quarta-feira, 31 de julho de 2019

A CONVOCAÇÃO DOS DEMAIS RESPONSÁVEIS PELA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS FAMILIARES. COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE JULHO DE 2019

A CONVOCAÇÃO DOS DEMAIS RESPONSÁVEIS PELA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS FAMILIARES[1]
Flávio Tartuce[2]
Conforme as antigas lições doutrinárias, a obrigação de alimentos familiares é, em regra, divisível, o que pode ser retirado do conteúdo dos arts. 1.696 e 1.697 do Código Civil em vigor; exceção feita ao caso em que o credor for idoso, nos termos da legislação específica. Como bem leciona Maria Helena Diniz, a obrigação de alimentos “é divisível entre os parentes do necessitado, encarregados da prestação alimentícia, salvo se o alimentando for idoso, visto que a obrigação passará, então, a ser solidária ex lege, cabendo-lhe optar entre os prestadores (Lei n. 10.741/2003, art. 12)”. (Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5, p. 550). No mesmo sentido, Yussef Said Cahali ensina que “o caráter divisível da obrigação representa o entendimento doutrinário dominante; excepcionando a lei o caso em que o credor é idoso” (Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 138).
De fato, como a solidariedade obrigacional não se presume, por força do art. 265 do Código Civil, haveria a necessidade de a lei prever, em sentido geral, que a obrigação não seria fracionária, cabendo sempre uma opção de demanda em relação aos devedores, o que não ocorre na legislação civil brasileira. Tal opção possibilitaria que o credor ingressasse com a ação de alimentos em face de um, alguns ou todos os devedores, estando prevista no art. 275 do Código Civil. Sendo a obrigação divisível, e não solidária, como regra geral, aplica-se a máxima concursu partes fiunt, dividindo-se o encargo de acordo com o número de partes, nos termos do art. 257 da mesma codificação privada.
 Não se pode negar que essa solução de divisibilidade dada pela lei afronta a solidariedade constitucional. Dessa forma, o melhor caminho seria a solidariedade passiva legal, o que facilitaria o recebimento do crédito alimentar pelo credor. Em verdade, o sistema jurídico nacional a respeito dos alimentos parece desequilibrado, ao proteger pela solidariedade passiva alimentar apenas o idoso. Não se justifica a falta de proteção de outros vulneráveis, caso das crianças e dos adolescentes, das pessoas com deficiência e das mulheres sob violência doméstica. E não se olvide que o alimentando constitui um vulnerável por excelência, o que justifica a existência de todo o aparato legal protetivo e o fundamento da matéria em normas de ordem pública e interesse social.
Sendo assim, a título de exemplo sobre o atual sistema, se um pai não idoso necessita de alimentos, tem quatro filhos em condições de prestá-los e quer receber a integralidade do valor alimentar, a ação deverá ser proposta em face de todos, em litisconsórcio passivo necessário. Entretanto, como a obrigação é divisível, esse pai pode optar por receber de um ou alguns dos filhos, havendo litisconsórcio passivo facultativo, até porque cabem ações em separado. Na última situação descrita, caso a ação seja proposta em face de apenas um dos filhos, terá subsunção o polêmico e tão nebuloso art. 1.698 do CC/2002, que tem a seguinte redação: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.
Reafirme-se, contudo, que, nos casos em que quem pleiteia os alimentos é idoso, com idade superior a 60 anos, o art. 12 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) estabelece que a obrigação é solidária. Para essas hipóteses, no exemplo analisado, se o pai que irá pleitear os alimentos dos filhos tiver aquela idade, poderá fazê-lo contra qualquer um dos filhos e de forma integral, o que visa proteger o vulnerável, no caso, o idoso.
Voltando-se ao art. 1.698 da codificação, a segunda parte do comando deixa clara novamente a divisibilidade da obrigação, aplicando-se a máxima concursu partes fiunt, de divisão igualitária de acordo com o número de devedores. No âmbito doutrinário, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 342, tratando da responsabilidade subsidiária, sucessiva e complementar dos demais parentes, caso dos avós, com a seguinte redação: “observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não solidário, quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro dos seus genitores”.
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a posição é consolidada no mesmo sentido, merecendo colação, por ser um dos primeiros precedentes sobre o tema: “A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor” (STJ, REsp 579.385/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 26/08/2004, DJ 04/10/2004, p. 291). Na mesma linha é a afirmação n. 15, constante da Edição n. 65 da ferramenta Jurisprudência em Teses, da Corte Superior: “a responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos apresenta natureza complementar e subsidiária, somente se configurando quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor”. Exatamente no mesmo sentido da tese, a Súmula 596 do Tribunal da Cidadania, aprovada em novembro de 2017.
Dúvidas fulcrais surgem do art. 1.698 do Código Civil e desse contexto jurídico. A quem cabe a convocação dos demais parentes? Qual o instrumento jurídico cabível para tanto? A ilustrar, imagine-se que um filho ingressa com uma demanda contra o pai, que não tem condições de suportar totalmente o encargo. Como será possível a inclusão dos avós para que estes respondam pelas verbas alimentares, concretizando a citada responsabilidade subsidiária, sucessiva e complementar, retirada do entendimento doutrinário e da jurisprudência superior consolidada?
Como Rodrigo Reis Mazzei, sempre sustentei que a hipótese seria de um litisconsórcio sucessivo-passivo, pois se trata de uma situação de responsabilidade subsidiária especial (Litisconsórcio sucessivo: breves considerações. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (org.). Processo e direito material. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 235). Sendo assim, tais convocações dos demais parentes devedores serão formuladas preferencialmente pelo autor da ação, e não pelo réu, presente um litisconsórcio facultativo. Acrescente-se que a tese de convocação pelo autor da ação de alimentos ganha força com o art. 238 do CPC/2015, segundo o qual a citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Consigne-se que o termo “convocados” não constava do art. 213 do CPC/1973, seu correspondente, que utilizava a expressão “se chama”.
Aproveitando o exemplo antes exposto, um filho pede alimentos ao pai, em ação própria. Após a contestação por este, mencionando que não tem condições de arcar integralmente com os alimentos, o autor da ação poderá requerer a inclusão do avô no polo passivo, com base no que consta do art. 1.698 do Código Civil Brasileiro de 2002. Parece ser um equívoco dizer que a convocação dos demais devedores cabe sempre ao réu, pois o Código de Processo Civil vigente, assim como o seu antecessor, não consagra essa forma de intervenção de terceiro. Em reforço, o atual Código Civil não menciona que a referida convocação cabe ao demandado. Do ponto de vista funcional, verifica-se que, por razões óbvias, se a convocação coubesse ao réu, não iria ele indicar os avós paternos, mas, sim, os maternos.
De todo modo, sempre foi forte o entendimento de que a convocação caberia ao réu, por meio de uma forma de intervenção de terceiros sui generis, atípica ou especial. Essa é a opinião de Daniel Amorim Assumpção Neves, citando os posicionamentos, na mesma linha, de Sílvio de Salvo Venosa e Luiz Felipe Brasil Santos (Manual de direito processual civil. Volume único. São Paulo: Método, 2009. p. 179).
Destaque-se, ainda, existir corrente doutrinária, a terceira delas, que sustenta a extensão da regra de solidariedade, sendo cabível o chamamento ao processo, posição liderada por Cassio Scarpinella (Chamamento ao processo. In: DIDIER JR., Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: RT, 2004. p. 88). Em síntese, nota-se uma torre de babel doutrinária a respeito da matéria.
Na jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo de forma majoritária que caberia aos réus da demanda – no caso, os pais – chamar ou convocar os avós. Nesse sentido, por todos: “A obrigação alimentar é de responsabilidade dos pais, e, no caso de a genitora dos autores da ação de alimentos também exercer atividade remuneratória, é juridicamente razoável que seja chamada a compor o polo passivo do processo a fim de ser avaliada sua condição econômico-financeira para assumir, em conjunto com o genitor, a responsabilidade pela manutenção dos filhos maiores e capazes. Segundo a jurisprudência do STJ, ‘o demandado (...) terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras’ (REsp n. 658.139/RS, Quarta Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 13/3/2006)” (STJ, REsp 964.866/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 01/03/2011, DJe 11/03/2011). Como se percebe, as decisões colacionadas seguem essa terceira corrente doutrinária, liderada por Cassio Scarpinella Bueno.
Por fim, como uma quarta e derradeira corrente a respeito do art. 1.698 do Código Civil e a convocação dos demais responsáveis, anote-se a aprovação de enunciado, na V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em 2011, visando facilitar a compreensão da matéria e possibilitando a citada convocação tanto pelo autor quanto pelo réu: “O chamamento dos codevedores para integrar a lide, na forma do art. 1.698 do Código Civil pode ser requerido por qualquer das partes, bem como pelo Ministério Público, quando legitimado” (Enunciado n. 523). Não se pode negar que a ideia constante do enunciado é louvável, por viabilizar a ampla tutela do alimentando, vulnerável na relação jurídica. O proponente do enunciado, Professor Daniel Ustarroz, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, argumentou muito bem em suas justificativas que “essa solução privilegia o princípio do melhor interesse do menor e o ideal de celeridade processual, tornando desnecessária a propositura de outra ação de alimentos”.
No final de 2018, surgiu outro julgado superior, expondo todo o debate doutrinário – inclusive com a posição sustentada por mim, conforme a primeira corrente –, e decidindo, pelo menos em parte, na linha desse Enunciado n. 523 da V Jornada de Direito Civil, que “em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo”. Ainda nos termos do aresto, “nas hipóteses em que for necessária a representação processual do credor de alimentos incapaz, cabe também ao devedor provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que os demais coobrigados também componham a lide, inclusive aquele que atua como representante processual do credor dos alimentos, bem como cabe provocação do Ministério Público, quando a ausência de manifestação de quaisquer dos legitimados no sentido de chamar ao processo os demais coobrigados possa causar prejuízos aos interesses do incapaz” (STJ, REsp. 1.715.438/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/11/2018, DJe 21/11/2018).
Como nele consta, explicando o teor do dispositivo em estudo, “a regra do art. 1.698 do CC/2002, por disciplinar questões de direito material e de direito processual, possui natureza híbrida, devendo ser interpretada à luz dos ditames da lei instrumental e, principalmente, sob a ótica de máxima efetividade da lei civil. A definição acerca da natureza jurídica do mecanismo de integração posterior do polo passivo previsto no art. 1.698 do CC/2002, por meio da qual são convocados os coobrigados a prestar alimentos no mesmo processo judicial e que, segundo a doutrina, seria hipótese de intervenção de terceiro atípica, de litisconsórcio facultativo, de litisconsórcio necessário ou de chamamento ao processo, é relevante para que sejam corretamente delimitados os poderes, ônus, faculdades, deveres e responsabilidades daqueles que vierem a compor o polo passivo, assim como é igualmente relevante para estabelecer a legitimação para provocar e o momento processual adequado para que possa ocorrer a ampliação subjetiva da lide na referida hipótese” (STJ, REsp 1.715.438/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/11/2018, DJe 21/11/2018). Em arremate final, julgou-se que: “no que tange ao momento processual adequado para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor requerê-lo em sua réplica à contestação; ao réu, em sua contestação; e ao Ministério Público, após a prática dos referidos atos processuais pelas partes, respeitada, em todas as hipóteses, a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo” (STJ, REsp 1.715.438/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/11/2018, DJe 21/11/2018).
Não se pode negar que esse último julgado representa um notável avanço, por afastar a possibilidade de convocação exclusiva pelo réu, tutelando efetivamente o direito a alimentos. Espera-se, portanto, que a questão seja pacificada nesse sentido no âmbito da Segunda Seção da Corte, seguindo-se as premissas constantes do enunciado doutrinário antes destacado e revendo as correntes doutrinárias que entendiam de forma contrária.

[1] Coluna do Migalhas de julho de 2019.
[2] Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito Civil USP, cursando estágio pós-doutoral em Direito Civil na mesma Faculdade. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP - Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Coordenador e Professor dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD – Escola Paulista de Direito. Diretor nacional e estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado, parecerista e consultor jurídico em São Paulo.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 650 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 650 DO STJ.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.707.405-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 07/05/2019, DJe 10/06/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de locação comercial. Incêndio. Perecimento do imóvel. Entrega das chaves. Momento posterior. Cobrança de aluguel. Impossibilidade.
DESTAQUE
Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel objeto de locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Importa destacar, de início, que, segundo o art. 2.036 do CC/2002, a locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida. Ocorre que o diploma locatício não regula, de forma expressa, a situação retratada nos autos. Assim, muito embora a Lei n. 8.245/1991 não estabeleça que o contrato se encerra pelo perecimento do imóvel, descabe afirmar que as hipóteses contempladas por ela constituem um rol taxativo ou que, a partir dessa conclusão, seja possível extrair, segundo uma interpretação a contrario sensu, que a locação continuaria vigendo a despeito da perda total do bem. Admitindo-se que tenha havido perecimento do bem locado, e não a sua deterioração, não parece adequado suprir a lacuna normativa pela invocação analógica do art. 567 do CC/2002. Com efeito, na situação descrita revela-se muito mais razoável, aplicar o princípio geral do Direito identificado pelo brocardo latino res perit domino e também pelas regras contidas nos arts. 77 e 78 do CC/1916. Dessarte, se a locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, é possível afirmar que ela tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a exploração econômica dessas faculdades da propriedade por meio do contrato de locação.

PROCESSO
REsp 1.798.924-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Locação. Contrato por prazo determinado. Notificação exoneratória dos fiadores. Possibilidade. Art. 40, inciso X, da Lei n. 8.245/1991. Interpretação. Prazo de 120 dias. Termo inicial. Data da alteração para contrato por prazo indeterminado.
DESTAQUE
Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A interpretação do art. 40 da Lei n. 8.245/1991 deve ser sistemática, e, ainda, guardar sintonia com a teleologia das alterações realizadas pela Lei n. 12.112/2009, édito que veio, inegavelmente, a trazer maiores garantias ao locador em se tratando do contrato de fiança. Assim, faz sentido concluir-se que os efeitos da resilição unilateral somente poderão ser produzidos no contrato de locação - e, consequentemente, de fiança - de prazos indeterminados. No período em que a locação se desenvolve por prazo determinado, a vinculação do fiador às obrigações do contrato de locação, a ele estendidas pelo contrato de fiança, não decorre da extensão conferida pelo art. 40 da Lei n. 8.245/1991, mas do contrato pelo qual se comprometeu a garantir a solvência das obrigações do afiançado nascidas no período da locação ou no período determinado do contrato de fiança. A melhor interpretação do art. 40, inciso X, da Lei n. 8.245/1991 é a de que, primeiro, não é imprescindível que a notificação seja realizada apenas no período da indeterminação do contrato, podendo, assim, os fiadores, no curso da locação com prazo determinado, notificarem o locador de sua intenção exoneratória, mas os seus efeitos somente poderão se projetar para o período de indeterminação do contrato. Nessa hipótese, notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação.

PROCESSO
REsp 1.801.884-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/05/2019, DJe 30/05/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DO IDOSO
TEMA
Estatuto do Idoso. Art. 1.048 do CPC/2015. Prioridade na tramitação processual. Requerimento. Legitimidade exclusiva.
DESTAQUE
A prioridade na tramitação do feito é direito subjetivo da pessoa idosa e a lei lhe concede legitimidade exclusiva para a postulação do requerimento do benefício.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Para dar efetividade ao art. 230 da Constituição Federal, a Lei nº 10.471/2003 - Estatuto do Idoso - estabelece a preferência no processamento dos feitos nos quais figura como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Assim, o idoso fará jus ao benefício nos processos em que atuar como parte - autor, réu ou litisconsorte - ou como interveniente, assim considerado aquele que ingressa nos autos por meio da assistência, da denunciação da lide ou do chamamento ao processo, etc (arts. 119 a 132 do CPC/2015). De acordo com a dicção legal, cabe ao idoso postular a obtenção do benefício fazendo prova da sua idade. Depende, portanto, de manifestação de vontade do interessado, por se tratar de direito subjetivo processual. A necessidade do requerimento é justificada pelo fato de que nem toda tramitação prioritária será benéfica ao idoso, especialmente em processos nos quais há alta probabilidade de que o resultado lhe seja desfavorável. Cabe ao titular do direito à preferência, por meio de pedido dirigido ao magistrado, demonstrar o seu interesse em fazer jus ao benefício legal. Se a lei exige a iniciativa do idoso, aquele que carece dessa condição não pode requerer a prioridade em nome de outrem por faltar-lhe legitimidade. No caso dos autos, a exequente - pessoa jurídica - postula a prioridade na tramitação da execução de título extrajudicial pelo fato de um dos executados ser pessoa idosa. Desse modo, correto o entendimento de que lhe falta legitimidade e interesse para formular o mencionado pedido visto que a lei concede a legitimidade exclusiva ao idoso ao estabelecer que somente o interessado, fazendo a comprovação da sua idade, pode postular o referido benefício legal.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.354.338-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 19/03/2019, DJe 24/05/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Honorários advocatícios contratuais. Cláusula quota litis. Cessão de crédito a terceiro. Percentual sobre o valor apurado em liquidação de sentença. Não cabimento. Cálculo sobre a vantagem econômica efetivamente auferida.
DESTAQUE
Os honorários advocatícios contratuais que adotarem a quota litis devem ser calculados com base na quantia efetivamente recebida pelo cliente, em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Por meio da cláusula quota litis, estipula-se que os honorários serão fixados com base na vantagem obtida pelo cliente, sujeitando, portanto, a remuneração do advogado ao seu sucesso na demanda, pois, em caso de derrota, nada receberá. E mais: a sua adoção implica, necessariamente, que a remuneração do advogado constituído jamais poderá ser superior às vantagens advindas em favor do constituinte. É nesse sentido, aliás, que o art. 50 do Código de Ética e Disciplina, editado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, dispõe que "na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas a favor do cliente". No caso, embora fizesse jus à percepção de quantia maior, o trabalhador não suportou a espera pelo incerto pagamento do crédito habilitado na falência e negociou sua verba alimentar por valor menor, recebido de terceiro, arrendatário da massa falida. Registre-se que o princípio da boa-fé objetiva, exigido pelo art. 422 do CC/2002, por meio do qual se almeja estabelecer um padrão ético de conduta entre as partes nas relações obrigacionais, assim como o disposto no art. 423 do mesmo diploma legal, que assegura ao aderente a interpretação mais favorável das cláusulas ambíguas. Por influxo de tais normas, entende-se que o advogado não age com boa-fé ao impor, em contratos com cláusula quota litis, a formalização do pacto de prestação de serviços advocatícios no qual sua remuneração venha a ser calculada em percentual sobre o valor apurado em liquidação de sentença, e não sobre aquele efetivamente recebido pelo contratante, porquanto em desacordo com o estabelecido no Código de Ética e Disciplina erigido pela própria categoria.

PROCESSO
REsp 1.414.774-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/05/2019, DJe 05/06/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Comprovantes de operações bancárias. Emissão em papel termossensível. Baixa durabilidade. Vício do serviço. Configuração. Emissão gratuita de segunda via do comprovante. Obrigação.
DESTAQUE
A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Código de Defesa do Consumidor, para além da responsabilidade decorrente dos acidentes de consumo (arts. 12 a 17), cuja preocupação primordial é a segurança física e patrimonial do consumidor, regulamentou também a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço (arts. 18 a 25), em que a atenção foi voltada à análise da efetiva adequação à finalidade a que se destina. Diante do conceito legal de "defeito na prestação do serviço", a instituição financeira, ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível, acabou atraindo para si a responsabilidade pelo vício de qualidade do produto. Isso porque, por sua própria escolha, em troca do aumento dos lucros - já que a impressão no papel térmico é mais rápida e bem mais em conta -, passou a ofertar o serviço de forma inadequada, emitindo comprovantes cuja durabilidade não atendem as exigências e necessidades do consumidor, vulnerando o princípio da confiança. Outrossim, é da natureza específica do tipo de serviço prestado emitir documentos de longa vida útil, a permitir que os consumidores possam, quando lhes for exigido, comprovar as operações realizadas. Nesse contexto, condicionar a durabilidade de um comprovante às suas condições de armazenamento, além de incompatível com a segurança e a qualidade que se exigem da prestação de serviços, torna a relação excessivamente onerosa para o consumidor, que, além dos custos de emitir um novo recibo em outra forma de impressão (fotocópia), teria o ônus de arcar, em caso de perda, com uma nova tarifa pela emissão da segunda via do recibo, o que se mostra abusivo e desproporcional. Assim, o reconhecimento da falha do serviço não pode importar, por outro lado, em repasse pelo aumento de tarifa ao consumidor nem em prejuízos ao meio ambiente.

PROCESSO
REsp 1.680.168-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 10/06/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Prestação de contas. Primeira fase. Decisão que julga procedente a exigência de contas. CPC/2015. Recurso cabível. Agravo de instrumento.
DESTAQUE
O recurso cabível contra decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas é o agravo de instrumento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Ainda bastante controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência a definição, à luz do Código de Processo Civil de 2015, de qual o recurso cabível contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas (arts. 550 e 551), condenando o réu a prestar as contas exigidas. O novo Código, aprimorando a técnica do anterior, ao se referir a uma decisão, deixou mais claro que poderá não haver sentença, como sucede quando a ação de exigir contas é julgada procedente na primeira fase, para ter prosseguimento ainda. Na hipótese contrária, ou seja, se a decisão der pela improcedência da ação de exigir contas, aí sim teremos uma sentença pondo fim ao processo, inclusive com aplicação de ônus sucumbenciais. Então, na primeira hipótese, ter-se-á uma decisão que desafia agravo de instrumento; na segunda hipótese é que a decisão atrairia apelação.
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
PROCESSO
ProAfR no REsp 1.723.727-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por maioria, julgado em 04/06/2019, DJe 10/06/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com os REsps 1.728.839/SP, 1.715.798/RS, 1.716.113/DF, 1.721.776/SP, 1.726.285/SP e 1.715.798/RS, a fim de uniformizar o entendimento acerca das seguintes controvérsias: (a) validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária; (b) ônus da prova da base atuarial do reajuste.

PROCESSO
ProAfR no REsp 1.438.263-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 28/05/2019, DJe 07/06/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com os REsps 1.361.872/SP e 1.362.022/SP, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: legitimidade do não associado para a execução da sentença proferida em ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual.