RESUMO. INFORMATIVO 706 DO STJ. 30 DE AGOSTO DE 2021.
Processo
REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por maioria, julgado em 25/08/2021. (Tema 878)
Ramo do Direito
DIREITO TRIBUTÁRIO
Tema
Imposto de renda da pessoa física - IRPF. Incidência sobre juros de mora. Adaptação da jurisprudência do STJ ao que julgado pelo STF no RE n. 855.091/RS (Tema 808 - RG). Preservação em parte das teses julgadas julgadas no REsp 1.089.720/RS e recurso representativo da controvérsia REsp 1.227.133/RS. Preservação da totalidade da tese julgada no recurso representativo de controvérsia REsp 1.138.685/SC. Integralidade, estabilidade e coerência da jurisprudência. Tema 878.
DESTAQUE
1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda;
2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes;
3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 855.091/RS (Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15.03.2021), apreciando o Tema 808 da Repercussão Geral, em caso concreto onde em discussão juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista, considerou não recepcionada pela Constituição Federal de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16, da Lei n. 4.506/1964 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo, ou seja, rendimentos do trabalho assalariado (remunerações advindas de exercício de empregos, cargos ou funções). Fixou-se então a seguinte tese: Tema 808 da Repercussão Geral: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".
O dever de manter a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça íntegra, estável e coerente (art. 926, do CPC/2015) impõe realizar a compatibilização da jurisprudência desta Casa formada em repetitivos e precedentes da Primeira Seção ao que decidido no Tema 808 pela Corte Constitucional. Dessa análise, após as derrogações perpetradas pelo julgado do STF na jurisprudência deste STJ, exsurgem as seguintes teses: 1) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda - Precedentes: REsp. 1.227.133/RS, REsp. n. 1.089.720/RS e REsp. 1.138.695/SC; 2) Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes - Precedente: RE 855.091/RS; 3) Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR - Precedente: REsp. 1.089.720/RS.
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.930.825-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Tema
Adoção realizada na vigência do CC/1916 e revogada na vigência do Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente. Legitimidade ativa do filho adotivo para o ajuizamento da ação de inventário. Revogação bilateral e consensual da adoção. Compatibilidade do CC/1916 com o art. 227, §6º, da CF/1988. Possibilidade de flexibilização excepcional da regra de irrevogabilidade para atender aos melhores interesses da criança e do adolescente. Ilegitimidade ativa configurada.
DESTAQUE
Para fins de determinação da legitimidade ativa em ação de inventário, a adoção realizada na vigência do CC/1916 é suscetível de revogação consensual pelas partes após a entrada em vigor do Código de Menores (Lei 6.697/1979), mas antes da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na vigência do CC/1916, a adoção possuía natureza de ato jurídico negocial, tratando-se de convenção celebrada entre os pais biológicos e os pais adotivos por meio da qual determinada pessoa passaria a pertencer a núcleo familiar distinto do natural, admitida a sua revogação nas seguintes hipóteses: (i) unilateralmente, pelo adotado, em até um ano após a cessação da menoridade; (ii) unilateralmente, pelos adotantes, quando o adotado cometesse ato de ingratidão contra eles; (iii) bilateralmente, por consenso entre as partes.
Na hipótese em exame, a adoção ocorreu em junho de 1964, quando vigoravam no Brasil as regras do CC/1916 com as alterações introduzidas pela Lei n. 3.133/1957, ao passo que, ao tempo da revogação da adoção, realizada de forma bilateral e consensual, ocorrida em Janeiro de 1990, vigoravam no Brasil, concomitantemente, apenas o CC/1916 e o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979), sobretudo porque o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) somente passou a vigorar em Outubro de 1990, não se aplicando à hipótese.
Conquanto o CC/1916 permitisse, em seu art. 374, I, a revogação bilateral e consensual da adoção, o Código de Menores tornou irrevogável a adoção plena (art. 37 da Lei n. 6.679/1979), que veio a substituir a legitimidade adotiva anteriormente prevista no art. 7º da Lei n. 4.655/1965.
Dado que a adoção plena, irrevogável, possuía uma série de pressupostos específicos, não se pode afirmar que a adoção concretizada na vigência do CC/1916 tenha automaticamente se transformado em uma adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores, razão pela qual a regra do art. 37 da Lei n. 6.679/1979, embora represente uma tendência legislativa, cultural e social no sentido da vinculação definitiva decorrente da adoção que veio a se concretizar amplamente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se aplica à adoção realizada em junho de 1964 e revogada em Janeiro de 1990, bilateral e consensualmente pelos pais adotivos e pelo filho que, naquele momento, possuía 28 anos.
A revogação, realizada em 1990 de forma bilateral e consensual, de adoção celebrada na vigência do CC/1916, é compatível com o art. 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, uma vez que a irrevogabilidade de qualquer espécie de adoção somente veio a ser introduzida no ordenamento jurídico com o art. 39, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, regra que, ademais, tem sido flexibilizada, excepcionalmente, quando não atendidos os melhores interesses da criança e do adolescente.
Processo
REsp 1.903.273-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
Tema
Whatsapp. Divulgação pública de mensagens privadas. Ilicitude. Quebra da legítima expectativa e da confidencialidade. Violação à privacidade e à intimidade. Dano configurado. Indenização. Cabimento.
DESTAQUE
A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/1988) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC/2002).
No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e, mais recentemente, da rede social WhatsApp, o qual permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo.
Nesse cenário, é certo que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, como também aquelas travadas através do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Em consequência, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.
Na hipótese em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação. Nesse aspecto, há que se considerar que as mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores.
Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada.
Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano.
Por fim, é importante consignar que a ilicitude poderá ser descaracterizada quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer.
Processo
REsp 1.901.911-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
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Tema
Operadora de plano de saúde. Cooperativa de trabalho médico. Ingresso de novo associado. Processo seletivo público. Previsão no estatuto social. Possibilidade. Princípio da porta aberta. Relativização.
DESTAQUE
É lícita a previsão, em estatuto social de cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se a cooperativa de trabalho médico (UNIMED) pode limitar, por meio de processo seletivo público, o ingresso de novos associados ao fundamento de preservação da possibilidade técnica de prestação de serviços.
De início, vale destacar que a cooperativa de trabalho, como a de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Destaca-se que, em razão da incidência do princípio da livre adesão voluntária, o ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764/1971).
Ademais, pelo princípio da porta aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, sobretudo porque a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto, a inclusão social.
Entretanto, o princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços.
Dessa forma, a negativa de ingresso de profissional na cooperativa de trabalho médico não pode se dar somente em razão de presunções acerca da suficiência numérica de associados na região exercendo a mesma especialidade, havendo necessidade de estudos técnicos de viabilidade. Por outro lado, atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados.
Nessa mesma esteira de ideias, é lícita a previsão em estatuto social de cooperativa de trabalho médico de processo seletivo público e de caráter impessoal, exigindo-se conteúdos a respeito de ética médica, cooperativismo e gestão em saúde como requisitos de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, mesmo porque, por força de lei, o interessado deve aderir aos propósitos sociais do ente e preencher as condições estatutárias estabelecidas, devendo o princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da sociedade cooperativa.
QUARTA TURMA
Processo
REsp 1.918.421-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 08/06/2021, DJe 26/08/2021.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Reprodução assistida post mortem. Implantação de embriões excedentários. Declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços. Inadequação. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Imprescindibilidade.
DESTAQUE
A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deve ser efetivada por testamento ou por documento análogo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na hipótese em análise, os cônjuges valeram-se da reprodução assistida homóloga, tendo a fertilização se realizado in vitro, a partir da utilização de material genético dos próprios envolvidos. A partir da fertilização promovida, destacaram-se em qualidade ao menos dois embriões, os quais foram criopreservados, não se concluindo a etapa de transferência (implantação no útero).
Nos casos em que a expressão da autodeterminação significar a projeção de efeitos para além da vida do sujeito de direito, com repercussões existenciais e patrimoniais, imprescindível que sua manifestação se dê de maneira inequívoca, leia-se expressa e formal, efetivando-se por meio de instrumentos jurídicos apropriadamente arquitetados pelo ordenamento, sob de pena de ser afrontada.
No rumo desse raciocínio, ganha espaço o instituto do testamento, que tem como marca distintiva a declaração de vontade, expressão indiscutível da autonomia pessoal, e, nada obstante escape ao tradicional, a simples análise do seu conceito é o bastante para revelar que seu objeto não se restringe a disposição de patrimônio pelo testador.
Nesses termos, se as disposições patrimoniais não dispensam a forma testamentária, maiores são os motivos para se considerar sejam da mesma forma dispostas as questões existenciais, mormente aqueles que repercutirão na esfera patrimonial de terceiros, não havendo maneira mais apropriada de garantir-se a higidez da vontade do falecido.
Seguindo por esse entendimento, não há dúvidas de que a decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, atraindo, portanto, a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia.
Ademais, ao revés, admitir-se que a autorização posta naquele contrato de prestação de serviços, na hipótese, marcado pela inconveniente imprecisão na redação de suas cláusulas, possa equivaler a declaração inequívoca e formal, própria às disposições post mortem, significará o rompimento do testamento que fora, de fato, realizado, com alteração do planejamento sucessório original, sem quaisquer formalidades, por pessoa diferente do próprio testador.
Nessa linha, a única conclusão possível é a de que a indicação a autorização dada no formulário pelo parceiro para a transferência do pré-embrião para o primeiro ciclo à parceira, circunscreve-se à autorização para implantação do embrião durante a vida de ambos os cônjuges.
Nessa ordem de ideias, os contratos de prestação de serviço de reprodução assistida firmados são instrumentos absolutamente inadequados para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, deveria ter sido efetivada por testamento, ou por documento análogo, por tratar de disposição de cunho existencial, sendo um de seus efeitos a geração de vida humana.