DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE
CONTAS. CONTA-CORRENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A VALIDADE DE
CLÁUSULAS DO CONTRATO.
Não é possível discutir, em ação de prestação de
contas, a abusividade de cláusulas constantes de contrato de abertura de crédito
em conta-corrente. O rito especial da prestação de contas é hábil para a
aferição de débitos e créditos relacionados à administração de recursos, com o
objetivo de liquidar a relação jurídica no seu aspecto econômico. É certo que ao
interessado é permitido propor ação com rito ordinário em vez do especial, pois
aquele comporta dilação probatória mais ampla. Admitir o contrário, contudo,
considerados os limites impostos à dilação probatória nas hipóteses em que a
ação segue trâmite procedimental especial, implicaria restringir indevidamente
as garantias da parte adversa ao contraditório e à ampla defesa. Assim, se o
correntista pretende discutir cláusulas contratuais, taxas de juros,
capitalização e tarifas cobradas pela instituição financeira, a ação de
prestação de contas não é a via adequada. Precedente citado: AgRg no Ag
276.180-MG, DJ 5/11/2001. REsp 1.166.628-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
9/10/2012.
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO. PREVISÃO DE COBERTURA DE CRIME DE
ROUBO. ABRANGÊNCIA DO CRIME DE EXTORSÃO.
É devido o pagamento de indenização por seguradora
em razão dos prejuízos financeiros sofridos por vítima de crime de extorsão
constrangida a entregar o veículo segurado a terceiro, ainda que a cláusula
contratual delimitadora dos riscos cobertos somente preveja as hipóteses de
colisão, incêndio, furto e roubo. Em que pese ser de rigor a interpretação
restritiva em matéria de direito penal, especialmente ao se aferir o espectro de
abrangência de determinado tipo incriminador, isso por força do princípio da
tipicidade fechada ou estrita legalidade (CF, art. 5º, XXXIX; e CP, art. 1º),
tal viés é reservado à seara punitivo-preventiva (geral e especial) inerente ao
Direito Penal, cabendo ao aplicador do Direito Civil emprestar aos institutos de
direito privado o efeito jurídico próprio, especialmente à luz dos princípios da
boa-fé objetiva e da conservação dos contratos. A restrição legal do art. 757 do
CC encerra vedação de interpretação extensiva somente quando a cláusula
delimitadora de riscos cobertos estiver redigida de modo claro e insusceptível
de dúvidas. Assim, é possível afastar terminologias empregadas na construção de
cláusulas contratuais que redundem na total subtração de efeitos de determinada
avença, desde que presente um sentido interpretativo que se revele apto a
preservar a utilidade econômica e social do ajuste. Além disso, havendo relação
de consumo, devem ser observadas as diretrizes hermenêuticas de interpretação
mais favorável ao consumidor (art. 47, CDC), da nulidade de cláusulas que
atenuem a responsabilidade do fornecedor, ou redundem em renúncia ou disposição
de direitos pelo consumidor (art. 51, I, CDC), ou desvirtuem direitos
fundamentais inerentes à natureza do contrato (art. 51, § 1º, II, CDC). A
proximidade entre os crimes de roubo e extorsão não é meramente
topológico-geográfica, mas também conceitual, uma vez que, entre um e outro, o
que essencialmente os difere é a extensão da ação do agente criminoso e a
forçada participação da vítima. A distinção é muito sutil já que, no roubo, o
réu desapossa, retira violentamente o bem da vítima; na extorsão, com o mesmo
método, obriga a entrega. Dessa forma, a singela vinculação da cláusula que
prevê os riscos cobertos a conceitos de direito penal está aquém daquilo que se
supõe de clareza razoável no âmbito das relações consumeristas, sobretudo diante
da carga limitativa que o dispositivo do ajuste encerra, pois a peculiar e
estreitíssima diferenciação entre roubo e extorsão perpassa o entendimento do
homem médio, mormente em se tratando de consumidor, não lhe sendo exigível a
capacidade de diferenciar tipos penais. Trata-se de situação distinta daquela
apreciada pela Quarta Turma, na qual se assentou que a cobertura securitária
estabelecida para furto e roubo não abrangia hipóteses de apropriação indébita
(REsp n. 1.177.479-PR). Precedente citado: REsp 814.060-RJ, DJe 13/4/2010.
REsp 1.106.827-SP, Rel. Min.
Marco Buzzi, julgado em 16/10/2012.
DIREITO CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DE INDÉBITO. PROVA
DE MÁ-FÉ. EXIGÊNCIA.
A aplicação da sanção prevista no art. 1.531 do
CC/1916 (mantida pelo art. 940 do CC/2002) – pagamento em dobro por dívida já
paga – pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do
credor. Assim, em que pese o fato de a condenação ao pagamento em dobro do valor
indevidamente cobrado prescindir de reconvenção ou propositura de ação própria,
podendo ser formulado em qualquer via processual, torna-se imprescindível a
demonstração da má-fé do credor. Precedentes citados: AgRg no REsp 601.004-SP,
DJe 14/9/2012, e AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1.281.164-SP, DJe 4/6/2012. REsp 1.005.939-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
9/10/2012.
DIREITO CIVIL. MEAÇÃO. APLICAÇÃO FINANCEIRA MANTIDA POR
EX-CONSORTE DO DE CUJUS NA VIGÊNCIA DA SOCIEDADE
CONJUGAL.
Quando perder o caráter alimentar, deve ser
partilhada em inventário a aplicação financeira de proventos de aposentadoria
mantida por um dos ex-consortes durante a vigência do matrimônio sob o regime de
comunhão universal de bens. A melhor interpretação referente à
incomunicabilidade dos salários, proventos e outras verbas similares (arts.
1.668, V, 1.659, VI e VII, do CC) é aquela que fixa a separação patrimonial
apenas durante o período em que ela ainda mantém natureza alimentar, não
desprezando a devida compatibilização dessa restrição com os deveres de mútua
assistência. Embora o CC disponha expressamente que se excluem “da comunhão os
proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, é forçoso convir que os valores,
depois de recebidos por qualquer dos cônjuges, passam a compor a renda familiar
e se comunicam até a separação de fato do casal, sendo absolutamente irrelevante
a sua origem. Do contrário, somente o consorte que possuísse trabalho remunerado
seria o titular da íntegra do patrimônio alicerçado durante a sociedade
conjugal, entendimento que subverteria o sistema normativo relativo ao regime
patrimonial do casamento. De modo que o comando da incomunicabilidade deve ser
relativizado quando examinado em conjunto com os demais deveres do casamento;
pois, instituída a obrigação de mútua assistência e de mantença do lar por ambos
os cônjuges, não há como considerar isentas as verbas obtidas pelo trabalho
pessoal de cada um deles ou proventos e pensões tampouco como hábeis a formar
uma reserva particular. Conforme dispõe a lei, esses valores devem
obrigatoriamente ser utilizados para auxílio à mantença do lar da sociedade
conjugal. Assim, os proventos de aposentadoria como bem particular são excluídos
da comunhão apenas enquanto as respectivas cifras mantenham um caráter alimentar
em relação àquele consorte que as aufere. No entanto, suplantada a necessidade
de proporcionar a subsistência imediata do titular, as verbas excedentes
integram o patrimônio comum do casal e se comunicam, devendo ser incluídas entre
os bens a serem meados no inventário aberto em função da morte de um dos
cônjuges. REsp 1.053.473-RS, Rel. Min.
Marco Buzzi, julgado em 2/10/2012.
DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL HIPOTECADO POR CÉDULA
DE CRÉDITO RURAL. ANUÊNCIA DO CREDOR HIPOTECÁRIO.
O registro no cartório de imóveis da promessa de
compra e venda de imóvel hipotecado por meio de cédula de crédito rural exige a
prévia anuência por escrito do credor hipotecário. A hipoteca
de imóvel, tratada nos arts. 809 a 851 do CC/1916 e atualmente nos arts. 1.473 a
1.505 do CC/2002, não impede a alienação do bem, que é acompanhado pelo ônus
real em todas as suas alienações, considerando o direito de sequela. Porém, em
se tratando de hipoteca cedular, o art. 59 do Dec.-lei n. 167/1967 dispõe que “a
venda dos bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural depende de
prévia anuência do credor, por escrito”. Trata-se de norma específica que se
destina a disciplinar o financiamento concedido para o implemento de atividade
rural e, como tal, prevalece sobre a regra de caráter geral prevista no CC.
Dessa forma, como no direito brasileiro apenas mediante o registro no cartório
de imóveis da promessa de compra e venda celebrada com cláusula de
irrevogabilidade e irretratabilidade é que o comprador adquire direito real
sobre o imóvel (CC/2002, art. 1.417; Lei n. 4.591/1964, art. 32, § 2º), tal
providência não pode ser tomada enquanto não houver a anuência dos credores
hipotecários, nos específicos termos do art. 59 do Dec.-lei n. 167/1967.
Precedentes citados: REsp 1.291.923-PR, DJe 7/12/2011; AgRg no REsp
1.075.094-MG, DJe 28/2/2011; REsp 835.431-RS, DJe 1º/4/2009. REsp 908.752-MG, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 16/10/2012.
DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÓS
O TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO
PRODUTO.
O fornecedor responde por vício oculto de
produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural
gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo
decadencial de noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se
manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser
observado como limite temporal para o surgimento do defeito o critério de vida
útil do bem. O fornecedor não é, ad aeternum, responsável
pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita,
pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado
unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de
existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o
fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que
se tornaram evidentes depois desse interregno. Basta dizer, por exemplo, que,
embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal
de cinco anos nos termos do art. 618 do CC, não seria admissível que o
empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o construtor.
Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a hipótese de
garantia contratual. Deve ser considerada, para a aferição da responsabilidade
do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele
se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia, sejam eles
legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra
defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de
tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo,
tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa
mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde
sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa
categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos de fabricação
relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros,
os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo
de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma
característica oculta que esteve latente até então. Cuidando-se de vício
aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa
dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da
entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia
contratual. Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste
natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o
prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o
defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se
sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende "durável". A
doutrina consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário
– tem entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do
vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da
garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo
de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim,
independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por
durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de
configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da
boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de
consumo, sejam elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras,
descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do
contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma
legítima e razoável, fosse mais longo. Os deveres anexos, como o de informação,
revelam-se como uma das faces de atuação ou ‘operatividade’ do princípio da
boa-fé objetiva, sendo quebrados com o perecimento ou a danificação de bem
durável de forma prematura e causada por vício de fabricação. Precedente citado:
REsp 1.123.004-DF, DJe 9/12/2011. REsp 984.106-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
4/10/2012.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CEF. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
DO IMÓVEL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM.
A CEF possui legitimidade para responder por
vícios de construção nos casos em que promove o empreendimento, tem
responsabilidade na elaboração do projeto com suas especificações, escolhe a
construtora e/ou negocia os imóveis, ou seja, quando realiza atividade distinta
daquela própria de agente financeiro em estrito senso. As responsabilidades
contratuais assumidas pela CEF variam conforme a legislação de regência de cada
um dos programas em que ela atua e o tipo de atividade por ela desenvolvida. Em
cada um deles, a CEF assume responsabilidades próprias, definidas em lei,
regulamentação infralegal e no contrato celebrado com os mutuários. Os papéis
desenvolvidos em parceria pela construtora e pelo agente financeiro poderão
levar à vinculação de ambos ao "negócio da aquisição da casa própria", podendo
ensejar a responsabilidade solidária. Sendo assim, a legitimidade ad
causam é definida em função de elementos fornecidos pelo direito material.
Com efeito, a depender dos fatos narrados na inicial (causa de pedir), será
possível, em tese, identificar hipóteses em que haja culpa in eligendo
da CEF na escolha da construtora e do terreno, na elaboração e acompanhamento do
projeto, entre outras. Assim, quando realiza atividade distinta daquela própria
de agente financeiro em estrito senso, a CEF tem legitimidade para responder por
vícios de construção, justificando a sua integração ao polo passivo da relação
processual. REsp 1.163.228-AM, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
9/10/2012.
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