quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE BRASÍLIA SUSPENDENDO OS EFEITOS DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA QUE TRATA DA ORTOTANÁSIA

DECISÃO Nº : ______________/2007-B
PROCESSO Nº : 2007.34.00.014809-3
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
DECISÃO
Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação detutela, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, questionando a Resolução CFM nº 1.805/2006,que regulamenta a ortotanásia.
Aduz, em apertada síntese, que oConselho Federal de Medicina não tem poder regulamentar paraestabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada comocrime.O processo foi ajuizado em 09 de maio de 2007.
O ilustre Juiz Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA - oficiando no feito em virtude de minhadesignação para, com prejuízo das funções, prestar auxíliona 25a Vara (Juizado Especial Federal) desta Seção Judiciária do Distrito Federal no período de 02 a 22 de maio de 2007 - despachou nodia 15 de maio de 2007 oportunizando a oitiva do Réu, no prazo de 72h, antes de apreciar a antecipação de tutela.
Intimado, o Conselho Federal de Medicina protocolou as informações preliminares no dia 31 de maio de 2007, asseverando a legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006 e a inexistência dos requisitosnecessários à concessão da antecipação de tutela.
É o relatório. Decido.
Em questão de ordem, registro que as informações preliminares prestadas pelo Réu somente foram juntadas efetivamente ao processo em 27 de agosto de 2007, em virtude da necessidade de abertura de novo volume de autos, vindo então conclusos para decisão em 17 de outubrode 2007.
Daí, recomendo à Secretaria, dentro das possibilidades quedecorrem naturalmente da limitação de pessoal para fazer frente àpletora de processos que tramitam nesta Vara, maior diligência najuntada de petições, abertura de volume de autos e conclusão para decisão nas hipóteses em que existe pedido de tutela de urgência, como no caso.
Pois bem.
A lide cinge-se à legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis.
Impende salientar, inicialmente, que a questão é complexa e polêmica, como se infere da petição inicial desta ação civil pública, que tem nada menos que 129 folhas, vindo instruída com osdocumentos de fls. 133-296, bem assim das informações preliminares do Réu, que têm 19 folhas e são instruídas com os documentos encartados em dois volumes de autos, totalizando mais de 400 folhas.
Na verdade, trata-se de questão imensamente debatida no mundo inteiro.
Lembre-se, por exemplo, da repercussão do filme espanhol 'Mar Adentro' e do filme americano 'Menina de Ouro'.
E o debate não vem de hoje, nem se limita a alguns campos do conhecimento humano, como o Direito ou a Medicina, pois sobre tal questão há inclusive manifestação da Igreja, conforme a 'Declaração sobre a Eutanásia' da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 05 de maio de 1980, no sentido de que 'na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo'.
Entretanto, analisada a questão superficialmente, como convém em sede de tutela de urgência, e sob a perspectiva do Direito, tenho para mim que a tese trazida pelo Conselho Federal de Farmácia nas suas informações preliminares, no sentido de que a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família, não elide a circunstância segundo a qual tal conduta parece caracterizar crime de homicídio no Brasil, nos termos do art. 121, do Código Penal.
E parece caracterizar crime porque o tipo penal previsto no sobredito art. 121, sempre abrangeu e parece abranger ainda tanto a eutanásia como a ortotanásia, a despeito da opinião de alguns juristas consagrados em sentido contrário.
Tanto assim que, como bem asseverou o representante do Ministério Público Federal, em sua bem-elaborada petição inicial, tramita no Congresso Nacional o 'anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal, colocando a eutanásia como privilégio ao homicídio e descriminando aortotanásia' (fl. 29).
Desse modo, a glosa da ortotanásia do mencionado tipo penal não pode ser feita mediante resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, ainda que essa resolução venha de encontro aos anseios de parcela significativa da classe médica e até mesmo de outros setores da sociedade.
Essa glosa há de ser feita, como foi feita em outros países, mediante lei aprovada pelo Parlamento, havendo inclusive projeto-de-lei nesse sentido tramitando no Congresso Nacional. Em última análise, para suprir a ausência de lei específica, aglosa pode ser 'judicializada' mediante provocação ao Supremo Tribunal Federal, como ocorreu, por exemplo, na Argüição deDescumprimento de Preceito Fundamental nº 54, ajuizada em 17 de junhode 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e na qual se discute se ocorre crime de aborto no caso de anencéfalo.
Registro, para efeito de documentação, a ementa do acórdão proferido em questão de ordem na referida ação constitucional, litteris:
EMENTA: 'ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACRO PROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados ainterrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do SupremoTribunal Federal. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham aparticipar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia'. (STF, ADPF-QO 54, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Plenário, J 27.04.2005, DJ 31.08.2007).
À luz dessas considerações, o aparente conflito entre a resolução questionada e o Código Penal é bastante para reconhecer a relevância do argumento do Ministério PúblicoFederal.
Dizer se existe ou não conflito entre a resolução e o Código Penal é questão a ser enfrentada na sentença.
Mas a mera aparência desse conflito já é bastante para impor a suspensão daResolução CFM nº 1.805/2006, mormente quando se considera que sua vigência, iniciada com a publicação no DOU do dia 28 de novembrode 2006, traduz o placet do Conselho Federal de Medicina com a práticada ortotanásia, ou seja, traduz o placet do Conselho Federal deMedicina com a morte ou o fim da vida de pessoas doentes, fim da vida essa que é irreversível e não pode destarte aguardar a solução final do processo para ser tutelada judicialmente.
Do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para suspender ose feitos da Resolução CFM nº 1.805/2006.
Intimem-se.
Cite-se.
Brasília, 23 de outubro de 2007.
ROBERTO LUIS LUCHI DEMO
Juiz Federal Substituto da 14ª Vara/DF

Um comentário:

Paulo disse...

Gostei de passar por este seu "espaço".
Abraço, professor
Paulo
Portugal