribunal Federal. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham aparticipar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia'. (STF, ADPF-QO 54, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Plenário, J 27.04.2005, DJ 31.08.2007).
À luz dessas considerações, o aparente conflito entre a resolução questionada e o Código Penal é bastante para reconhecer a relevância do argumento do Ministério PúblicoFederal.
Dizer se existe ou não conflito entre a resolução e o Código Penal é questão a ser enfrentada na sentença.
Mas a mera aparência desse conflito já é bastante para impor a suspensão daResolução CFM nº 1.805/2006, mormente quando se considera que sua vigência, iniciada com a publicação no DOU do dia 28 de novembrode 2006, traduz o placet do Conselho Federal de Medicina com a práticada ortotanásia, ou seja, traduz o placet do Conselho Federal deMedicina com a morte ou o fim da vida de pessoas doentes, fim da vida essa que é irreversível e não pode destarte aguardar a solução final do processo para ser tutelada judicialmente.
Do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para suspender ose feitos da Resolução CFM nº 1.805/2006.
Intimem-se.
Cite-se.
Brasília, 23 de outubro de 2007.
ROBERTO LUIS LUCHI DEMO
Juiz Federal Substituto da 14ª Vara/DF