RESUMO. INFORMATIVO 804 DO STJ. 19 DE MARÇO DE 2024.
CORTE ESPECIAL
Processo
REsp 1.677.144-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Penhora. Meio físico ou eletrônico (Bacenjud). Valor correspondente a 40 (quarenta) salários mínimos. Caderneta de poupança. Presunção absoluta de impenhorabilidade. Conta-corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras. Necessidade de comprovação que se trata de reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial do indivíduo ou grupo familiar. Ônus da parte devedora.
DESTAQUE
Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia dos autos está em definir se é impenhorável a quantia depositada em conta-corrente do executado, até o limite de 40 salários-mínimos, nos termos do art. 833, X, do CPC (art. 649, X, do CPC/1973).
O art. 649, X, do CPC/1973, desde a sua introdução no Código de Processo Civil de 1973, vinha recebendo a orientação jurisprudencial cediça do STJ de que a regra da impenhorabilidade era limitada aos valores depositados em caderneta de poupança, consoante dicção expressa da lei.
A partir de 2014, todavia, alguns julgados do STJ passaram a adotar posição diametralmente oposta, no sentido de que "a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente as aplicações em caderneta de poupança, mas também as mantidas em fundo de investimentos, em conta corrente ou guardadas em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado de acordo com as circunstâncias do caso concreto" (REsp 1.582.264/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 28/6/2016).
A redação literal do Código de Processo Civil (tanto o de 1973 - art. 649, X - como o atual - art. 833, X) sempre especificou que é absolutamente impenhorável a quantia de até quarenta (40) salários mínimos aplicada apenas em caderneta de poupança.
No entanto, sucede que não é despropositado observar que realmente houve alteração na realidade fática das aplicações financeiras. Na cultura generalizada vigente nas última décadas do século passado, o cidadão médio quando pensava em reservar alguma quantia para a proteção própria ou de sua família, pensava naturalmente na poupança.
Hoje em dia, não é incomum verificar a grande expansão de empresas especializadas em atender a um crescente mercado voltado ao investimento no mercado financeiro, sendo frequente que um segmento social (ainda que eventualmente pequeno) relativamente privilegiado saiba muito bem que, atualmente a poupança é a aplicação que dá menor retorno.
Exatamente por essa razão, é de se reconhecer que o nome da aplicação financeira, por si só, é insuficiente para viabilizar a proteção almejada pelo legislador.
Assim, se considerar que a reserva de numerário mínimo, destinado a formar patrimônio necessário ao resguardo da dignidade da pessoa humana (aqui incluída a do grupo familiar a que pertence), constitui o fim social almejado pelo legislador, não seria razoável, à luz da Constituição Federal, consagrar o entendimento no sentido de proteger apenas a parte processual que optou por fazer aplicação em cadernetas de poupança, instituindo tratamento desigual para outros que, aplicando sua reserva monetária em aplicações com características e finalidade similares à da poupança, buscam obter retorno financeiro mais bem qualificado.
Ademais, o que se tem por razoável é considerar que a norma sobre a impenhorabilidade deve ser interpretada, à luz da CF/1988, sob a perspectiva de preservar direitos fundamentais, sem que isso autorize, entretanto, a adoção de interpretação ampliativa em relação a normas editadas com finalidade eminentemente restritiva (já que a impenhorabilidade constitui exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial), pois, em tal contexto, não haveria interpretação buscando compatibilizar normas jurídicas, mas construção de um ordenamento jurídico sustentado por sistema hermenêutico autofágico, em que uma norma aniquilaria o espírito e a razão de existir de outra.
A partir do raciocínio acima, conclui-se no sentido de que:
a) é irrelevante o nome dado à aplicação financeira, mas é essencial que o investimento possua características e objetivo similares ao da utilização da poupança (isto é, reserva contínua e duradoura de numerário até quarenta salários mínimos, destinado a conferir proteção individual ou familiar em caso de emergência ou imprevisto grave).
b) não possui as características acima o dinheiro referente às sobras que remanescem, no final do mês, em conta corrente tradicional ou remunerada (a qual se destina, justamente, a fazer frente às mais diversas operações financeiras de natureza diária, eventual ou frequente, mas jamais a constituir reserva financeira para proteção contra adversidades futuras e incertas).
c) importante ressalvar que a circunstância descrita anterior, por si só, não conduz automaticamente ao entendimento de que o valor mantido em conta corrente será sempre penhorável. Com efeito, deve subsistir a orientação jurisprudencial de que o devedor poderá solicitar a anulação da medida constritiva, desde que comprove que o dinheiro percebido no mês de ingresso do numerário possui natureza absolutamente impenhorável (por exemplo, conta usada para receber o salário, ou verba de natureza salarial).
d) para os fins da impenhorabilidade descrita acima, ressalvada a hipótese de aplicação em caderneta de poupança (em torno da qual há presunção absoluta de impenhorabilidade), é ônus da parte devedora produzir prova concreta de que a aplicação similar à poupança constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial ou a proteger o indivíduo ou seu núcleo familiar contra adversidades.
Em resumo, a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até quarenta (40) salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança.
Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), art. 649, IV
Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), art. 833, X
SEGUNDA SEÇÃO
Processo
AgInt no CC 185.622-RN, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO DO TRABALHO, DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Reclamação trabalhista proposta contra a Caixa Econômica Federal - CEF e a Fundação dos Economiários Federais - FUNCEF. Reimplantação do auxílio-alimentação pago em pecúnia. Reflexos previdenciários. Pedido que não se restringe à análise das regras da previdência complementar. Competência da Justiça do Trabalho e não da Justiça comum.
DESTAQUE
Compete à Justiça do Trabalho julgar reclamação trabalhista contra a CEF e FUNCEF, visando a reimplantação do auxílio-alimentação pago em pecúnia, bem como a complementação da aposentadoria, a fim de que reflita a inclusão da parcela salarial no benefício.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Não se aplica à hipótese a decisão do STF no RE n. 586.453/SE. Isso porque, no caso dos autos, foi ajuizada a reclamação trabalhista contra a Caixa Econômica Federal e a Fundação dos Economiários Federais, visando a reimplantação do auxílio-alimentação pago em pecúnia, bem como a complementação da aposentadoria, a fim de que reflita a inclusão da parcela salarial no benefício. Não se discute aqui valor pago por entidade de previdência privada (benefício previdenciário).
A ação foi ajuizada e distribuída, inicialmente, ao Juízo da Vara do Trabalho, ao argumento de que a causa de pedir é previdenciária, de modo que a solução da controvérsia deve ser julgada no âmbito da Justiça comum. Depois, os autos foram encaminhados ao Juízo de Direito da Vara Cível. Este, ao suscitar o presente conflito, entendeu que a solução da controvérsia trabalhista, com o reconhecimento do direito de receber o auxílio-alimentação, consubstancia-se prejudicial em relação ao exame da demanda previdenciária.
A jurisprudência desta Corte pacificou orientação no sentido de que a competência para processamento e julgamento é definida em razão do pedido e da causa de pedir e, no caso concreto, a causa de pedir envolve relação tanto trabalhista quanto previdenciária, uma vez que a reclamação trabalhista foi ajuizada visando a reimplantação do auxílio-alimentação, ante a natureza salarial da verba, estando, portanto, integrada ao contrato de trabalho.
Assim, embora o reclamante também pretenda a complementação da aposentadoria, em demanda autônoma, previdenciária, direcionada contra a FUNCEF, fica evidenciado que a demanda trabalhista é primária e de seu resultado depende, inclusive, a questão previdenciária. Desse modo, é competente a Justiça laboral para, dentro dos seus limites de jurisdição e dos limites impostos pela própria parte autora, apreciar e julgar a controvérsia.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
SÚMULAS
PRECEDENTES QUALIFICADOS
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 2.101.596-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 14/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO ELEITORAL
Tema
Ação de Cobrança. Alegação de violação de Resolução. Impossibilidade. Partido político. Serviços de propaganda eleitoral. Acordo. Renúncia à impenhorabilidade. Possibilidade. Dívida que se enquadra no art. 44, II, da Lei n. 9.096/1995.
DESTAQUE
O partido político pode renunciar à impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário, desde que o faça para viabilizar o pagamento de dívida contraída, conforme art. 44 da Lei n. 9.096/1995.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Os recursos do fundo partidário têm natureza pública, razão pela qual são impenhoráveis (art. 833, XI, do CPC). Ademais, eles somente podem ser destinados aos fins consagrados no art. 44 da Lei n. 9.096/1995. Ou seja, trata-se de verbas com vinculação específica.
A natureza pública dos recursos do fundo partidário não os torna indisponíveis, já que os partidos podem dispor dessas verbas em consonância com o disposto na lei. Assim, o partido político pode renunciar à proteção da impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário, desde que o faça para viabilizar o pagamento de dívida contraída para os fins previstos no art. 44 da Lei n. 9.096/1995.
No particular, no curso da ação de cobrança, as partes celebraram acordo, no qual o partido recorrente renunciou à impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário na hipótese de descumprimento da avença. Considerando que a dívida se enquadra no disposto no art. 44, II, da Lei n. 9.096/1995 ("propaganda doutrinária e política"), a renúncia é válida.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil (CPC), art. 833, XI
Lei n. 9.096/1995, art. 44
Processo
REsp 2.101.226-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 14/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Execução de título extrajudicial. Penhora de quotas sociais. Exercício do direito de preferência por sócio. Intimação da sociedade não realizada. Necessidade de intimação das partes e da sociedade.
DESTAQUE
Se um dos sócios manifestar interesse em adquirir as quotas antes da intimação da sociedade, cujas cotas foram penhoradas e da apresentação do balanço especial, incumbe ao juiz intimar exequente e executado para se manifestarem a esse respeito, bem como cientificar a sociedade, a fim de dar ciência aos demais sócios. Não havendo impugnação quanto ao valor ofertado, será viável o exercício imediato do direito de preferência.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal consiste em dizer se é possível o exercício do direito de preferência pelo sócio antes da intimação da sociedade cujas quotas foram penhoradas e da apresentação do balanço especial.
Uma vez penhoradas as quotas ou ações, o juiz fixará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses, e mandará intimar a pessoa jurídica, na pessoa do seu representante, para, dentre outras providências, apresentar balanço especial, na forma da lei, e oferecer as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual.
Todavia, se algum sócio manifestar seu interesse em adquirir as quotas ou ações penhoradas antes da intimação da sociedade, o juiz deverá intimar as partes do processo - exequente e executado - a respeito da proposta apresentada e deverá dar ciência à sociedade, para evitar burla a eventual direito de preferência convencionado no contrato social.
O art. 861, I, do CPC exige a apresentação de balanço especial pela sociedade para a definição do valor correspondente às quotas ou ações objeto de penhora. Entretanto, se credor e devedor anuírem com o montante indicado pelo sócio e não houver oposição, será viável o exercício imediato do direito de preferência pelo sócio interessado, procedendo-se à transferência das quotas ou ações à sua titularidade mediante termo nos autos (art. 880, § 2º, do CPC). Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 871, I, do CPC.
Se o montante ofertado pelo sócio for impugnado, será necessário aguardar o transcurso do prazo definido pelo juiz para apresentação do balanço especial pela sociedade (art. 861, I, do CPC). Mas, havendo requerimento de qualquer dos interessados, o juiz poderá dispensar o balanço especial e determinar a realização de avaliação judicial (art. 870 do CPC) se entender que tal medida se revela mais adequada. A avaliação judicial também será cabível se a sociedade se omitir ou se recusar a elaborar o balanço especial.
Nessa situação, as quotas ou ações deverão ser avaliadas para, na sequência, serem adjudicadas ou alienadas em leilão eletrônico ou presencial. Em atenção à previsão contida no art. 876, § 7º, do CPC, a sociedade deverá ser novamente intimada, a fim de que seja oportunizado aos sócios o exercício do direito de preferência mediante a adjudicação das quotas ou ações penhoradas.
O art. 861, § 5º, do CPC apenas autoriza o leilão judicial das quotas ou ações se nenhuma das medidas preconizadas em seus incisos tiver êxito. Todavia, esse dispositivo deve ser interpretado ampliativamente, em homenagem ao disposto no art. 797 do CPC e aos princípios da efetividade, da celeridade e da economia processual.
No caso, foram penhoradas ações ordinárias nominativas de sociedade, as quais são titularizadas por uma das executadas. Foi determinada a intimação da sociedade para apresentação do balanço especial, mas antes da sua perfectibilização, o recorrente (sócio) manifestou-se nos autos e postulou a transferência das quotas para si, o que foi indeferido. Entretanto, é descabido o indeferimento, de plano, do requerimento, devendo as partes e os demais sócios serem intimados para se manifestarem quanto à intenção da compra.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil (CPC), arts. 797, 835, IX, 870, 871, I, 876, § 7º e 880, § 2º
QUARTA TURMA
Processo
REsp 1.392.730-DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 5/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Reparação de danos. Acidente automobilístico. Resultado morte. Arts. 944 e 948, II, do Código Civil. Princípio da reparação integral do dano. Adstrição ao prejuízo sofrido. Compensação de vantagens com prejuízos. Pensão vitalícia do Estado. Status quo ante preservado.
DESTAQUE
O recebimento de pensão previdenciária não exclui a condenação do ofensor à prestação de alimentos indenizatórios, desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade ou não de cumular pensão vitalícia integral do Estado, em decorrência do óbito de seu companheiro, ocupante do cargo público, e a decorrente de ato ilícito causado por acidente automobilístico.
Não se ignora que as pensões indenizatórias têm causa jurídica distinta das pensões previdenciárias, embora ambas decorram do mesmo evento lesivo (morte ou incapacidade para o trabalho). Dessa forma, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, "o percebimento de outra pensão de natureza previdenciária não constitui óbice para o recebimento da pensão decorrente de ato ilícito (REsp 1.525.356/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 17/9/2015, DJe 2/12/2015).
Todavia, deve-se olhar a matéria sob o prisma do princípio da reparação integral do dano consagrado no art. 944 do Código Civil como definidor da indenização a ser suportada pelo agente. Assim, somente se justificará a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurar, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior.
No caso, não se controverte que há vínculo jurídico-econômico entre a falecida e o seu companheiro, porque presumível a dependência econômica entre cônjuges.
Resta estabelecer a ocorrência de prejuízo econômico efetivo, pois a concessão irrestrita de pensão a quem não necessita efetivamente de verba alimentar para recompor a renda familiar após o óbito representaria quebra ao princípio da reparação integral do dano, positivado no art. 944 do Código Civil, segundo o qual "a indenização mede-se pela extensão do dano".
Assim, o recebimento de pensão previdenciária não exclui a condenação do ofensor à prestação de alimentos indenizatórios, desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima.
No caso, ficou comprovado que não existiu a diferença patrimonial na renda familiar, pois a viúva recebe mesma quantia que a vítima receberia se viva fosse. Assim, somente se justificará a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurar, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior.
Ademais, houve culpa concorrente entre a vítima fatal e o réu no acidente que causou o óbito, o que deveria ser considerado no arbitramento de pensão alimentícia caso tivesse havido decréscimo na renda familiar. Nesse arbitramento também deveria ser levado em conta que parte da renda familiar seria destinada a manutenção do próprio companheiro falecido.
Dessa forma, como a companheira do falecido já recebe pensão integral paga pelo Estado decorrente do falecimento de seu companheiro, e não comprovou que ele exercesse alguma outra atividade que lhe proporcionasse renda extra, não há prejuízo a ser ressarcido sob o título de pensão alimentícia indenizatória (Código Civil, art. 948, II).
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código Civil (CC), arts. 944 e 948, II
Processo
REsp 1.880.358-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/2/2024, DJe 29/2/2024.
Ramo do Direito
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Tema
Recuperação judicial. Concessão. Quórum. Inobservância. Cram down. Requisitos Cumulativos. Não ocorrência. Deságio elevado. Rejeição do plano. Abuso do direito de voto. Inexistência.
DESTAQUE
Quando não restar comprovado o abuso de direito de voto por parte do credor que se manifestou contrário ao plano recuperacional, não é possível deferir a recuperação judicial sem a aprovação do plano pelo quórum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/2005 e sem o atendimento cumulativo de todos os requisitos do art. 58, § 1º, da referida lei, para a aplicação do cram down.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão jurídica controvertida versa sobre a configuração do abuso de direito pela rejeição do plano de recuperação judicial por credor com poder de veto, que sofreria deságio de 90% de seu crédito.
Desde logo, não se ignora precedente desta Corte no sentido de ser possível, em situações excepcionalíssimas, a concessão da recuperação judicial, ainda que não alcançado o quórum do art. 45 da Lei n. 11.101/2005 e sem o cumprimento cumulativo dos requisitos do art. 58, § 1º, a fim de evitar o abuso do direito de voto por alguns credores, visando a preservação da empresa.
Descabe, entretanto, transformar em regra a exceção. O cram down é, por si, medida excepcional, que existe com objetivo de superar impasses e permitir a continuidade da empresa, impondo aos credores divergentes um plano de recuperação judicial, ainda que não alcançado o quórum legal para sua aprovação. Justamente por excluir o voto divergente do credor, a Lei de Falência e Recuperação Judicial restringe o uso da ferramenta, exigindo o cumprimento cumulativo de três requisitos legais.
No caso, dos três requisitos legais exigidos, dois deles não foram cumpridos, quais sejam: (i) a exigência de voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes (art. 58, § 1º, I) e (ii) na classe que houver rejeitado o plano, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores (art. 58, § 1º, II). Some-se a isso o fato de que o Tribunal de origem reconheceu que "o deságio de 90% previsto para as classes II, III e IV é excessivo".
Considerando que na situação do banco recorrente, credor classe II, o deságio de 90% é mais expressivo do que para as classes III e IV, não é razoável exigir do credor, titular de cerca de 95% das obrigações passivas da devedora, que manifeste incondicional anuência na redução do equivalente a 90% de seu crédito, em benefício da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios interesses.
Logo, a manutenção da homologação do plano de recuperação judicial, sem o quórum de aprovação, sem o cumprimento dos requisitos legais cumulativos para aplicação do cram down e sem a demonstração do abuso de direito, viola os arts. 41, 45 e 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Lei n. 11.101/2005, arts. 41, 45 e 58, § 1º, I, II
Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Execução de alimentos. Prisão do devedor. Dosimetria do prazo de prisão civil. Fundamentação. Necessidade.
DESTAQUE
A decisão que decreta a prisão civil do devedor de alimentos deve ser fundamentada no tocante à dosimetria do prazo de encarceramento (entre 1 mês e 3 meses), notadamente quando se adotar prazo superior ao mínimo legal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A prisão civil é técnica executiva processual voltada a intimidar o devedor a cumprir, de forma célere e efetiva, o pagamento do débito alimentar. Como toda medida coercitiva, deve haver a devida justificativa para a sua adoção, notadamente porque se está no âmbito de direitos fundamentais do devedor executado, mais precisamente, o seu direito de liberdade e a sua dignidade humana.
Nessa perspectiva, o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos é medida obrigatória, seja quanto ao preenchimento dos requisitos - requerimento do credor; existência de débito alimentar que compreenda até 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução; não pagamento do débito em 3 dias; ausência de justificação ou de impossibilidade de fazê-lo (CPC, art. 528) -, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (1 a 3 meses) estabelecidos pela legislação.
Nos casos em que houver necessidade se adotar prazo superior ao mínimo legal, deve o magistrado fixar de forma individualizada, proporcional e razoável, o tempo de restrição da liberdade, estabelecendo critérios objetivos de ponderação. Deve-se levar em conta, por exemplo, a capacidade econômica do devedor e o valor da dívida; o comportamento do devedor (está de boa-fé, é mau pagador reincidente e outros); as características pessoais do devedor (como desemprego, nascimento de outro filho, alguma patologia grave etc.); as consequências advindas da inadimplência (internação hospitalar, abandono da escola, entre outros) etc.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO