quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A MEDIDA PROVISÓRIA 764, QUE TRATA DE PREÇOS DIFERENCIADOS, A DEPENDER DA FORMA DE PAGAMENTO

Está gerando grandes debates jurídicos a Medida Provisória 764, de 26 de dezembro último, com teor abaixo transcrito, que autoriza a cobrança de preços diferenciados, a depender da forma de pagamento (dinheiro, cheque ou cartão).
Entre os consumeristas, existem argumentos consistentes contra a norma.  
De início, o seu conteúdo não poderia ser objeto de medida provisória, mas apenas de lei, devidamente debatida no Congresso Nacional.
Ademais, a norma contraria a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, sendo interessante transcrever os seguintes acórdãos, entre os mais recentes:
"CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AUTUAÇÃO PELO PROCON. LOJISTAS. DESCONTO PARA PAGAMENTO EM DINHEIRO OU CHEQUE EM DETRIMENTO DO PAGAMENTO EM CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA. CARTÃO DE CRÉDITO. MODALIDADE DE PAGAMENTO À VISTA. 'PRO SOLUTO'. DESCABIDA QUALQUER DIFERENCIAÇÃO. DIVERGÊNCIA INCOGNOSCÍVEL. 1. O recurso especial insurge-se contra acórdão estadual que negou provimento a pedido da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte no sentido de que o Procon/MG se abstenha de autuar ou aplicar qualquer penalidade aos lojistas pelo fato de não estenderem aos consumidores que pagam em cartão de crédito os descontos eventualmente oferecidos em operações comerciais de bens ou serviços pagos em dinheiro ou cheque. 2. Não há confusão entre as distintas relações jurídicas havidas entre (i) a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão de crédito (consumidor); (ii) titular do cartão de crédito (consumidor) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor); e (iii) a instituição financeira (emissora e, eventualmente, administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). 3. O estabelecimento comercial credenciado tem a garantia do pagamento efetuado pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos creditícios, incluindo possíveis fraudes. 4. O pagamento em cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação perante o fornecedor, pois este dará ao consumidor total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, implicando, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor. 5. A diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual. Exegese do art. 39, V e X, do CDC: 'Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...) X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços". 6. O art. 51 do CDC traz um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas, num 'conceito aberto' que permite o enquadramento de outras abusividades que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a preservar a boa-fé e a proteção do consumidor. 7. A Lei n. 12.529/2011, que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito da existência de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, bem como a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial (art. 36, X e XI). Recurso especial da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte conhecido e improvido". (STJ, REsp 1479039/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 16/10/2015)
"RECURSO   ESPECIAL.   ADMINISTRATIVO   E   PROCESSUAL   CIVIL.  AÇÃO DECLARATÓRIA  VISANDO  À  ANULAÇÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS POR PROCON  MUNICIPAL  ANTE  O  RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DO CONSUMIDOR PELA PRÁTICA DE PREÇOS DIFERENCIADOS PARA VÁRIAS ESPÉCIES DE  PAGAMENTO À VISTA: DINHEIRO, CHEQUE OU CARTÃO, DO MESMO PRODUTO. PRÁTICA ABUSIVA. CONFIGURADA. PRECEDENTES DO STJ: RESP 1.479.039/MG, REL. MIN. HUMBERTO MARTINS, DJE 16.10.2015 E RESP 1.133.410/RS, REL. MIN.  MASSAMI  UYEDA, DJE 7.4.2010. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A diferenciação de preço na mercadoria ou serviço para diferentes formas  de  pagamento à vista: dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza  prática  abusiva  no  mercado  de  consumo,  nociva  ao equilíbrio contratual e ofende o art. 39, V e X da Lei 8.078/90. 2.  Manutenção  das autuações administrativas realizadas pelo PROCON do  Municipal  de  Vitória/ES em face da referida prática abusiva do comerciante Recorrente em seu estabelecimento. 3. Precedentes de outras Turmas deste Tribunal Superior (REsp. 1.479.039/MG, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 16.10.2015 e REsp. 1.133.410/RS, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 7.4.2010). 4.   Recurso Especial do comerciante ao qual se nega provimento" (STJ, REsp 1.610.813/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016).
Estou totalmente alinhado aos argumentos constantes dos julgados. Tanto, que cito a cobrança de preços diferenciados como um dos exemplos atuais de aplicação do inciso V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, que elenca como prática abusiva a exigência de vantagem manifestamente excessiva do consumidor (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: GEN/Método, 5ª Edição, 2016, p. 480).
Poderiam os comerciantes transferir os valores relativos às taxas de administração do cartão de crédito para os consumidores? Penso que não, estando aqui a vantagem manifestamente excessiva, a configurar a ilegalidade da Medida Provisória.
Essa ilegalidade, em clara lesão aos direitos do consumidor, torna também sem sentido jurídico o conteúdo do parágrafo único do art. 1º da MP, que estabelece a nulidade absoluta da cláusula contratual que proíba ou restrinja a citada diferenciação de preços. Ora, cláusula abusiva haverá se existir previsão contratual dessa diferenciação, o que tem enquadramento no art. 51 do CDC, na linha do que reconhece o primeiro aresto antes transcrito. Conforme destacou o Ministro Humberto Martins em seu voto, "o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor traz rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas, num conceito aberto que permite o enquadramento de outras abusividades que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a preservar a boa-fé e a proteção do consumidor. Como bem reconheceu o Tribunal de origem, o lojista que, para mesmo produto ou serviço, oferece desconto ao consumidor que paga em dinheiro ou cheque em detrimento daquele que paga em cartão de crédito estabelece cláusula abusiva apta a transferir os riscos da atividade ao adquirente, lembrando-se que tal abusividade independe da má-fé do fornecedor".
Também é forte o argumento jurídico da existência de discriminação dos adquirentes, o que é vedado expressamente pela Lei n. 12.529/2011. O seu art. 36 elenca atos que constituem infração da ordem econômica, gerando responsabilização independentemente de culpa. Entre essas condutas, está previsto no § 3º, letra d, inciso X, do comando: "discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços". 
Para que a analisada Medida Provisória tivesse aplicação no Brasil, seria necessário revogar esse último diploma. E não se olvide, em complemento, que a igualdade entre os consumidores é um dos seus direitos básicos, expresso no inciso II do art. 6º do CDC, também atingido pela MP 764.
Ademais, será que, com a norma, os preços com pagamento em dinheiro vão diminuir ou os preços com pagamento via cartão de crédito irão aumentar? Acredito mais no segundo caminho, infelizmente, pela nossa realidade de mercado.
De toda sorte, há quem veja a regra com bons olhos, pois ela supostamente afastará do consumidor a cobrança dos juros abusivos praticados pelas administradoras de cartão de crédito, irá incentivar a economia e evitar o superendividamento.
Deixo, então, o tema para debate e para as devidas reflexões.
E um Feliz 2017 para todos. Melhor do que 2016, esperamos.
Professor Flávio Tartuce
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 764, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2016.
Dispõe sobre a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º  Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
Parágrafo único.  É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput.
 Art. 2º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data da sua publicação.
 Brasília, 26 de dezembro de 2016; 195º da Independência e 128º da República.
MICHEL TEMER
Eduardo Refinetti Guardia
Ilan Goldfajn
Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.12.2016 e republicado em 28.12.2016 

domingo, 25 de dezembro de 2016

E ENTÃO O STF DECIDIU O DESTINO DO ART. 1.790 DO CC? PARTE 2. ARTIGO DE JOSÉ FERNANDO SIMÃO.

E então o STF decidiu o destino do artigo 1.790 do CC? (parte 2)
Fonte: CONJUR.
Por José Fernando Simão. Professor da Faculdade de Direito da USP. Livre-docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela USP. Advogado e consultor jurídico.
“To be or not to be, that is the question”
Em nossa última coluna nesta ConJur, analisava eu os argumentos contidos no voto do Ministro Barroso (RE 878.694/MG) para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC.
O primeiro argumento foi que (a) não é legítimo desequiparar casamento e união estável para fins sucessórios, pois a hierarquização é incompatível com a Constituição Federal. Vamos ao segundo argumento.
(b) “Diferenciação legítima ou arbitrária, eis a questão”
O voto reconhece que a ampliação do conceito de família não implicou equiparação absoluta entre casamento e união estável. Diferenças existem quanto à criação, comprovação e extinção. Logo, é possível que o legislador crie regimes diferentes para os institutos. A diferença não é, por si, inconstitucional.
Contudo, a questão é saber se a diferenciação é legítima ou arbitrária (item 42 do voto). Segundo o Ministro Barroso, são esses adjetivos que caracterizarão a inconstitucionalidade: se a diferenciação for legítima ela é constitucional, mas se arbitrária será inconstitucional. O Ministro exemplifica como legítima a diferença quanto aos requisitos para comprovação dos institutos (item 44).
Então vem a questão: como podemos saber se a diferenciação feita pela lei é ou não arbitrária? A dúvida de Hamlet passa a ser a dúvida de todos os juízes ao aplicarem o Código Civil e demais leis em matéria de união estável.
Da leitura do voto do Ministro Barroso percebe-se uma linha condutora. Só é constitucional a diferença quando da criação, comprovação e extinção, logo, em termos de efeitos, união estável e casamento não podem ser diferenciados, sob pena de arbitrariedade e consequente inconstitucionalidade.

b.1) Diferenças na criação são legítimas, logo constitucionais
O casamento passa pelo ritual de habilitação, celebração e registro no livro B do Registro Civil e a união estável é um simples fato da vida: união pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família. É legítima e constitucional a diferença.
Assim, não se exige “procedimento de habilitação” para os companheiros iniciarem sua união estável, nem que ocorra “celebração da união estável”, muito menos seu registro no livro E do do Registro Civil. A criação da união estável prescinde de contrato escrito.
b.2) Diferenças na comprovação são legítimas, logo constitucionais
O casamento se comprova pela certidão de casamento, já que este é registrado no livro B do Registro Civil. A certidão é a prova essencial de sua existência. Já a união estável pode ser comprovada por simples prova testemunhal, por contrato escrito ou mesmo escritura pública.
É verdade que mesmo o casamento admite a prova do estado de casado em casos de perda ou destruição do livro em que o casamento está registrado. Nessa hipótese, os cônjuges conjunta ou isoladamente podem promover uma ação para provarem a existência do casamento e seu início.
Também deve-se frisar que com os avanços tecnológicos no sistema registral e notarial dificilmente essa situação se verifica na atualidade, mormente para os casamentos mais recentes. Essas diferenças são constitucionais.
b.3) Diferenças na extinção são legítimas, logo constitucionais.
O casamento válido só termina pela morte de um do cônjuges (velho adágio pelo qual mors omnia solvit), pela invalidade (seja o casamento reconhecido como nulo ou anulável) ou pelo divórcio.
A separação de fato não põe fim ao casamento. Isso não significa dizer que a separação de fato não produz qualquer efeito. O STJ há algum tempo reconhece que a separação de fato põe fim ao regime de bens e aos deveres dos cônjuges, mormente a fidelidade conjugal.
Aliás, o próprio CC reforça a importância da separação de fato ao permitir a união estável de pessoas que se encontram nessa situação (art. 1.723, p. único do CC).
Todavia, se divórcio não hover não será possível novo casamento, sob pena de bigamia (art. 1.521, VI do CC). Assim, é a sentença ou escritura pública de divórcio que põe fim ao casamento. Seus efeitos são ex nunc, não retroativos.
Já a união estável, como simples relação de fato, começa e termina de maneira informal. A separação de fato põe fim à união estável e se decisão judicial houver, apenas declara um fato já ocorrido. Seus efeitos são ex tunc, logo retroativos. Essas diferenças são constitucionais.
b.4) Diferenças quanto aos efeitos são ilegítimas, logo inconstitucionais
A aparente simplicidade da questão até o momento não deve iludir o leitor. A partir de agora, vem um cipoal, uma emaranhado de problemas que decorrem do voto do Ministro Barroso.
Em matéria de efeitos, o CC desiguala em diversos dispositivos a união estável do casamento, o que então conduziria à inconstitucionalidade dos dispositivos a saber:
i) Todas as regras sucessórias aplicáveis aos cônjuge se aplicam aos companheiros.
Assim, na redação do artigo 1.829, onde se lê atualmente “cônjuge” se lerá “cônjuge ou companheiro”. Essa leitura se espraia por todo o livro de Sucessões.
Dúvida não há que cônjuge e companheiro terão direito real de habitação em caso de falecimento do outro (art. 1.831 do CC).
Todos os dispositivos de concorrência sucessória se aplicam igualmente aos companheiros: art. 1.832 (concorrência com descedentes) e art. 1837 (concorência com ascendentes). O companheiro exclui o colateral da sucessão (art. 1.838). Assim, o cônjuge e o companheiro são herdeiros necessários fazendo jus à legítima (art. 1.845 do CC).
O companheiro retorna à situação sucessória existente antes da vigência do CC/02 em que tinha idênticos direitos sucessórios se comparados aos cônjuges.
ii) A presunção pater is est do artigo 1.597 se aplica à união estável. O filho da mulher casada ou da companheira se presume filho de seu marido ou companheiro a partir da decisão do STF.
Assim, basta que a companheira leve ao Registro Civil seu contrato de união estável, por instrumento público ou particular, para que a presunção se aplique.
O leitor, já em pânico, pode se perguntar: e se a união estável já tiver sido dissolvida, ou se o contrato for falso, como fica a paternidade? Caberá ao pai impugná-la, pois se trata de presunção simples.
Aliás, mesmo problema ocorre com o casamento. Se os cônjuges estiverem separados de fato a presunção relativa poderá ser afastada pelo marido em ação própria.
iii) A outorga conjugal se aplica também à união estável, pois seria arbitrária a sua exigência apenas para o casamento
Como a união estável pode nascer sem qualquer instrumento que a comprove, temos que distinguir as situações fáticas. Se as pessoas se declaram eum união estável, as regras da outorga uxória e marital se aplicam in totum a elas, nos exatos termos do art. 1.647 do CC. É o caso de uma aquisição de imóvel em que o vendedor se declara “solteiro em união estável”.
Se houver um contrato de união estável ou sentença registrados no 1º Registro Civil de Pessoas Natural, em seu livro E, os efeitos são idênticos[1].
Se a união estável não contar com essa comprovação documental, se for simplesmente um fato da vida, haverá sim a incidência das regras referentes à outorga conjugal, mas não perante terceiros de boa-fé, que desconheçam a existência de união estável. Seus efeitos se limitam à relação entre os companheiros.
iv) Quanto ao contrato de união estável temos a regra do art. 1.725 pela qual as partes devem convencioná-lo por escrito, seja por escritura pública, seja por instrumento particular. Para o casamento, o pacto antenupcial terá sempre a forma pública (art. 1.653).
Com a decisão do STF sobre diferenças legítimas e arbitrárias, não há razão para se permitir uma forma menos rígida (instrumento particular) para a união estável e outra mais rígida (escritura pública) para o casamento.
O contrato de união estável necessitaria da forma pública para ter validade, já que a diferença é arbitrária, logo inconstitucional.
Resta uma questão: a mudança de regime de bens no casamento exige um procedimento judicial e determinados requisitos (art. 1639, par. 2º do CC). O mesmo se aplicaria aos companheiros que pretendessem alterar seu regime de bens? A questão exigirá reflexão mais profunda que será feita em momento futuro.

[1] Provimento 37 do CNJ.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

MEDIDA PROVISÓRIA INTRODUZ O DIREITO REAL DE LAJE NO CÓDIGO CIVIL.

MEDIDA PROVISÓRIA 759, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2016.
Prezados Leitores do Blog.
Foi editada Medida Provisória pelo Presidente da República, alterando o último inciso do art. 1.225 do Código Civil e introduzindo expressamente, como direito real, o direito de laje, tema tratado por alguns civilistas, caso dos Professores Ricardo Pereira Lira e Rodrigo Mazzei.
Abaixo o texto alterado e a nova regra do art. 1.510-A do Código Civil, regulamentando a categoria.
Bons estudos.
Professor Flávio Tartuce
DO DIREITO REAL DE LAJE 
Art. 25.  A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações: 
“Art. 1.225.  ...............................................................
..........................................................................................
XII - a concessão de direito real de uso; e  
XIII - a laje.
...............................................................................” (NR) 
TÍTULO XI
CAPÍTULO ÚNICO 
Art. 1.510-A.  O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. 
§ 1º  O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.  
§ 2º  O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original. 
§ 3º  Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades. 
§ 4º  O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. 
§ 5º  As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.  
§ 6º  A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.  
§ 7º  O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.  
§ 8º  Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.” (NR) 
Art. 26.  Na Reurb, as unidades imobiliárias autônomas situadas em uma mesma área, sempre que se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos, poderão ser regularizadas por meio da instituição do direito real de laje, previsto no art. 1.510-A da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil.  

domingo, 18 de dezembro de 2016

VEÍCULOS INTELIGENTES EXIGEM UM NOVO DIREITO. ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Veículos inteligentes exigem um novo direito

JONES FIGUEIRÊDO ALVES

FRANKFURT (DE) – O grande debate jurídico deste final de ano, na Alemanha, situa-se no processo judicial que será julgado pelo Tribunal Federal de Justiça alemão (Bundesgerichtshof, BGH), sediado em Karlsruhe, sobre os veículos eletrônicos de direção autônoma e inteligente. Veículos sem necessidade de postura ativa do motorista ou até sem a sua presença, com controle inteiramente automatizado, serão capazes mediante tecnologia avançada, de circularem no transito urbano ou em rodovias, usando sensores de pistas e outros mecanismos de interação através de “softwares” sofisticados.
Diversas repercussões jurídicas serão colocadas em análise, pela mais elevada Corte de Justiça de jurisdição ordinária no pais, diante dos futuros modelos de veículos inteligentes que pensarão por si sós, dispensando o agir humano e assumindo decisões preordenadas. Muitas delas suscetíveis de não serem as melhores, porquanto determinadas situações de risco ou de acidentes iminentes exigirem opções decisórias sob o relevo da ponderação humana em trato especifico da dinâmica de cada evento.
Em contraponto, inúmeros acidentes decorrentes de falhas humanas poderão ser evitados, com a mobilidade inteligente e segura no manejo computadorizado dos veículos, adotadas as velocidades compatíveis, a prevenção e o alerta dos riscos e as avaliações técnicas do trânsito.
A importância do julgamento ganha maior significado quando inexistente na Alemanha, e nos demais países europeus, legislação a respeito de veículos robóticos ou elétricos que, dispondo de sensores de navegação completa e de planejamento programado de rotas, entre outras tecnologias avançadas, apresentem a sua circulação autônoma, independente da ação humana.
Em hipóteses variáveis de acidentes de trânsito, como dirimir, então, questões jurídicas, simples ou complexas? Exemplificam-se as de (i) responsabilidade civil pelo dano, atribuível ao proprietário do veículo, ao seu fabricante ou, ainda, às centrais computadorizadas do sistema de tráfego; (ii) a responsabilidade penal nos acidentes com vítimas; (iii) a ponderação de interesses, em suposta preservação dos envolvidos no acidente, quando o “software” não exercitar a melhor escolha ou a escolha devida, entre outras questões.
Atuará, agora, a Corte de Justiça alemã, equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma de suas mais importantes competências, a da colmatação normativa, ou seja, no emprego de uma integração normativa face a lacuna da lei para oferecer, no caso concreto, as soluções pontuais ainda não reguladas. O preenchimento jurisdicional das lacunas normativas, no plano dessa nova realidade tecnológica, servirá de orientação ao legislador que cumprirá dissolver, em definitivo, as lacunas existentes.  
Enquanto isso, os veículos inteligentes já se acham em testes bem-sucedidos, o que levarão ao seu implemento efetivo, na Europa, até 2020. Aliás, carros autônomos da empresa nuTonomy (equivalente ao Uber) já circulam em Cingapura, desde setembro passado, como táxis-robôs.
De fato. O carro do futuro, com seus novos conceitos, está a caminho em via de circulação rápida e sua tecnologia desafia o direito a se posicionar, com segurança e acertada contribuição, ao volante de melhores leis.





DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO (TJPE). MESTRE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CLÁSSICA DE LISBOA (FDUL).




sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

COBRANÇA PELO DESPACHO DA BAGAGEM EM VOOS É CLARAMENTE ABUSIVA


COBRANÇA PELO DESPACHO DA BAGAGEM EM VOOS É CLARAMENTE ABUSIVA



Flávio Tartuce[1]




A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) aprovou, no último dia 13 de dezembro de 2016, nova norma que regula as condições gerais do transporte aéreo. Trata-se da Resolução n. 400, que traz em seu conteúdo a permissão para que as companhias aéreas cobrem, separadamente, pelo despacho da bagagem dos passageiros, regra que passa a valer para as passagens vendidas a partir de 14 de março de 2017. Segundo a Agência, as novas regras visam a adequar o País às principais normas internacionais, bem como almejam a redução dos preços das passagens.
Apesar do último argumento, o próprio superintendente para serviços aéreos da ANAC declarou à imprensa que não existem garantias para que os preços sejam reduzidos, diante da existência de outros fatores, como a grave crise econômica que atinge o Brasil e a alta do dólar frente ao Real.
Pois bem, acreditamos que existem argumentos jurídicos sólidos e consistentes para que a medida seja imediatamente afastada por decisões judiciais, com o manejo de ações coletivas pelos órgãos competentes, ou por outros mecanismos legítimos.
O primeiro argumento é que a norma afasta as regras de tráfego, consolidadas no meio social e jurídico brasileiro e que geraram, durantes anos, justas e plausíveis expectativas aos passageiros. Não se olvide, nesse contexto, que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração, conforme está expresso no art. 113 do Código Civil, preceito que incide não só na ausência de regras específicas, mas também quando estas existem. Não cabe, entre nós, o argumento de que o País deve se adequar à realidade internacional, pois o Brasil tem a sua própria realidade social e jurídica. Ademais, a "tese" de adequação internacional  diz respeito às viagens de baixo custo (low cost), em que as bagagens são cobradas em separado, o que, definitivamente, não se aplica às companhias áreas brasileiras. Na Europa, uma viagem nesse padrão custa, em média, 30 euros, enquanto uma ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo tem o valor médio de 300 reais.
Como segundo argumento, é da essência do transporte de pessoas que as bagagens estejam incluídas no valor total do contrato, aplicando-se o princípio da gravitação jurídica, segundo o qual o acessório segue o principal. A propósito, ao definir o negócio, estabelece o art. 730 do Código Civil que pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Em complemento, quanto à responsabilidade do transportador, esta inclui não só a integridade do passageiro, mas também da sua bagagem, conclusão retirada do art. 734 da mesma codificação privada, in verbis: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”. Fica claro, portanto e pela nossa legislação, o sentido da inclusão dos bens móveis que acompanham o passageiro, o que também é retirado da afirmação constante na doutrina e na jurisprudência nacionais quanto a ter o transportador uma obrigação de resultado, de levar o passageiro e suas bagagens, conjuntamente, ao destino com segurança.
O art. 13 da Resolução n. 400 traz um conteúdo que quebra com essa estrutura única contratual, consolidada em anos de nossa tradição jurídica. Conforme o diploma, "o transporte de bagagem despachada configurará contrato acessório oferecido pelo transportador". Ora, não existem dois contratos, o que pode ser claramente notado pelos dispositivos do Código Civil aludidos. Há um único negócio jurídico, qual seja o de transporte de pessoas, sendo a obrigação de também transportar as bagagens uma prestação acessória do mesmo contrato. Não poderia uma mera resolução alterar uma estrutura criada pelos usos e costumes, e adotada expressamente pela lei.
Além disso, a cobrança em separado viola a função social do contrato, princípio de ordem pública expresso nos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil. Nota-se que a malfadada norma da ANAC ampliou o limite da bagagem de mão para 10 kg, sem que os aviões e as companhias aéreas, especialmente nos voos nacionais, tenham estrutura para acomodar as malas de todos os passageiro na parte superior. Por certo, haverá um movimento natural de não se despachar mais as bagagens, acomodando-as nos bagageiros superiores das aeronaves. Quem tem o costume de viajar internamente já pode prever o caos que se aproxima! Assim, pensamos que, socialmente, a norma representa um desserviço para a coletividade, podendo inclusive comprometer a segurança dos passageiros.
Como quarto argumento, a cobrança em separado das passagens gera enriquecimento sem causa das companhias aéreas, ato unilateral vedado expressamente pelo art. 884 do Código Civil. Tal cobrança, salvo melhor juízo, somente seria possível se houvesse, já  de antemão, um amplo compromisso das companhias áreas — com atuação dos órgãos competentes, especialmente do Ministério Público Federal — de redução dos valores. E, como se vê, tal compromisso prévio não existe.
O quinto e principal argumento diz respeito à violação de preceitos do Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e interesse social, com fundamento no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal. De início, cite-se o desrespeito ao art. 4º, inciso III, da Lei n. 8.078/1990, que estabelece como um dos fundamentos da Política Nacional das Relações de Consumo o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, o que está sendo claramente quebrado, pois os primeiros estão sendo colocados em situação de onerosidade excessiva.
Sem prejuízo dessa norma, a ANAC está desrespeitando o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, que veda, como prática abusiva, a conduta de exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. As passagens áreas no Brasil já têm valores excessivos, com serviços que são notoriamente conhecidos como ruins. Cobrar o despacho da bagagem fará com que aquilo que já pode ser considerado abusivo passe a ser extorsivo. Sem prejuízo dessas normas, com a resolução da ANAC, os contratos de transporte aéreo passam a ter, por imposição estatal e dirigista, cláusulas abusivas, em violação a vários incisos do art. 51 do mesmo Código Consumerista. Cite-se, somente a ilustrar, o inciso IV (que veda a cláusula-lesão, que coloca o consumidor em situação de desvantagem exagerada) e o inciso X (que proíbe a imposição de preço aos consumidores de forma unilateral).
Como palavras finais, acreditamos que a ANAC não está cumprindo a sua função institucional, que é de harmonizar o sistema social e econômico, buscando o equilíbrio entre a tutela do mercado e dos consumidores. Há, assim, claro desrespeito ao mandamento previsto no art. 170 do Texto Maior. A Constituição Federal de 1988 visa, nesse comando, a proteção da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social e observados os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor. Entendemos que houve uma preocupação com o primeiro princípio, mas não com o segundo. Imperioso, assim, que a infeliz norma não tenha aplicação em nosso País.


[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP (Faculdade Autônoma de Direito, em São Paulo). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. Autor, entre outras obras, da coleção Direito Civil, sem seis volumes, e do Manual de Direito do Consumidor, pela Editora GEN. 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

RESUMO. INFORMATIVO 593 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 593 DO STJ.


SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.469.087-AC, Rel. Min. Humberto Martins, por unanimidade, julgado em 18/8/2016, DJe 17/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Concessão de serviços aéreos. Transporte aéreo. Serviço essencial. Cancelamento de voos. Abusividade. Dever de informação ao consumidor.

DESTAQUE
O transporte aéreo é serviço essencial e pressupõe continuidade. Considera-se prática abusiva tanto o cancelamento de voos sem razões técnicas ou de segurança inequívocas como o descumprimento do dever de informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O debate diz respeito à prática no mercado de consumo de cancelamento de voos por concessionária de sem comprovação pela empresa de razões técnicas ou de segurança. As concessionárias de serviço público de transporte aéreo são fornecedoras no mercado de consumo, sendo responsáveis, operacional e legalmente, pela adequada manutenção do serviço público que lhe foi concedido, não devendo se furtar à obrigação contratual que assumiu quando celebrou o contrato de concessão com o Poder Público nem à obrigação contratual que assume rotineiramente com os consumidores, individuais e (ou) plurais. Difícil imaginar, atualmente, serviço mais "essencial" do que o transporte aéreo, sobretudo em regiões remotas do Brasil. Dessa forma, a ele se aplica o art. 22, caput e parágrafo único, do CDC e, como tal, deve ser prestado de modo contínuo. Além disso, o art. 39 do CDC elenca práticas abusivas de forma meramente exemplificativa, visto que admite interpretação flexível. As práticas abusivas também são apontadas e vedadas em outros dispositivos da Lei 8.078/1990, assim como podem ser inferidas, conforme autoriza o art. 7º, caput, do CDC, a partir de outros diplomas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiros. Assim, o cancelamento e a interrupção de voos, sem razões de ordem técnica e de segurança intransponíveis, é prática abusiva contra o consumidor e, portanto, deve ser prevenida e punida. Também é prática abusiva não informar o consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. A malha aérea concedida pela ANAC é uma oferta que vincula a concessionária a prestar o serviço concedido nos termos dos arts. 30 e 31 do CDC. Independentemente da maior ou da menor demanda, a oferta obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e a informar o consumidor.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.631.874-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação de abstenção de uso de marca. Marco inicial da prescrição.

DESTAQUE
A pretensão de abstenção de uso de marca nasce para seu titular com a violação do direito de utilização exclusiva.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Controvérsia que se pautou em definir o termo a quo do prazo prescricional da pretensão de abstenção de uso de marca. Decidiu-se que, como a regra insculpida no art. 189 do CC/2002 estabelece que a pretensão nasce para seu titular quando violado o direito subjacente, infere-se que, tratando-se de abstenção de uso de marca, a pretensão surge a partir do momento em que se constata que o direito de utilização exclusiva foi ofendido por ato de terceiro. No caso concreto, havendo expressa manifestação de interesse da titular do direito de uso exclusivo em cessar os efeitos da autorização, a partir da data assinalada como termo final de vigência da liberalidade é que o uso da marca pela autorizada passou a representar violação ao direito de exclusividade, momento em que, via de consequência, nasceu a pretensão inibitória.

PROCESSO
REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação de usucapião extraordinária para aquisição da propriedade de coisa móvel. Registro no órgão de trânsito. Ausente. Limitação dos direitos da propriedade. Interesse de agir. Existência.

DESTAQUE
Possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária aquele que tem a propriedade de veículo registrado em nome de terceiros nos Departamentos Estaduais de Trânsito competentes.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a discussão a definir se a recorrente possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária, com a finalidade de reconhecimento do domínio de veículo e regularização do registro de propriedade junto ao órgão de trânsito correspondente. De fato, a ação de usucapião extraordinária, fundamentada no art. 1.261 do Código Civil, pressupõe a posse da coisa móvel por cinco anos independentemente de justo título ou boa-fé, e tem por objeto a declaração de aquisição da propriedade. A singularidade da hipótese reside na conjugação da disciplina da usucapião extraordinária com as regras relativas à transferência de propriedade de bem móvel. A respeito da questão, de acordo com o art. 1.267 do Código Civil, presume-se proprietário de bem móvel aquele que lhe detém a posse, pela simples razão de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição. A despeito dessa regra geral, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito correspondente limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem. Dessarte, para a formalização da aquisição do domínio, bem como o exercício pleno da propriedade nos casos de veículos registrados em nome de terceiros, é indispensável que o possuidor proponha ação própria contra aquele em cujo nome a propriedade se encontre registrada. Outrossim, apesar de se observar a posse direta do bem, aquele que a detém terá de elidir a cadeia sucessória dos antigos proprietários, além dos sucessores do proprietário constante dos registros do DETRAN, para exercer a propriedade plena do veículo em questão. Sob esse prisma, a ação de usucapião poderá ser utilizada para o fim pretendido com o fito de possibilitar a transferência administrativa do veículo no órgão de trânsito.

PROCESSO
REsp 1.577.229-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Pretensão de reparação baseada na garantia da evicção. Prazo prescricional. Definição.

DESTAQUE
A pretensão deduzida em demanda baseada na garantia da evicção submete-se ao prazo prescricional de três anos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida girou em torno da definição do prazo prescricional aplicável à pretensão de ressarcimento pela evicção.  Uma vez que o ordenamento jurídico não prevê expressamente o prazo prescricional da pretensão indenizatória em decorrência da evicção, a questão é saber sobre a possível incidência do prazo especial – três anos – insculpido no art. 206, § 3º, IV ou V, do CC/02, ou do prazo geral – dez anos – previsto no art. 205 do mesmo diploma legal. A Segunda Seção, recentemente, se manifestou sobre o tema no julgamento do REsp 1.360.969/RS (julgado em 10/8/2016, DJe de 19/9/2016), realizado pela sistemática dos recursos repetitivos, ficando assentado nos fundamentos do acórdão que “não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre direito pessoal”. E mais, que “no atual sistema, primeiro deve-se averiguar se a pretensão está especificada no rol do art. 206 ou, ainda, nas demais leis especiais, para só então, em caráter subsidiário, ter incidência o prazo do art. 205”. Na esteira desse entendimento, convém salientar que a garantia por evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial, que impõe ao alienante, dentre outras consequências, a obrigação de reparar as perdas e os danos eventualmente suportados pelo adquirente evicto. Daí se infere que, independentemente do seu nomen juris, a natureza da pretensão deduzida é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual, seguindo a linha do precedente supramencionado, submete-se ao prazo prescricional de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02.

PROCESSO
REsp 1.626.020-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Previdência Complementar Privada. Recebimento de valor a maior por erro da entidade. Devolução. Impossibilidade. Boa-fé do assistido.

DESTAQUE
Os valores recebidos de boa-fé pelo assistido, quando pagos indevidamente pela entidade de previdência complementar privada em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do regulamento, não estão sujeitos à devolução.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A discussão ora destacada diz respeito à possibilidade ou não de abatimento na complementação de aposentadoria de valores pagos a maior por erro da própria entidade de previdência privada. Na Previdência Pública, o entendimento já pacificado é de que os valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude de erro imputável ao INSS, a exemplo de equívoco na interpretação ou na aplicação da lei, não estão sujeitos à repetição, máxime em face da natureza alimentar da verba, afastando-se a tese de enriquecimento ilícito. Desse modo, a Autarquia Previdenciária, após constatar o pagamento errôneo de valores, pode efetuar a correção do ato administrativo e suspender novos pagamentos, mas não promover o abatimento das importâncias indevidamente recebidas pelo beneficiário se ele estava de boa-fé, mesmo porque não pode ser prejudicado por algo que não deu causa. Nesse contexto, apesar de os regimes normativos das entidades abertas e fechadas de previdência complementar e da Previdência Social diferirem entre si, possuindo cada qual especificidades intrínsecas e autonomia em relação à outra, o mesmo raciocínio quanto à não restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista e com aparência de definitividade deve ser aplicado, a harmonizar os sistemas. Ambos os benefícios se regem pelo postulado da boa-fé objetiva, a resultar, nesse aspecto, na inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do caráter legal e definitivo da quantia recebida administrativamente. Cumpre esclarecer que a hipótese dos autos é diversa daquelas envolvendo a devolução de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, pois, nestes casos, prevalecem a reversibilidade da medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação do enriquecimento sem causa.

PROCESSO
REsp 1.622.331-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 8/11/2016, DJe 14/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Sucessão. Herança. Aceitação tácita. Impossibilidade de renúncia posterior ao ajuizamento de ação de inventário e arrolamento de bens.

DESTAQUE
O pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão abordada no recurso especial cingiu-se a analisar se o pedido de abertura de inventário e arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança. Inicialmente, cabe destacar que a referida demanda foi ajuizada em conjunto pelo pai e irmão da falecida, sendo que o genitor veio a óbito 30 dias após a realização do ato. Em virtude desse fato, o inventariante, filho do falecido e irmão da pré-morta, formulou o pedido de renúncia em nome do genitor à herança da falecida. Com efeito, impõe-se o reconhecimento tácito da aceitação da herança da filha pré-morta visto ter ocorrido a regularização processual no inventário por parte do seu genitor, que veio a falecer 30 (trinta) dias após o ingresso da referida ação. A sua aceitação infere-se da prática de um ato próprio de quem se reputa herdeiro e demonstra de forma concludente sua intenção em aderir à herança. O exercício do direito pela via judicial conferiu a qualidade de herdeiro ao pai do recorrente.

PROCESSO
REsp 1.444.008-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Internet. Comércio eletrônico. Provedor de pesquisa. Intermediação não caracterizada. Vício da mercadoria ou inadimplemento contratual. Ausência de responsabilidade.

DESTAQUE
O provedor de buscas de produtos à venda on-line que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O cerne da insurgência apreciada pelo STJ limitou-se a definir se, no comércio eletrônico – isto é, nas compras realizadas na internet –, há responsabilidade solidária, nos termos do art. 7º do CDC, entre o vendedor do produto e o provedor de serviços de buscas de mercadorias à venda on-line. Nesse contexto, cabe destacar que o serviço prestado pela recorrente (Shopping Uol) é um mecanismo de busca orientado ao comércio eletrônico, em que é possível encontrar os produtos e serviços vendidos em ambiente virtual, bem como realizar comparações de preços entre eles, sem realizar qualquer intermediação entre consumidor e vendedor. Da mesma forma que os provedores de busca na internet, apesar da evidente relação de consumo que se estabelece entre a recorrente e aqueles que utilizam seu serviço, a responsabilidade pelas compras de produtos e mercadorias expostos nos resultados deve ser limitada à natureza da atividade por ela desenvolvida. Essa análise do modo como o serviço é prestado na internet é de importância fundamental para se identificar as hipóteses de responsabilidade em cada situação, pois são muitos os modelos de negócios que existem em ambiente virtual. Nesse ponto, portanto, há de ser feita uma distinção fundamental para este julgamento. De um lado, existem provedores de serviço na internet que, além de oferecerem a busca de mercadorias ao consumidor, fornecem toda a estrutura virtual para que a venda seja realizada. Nesses casos, a operação é realizada inteiramente no site desse prestador. Sendo um contrato interativo, a comunicação do consumidor se perfaz somente com os recursos virtuais fornecidos pelo prestador de serviço e, dessa forma, também passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do art. 7º do CDC, junto com o vendedor do produto ou mercadoria. Nessas situações, é comum a cobrança de comissões sobre as operações realizadas. Há, contudo, uma situação muito distinta quando o prestador de buscas de produtos se limita a apresentar ao consumidor o resultado da busca, de acordo com os argumentos de pesquisa fornecidos por ele próprio, sem participar da interação virtual que aperfeiçoará o contrato eletrônico. Nessas hipóteses, após a busca, o consumidor é direcionado ao site ou recurso do vendedor do produto, interagindo somente com o sistema eletrônico fornecido por este, e não pelo prestador de busca de produtos. Também se diferencia da situação anterior, pela ausência da cobrança de comissões sobre as operações realizadas, pois nessas circunstâncias os rendimentos dos prestadores de busca se originam da venda de espaço publicitário. O Tribunal de origem, ao afirmar que a recorrente integra a cadeia de fornecedores e, assim, é responsável pelo inadimplemento contratual, bastando para isso o simples fato de ela realizar a aproximação entre consumidores e fornecedores, desconsiderou as diferentes formas de buscas voltadas ao comércio eletrônico. Responsabiliza-la por todas as vendas propiciadas pelas buscas por ela realizadas, seria como lhe impor a obrigação de filtrar e verificar a ausência de fraude de cada uma das lojas virtuais existentes na internet – o que não encontra guarida em nosso direito, tampouco na jurisprudência do STJ.

PROCESSO
REsp 1.624.005-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de despejo. Purgação da mora. Prazo. Termo inicial. Mandado. Juntada.

DESTAQUE
Na ação de despejo, o prazo de 15 (quinze) dias para purgação da mora deve ser contado a partir da juntada aos autos do mandado de citação ou aviso de recebimento devidamente cumprido.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia, inicialmente, a definir se o prazo para purgação da mora, realizada conjuntamente com a contestação e em quantia inferior àquela discriminada na planilha apresentada pela autora, deve ser contado a partir da citação ou da juntada do respectivo mandado aos autos. A purgação da mora é feita mediante depósito judicial vinculado à respectiva ação de despejo, ou seja, é ato intrínseco ao processo (endoprocessual) e nele deve ser comprovada. Assim, o art. 62, II, da Lei n. 8.245/1991, em sua redação atual, por estabelecer prazo para a prática de ato processual, deve ser interpretado em conjunto com o disposto no art. 241, II, do CPC/1973, segundo o qual começa a correr o prazo, quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do respectivo mandado devidamente cumprido. Por óbvio, se a citação ou a intimação for pelo correio, começa a correr o prazo da data de juntada aos autos do aviso de recebimento (art. 241, I, do CPC/1973). Essa orientação, aliás, ao conferir um prazo mais dilatado ao locatário para fins de purgação da mora, é mais consentânea com o princípio da preservação dos contratos, garantindo-se o cumprimento de sua função social.

PROCESSO
REsp 1.624.005-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 25/10/2016, DJe 9/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de despejo. Purgação da mora. Contestação e depósito parciais. Art. 62, III, da Lei nº 8.245/1991. Complementação. Incompatibilidade.

DESTAQUE
Em ação de despejo por falta de pagamento, a intimação do locatário para fins de purgação complementar da mora (prevista no art. 62, III, da Lei n. 8.245/91) é incompatível com a manifestação contrária de sua parte, em contestação, quanto à intenção de efetuar o pagamento das parcelas não depositadas.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Ultrapassada a questão relativa à tempestividade da purgação da mora, passou-se a examinar – via de consequência – se o fato de o locatário efetuar depósito judicial em quantia inferior à apresentada pelo locador e contestar os valores remanescentes, impõe ao juiz a obrigação de intimá-lo para fins de purgação complementar da mora, na forma do art. 62, III, da Lei nº 8.245/1991. De fato, não faz nenhum sentido intimar o locatário para fins de purgação complementar da mora se já houve manifestação negativa de sua parte, em contestação, quanto à intenção de efetuar o pagamento de determinadas parcelas. Observa-se, em tal hipótese, a ocorrência de preclusão lógica. Assim, se há contestação de parte do débito exigido, o locatário praticou ato incompatível com a vontade de purgar a mora, ao menos em relação aos valores questionados, no caso, valores relativos ao IPTU/TLP.

PROCESSO
REsp 1.278.545-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, por unanimidade, julgado em 2/8/2016, DJe 16/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Remição. Art. 788 do CPC de 1973. Crédito trabalhista. Direito de preferência. Inexistência de concurso singular de credores.

DESTAQUE
O pedido de remição feito com base no art. 788 do CPC de 1973, já estando aperfeiçoado com decisão concessiva transitada em julgado e registro no cartório competente, não deve ser revogado por ter-se apurado posterior crédito privilegiado de credor que não efetivou prévia penhora do bem alienado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão posta em discussão cingiu-se a saber se depois de alienado o bem na execução singular, o fisco ou o credor trabalhista que não efetivaram a penhora podem exercitar o seu direito de privilégio. Em execução por quantia certa, há dois sistemas: a execução concursal ou universal e a execução singular. A primeira pressupõe insolvência, regida pelo princípio da par conditio creditorum, que nivela todos os credores e, consequentemente, credores de mesma categoria submetem-se a um concurso de credores. Já na execução singular vigora o princípio prior in tempore, potior in jure (primeiro no tempo, primeiro no direito), ou seja, o princípio da ordem das prelações da penhora. O credor que penhorou em primeiro lugar recebe seu crédito antes do credor que penhorou em segundo, e assim sucessivamente. Quanto ao direito de preferência, a lei processual civil estabelece que a prioridade é por data de penhora: quem primeiro penhorou tem a preferência, não importando as datas de ajuizamento das ações. Assim, na execução singular, só há concurso de credores quando há coincidência de penhora, ou seja, quando os credores penhoram o mesmo bem. Isso é o que está no art. 612, que estabelece a preferência, cuja interpretação deve ser feita considerando-se os arts. 709, 710 e 711. Embora o inciso II do art. 709 do Código de Processo Civil de 1973 preveja que, antes de entregar o dinheiro ao credor, verificar-se-á se não há uma preferência ou um privilégio, estas só existirão se o credor dessa condição, que pode ser o trabalhista ou o fiscal, penhorar o bem. Depois de alienado o bem na execução, o fisco ou o credor trabalhista que não efetivaram a penhora não podem exercitar o seu direito de privilégio.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 963.199-DF, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 7/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Aquisição de propriedade imóvel. Pagamento de construção em terreno de terceiro não contratante. Responsabilidade desse terceiro.

DESTAQUE
O construtor proprietário dos materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do contratante.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cuidou-se, na Corte de origem, entre outras questões, de debate sobre a possibilidade de proprietário de terreno, não contratante da edificação erguida em seu imóvel, e sem qualquer vínculo obrigacional com o responsável pela obra construída, arcar com pagamento do débito originado da mencionada edificação, de acordo com o parágrafo único do art. 1.257 do CC/2002. Conforme doutrina, “o art. 1.256 do Código Civil refere-se a certas situações em que é o proprietário, e não apenas o possuidor, que age de má-fé. Seria uma espécie de má-fé bilateral. Nada obstante, manterá o proprietário a titularidade do imóvel. Presume-se tal estado quando as construções e plantações perfazem-se na presença do proprietário, sem que a este fato venha ele se opor. Todavia, como consequência de sua desídia e omissão em relação à vigilância do que lhe pertencer, deverá ser condenado a indenizar o possuidor de má-fé pelas acessões, consoante exposto no parágrafo único do próprio dispositivo”. Por outro lado, o Código Civil, no parágrafo único do art. 1.257, estabeleceu que o direito de pedir a devida indenização ao proprietário do solo igualmente se estende ao proprietário dos materiais empregados na construção, quando não puder havê-la do terceiro que construiu a acessão. Com efeito, é possível extrair das normas em destaque, especialmente do parágrafo único do art. 1.257 do CC/2002, a conclusão no sentido de que o proprietário dos materiais utilizados, poderá cobrar do proprietário do solo, a indenização devida pela construção, quando não puder recebê-la do construtor da obra.

PROCESSO
REsp 1.346.171-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 7/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios.   Rescisão unilateral. Direito potestativo do cliente e do advogado. Direito de revogação sem ônus para os contratantes.

DESTAQUE
Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O ponto nodal do debate foi definir sobre a possibilidade de incidência de cláusula penal em contrato de prestação de serviços advocatícios, notadamente em razão de sua natureza personalíssima. Inicialmente, insta destacar que em face da relação de confiança entre advogado e cliente, por se tratar de contrato personalíssimo (intuitu personae), dispõe o Código de Ética e Disciplina da OAB (arts. 8° a 24), no tocante ao advogado, que "a renúncia ao patrocínio deve ser feita sem menção do motivo que a determinou" (art. 16). Em relação ao cliente, estabelece o art. 17 que "a revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do pagamento das verbas honorárias contratadas, assim como não retira o direito do advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de sucumbência, calculada proporcionalmente em face do serviço efetivamente prestado". Nesse contexto, trata-se de direito potestativo do advogado renunciar ao mandato e, ao mesmo tempo, do cliente revogá-lo, sendo anverso e reverso da mesma moeda, do qual não pode se opor nem mandante, nem mandatário. No caso em exame, discutiu-se a respeito da possibilidade de previsão de cláusula penal inserta em contrato de honorários advocatícios, notadamente em razão da especificidade e da essência da relação advogado/cliente e tendo-se em conta, ainda, os princípios éticos e morais ditados pelo Estatuto da OAB e pelo Código de Ética da profissão. Deveras, justamente por haver regulamentação específica, é que o Código Civil deixa de disciplinar o mandato judicial (art. 692), reservando-se à aplicação supletiva no silêncio das normas processuais (cíveis, penais e trabalhistas) e regulamentares da profissão. Com isso, só há falar em cláusula penal, no contrato de prestação de serviços advocatícios, para as situações de mora e/ou inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução (CC, arts. 412/413). Por outro lado, não se mostra possível a estipulação de multa para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato, independentemente de motivação, respeitados, no tocante ao advogado, o recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado.

PROCESSO
REsp 1.381.603-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 6/10/2016, DJe 11/11/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação Monitória. Prova escrita. Juízo de Probabilidade. Correspondência eletrônica. E-mail. Documento hábil a comprovar a relação contratual e existência de dívida.

DESTAQUE
O correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cingiu-se a controvérsia em definir se a correspondência eletrônica – e-mail – constitui documento hábil a embasar a propositura de ação monitória. Extrai-se do art. 1.102 do CPC/1.973 os requisitos para a propositura da ação monitória: comprovação da relação jurídica por meio de prova escrita; ausência de força executiva do título e dívida referente a pagamento de soma em dinheiro ou de entrega de coisa fungível ou bem móvel (vide também o art. 700 e incisos do CPC/2.015). Nesse passo, o legislador não definiu o termo "prova escrita", tratando-se, portanto, de conceito eminentemente doutrinário-jurisprudencial. Com efeito, a prova hábil a instruir a ação monitória, a que alude o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil, não precisa, necessariamente, ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua assinatura ou de um representante. Basta que tenha forma escrita e seja suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado. Ademais, para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado. Nesse contexto, nota-se que a legislação brasileira, ainda sob à luz do CPC de 1.973, não proíbe a utilização de provas oriundas de meio eletrônico. Imbuído desse mesmo espírito da "era digital", o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa. Especificamente sobre a questão controvertida, o maior questionamento quanto à força probante do correio eletrônico está adstrito ao campo da veracidade e da autenticidade das informações, principalmente sobre a propriedade de determinado endereço de e-mail. Em outras palavras, consiste em saber se uma "conta de e-mail" pertence às partes da demanda monitória, bem como se o seu conteúdo não foi alterado durante o tráfego das informações. Entretanto, há mecanismos capazes de garantir a segurança e a confiabilidade da correspondência eletrônica e a identidade do emissor, permitindo a trocas de mensagens criptografadas entre os usuários. É o caso do e-mail assinado digitalmente, com o uso de certificação digital. Nesse caminho, esse exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora. De fato, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial não possa ser comprovada por trocas de mensagens via e-mail.