INFORMATIVO 784 DO STJ. 29 DE AGOSTO DE 2023.
SEGUNDA SEÇÃO
Processo
EREsp 1.636.889-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 9/8/2023, DJe 14/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Ação cominatória para entrega de imóvel. Convenção de arbitragem. Limites e exceções. Contratos de consumo. Imposição da arbitragem. Impossibilidade.
DESTAQUE
Com o ajuizamento, pelo consumidor, de ação perante o Poder Judiciário, presume-se a discordância dele em submeter-se ao juízo arbitral, sendo nula a cláusula de contrato de consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Conforme consignado pela Terceira Turma no REsp 1.785.783/GO, apontado como paradigma, "com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes; (ii) a regra específica, aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, incidente sobre contratos sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996" (REsp 1.785.783/GO, Terceira Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 7/11/2019).
Na mesma oportunidade, definiu-se, ainda, que o ajuizamento, pelo consumidor, de ação perante o Poder Judiciário caracteriza a sua discordância em submeter-se ao juízo arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização.
No âmbito desta Corte Superior, o referido entendimento consolidou-se em ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção.
Nesse sentido, "Não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade. Ademais, há situações em que, apesar de se tratar de consumidor, não há vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção" (REsp 1.189.050/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/3/2016, DJe 14/3/2016.)
Com efeito, ofenderia o sistema erigido para a proteção e defesa do consumidor, e tampouco seria razoável exigir do sujeito vulnerável que recorresse ao juízo arbitral tão somente para ver declarada a nulidade de cláusula compromissória que lhe impõe a utilização compulsória da arbitragem.
Impor tal ônus ao consumidor, do ponto de vista pragmático, seria o mesmo que, por vias oblíquas, lhe impor a adoção compulsória da arbitragem, fazendo letra morta tanto do art. 51, VII, do CDC, quanto da jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior.
Desse modo, conclui-se que: a) é nula a cláusula de contrato de consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem; e b) o ajuizamento, pelo consumidor, de ação perante o Poder Judiciário caracteriza a sua discordância em submeter-se ao juízo arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 51, VII
Lei n. 9.307/1996, art. 4º, § 2º
Saiba mais:
· Informativo de Jurisprudência n. 508
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 2.055.135-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023, DJe 14/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO EMPRESARIAL
Tema
Contrato de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre. Lei Ferrari. Indenizações devidas ao concessionário. Edifício erigido pelo concessionário em imóvel alugado de propriedade de terceiro. Bem que serviu à concessão. Estratégia comercial arrojada eleita pelo concessionário e cujo risco deve ser suportado por ele.
DESTAQUE
Na hipótese de não renovação de contrato de concessão comercial de veículos, o prédio construído em terreno alheio, em razão da concessão, não se insere no conceito de "instalações", a justificar o respectivo ressarcimento pela concedente à concessionária.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão central diz respeito à indenização devida pela empresa concedente em favor da concessionária de veículos automotores, na hipótese de não renovação de contrato celebrado por tempo determinado. De forma mais específica importa saber se ela deve ser ressarcida pelas despesas havidas para edificar, em terreno alheio, o prédio que lhe serviu de domicílio.
A Concessão Comercial tratada pela Lei Ferrari impõe aos distribuidores diversas obrigações, tais como a aquisição de quotas mínimas de produtos, a compra e manutenção em estoque de bens e peças de reposição, o fornecimento de assistência técnica e garantia aos adquirentes etc.
Esses distribuidores são obrigados a atender rígidos padrões determinados pelo concedente, que envolvem treinamento regular de pessoal, especificações de arquitetura, mobiliário, layout da loja, número de funcionários, adoção de sistemas específicos de contabilidade, envio de minuciosos relatórios, balancetes e informações detalhadas acerca das operações, o mercado e dados pessoais dos clientes, até a permissão para que a montadora examine, audite e copie todos os registros, contratos, contas, livros contábeis e documentos pertinentes às vendas e serviços realizados.
Todas essas obrigações demandam, como é cediço, muito trabalho e capital, de modo que a Lei Ferrari, para assegurar a recuperação do investimento realizado pelo concessionário, lhe garantiu diversos direitos, como o de vender os produtos com exclusividade em sua área de atuação ou, pelo menos, de não ser prejudicado pela outorga de uma nova concessão na mesma área territorial; a prerrogativa de usar gratuitamente a marca do concedente, de receber uma cota mínima de veículos para revenda, de não concorrer com vendas diretas da própria montadora, etc.
Entre as medidas protetivas mencionadas em lei ainda se inclui uma disciplina bastante minudente acerca da indenização cabível em caso de rompimento imotivado (arts. 21, 24 e 26) ou de não renovação contratual (art. 23).
Especificamente para as hipóteses de não renovação do contrato estipulado por prazo determinado, o art. 23 da Lei Ferrari estabelece que a empresa concedente ficará obrigada a comprar/indenizar os elementos essenciais do estabelecimento do concessionário, isto é, deverá readquirir o estoque de veículos e componentes novos, bem como equipamentos, máquinas, ferramental e instalações empregadas na concessão.
Esses mecanismos protetivos, no entanto, visam apenas reequilibrar, tanto quanto possível, a disparidade econômica que existe entre montadoras e concessionárias. Nenhuma dessas proteções legais pode significar o afastamento definitivo do risco empresarial intrínseco à atividade explorada pelo concessionário.
Nessa modalidade contratual, vale repisar, o concessionário adquire os veículos do fabricante, por sua conta e risco, revendendo-os com exclusividade numa determinada área geográfica, pelo melhor preço que conseguir (art. 13).
Em síntese, deve-se concluir que o art. 23, II, da Lei n. 6.729/1979, excluiu da indenização devida ao concessionário em caso de não renovação do contrato todos os imóveis que serviram à concessão.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei n. 6.729/1979, art. 23, II
Processo
REsp 1.874.635-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 8/8/2023, DJe 15/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO MARCÁRIO
Tema
Marca. Concorrência desleal. Aproveitamento parasitário. Não configuração. Nome de empreendimento imobiliário. Proteção à marca.
DESTAQUE
A proteção da marca, seja ela de alto renome ou não, busca evitar a confusão ou a associação de uma marca registrada a uma outra, sendo imprescindível que, para que exista a violação ao direito marcário, haja confusão no público consumidor ou associação errônea em prejuízo do seu titular.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A marca Vogue, a despeito de ser famosa, não se encontrava entre as marcas de alto renome no Brasil e, portanto, não se beneficia da proteção daí decorrente, mormente quanto à exceção ao princípio da especialidade.
Contudo, as recorrentes informam a existência de fato novo, qual seja, a decisão administrativa proferida pelo INPI reconhecendo formalmente a marca Vogue como de alto renome, estendendo a proteção de sua marca a todos os ramos de atividade.
Esse fato, contudo, não tem o condão de interferir no julgamento do presente caso, pois, consoante já decidido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que o princípio da especialidade não se aplique às marcas de alto renome, a proteção legal não abrange nomes de edifícios e empreendimentos imobiliários, pois não gozam de exclusividade.
Como bem destacado no voto proferido pelo Ministro Moura Ribeiro, no REsp 1.804.960/SP, é comum que os aludidos bens recebam idêntica denominação e, por isso, proliferem as homonímias sem que um condomínio possa impedir o outro de receber idêntica denominação, de forma que seus nomes, na verdade, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para individualização do bem.
Assim, a proteção à marca, principalmente a individualização de um produto e serviço para exploração de determinada atividade econômica, não se estende à denominação atribuída a um bem para identificar objetos singulares, sem nenhuma criatividade ou capacidade inventiva.
Diante disso, vê-se que o empreendimento imobiliário Vogue Square é constituído por escritórios, lojas, hotel, academia e centro de convenções, de modo que não se vislumbra a possibilidade de indução dos consumidores ao erro, da caracterização de concorrência parasitária ou do ofuscamento da marca da autora, tratando-se apenas da individualização de um empreendimento imobiliário.
Saliente-se que os estabelecimentos ali situados conservam seus nomes originais, sem nenhuma vinculação de produtos ou serviços à marca Vogue, havendo, na verdade, uma busca pela clientela de cada um dos comerciantes ali situados de acordo com suas próprias expertises, sem nenhuma associação à referida marca, ou seja, os frequentadores do empreendimento lá não vão com o objetivo de consumir nenhum produto ou serviço relacionado à Vogue, mas, sim, aqueles prestados separadamente por cada um dos fornecedores que ali se encontram, com suas particularidades, marcas próprias e segmentos específicos.
A diluição da referida marca decorre do uso de sinal distintivo por terceiros fora do campo de especialidade de determinadas marcas de grande relevância ou famosas (mas que não foram reconhecidas como de alto renome pelo INPI), de maneira que seu valor informacional deixa de ser suficientemente significativo, tornando o signo cada vez menos exclusivo.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei de Propriedade Industrial, art. 125
QUARTA TURMA
Processo
REsp 1.898.812-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Saques irregulares em conta corrente. Transações realizadas com uso de cartão com chip e senha pessoal do correntista. Responsabilidade da instituição financeira afastada.
DESTAQUE
Não se pode responsabilizar instituição financeira em caso de transações realizadas mediante a apresentação de cartão físico com chip e a senha pessoal do correntista, sem indícios de fraude.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
As Turmas de Direito Privado do STJ têm decidido que cabe ao correntista, em caso de eventuais saques irregulares na conta, feitos com o cartão e a senha cadastrada pelo consumidor, a prova de que o banco agiu com negligência, imperícia ou imprudência na entrega do dinheiro.
Para o STJ, basta à instituição financeira comprovar que o saque foi feito com o cartão do cliente e a respectiva senha, não tendo que demonstrar que foi ele pessoalmente que efetuou a retirada.
Ressalta-se que, ainda que comprovado que não foi o autor, nem outra pessoa por ele autorizada, que realizou os saques, ainda assim, ressalvada a excepcionalidade de saques atípicos, não poderia a instituição financeira ser responsabilizada.
Ao se tornar cliente de qualquer banco, o correntista assume inteira responsabilidade por sua senha e pelo cartão magnético. Portanto, cabe ao autor, como correntista, o devido zelo por seu cartão e senha bancária de modo a impedir que terceiros tenham, de alguma forma, acesso a este.
No caso não houve retiradas frequentes e repetitivas da conta do autor em diferentes caixas eletrônicos, com valores significativos em relação ao saldo, o que poderia indicar um possível golpe ou clonagem do cartão, situação em que a instituição financeira teria a obrigação de tomar medidas para evitar a continuação da fraude. Se não o fizesse, isso implicaria uma falha no serviço.
Desse modo, na situação analisada, não é possível responsabilizar o banco por saques realizados ao longo de quatro meses na mesma agência bancária, usando o cartão físico com chip do autor e sua senha pessoal.
Saiba mais:
· Informativo de Jurisprudência n. 225
Processo
AgInt no RMS 69.967-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Produção antecipada de prova. Decisão irrecorrível (art. 382, § 4º, do CPC). Comparecimento do perito em audiência. Formulação de quesitos (art. 477, § 3º, do CPC). Concessão de prazo. Inexistência de previsão legal. Ausência de manifesta ilegalidade ou teratologia.
DESTAQUE
A concessão da segurança em relação à impetração do mandamus contra decisão em procedimento de produção antecipada de provas requer a apreciação da eventual teratologia, da manifesta ilegalidade ou do abuso de poder no ato judicial atacado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso, requereu-se a intimação do perito para prestar esclarecimentos acerca de laudo pericial sem apresentar, na ocasião, os quesitos a serem respondidos, conforme determina o art. 477, § 3º, do CPC/2015.
Antes do decurso do prazo estabelecido, a recorrente apresentou 6 quesitos. Todavia, um dia antes da data designada para a nova audiência, apresentou 36 quesitos adicionais. Diante disso, no mesmo dia, o perito requereu a prorrogação do prazo para a análise desses novos quesitos, ocasião na qual o magistrado a quo reconheceu a intempestividade de todos os quesitos apresentados em ambas as manifestações da agravante, mantendo, contudo, a realização da audiência na data aprazada.
Durante a realização da audiência, entretanto, o magistrado reconsiderou a decisão anterior e reputou tempestivos os primeiros 6 quesitos apresentados, ocasião na qual a ora agravante requereu a reabertura do prazo para apresentação de quesitos, pedido que foi imediatamente rejeitado.
Em que pese a jurisprudência do STJ reconheça ser cabível a impetração de mandado de segurança contra decisão proferida em procedimento de produção antecipada de provas, contra a qual não cabe recurso, nos termos do art. 382, § 4º, do CPC/2015, tal circunstância, por si só, não enseja a concessão da segurança, devendo ser apreciada a eventual teratologia, a manifesta ilegalidade ou o abuso de poder no ato judicial atacado (AgInt no RMS 63.075/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/11/2020, DJe 1º/12/2020).
Isso, porque, nos termos do § 3º do art. 477 do CPC/2015, é ônus da parte que requer a intimação do perito para prestar esclarecimentos acerca do laudo apresentar, no momento do requerimento, os quesitos complementares.
O simples fato de ter sido determinada nova data para a realização da audiência não resulta na reabertura automática de prazo que, sem respaldo legal e por liberalidade do magistrado, foi concedido à agravante, não constituindo, portanto, direito líquido e certo.
Ainda, não há falar em preclusão pro judicato no caso. Isso, porque a decisão que, por liberalidade, concedeu prazo para a apresentação de quesitos complementares, sem respaldo legal, não está sujeita à vedação de novo pronunciamento judicial acerca da questão, uma vez que tal impedimento limita-se às decisões definitivas ou com força de definitivas, assim entendidas como aquelas que põem fim à relação ou etapa processual, o que não se verifica na hipótese.
Por fim, segundo o princípio da proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, de modo que afigura-se descabido que a agravante pretenda ser beneficiada com a reabertura do prazo que nem sequer deveria ter sido concedido e que fora por ela descumprido.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil (CPC), arts. 382, § 4º, e 477, § 3º