RESUMO. INFORMATIVO 803 DO STJ.
CORTE ESPECIAL
Processo
EAREsp 1.501.756-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024.
Ramo do Direito
DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Relação de consumo. Repetição de indébito. Devolução em dobro. Parágrafo único do art. 42 do CDC. Requisito subjetivo. Dolo/má-Fé ou culpa. Irrelevância. Prevalência do critério da boa-fé objetiva.
DESTAQUE
A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbem exercitar o diálogo das fontes, de modo a - fieis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma - realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal.
Nesse sentido, a interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública, segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode "ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo." (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011).
In casu, o ato ilícito objeto do pedido de restituição em dobro decorreu da conduta da parte de fazer lançamentos a débito na conta da autora para pagamento de dívida alheia (cheques e parcelas de empréstimo). A presente controvérsia deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor.
O art. 42, parágrafo único, do CDC, dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Ou seja, demonstrado na relação de consumo o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, ressalvado se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável.
A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor, quando este cobra e recebe valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. Assim, a justificabilidade (ou legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva.
A Corte Especial do STJ definiu a questão no EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021, fixando a seguinte tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
Dessa forma, a regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. No caso em análise, contudo, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ, qual seja, o fato de o referido precedente ter modulado os efeitos da aplicação de sua tese, ficando estabelecido que, não obstante a regra geral, o entendimento fixado se aplica aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação do acórdão em 30.3.2021.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 42, parágrafo único
PRECEDENTES QUALIFICADOS
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 2.117.094-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 11/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Tema
Ação de cobrança. Contrato de cessão de quotas sociais. Condição suspensiva. Verificação ficta. Art. 120 do CC/1916 (art. 129 do CC/2001). Dolo específico. Inexigibilidade.
DESTAQUE
Ainda que se entenda que a verificação ficta da condição exige prova do dolo, por se tratar de fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, não está tal elemento associado a um específico resultado, mas somente à prática intencional dos fatos que deram ensejo à não implementação da condição.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia consiste em saber se a implementação ficta de condição, nos moldes do art. 130 do Código Civil de 1916, exige a demonstração de dolo específico.
O art. 120 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, preceitua o seguinte: "Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer." Norma semelhante foi reproduzida no Código Civil atual, que, em seu art. 129, também conferiu o mesmo tratamento para a situação inversa ao afirmar: "Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento."
De todo modo, ainda que se entenda que a verificação ficta da condição exige prova do dolo, por se tratar de fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, não está tal elemento associado a um resultado específico, mas somente à prática intencional dos fatos que deram ensejo à não implementação da condição, ou à implementação, na hipótese inversa.
Em precedente desta Corte Superior assinala-se que "(...) cuida-se de ficção legal, que condena o dolo daquele que impede ou força o implemento da condição em proveito próprio" (REsp 1.337.749/MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 6/4/2017). No referido julgado, entendeu o colegiado que, na situação hipoteticamente contemplada na referida norma, estaria compreendida "(...) a rescisão unilateral imotivada perpetrada pelo cliente, que configura, por óbvio, obstáculo ao implemento da condição estipulada no contrato de prestação de serviços advocatícios", ainda que o objetivo do mandante não fosse o de impedir o recebimento da verba honorária pelo mandatário, mas, sim, de promover a rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios.
Nesse sentido, o mesmo raciocínio deve ser empreendido no caso em análise. Ainda que o resultado pretendido pela empresa não fosse impedir o recebimento do valor adicional de R$ 1.500.000,00 pelo autor, foi o seu agir intencional (doloso), conforme apurado pelas instâncias ordinárias, que impediu o cumprimento do business plan no prazo de 3 (três) anos, a ensejar a aplicação do preceito legal em comento para considerar adimplida a condição suspensiva.
Sob tal perspectiva, o direito ao recebimento do valor adicional contratualmente previsto dependia apenas da comprovação de que as condutas atribuídas à ré impediram, de fato, o alcance da condição contratualmente estabelecida (atingimento das metas definidas no business plan), não importando quais eram os seus objetivos, se para evitar o pagamento do bônus ou para outra finalidade qualquer.
Vale também acrescentar que o direito ao recebimento do valor adicional não exige a comprovação de que a condição seria implementada no prazo de 3 (três) anos, mas, sim, de que as diversas condutas a ela atribuídas impediram a consecução dos objetivos traçados no plano de negócios.
Ademais, no caso, o direito ao recebimento do valor adicional não foi reconhecido somente com base na modificação unilateral do business plan, mas em diversos outros aspectos relacionados com a transferência de recursos humanos e operacionais de uma empresa para a outra e com a exclusão do autor da função gerencial e do próprio quadro societário, mesmo sem a comprovação dos fatos ilícitos a ele imputados, tudo isso somado à falta de comprovação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código Civil de 1916 (CC/1916), arts. 120 e 130
Código Civil de 2002 (CC/2002), art. 129
Processo
REsp 2.013.177-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024.
Ramo do Direito
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Tema
Ação de cobrança. Entidade fechada de previdência complementar. Resultado superavitário. Revisão obrigatória do plano de benefícios. Reversão de valores da reserva especial. Morte da assistida. Direito acumulado.
DESTAQUE
O espólio faz jus ao recebimento dos valores revertidos pela entidade fechada de previdência complementar, após a morte da beneficiária, por força dos superávits apurados nos exercícios anteriores a sua morte.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal é decidir sobre o direito do espólio ao recebimento dos valores da reserva especial revertidos pela entidade fechada de previdência complementar, após a morte da beneficiária, por força dos superávits apurados nos exercícios anteriores a sua morte.
Como a reserva especial é constituída pelo que excede ao necessário para a garantia dos benefícios contratados, a descaracterizar, portanto, a sua natureza previdenciária, a devolução desse valor excedente, quando cabível, deve ser feita aos que efetivamente contribuíram e na proporção do quanto contribuíram para a sua formação, em respeito ao seu direito acumulado.
Conclui-se, a partir da noção de acumulação ínsita à apuração do superávit do plano de benefícios, que o direito à reversão dos valores correspondentes à reserva especial se incorpora, gradualmente, ao patrimônio jurídico de quem contribuiu para o resultado superavitário, à medida em que há o decurso do tempo e se concretizam as demais exigências para a sua aquisição plena.
Hipótese em que, tendo a assistida contribuído para o superávit apurado e para a formação da reserva especial correspondente, faz jus, em respeito ao seu direito acumulado, à devolução, agora para o seu espólio, da fração que lhe correspondia dos valores efetivamente revertidos aos participantes/assistidos e ao patrocinador, após a revisão obrigatória do plano de benefícios aprovada pela Previc, a ser apurada em liquidação de sentença.
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