sexta-feira, 28 de novembro de 2014
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
ARTIGO DO PROFESSOR SIMÃO SOBRE O PROJETO DE LEI SOBRE GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA.
Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013
Por José
Fernando Simão. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da
Faculdade de Direito da USP. Advogado e consultor jurídico.
No dia 20 de
novembro, participei de audiência pública em Brasília, na Comissão de Assuntos
Sociais do Senado, para discutir o PL 117/2013 que altera os artigos 1583, 1584
e 1634 do Código Civil.
Na ocasião, fiz
diversas observações puramente doutrinárias sobre os problemas e equívocos do
projeto, enaltecendo, é claro, o que havia de positivo. Em 26 de novembro, o
Senado aprova o PL 117/2013, com pequena alteração de redação por mim sugerida,
mantendo-se, no mais, todos seus termos. Aguarda-se, agora, a sanção da
Presidente Dilma.
Passo a analisar o
PL 117/2013 tal como aprovado pelo Senado e demonstrarei que é muito cedo para
se festejar a sua aprovação.
Guarda
compartilhada obrigatória mesmo em afronta ao melhor interesse da criança?
A nova redação do
art. 1584, parágrafo segundo, torna a guarda compartilhada obrigatória na
hipótese de discordância dos pais:
“§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será
aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao
magistrado que não deseja a guarda do menor.”
Note-se que a
atual redação do dispositivo, contém a locução “sempre que possível” que é
suprimida pelo PL 117.
O objetivo do
PL117/2013 é claro: o magistrado de família perde a possibilidade de, em sua
decisão, determinar a guarda unilateral em favor da mãe, afirmando não ser
possível, naquele caso, a guarda compartilhada.
A questão que se
coloca é: a mudança efetivamente torna a guarda compartilhada obrigatória como
faz crer uma leitura apressada do PL? A resposta é negativa. A lei deve ser
lida sempre, a todo tempo, pelo filtro constitucional. Explico.
Quando o Estatuto
da Criança e do Adolescente foi alterado em 2009 e se suprimiu a possibilidade
de adoção personalíssima, ou seja, todos os adotantes devem estar inscritos no
Cadastro de Adoção, não podendo mais haver adoção de criança determinada por
adotante determinado, o legislador retirou do magistrado tal possibilidade,
vedou tal tipo de decisão expressamente. Veja que o art. 50, §13 do Estatuto
traz hipóteses muito restritas de adoção por pessoas não inscritas no Cadastro.
Qual foi a reação
do Poder Judiciário? No melhor interesse da criança, a mudança foi ignorada
simplesmente. Assim temos:
“AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU
PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL
ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS
- PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA” (REsp
1172067/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
18/03/2010, DJe 14/04/2010)
É cristalino o
fundamento da decisão: “é certo, contudo, que a observância de tal cadastro,
vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar
determinada criança, não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se
tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor,
basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na
hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção,
ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro”
No caso da guarda
compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos pais, assistiremos às
seguintes decisões: “em que pese a determinação do Código Civil de que a guarda
deverá ser compartilhada, no caso concreto, a guarda que atende ao melhor
interesse da criança é a unilateral e, portanto, fica afastada a regra do CC
que cede diante do princípio constitucional”.
A lei não é, por
si, a solução do problema como parecem preconizar os defensores do PL 117/2003.
A mudança real é
que o Magistrado, a partir da nova redação de lei, precisará invocar o preceito
constitucional para não segui-la. Nada mais.
A guarda
alternada sendo denominada compartilhada pelo PL 117/2013.
O parágrafo 3º do art. 1583 do CC passa a ter a seguinte redação:
§ 3º Na guarda
compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que
melhor atender aos interesses dos filhos.
Este dispositivo é
absolutamente nefasto ao menor e ao adolescente. Preconiza ele a dupla
residência do menor em contrariedade às orientações de todos os especialistas
da área da psicanálise.
Convívio com ambos
os pais, algo saudável e necessário ao menor, não significa, como faz crer o
dispositivo, que o menor passa a ter duas casas, dormindo às segundas e quartas
na casa do pai e terças e quintas na casa da mãe. Essa orientação é de guarda
alternada e não compartilhada.
A criança sofre,
nessa hipótese, o drama do duplo referencial criando desordem em sua vida. Não
se pode imaginar que compartilhar a guarda significa que nas duas primeiras
semanas do mês a criança dorme na casa paterna e nas duas últimas dorme na casa
materna.
Compartilhar a
guarda significa exclusivamente que a criança terá convívio mais intenso com
seu pai (que normalmente fica sem a guarda unilateral) e não apenas nas visitas
ocorridas a cada 15 dias nos fins-de-semana. Assim, o pai deverá levar seu
filho à escola durante a semana, poderá com ele almoçar ou jantar em dias
específicos, poderá estar com ele em certas manhãs ou tardes para acompanhar
seus deveres escolares.
Note-se que há por
traz da norma projetada uma grande confusão. Não é pelo fato de a guarda ser
unilateral que as decisões referentes aos filhos passam a ser exclusivas
daquele que detém a guarda.
Decisão sobre
escola em que estuda o filho, religião, tratamento médico entre outras já é
sempre foi decisão conjunta, de ambos os pais, pois decorre do poder familiar.
Não é a guarda compartilhada que resolve essa questão que, aliás, nenhuma
relação tem com a posse física e companhia dos filhos.
Na próxima edição
da Carta Forense, prosseguimos com nossas reflexões.
APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA GUARDA COMPARTILHADA.
Guarda de filhos deverá ser obrigatoriamente compartilhada
Aprovado
ontem no Senado, PLC 117/13 segue agora para sanção da presidente Dilma.
Fonte: Migalhas.
O Senado aprovou
nesta quarta-feira, 26, o PLC 117/13, que determina a guarda compartilhada para a
custódia dos filhos de pais divorciados ainda que haja desacordo entre os
ex-cônjuges. O texto agora segue para sanção da presidente Dilma.
De autoria do
deputado Arnaldo Faria de Sá, o projeto determina ao juiz o estabelecimento da
guarda compartilhada em tais casos. Atualmente, os juízes ainda têm respaldo
legal para reservar a guarda a um dos pais. Ocorre que muitas vezes o
responsável pela criança acaba alienando o ex-companheiro ou a ex-companheira
da convivência com os filhos, gerando prejuízos emocionais, psíquicos e
intelectuais para crianças e adolescentes.
Confira a íntegra
do PL abaixo.
_________________
PROJETO DE
LEI DA CÂMARA Nº 117, DE 2013
(N° 1.009/2011, na Casa de origem, do Deputado Arnaldo Faria Sá)
Altera os arts.
1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código
Civil, para estabelecer o significado da expressão "guarda
compartilhada" e dispor sobre sua aplicação.
O CONGRESSO
NACIONAL decreta:
Art. 1° Esta Lei estabelece o significado da expressão
"guarda compartilhada" e dispõe sobre sua aplicação, para o que
modifica os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil.
Art. 2° A Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código
Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art.
1.583 ............................
§ 2º Na guarda
compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma
equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e
os interesses dos filhos.
I - (revogado);
II - (revogado);
III - (revogado).
II - (revogado);
III - (revogado).
§ 3° Na guarda
compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que
melhor atender aos interesses dos filhos.
§ 5º A guarda
unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses
dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre
será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas,
objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente
afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos." (NR)
"Art.
1.584.
§ 2º Quando não
houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se
ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda
compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja
a guarda do menor.
§ 3° Para
estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob
guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe
interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e
com a mãe.
§ 4º A alteração
não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral
ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu
detentor.
§ 5º Se o juiz
verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe,
deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,
considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e
afetividade.
§ 6º Qualquer
estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer
dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos
reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da
solicitação." (NR)
"Art.
1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de
medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a
decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida
preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a
proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva
da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584." (NR)
"Art.
1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos
filhos:
I - dirigir-lhes a
criação e a educação;
II - exercer a
guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III -
conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes
ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes
ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro
Município;
VI - nomear-lhes
tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII -
representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos
atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los
de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que
lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição." (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
DANO SOCIAL DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. JULGADO DO STJ EM SEDE DE INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS
Juiz não pode condenar banco a pagar dano social que
não foi pedido pelo autor de ação individual
Fonte:
Site do STJ.
É
nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a
parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título
de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide. A tese foi definida pela
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento submetido ao
rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil – que trata dos recursos especiais
repetitivos, mas neste caso foi aplicado por analogia a uma reclamação contra
acórdão de turma recursal dos juizados especiais.
Esta é a primeira
vez que o STJ aplica o sistema dos repetitivos no âmbito dos juizados
especiais. O relator é o ministro Raul Araújo.
Ajuizada pelo
Banco Bradesco, a reclamação traz uma controvérsia identificada em grande
número de processos, principalmente nos juizados vinculados ao Tribunal de
Justiça de Goiás, e por isso a Seção decidiu firmar sua posição conforme o artigo
543-C. Assim, as turmas recursais que tratarem do tema devem se alinhar ao
entendimento do STJ.
A Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) informou que, somente no juizado especial
contra o qual foi apresentada a reclamação, já foram proferidas cerca de 200
condenações ao pagamento de danos sociais em ações individuais nas quais havia
sido pedida apenas indenização por dano moral. Para a Febraban, isso permite
antever a multiplicação de condenações desse tipo contra os bancos.
Identificada a
questão como repetitiva, a Seção determinou a suspensão de todos os processos
idênticos em trâmite nos juizados especiais e nas turmas recursais
exclusivamente na parte em que fosse discutida a condenação de instituições
financeiras, sem pedido da parte, ao pagamento de danos sociais em favor de
terceiros estranhos à lide.
Anuidade
indevida
O processo julgado
trata do caso de uma cliente que ajuizou demanda no juizado especial pedindo
indenização por danos morais e materiais em decorrência de débitos em sua conta
corrente realizados pelo Bradesco em 2011. O valor se referia à cobrança de
anuidade de cartão de crédito não solicitado por ela.
A sentença
condenou o banco à devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, ao
pagamento de indenização de R$ 5 mil para a cliente, como reparação pelos danos
morais, e de R$ 10 mil para o Conselho da Comunidade de Minaçu (GO), município
onde a cliente residia, a título de reparação de danos sociais, ainda que a
ação individual não trouxesse nenhum pedido expresso quanto a isso.
O Bradesco
recorreu à turma recursal, que manteve a decisão de pagamento da indenização
suplementar ao argumento de que “agressões reincidentes e inescusáveis aos
direitos dos consumidores geram danos à sociedade”, que configuram ato ilícito
por exercício abusivo do direito.
Reclamação
Por se tratar de
uma ação de juizado especial, não cabe recurso especial ao STJ. Contudo, o
banco apresentou reclamação à corte superior para adequar a decisão da turma
recursal à jurisprudência sobre o assunto. Alegou que houve violação dos
limites objetivos da ação proposta pela cliente. Disse que o juiz decidiu além
do que foi pedido ao dar uma indenização suplementar não requerida e por fatos
que não embasaram a petição inicial, mas “decorrentes da experiência pessoal do
magistrado em ações de natureza idêntica”.
Inicialmente, o
ministro relator destacou que o caso não configura nenhuma das duas hipóteses
de cabimento de reclamação contra decisão de turma recursal: violação a
enunciado de súmula ou a tese definida em recurso repetitivo. No entanto,
trata-se de “decisão teratológica”, o que justifica a análise pelo STJ.
Extra
petita
Raul Araújo
registrou que a doutrina moderna tem admitido, diante da ocorrência de ato
ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano
social. Seria uma categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil,
uma espécie de dano reparável decorrente de comportamentos socialmente
reprováveis (pois diminuem o nível social de tranquilidade), a ser reclamado
pelos legitimados para propor ações coletivas.
No entanto, o
ministro constatou que a indenização por dano social não poderia ser aplicada
na hipótese. A comparação do pedido da ação com o provimento judicial deixa
claro, para o ministro do STJ, que houve julgamento extra petita –
quando a decisão proferida dá algo diverso daquilo que foi requerido pela
parte.
“Ao concluírem
pela condenação do reclamante [o banco] ao pagamento de danos sociais à
entidade que não figura como parte na lide, dissociaram-se dos pedidos formulados
pela autora da ação, exarando provimento jurisdicional não requerido e sobre
questão nem sequer levada a juízo por qualquer das partes envolvidas na
demanda”, criticou o relator ao falar da decisão da turma recursal.
Ilegitimidade
Para Raul Araújo,
a decisão extrapolou claramente os limites objetivos e subjetivos da demanda.
Ele acrescentou que, mesmo que a cliente, autora da ação, falasse em condenação
em danos sociais, o pedido não poderia ser julgado procedente, porque
esbarraria em ausência de legitimidade para tanto.
“Os danos sociais
são admitidos somente em demandas coletivas e, portanto, somente os legitimados
para propositura de ações coletivas têm legitimidade para reclamar acerca de
supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que não poderiam
ser objeto de ação individual”, explicou.
A Segunda Seção
reconheceu a nulidade da decisão na parte em que condenou o banco ao pagamento
de indenização por danos sociais à entidade que não participou do processo, mas
manteve o restante, quanto aos danos materiais e morais.
Decisão em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=41409472&num_registro=201300900646&data=20141120&tipo=51&formato=PDF
ACIDENTE DO CANTOR JOÃO PAULO. TJSP REDUZ INDENIZAÇÃO PELA CULPA CONCORRENTE.
Culpa concorrente em
acidente diminui indenização à família de João Paulo
Fonte: MIGALHAS.
TJ/SP reduziu em 2/3 o valor da indenização a ser paga
pela montadora BMW, fixada em 1º grau.
A 35ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reconheceu a
culpa concorrente de João Paulo e da montadora BMW e responsabilizou ambos pelo
acidente que causou a morte do cantor sertanejo, em setembro de 1997. João
Paulo transitava pela Rodovia dos Bandeirantes a 133 km/h quando perdeu o
controle do veículo depois que o pneu dianteiro direito do carro estourou. Ele
teria entrado no canteiro central, causando o capotamento do veículo e o seu
incêndio.
Em outubro do ano passado, o juízo de 1º grau
condenou a BMW pela morte do músico e determinou o pagamento de R$ 300 mil por
danos morais e de pensão para a viúva e a filha do cantor. Segundo o magistrado
sentenciante, "as limitações mecânicas que tornaram o veículo fora de
controle tiveram como causa a perda instantânea de pressão no pneu 'por causa
indeterminada'".
No
julgamento do recurso, o desembargador Morais Pucci, relator designado, afirmou
que a perícia realizada no veículo não descartou problemas no pneu dianteiro,
determinando a culpa da BMW no acidente. "Não afastada a hipótese de defeito de fabricação do pneu, ainda
que tenha sido ela considerada remota pela perícia, respondem civilmente as rés
pelos danos sofridos pelas autoras oriundos da morte de seu familiar."
Por
outro lado, entretanto, o magistrado também reconheceu a culpa concorrente de
João Paulo pelo excesso de velocidade. "Essa velocidade excessiva deve ser considerada, neste caso em que
o acidente consistiu em perda do controle do veículo ao realizar a curva, como
concausa para o acidente, pois, provavelmente, seu condutor, se o conduzisse
respeitando o limite máximo de velocidade indicado na sinalização de trânsito,
100 km/h, teria conseguido pará-lo, sem ocasionar seu capotamento, mesmo diante
do esvaziamento súbito de seu pneu dianteiro direito."
O
julgador ainda levou em consideração o fato de o músico não estar usando o
cinto de segurança na ocasião do acidente. "É muito provável que João Paulo, se usasse o cinto de segurança,
não teria morrido nesse acidente." Diante dos fatos, reduziu
em 2/3 o valor da indenização fixada na sentença.
Confira a decisão.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
PARTICIPAÇÃO EM PAINEL NO 17º CONGRESSO UNIDAS. RIO DE JANEIRO.
Prezados Leitores do Blog.
No próximo dia 3 de dezembro de 2014, participarei do 17º Congresso da UNIDAS (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde), que será realizado no Hotel Windsor Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
O painel tratará dos temas da mediação, conciliação e segurança jurídica, contando também com a participação dos Desembargadores Neves Amorim (TJSP) e Vanessa Verdolim (TJMG).
A programação completa do evento está em:
http://www.unidas.org.br/17congresso/programacao.php.
Abraços a todos.
Professor Flávio Tartuce
LANÇAMENTO. DIREITO CIVIL. VOLUME 1. EDIÇÃO 2015.
Prezados Amigos do Blog.
Informo o lançamento da 11ª Edição do Volume 1 da minha coleção de Direito Civil, da Editora GEN/Método (2015).
A obra trata da Lei de Introdução e da Parte Geral do Código Civil.
Para esta nova edição, como de costume, foram incluídos novos posicionamentos doutrinários, os principais julgamentos do ano de 2014 - especialmente do Superior Tribunal de Justiça -, bem como novas questões de provas aplicadas no último ano.
O livro já está sendo vendido no site da GEN (www.grupogen.com.br).
Bons estudos a todos.
Professor Flávio Tartuce
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
RESUMO. INFORMATIVO 550 DO STJ.
RESUMO. INFORMATIVO 550 DO STJ.
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DE PARCELAS EM CASO DE MIGRAÇÃO
ENTRE PLANOS DE BENEFÍCIOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. Não cabe o
resgate, por participante ou assistido de plano de benefícios, das parcelas
pagas a entidade fechada de previdência privada complementar quando, mediante
transação extrajudicial, tenha ocorrido a migração dos participantes ou
assistidos a outro plano de benefícios da mesma entidade. A Súmula 289 do STJ (“A restituição das parcelas pagas
pelo participante a plano de previdência privada deve ser objeto de correção
plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda”) trata de
hipótese em que há o rompimento do vínculo contratual com a entidade de
previdência privada, e, portanto, não de situação em que, por acordo de
vontades, envolvendo concessões recíprocas, haja migração de participante em
gozo do benefício de previdência privada para outro plano, auferindo em
contrapartida vantagem. Ademais, os arts. 14, III, e 15, I, da LC 109/2001
esclarecem que a portabilidade não caracteriza resgate, sendo manifestamente
inadequada a aplicação deste instituto e da Súmula 289 para caso em que o assistido
não se desligou do regime jurídico de previdência privada. Dessarte, nos termos
de abalizada doutrina, a migração – pactuada em transação – de planos de
benefícios administrados pela mesma entidade fechada de previdência privada
ocorre em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária,
com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência
complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do
órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a
transferência de reservas de um plano de benefícios para outro, geralmente no
interior da mesma entidade fechada de previdência complementar. Ora, se para a
migração fosse aplicada a mesma solução conferida ao resgate, essa solução
resultaria em tratamento igualitário para situações desiguais, em flagrante
violação à isonomia. Outrossim, estabelece o art. 18 da LC 109/2001 que cabe ao
plano de benefícios arcar com as demais despesas – inclusive com o
resgate vindicado –, por isso não cabe ser deferido o resgate das contribuições
vertidas ao plano, sob pena de lesão aos interesses dos demais assistidos
e participantes do plano de benefícios primevo a que eram vinculados, e
consequente violação ao art. 3º, VI, da LC 109/2001. O CDC traça regras que
presidem a situação específica do consumo e, além disso, define princípios
gerais orientadores do direito das obrigações; todavia, "[é] certo que, no
que lhe for específico, o contrato" continua regido pela lei que lhe é
própria. (REsp 80.036/SP, Quarta Turma, DJ 25-3-1996.) Desse modo, em
conformidade com entendimento doutrinário, não cabe a aplicação do CDC
dissociada das normas específicas inerentes à relação contratual de previdência
privada complementar e à modalidade contratual da transação... – negócio
jurídico disciplinado pelo Código Civil, inclusive no tocante à disciplina
peculiar para o seu desfazimento. AgRg no AREsp 504.022-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 10/9/2014.
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE PELO
SALDO DEVEDOR RESIDUAL DE FINANCIAMENTO CELEBRADO NO ÂMBITO DO SFH (ART. 543-C
DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Nos contratos de financiamento celebrados no âmbito
do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), sem cláusula de garantia de cobertura
do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), o saldo devedor
residual deverá ser suportado pelo mutuário. A previsão do saldo devedor
residual decorre da insuficiência das prestações pagas pelo mutuário em repor o
capital mutuado, pois o reajuste das prestações vinculadas aos índices
aplicados à categoria profissional nem sempre acompanha o valor da inflação, o
que cria um desequilíbrio contratual capaz de afetar, em última análise, a
higidez do próprio sistema de financiamento habitacional. Ao lado de tal
circunstância, destaca-se o fato de que o art. 2º do Decreto-Lei 2.349/1987,
legislação específica sobre a matéria, é claro a respeito da responsabilidade
dos mutuários pelo pagamento do saldo devedor residual: “Nos contratos sem
cláusulas de cobertura pelo FCVS, os mutuários finais responderão pelos
resíduos dos saldos devedores existentes, até sua final liquidação, na forma
que for pactuada, observadas as normas expedidas pelo Conselho Monetário
Nacional”. Precedentes citados: AgRg no AREsp 282.132-PB, Terceira Turma, DJe
7/3/2014; e AgRg no AREsp 230.500-AL, Quarta Turma, DJe 28/10/2013. REsp 1.447.108-CE e REsp 1.443.870-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 22/10/2014.
DIREITO CIVIL. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE
INSTITUI PRAZO DE CARÊNCIA PARA DEVOLUÇÃO DE VALORES APLICADOS EM TÍTULO DE
CAPITALIZAÇÃO. Desde que redigida em estrita obediência ao previsto na legislação
vigente, é válida a cláusula contratual que prevê prazo de carência para
resgate antecipado dos valores aplicados em título de capitalização. Inicialmente,
importante salientar que a estipulação de cláusula de carência para resgate
visa proteger os recursos da capitalização, a fim de impedir que a desistência
de algum dos aderentes prejudique os demais detentores de títulos dentro de uma
mesma sociedade de capitalização, impedindo o cumprimento de obrigações
previstas pela companhia como, por exemplo, o pagamento da premiação por
sorteio. Deve-se ter em mente que o desfalque repentino do plano, caso não haja
cláusula estipulando a carência, poderá impossibilitar o funcionamento das
sociedades, prejudicando os demais detentores de títulos de capitalização e
colocando em risco a própria atividade econômica. Analisando detidamente os
dispositivos que regulamentam a matéria (art. 71, § 1º, da CNSP 15/1992 e art.
23, §§ 1º e 2º, da Circular Susep 365/2008), nota-se que o primeiro admite,
genericamente, a estipulação de prazo de carência; enquanto o segundo, de forma
específica, permite a fixação de prazo de carência não superior a 24 meses,
contados da data de início de vigência do título de capitalização. Ressalte-se
que a validade de cláusula contratual instituidora de prazo de carência pode
perfeitamente ser analisada à luz da regulamentação do CNSP e da Susep, desde
que sejam respeitados os limites explicitados no ato de delegação respectivo,
qual seja, o Decreto-Lei 261/1967. Ademais, eventual lacuna legislativa também
pode – e deve – ser suprida pela aplicação do CC e do CDC. O sistema de
proteção ao consumidor busca conferir equilíbrio à relação entre consumidor e
fornecedor; todavia, não tem por objetivo criar ou proteger situação em que o
consumidor leve vantagem indevida sobre o fornecedor. EREsp 1.354.963-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 24/9/2014.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
PRORROGAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL NO CASO DE IMPLEMENTAÇÃO DO TERMO AD QUEM
DURANTE O RECESSO FORENSE. Na hipótese em que o Tribunal suspenda, por força de
ato normativo local, os atos processuais durante o recesso forense, o termo
final do prazo prescricional que coincidir com data abrangida pelo referido
recesso prorroga-se para o primeiro dia útil posterior ao término deste. A Corte Especial
do STJ uniformizou o entendimento de que o prazo decadencial para o ajuizamento
da ação rescisória prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte, caso venha a
findar no recesso forense, sendo irrelevante a controvérsia acerca da natureza
do prazo para ajuizamento da ação, se prescricional ou decadencial, pois, em
ambos os casos, o termo ad quem seria prorrogado (EREsp 667.672-SP, DJe
26/6/2008). Desse modo, na linha do precedente da Corte Especial e outros
precedentes do STJ, deve-se entender cabível a prorrogação do termo ad quem
do prazo prescricional no caso. Precedentes citados: REsp 969.529-SC, Primeira
Turma, DJe 17/3/2008; e REsp 167.413-SP, Primeira Turma, DJ 24/8/1998. REsp 1.446.608-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 21/10/2014.
DIREITO DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE DE DANO
MORAL IN RE IPSA PROVOCADO POR COMPANHIA AÉREA. No caso em que companhia aérea,
além de atrasar desarrazoadamente o voo de passageiro, deixe de atender aos
apelos deste, furtando-se a fornecer tanto informações claras acerca do
prosseguimento da viagem (em especial, relativamente ao novo horário de
embarque e ao motivo do atraso) quanto alimentação e hospedagem (obrigando-o a
pernoitar no próprio aeroporto), tem-se por configurado dano moral indenizável
in re ipsa, independentemente da causa originária do atraso do voo. Inicialmente,
cumpre destacar que qualquer causa originária do atraso do voo – acidente
aéreo, sobrecarga da malha aérea, condições climáticas desfavoráveis ao
exercício do serviço de transporte aéreo etc. – jamais teria o condão de
afastar a responsabilidade da companhia aérea por abusos praticados por ela em
momento posterior, haja vista tratar-se de fatos distintos. Afinal, se assim
fosse, o caos se instalaria por ocasião de qualquer fatalidade, o que é
inadmissível. Ora, diante de fatos como esses – acidente aéreo, sobrecarga da
malha aérea ou condições climáticas desfavoráveis ao exercício do serviço de
transporte aéreo –, deve a fornecedora do serviço amenizar o desconforto
inerente à ocasião, não podendo, portanto, limitar-se a, de forma evasiva,
eximir-se de suas responsabilidades. Além disso, considerando que o contrato de
transporte consiste em obrigação de resultado, o atraso desarrazoado de voo,
independentemente da sua causa originária, constitui falha no serviço de
transporte aéreo contratado, o que gera para o consumidor direito a assistência
informacional e material. Desse modo, a companhia aérea não se libera do dever
de informação, que, caso cumprido, atenuaria, no mínimo, o caos causado pelo
infortúnio, que jamais poderia ter sido repassado ou imputado ao consumidor.
Ademais, os fatos de inexistir providência quanto à hospedagem para o
passageiro, obrigando-o a pernoitar no próprio aeroporto, e de não ter havido
informações claras quanto ao prosseguimento da viagem permitem aferir que a
companhia aérea não procedeu conforme as disposições do art. 6º do CDC. Sendo
assim, inexiste na hipótese caso fortuito, que, caso existisse, seria
apto a afastar a relação de causalidade entre o defeito do serviço (ausência de
assistência material e informacional) e o dano causado ao consumidor. No caso
analisado, reputa-se configurado o dano moral, porquanto manifesta a lesão
injusta a componentes do complexo de valores protegidos pelo Direito, à qual a
reparação civil é garantida por mandamento constitucional, que objetiva
recompor a vítima da violação de seus direitos de personalidade (art. 5º, V e
X, da CF e art. 6º, VI, do CDC). Além do mais, configurado o fato do serviço, o
fornecedor responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores, nos
termos do art. 14 do CDC. Sendo assim, o dano moral em análise opera-se in
re ipsa, prescindindo de prova de prejuízo. Precedentes citados: AgRg no Ag
1.410.645-BA, Terceira Turma, DJe 7/11/2011; e AgRg no REsp 227.005-SP,
Terceira Turma, DJ 17/12/2004. REsp 1.280.372-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 7/10/2014.
DIREITO CIVIL. CONTRATAÇÃO DE SEGURO COM
COBERTURA PARA MORTE ACIDENTAL E POSTERIOR MORTE DO SEGURADO POR CAUSAS
NATURAIS. Contratado apenas o seguro de acidentes pessoais (garantia por morte
acidental), não há falar em obrigação da seguradora em indenizar o beneficiário
quando a morte do segurado decorre de causa natural, a exemplo da doença
conhecida como Acidente Vascular Cerebral (AVC). Inicialmente, é
necessário fazer a distinção entre seguro de vida e seguro de acidentes
pessoais. No primeiro, a cobertura de morte abrange causas naturais e também
causas acidentais; já no segundo, apenas os infortúnios causados por acidente
pessoal são garantidos, como, por exemplo, a morte acidental. Nesse passo,
importante diferenciar também os conceitos de morte acidental e de morte
natural para fins securitários. A morte acidental evidencia-se quando o
falecimento da pessoa decorre de acidente pessoal, sendo este – de acordo a
Resolução CNSP 117/2004 – definido como um evento súbito, exclusivo e
diretamente externo, involuntário e violento. Já a morte natural configura-se
por exclusão, ou seja, por qualquer outra causa, como as doenças em geral, que
são de natureza interna, a exemplo do Acidente Vascular Cerebral. Ressalte-se
que, apesar dessa denominação – “acidente” –, o AVC é uma patologia, ou seja,
não decorre de causa externa, mas de fatores internos e de risco da saúde da
própria pessoa que levam à sua ocorrência. Dessa forma, sendo a morte do
segurado decorrente de causa natural, desencadeada apenas por fatores internos
à pessoa – como o AVC –, e tiver sido contratada apenas a garantia por morte
acidental, não há falar em obrigação da seguradora em indenizar o beneficiário.
REsp 1.443.115-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 21/10/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DE
JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PARA JULGAR EXECUÇÃO
DE ALIMENTOS POR ELE FIXADOS. O Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher tem competência para julgar a execução de alimentos que tenham
sido fixados a título de medida protetiva de urgência fundada na Lei Maria da
Penha em favor de filho do casal em conflito. De fato, em se
tratando de alimentos, a regra geral é de que serão fixados perante as varas de
família. Ocorre que a Lei 11.340/2006, em seu artigo 14, estabelece que os
“Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos [...] com
competência cível e criminal, poderão ser criados [...] para o processo, o
julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher”, sem especificar as causas que não se
enquadrariam na competência cível desses juizados, nas hipóteses de medidas
protetivas decorrentes de violência doméstica. Portanto, da literalidade da
lei, é possível extrair que a competência desses juizados compreende toda e
qualquer causa relacionada a fato que configure violência doméstica ou familiar
e não apenas as descritas expressamente na referida lei. E assim é, não só em
razão da lei, mas também em razão da própria natureza protetiva que ela
carrega, ou seja, é a sua naturalia negotii. O legislador, ao editar a
Lei Maria da Penha, o fez para que a mulher pudesse contar não apenas com
legislação repressiva contra o agressor, mas também visando criar mecanismos
céleres protetivos, preventivos e assistenciais a ela. Negar o direito à
celeridade, postergando o recebimento de alimentos com alteração da competência
para outro juízo, quando o especializado já os tenha fixado com urgência, seria
o mesmo que abrir ensejo a uma nova agressão pelo sofrimento imposto pela
demora desnecessária, geradora de imensa perplexidade, retrocessos inaceitáveis
perante Direitos de Terceira Geração. Saliente-se que situação diversa seria a
das Comarcas que não contem com Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, mas apenas com juízos criminais. Aí sim, estes teriam
competência apenas para o julgamento de causas criminais, cabendo às Varas
Cíveis ou de Família a fixação e julgamento dos alimentos. REsp 1.475.006-MT, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
14/10/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE E
INTERESSE PROCESSUAL DO USUFRUTUÁRIO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE CARÁTER
PETITÓRIO. O usufrutuário possui legitimidade e interesse para propor ação
reivindicatória – de caráter petitório – com o objetivo de fazer prevalecer o
seu direito de usufruto sobre o bem, seja contra o nu-proprietário, seja contra
terceiros. A
legitimidade do usufrutuário para reivindicar a coisa, mediante ação petitória,
está amparada no direito de sequela, característica de todos os direitos reais,
entre os quais se enquadra o usufruto, por expressa disposição legal (art. 1.225,
IV, do CC). A ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no
qual se destacam os poderes de usar e gozar ou usufruir, sendo entregues a uma
pessoa distinta do proprietário, enquanto a este remanesce apenas a substância
da coisa. Ocorre, portanto, um desdobramento dos poderes emanados da
propriedade: enquanto o direito de dispor da coisa permanece com o
nu-proprietário (ius abutendi), a usabilidade e a fruibilidade (ius
utendi e ius fruendi) passam para o usufrutuário. Assim é que o art. 1.394
do CC dispõe que o “usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e
percepção dos frutos”. Desse modo, se é certo que o usufrutuário – na condição
de possuidor direto do bem – pode valer-se das ações possessórias contra o
possuidor indireto (nu-proprietário), também se deve admitir a sua legitimidade
para a propositura de ações de caráter petitório – na condição de titular de um
direito real limitado, dotado de direito de sequela – contra o nu-proprietário
ou qualquer pessoa que obstaculize ou negue o seu direito. A propósito, a
possibilidade de o usufrutuário valer-se da ação petitória para garantir o
direito de usufruto contra o nu-proprietário, e inclusive erga omnes,
encontra amparo na doutrina, que admite a utilização pelo usufrutuário das
ações reivindicatória, confessória, negatória, declaratória, imissão de posse,
entre outras. Precedente citado: REsp 28.863-RJ, Terceira Turma, DJ 22/11/1993.
REsp 1.202.843-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 21/10/2014.
DIREITO CIVIL. REGIME DE PENALIDADES
GRADATIVAS NO CONTRATO DE CONCESSÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. Nos contratos
regidos pela Lei Ferrari (Lei 6.729/1979), ainda que não tenha sido celebrada
convenção de marca dispondo sobre penalidades gradativas (art. 19, XV), é
inválida cláusula que prevê a resolução unilateral do contrato como única
penalidade para as infrações praticadas pela concessionária de veículos
automotores. Isso
porque o art. 19, XV – que prevê o regime de penalidades gradativas – e
o art. 22, § 1º – que condiciona a resolução do contrato por iniciativa da
parte inocente à prévia aplicação de penalidades gradativas – não contêm
nenhuma ressalva quando ao momento em que produzirão efeitos, devendo-se
concluir, com base no art. 6º da LINDB, que a eficácia é imediata. Entender que
o § 1º do art. 22 seria inaplicável devido à inexistência da convenção da marca
sobre as penalidades gradativas, prevista no art. 19, frustraria um dos
principais objetivos da lei, que é impedir a resolução arbitrária do contrato.
De fato, o art. 19, ao estabelecer que "celebrar-se-ão convenções da
marca" para "estabelecer [...] o regime de penalidades
gradativas", não excluiu a possibilidade de as partes pactuarem sobre essa
matéria, enquanto não celebrada a convenção. Com efeito, ao prever uma
convenção da marca sobre o regime de penalidades gradativas, esse dispositivo
buscou garantir um tratamento uniforme das sanções contratuais a serem
aplicadas a todas as concessionárias de uma mesma fabricante – e não suprimir a
liberdade contratual. Noutro passo, como já exposto, o art. 22, § 1º, da Lei
Ferrari condiciona a resolução do contrato por culpa à aplicação de penalidades
gradativas. Ora, se o art. 19 não proíbe a pactuação de penalidades gradativas,
o art. 22 praticamente exige que tais penalidades sejam pactuadas, pois elas
passaram a ser etapa necessária para a resolução do contrato por culpa. O art.
22, § 1º, portanto, ao invés de ser "letra morta", é um mandamento
direcionado aos fabricantes, no sentido de que incluam em seus contratos uma
gradação de penalidades, uma vez que não mais se admite a resolução arbitrária
do contrato. REsp 1.338.292-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 2/9/2014.
DIREITO CIVIL. VALORAÇÃO JUDICIAL DA
GRAVIDADE DA INFRAÇÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. Nos
contratos regidos pela Lei Ferrari (Lei 6.729/1979), não havendo convenção de
marca (art. 19, XV) nem cláusulas contratuais válidas sobre penalidades
gradativas, poderá o juiz decidir, em cada caso concreto, se a infração, ou
sequência de infrações, é grave o suficiente para justificar a resolução do
contrato, observado o caráter protetivo da referida Lei. O art. 19, XV,
da Lei 6.729/1979 dispõe que se celebrarão convenções da marca para estabelecer
normas e procedimentos relativos a regime de penalidades gradativas. O § 1º do
artigo 22, por sua vez, condiciona a resolução do contrato por iniciativa da
parte inocente à prévia aplicação de penalidades gradativas. Posto isso,
esclarece-se que quando não há convenção da marca, nem cláusulas contratuais
válidas sobre as penalidades gradativas, tem-se uma lacuna normativa. Havendo
lacuna, cabe ao juiz supri-la, por força do art. 4º da LINDB. De fato, o juiz
não pode substituir a vontade das partes e estabelecer as penalidades
contratuais cabíveis. Porém, considerando que o objetivo das penalidades
gradativas é impedir a resolução arbitrária do contrato, pode o juiz atender a
esse objetivo da lei, decidindo, em cada caso concreto, se a infração, ou
sequência de infrações, é grave o suficiente para justificar a resolução do
contrato, observado o caráter protetivo da Lei Ferrari. REsp 1.338.292-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 2/9/2014.
DIREITO EMPRESARIAL. UTILIZAÇÃO DE
PROPAGANDA COMPARATIVA. É lícita a propaganda comparativa entre produtos
alimentícios de marcas distintas e de preços próximos no caso em que: a
comparação tenha por objetivo principal o esclarecimento do consumidor; as
informações vinculadas sejam verdadeiras, objetivas, não induzam o consumidor a
erro, não depreciem o produto ou a marca, tampouco sejam abusivas (art. 37, §
2º, do CDC); e os produtos e marcas comparados não sejam passíveis de confusão.
Com
efeito, a propaganda comparativa é a forma de publicidade que identifica
explícita ou implicitamente concorrentes de produtos ou serviços afins,
consagrando-se, em verdade, como um instrumento de decisão do público
consumidor. Embora não haja lei vedando ou autorizando expressamente a
publicidade comparativa, o tema sofre influência das legislações consumerista e
de propriedade industrial nos âmbitos marcário e concorrencial. Pelo prisma dos
arts. 6º, III e IV, 36 e 37, do CDC, a publicidade comparativa não é vedada,
desde que obedeça ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva, e
não seja abusiva. Segundo entendimento doutrinário, para que a propaganda
comparativa viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser
passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato
depreciativo da imagem de seu produto, acarretando a degenerescência e o
consequente desvio de clientela. Além do mais, a doutrina também ensina que a
tendência atual é no sentido de permitir a publicidade comparativa, desde que:
a) o seu conteúdo seja objetivo – isto é, que se mostre sem enganosidade ou
abusividade, confrontando dados e características essenciais e verificáveis
(que não sejam de apreciação exclusivamente subjetiva) –, não se admitindo a
comparação que seja excessivamente geral; b) não seja enganosa (no sentido de
possibilitar a indução em erro dos consumidores e destinatários da mensagem);
c) não veicule informação falsa em detrimento do concorrente; e d) distinga de
modo claro as marcas exibidas, sem dar ensejo a confusão entre os destinatários
da mensagem e sem contribuir para a degenerescência de marca notória. De mais a
mais, a Resolução 126/1996, III, do Mercosul e o art. 32 do Código Brasileiro
de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) também mencionam, como limite à
propaganda comparativa – além do fato de não se poder estabelecer confusão
entre os produtos ou marcas e de não ser permitido denegrir o objeto da
comparação – que o seu principal objetivo seja o esclarecimento da informação
ao consumidor. Além disso, a jurisprudência do STJ já se pronunciou no sentido
de que a finalidade da proteção ao uso das marcas – garantida pelo disposto no
art. 5º, XXIX, da CF e regulamentada pelo art. 129 da LPI – é dupla: por um
lado a protege contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio
desleal de clientela alheia e, por outro, evita que o consumidor seja
confundido quanto à procedência do produto (REsp 1.105.422-MG, Terceira Turma,
DJe 18/5/2011; e REsp 1.320.842-PR, Quarta Turma, DJe 1/7/2013). Entender de
modo diverso seria impedir a livre iniciativa e a livre concorrência (arts. 1º,
IV, 170, caput, e IV, da CF), ensejando restrição desmedida à atividade
econômica e publicitária, o que implicaria retirar do consumidor acesso às
informações referentes aos produtos comercializados e o poderoso instrumento
decisório, não sendo despiciendo lembrar que o direito da concorrência tem como
finalidade última o bem-estar do consumidor. REsp 1.377.911-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 2/10/2014.
DIREITO CIVIL. ERRO NA INDICAÇÃO DO
CREDOR FIDUCIÁRIO EM NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. É nula a notificação
extrajudicial realizada com o fim de constituir em mora o devedor fiduciante de
imóvel, quando na referida comunicação constar nome diverso do real credor
fiduciário. A
notificação em questão (art. 26 da Lei 9.514/1997), para além das consequências
naturais da constituição do devedor fiduciante em mora, permite, em não havendo
a purgação da mora, o surgimento do direito de averbar na matrícula do imóvel a
consolidação da propriedade em nome do credor notificante, isto é, do
fiduciário. Justamente por isso que a referida notificação/intimação do devedor
fiduciante possui requisitos especiais que, se não seguidos, acarretam sua
nulidade. Desse modo, a repercussão da notificação é tamanha que qualquer vício
em seu conteúdo é hábil a tornar nulos seus efeitos, principalmente quando se
trata de erro crasso, como há na troca da pessoa notificante. REsp 1.172.025-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 7/10/2014.
terça-feira, 18 de novembro de 2014
POR QUE É INCONSTITUCIONAL "REPRISTINAR" A SEPARAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL.
Por
que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil
Fonte:
CONJUR. Autorizado pelo autor.
A
separação judicial fundamenta-se em forte rastro ideológico-religioso.
Basicamente, o que a justificava era apreservação
da família: criou-se um hiato temporal legal que obstava o rompimento do
vínculo conjugal de imediato a fim de permitir aos cônjuges repensarem sua
situação de separados judicialmente. Sendo mais direto: o Estado imiscuía-se na
própria vontade do brasileiro de não permanecer casado e, mais que isso,
exortava-o sutilmente a agir de modo contrário e a retomar o casamento.
Hoje,
é certo que esse tipo de intromissão do Estado na vida dos casais fere
claramente a secularização.
O
legislador impusera aos cônjuges, não mais desejosos de permanecerem juntos, a
obrigação de percorrerem uma espécie de calvário, que se caracterizava por um
dualismo legal, como condição para que o casamento se dissolvesse de modo
definitivo. A Lei 6515/77 deu margem a utilização de expressões não
diferenciadas pelo senso comum, mas que no âmbito jurídico adquiriram
conotações próprias: pelo que nela se lê, somente o divórcio e a morte possuem
força dedissolver o
casamento válido (põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio
religioso); a separação judicial, de sua vez, apenas termina com a sociedade
conjugal.
Desejoso
de casar de novo? Só mediante o divórcio. Bingo. Dualismo legal porque o
desapego definitivo do vínculo conjugal só era possível depois de superados
dois procedimentos judiciais diversos – a não ser que a opção fosse pelo
divórcio direto, só possível para aqueles separados de fato já por dois anos –,
não raras vezes regrados de ataques e contra-ataques, constrangimentos e
exposições dos erros e mazelas da vida íntima do casal.
Mas
com a evolução social essa situação clamava por mudança. E foi com esse
objetivo que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) apresentou
PEC, por meio de um de seus associados, Deputado Federal Sérgio Barradas
Carneiro, para dar nova redação ao parágrafo 6º do art. 226 da Constituição
Federal. O resultado foi profícuo, apesar das críticas recebidas mormente de
parlamentares religiosos, cujos argumentos permaneceram fiéis à tônica de
preservação da família: afirmavam que a medida incentivaria o divórcio e
banalizaria o casamento. De qualquer sorte, a PEC vingou e, hoje, depois da EC
66 dela resultante, o parágrafo 6º
do art. 226 apresenta-se mais sucinto e reza simplesmente que “o casamento
pode ser dissolvido pelo divórcio”. Eliminou-se o complemento, presente em sua
versão anterior, que condicionava o divórcio à prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em
lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. Com a EC 66, ficaram
não recepcionadas as normas de direito material e processual que versavam sobre
a separação judicial. Sendo mais claro: a separação foi varrida do mapa
jurídico. Ponto para a secularização do direito. E ponto para Baruch Espinosa,
um dos precursores da secularização.
E não pode haver dúvida que, com a alteração do
texto constitucional, desapareceu a separação judicial no sistema normativo
brasileiro – e antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e
jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas
discordo veementemente.
Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissoluçãode
casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são
dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia
separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado à um Estado laico (e
secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença
(CF/88, art. 5o., VI). Há, aliás, muitos civilistas renomados que defendem essa
posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Facchin e Rodrigo da Cunha.
Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base
para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que
verifiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do
Projeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação
judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos
vivos.
A impressão que tive é de estar de frente para um
fantasma! Está lá a morta-viva, em vários dispositivos do CPC Projetado: art.
23, III; art. 53, I; art. 189, II e seu parágrafo único; art. 708, art. 746;
art. 747; e art. 748. De onde teria surgido isso?
Comecei a pensar no porquê desse ato milagroso: a
ressureição legal de um instituto jurídico que deveria permanecer sepultado em
nome da secularização do direito. Não há justificativa plausível.
Tenho dito e redito – e me perdoem a insistência,
pois sofro de LEER (Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo)– que não há
Direito sem história porque é o passado que nos lega os sentidos jurídicos nos
quais, desde sempre, estamos imersos – o direito é um conceito
interpretativo. É assim, portanto, que a hermenêutica irá responder ao problema
da relação entre prática e teoria: um contexto intersubjetivo de fundamentação
(a noção de pré-compreensão, contexto antepredicativo de significância, etc) no
interior do qual tanto o conhecimento teórico quanto o conhecimento prático se
dão na applicatio.
Não importa ao direito uma modalidade da moral que
não opera no mundo prático-concreto (moral ornamental) e tampouco um moralismo
jurídico no interior do qual o direito seria responsável pela capilarização dos
desejos morais individuais dos que participam da comunidade política. O que
tenho defendido é a presença de uma moral instituidora da comunidade
política que obriga legisladores e juízes a seguirem uma cadeia de
coerência e integridade em suas decisões.
De todo modo, a lo largo de tudo isso,
algo passou despercebido na mente do legislador empenhado na elaboração do novo
CPC. Explico: a historicidade é inexorável para que se tenha o Direito.
Entretanto, ao que parece o legislador do CPC Projetado, nesse particular,
rejeitou-a na medida em que decidiu ignorar todo o caminho doutrinário e
jurisprudencial percorrido até a publicação EC 66/2010 e cuja desígnio foi o de
justamente, e de uma vez por todas, abolir do sistema normativo brasileiro a
separação judicial mediante a sua total absorção pelo instituto do divórcio.
Aqui, é suficiente a leitura da exposição dos
motivos da EC 66/2010:
“Como corolário do sistema jurídico vigente,
constata-se que o instituto da separação judicial perdeu muito da sua
relevância, pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio necessário para a sua
conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto possível revela-se
natural para os cônjuges desavindos, inclusive sob o aspecto econômico, na
medida em que lhes resolve em definitivo a sociedade e o vínculo conjugal.”
Bingo de novo. Um pouco de interpretação histórica
por vezes vai bem, pois não?
Caíram por terra justificativas de moral religiosa
que se escondiam por detrás das dificuldades legais que os cônjuges encontravam
para dissolver o casamento, o que se apresenta mais condizente com um Estado
que assegura o livre exercício dos cultos religiosos (CF/88, art. 5o., VI).
Em resumo: hoje o direito trabalha com
desvinculação não mais pautada na culpa, e, sim, na ruptura objetiva do vínculo
conjugal. Essa constitucionalização prospectiva se dirige, pois, a um telos de
transformação do Direito de Família e de sua eficácia na sociedade. Não mais se
cogita, pois, da figura intermediária que é historicamente marcada pelo debate
a respeito da culpa pela dissolução da sociedade conjugal – que que convertia o
Estado em juiz da intimidade conjugal.
A ausência de liberdade de conformação do
legislador
Logo, a questão que se põe é: o legislador
ordinário tem liberdade de conformação para alterar o sistema constitucional
estabelecido pela EC 66? A resposta é escandalosamente negativa, sob pena de
aceitarmos, daqui para a frente, que uma lei ordinária possa vir a alterar a
Constituição recentemente modificada. Simples assim. Não dá para estabelecer
por lei ordinária aquilo que o constituinte derivado derrogou! Para entender
isso, basta ler o caso Marbury v. Madison, de 1803. Um olhar para a
tradição demonstra que essa é a resposta adequada a Constituição, uma vez que
traz consigo a coerência e integridade.
Numa palavra final
O legislador do novo CPC tem responsabilidade
política (no sentido de que falo em Verdade e Consenso e Jurisdição
Constitucional e Decisão Jurídica). Para tanto, deve contribuir e aceitar,
também nesse particular, a evolução dos tempos eliminando do texto todas as
expressões que dão a entender a permanência entre nós desse instituto cuja
serventia já se foi e não mais voltará. Não fosse por nada – e peço desculpas
pela ironia da palavra “nada” - devemos deixar a separação de fora do novo CPC
em nome da Constituição. E isso por dois motivos:
A um, por ela mesma, porque sacramenta a
secularização do direito, impedindo o Estado de “moralizar” as relações
conjugais;
A dois, pelo fato de o legislador constituinte
derivado já ter resolvido esse assunto. Para o tema voltar ao “mundo jurídico”,
só por alteração da Constituição. E ainda assim seria de duvidosa
constitucionalidade. Mas aí eu argumentaria de outro modo.
Portanto, sem chance de o novo CPC repristinar a
separação judicial (nem por escritura pública, como consta no Projeto do CPC).
É inconstitucional. Sob pena de, como disse Marshall em 1803, a Constituição
não ser mais rígida, transformando-se em flexível. E isso seria o fim do
constitucionalismo. Esta é, pois, a resposta adequada a Constituição.
Espero que o legislador que aprovará o novo CPC se
dê conta disso e evite um périplo de decisões judiciais no âmbito do controle
difuso ou nos poupe de uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo
Tribunal Federal já tem trabalho suficiente.
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