sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TJSP RECONHECE A MULTIPARENTALIDADE MAIS UMA VEZ

TJSP autoriza adoção por padrasto e multiparentalidade

Fonte: AASP.
A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou adoção de uma mulher de 21 anos pelo padrasto, mesmo sem o consentimento do pai biológico. Assim, constarão em seu documento o nome do pai socioafetivo e do pai biológico.
De acordo com os autos, a filha alegou que seu pai é ausente desde que ela tinha dois anos de idade e, por isso, iniciou o processo de adoção quando atingiu a maioridade, para reconhecer o vínculo com seu padrasto. O pai biológico, entretanto, entrou com ação para coibir a adoção, afirmando que nunca esteve distante.
Para o relator do recurso, desembargador Moreira Viegas, “a despeito de o pai biológico não ser um desconhecido completo, a realidade dos autos explicita que nunca desempenhou a função paternal, estando afastado da filha por mais de 15 anos, tempo suficiente para estremecer qualquer relação, permitindo o estreitamento de laços com o pai socioafetivo”.

Apesar de entender que o autor da ação não pode obstruir a adoção, o magistrado afirmou que ele possui o direito de continuar sendo reconhecido como pai e que não há óbice legal para o reconhecimento de duas paternidades/maternidades, quando observada a existência de vínculos. “A multiparentalidade, com a modificação e evolução das relações familiares, bem como com a própria evolução histórica do direito, tende a ser consolidada no cenário jurídico nacional, pois é uma realidade que não pode ser ignorada".

O julgamento teve votação unânime e contou com a participação dos desembargadores Fábio Podestá e Fernanda Gomes Camacho.



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

ENUNCIADOS IBDFAM. X CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Enunciados serão diretrizes para decisões de Família e Sucessões  
Na última semana, durante a realização do X Congresso Brasileiro de Direito de Família, foram aprovados os Enunciados Programáticos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Os Enunciados servirão de diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família no Brasil.
A votação foi promovida pela Diretoria da entidade junto a seus membros, sob a coordenação dos professores Flávio Tartuce, José Fernando Simão e Mário Luiz Delgado, diretores do Instituto. Das 16 propostas em pauta, 11 foram aprovadas e se somam aos 9 Enunciados aprovados em 2013, na nona edição do evento.
O X Congresso Brasileiro de Direito de Família teve como mote “Famílias Nossas de Cada Dia”. O evento reuniu mais de mil congressistas, durante dois dias, em 60 palestras no Ouro Minas Palace Hotel, em Belo Horizonte (MG) e contou com a participação dos maiores juristas do País.
Confira:
Enunciado 01.A Emenda Constitucional 66/2010, ao extinguir o instituto da separação judicial, afastou a perquirição da culpa na DISSOLUÇÃO do casamento e na quantificação dos alimentos.
Enunciado 02. A separação de fato põe fim ao regime de bens e importa extinção dos deveres entre cônjuges e entre companheiros.
Enunciado 03. Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional o tratamento discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro.
Enunciado 04. A constituição de entidade familiar paralela pode gerar efeito jurídico.
Enunciado 05. Na adoção, o princípio do superior interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sobre a família extensa.
Enunciado 6. Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.
Enunciado 07. A posse de estado de filho pode constituir paternidade e maternidade.
Enunciado 08. O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.
Enunciado 09. A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.
Enunciado 10. É cabível o reconhecimento do abandono afetivo em relação aos ascendentes idosos.
Enunciado 11. Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal.
Enunciado 12. É possível o registro de nascimento dos filhos de casais homoafetivos, havidos de reprodução assistida, diretamente no Cartório do Registro Civil.
Enunciado 13.  Na hipótese de adoção intuitu personae de criança e de adolescente, os pais biológicos podem eleger os adotantes.
Enunciado 14. Salvo expressa disposição em contrário, os alimentos fixados ad valorem incidem sobre todos os rendimentos percebidos pelo alimentante que possua natureza remuneratória, inclusive terço constitucional de férias, 13º salário, participação nos lucros e horas extras.
Enunciado 15. Ainda que casado sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os descendentes.
Enunciado 16. Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.
Enunciado 17. A técnica de ponderação, adotada expressamente pelo art. 489, § 2º, do Novo CPC, é o meio adequado para a solução de problemas práticos atinentes ao Direito das Famílias e das Sucessões.
Enunciado 18. Nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.
Enunciado 19. O rol do art. 693 do Novo CPC é meramente exemplificativo, e não taxativo.
Enunciado 20. O alimentante que, dispondo de recursos econômicos, adota subterfúgios para não pagar ou para retardar o pagamento de verba alimentar, incorre na conduta descrita no art. 7º, inc. IV da Lei nº 11.340/2006 (violência patrimonial).

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

EVENTO NA DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA


COLUNA NO MIGALHAS DE OUTUBRO DE 2015. ESTATUTO DA FAMÍLIA X ESTATUTO DAS FAMÍLIAS


ESTATUTO DA FAMÍLIA X ESTATUTO DAS FAMÍLIAS.
SINGULAR X PLURAL.
EXCLUSÃO X INCLUSÃO.

Flávio Tartuce[1]


O Brasil vive, no presente momento, um grande conflito ideológico e, como não poderia ser diferente, tal colisão atinge não só os aplicadores do Direito como também os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, especialmente em temas condizentes aos costumes e à família. Como exemplo desse embate, pode ser citada a tramitação de dois projetos de lei a respeito do conceito de família no Congresso Nacional.  
O primeiro deles, na Câmara dos Deputados, intitulado Estatuto da Família (PL 6.583/2013), no singular, pretende restringir o conceito de família aos casamentos e às uniões estáveis entre homens e mulheres e seus filhos. Nos termos do seu art. 1º, "esta Lei institui o Estatuto da Família e dispõe sobre os direitos da família, e as diretrizes das políticas públicas voltadas para valorização e apoiamento à entidade familiar". Em complemento, enuncia a proposta de art. 2º da norma que "para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
 A outra projeção é o Estatuto das Famílias (PL 470/2013), no plural, em curso no Senado Federal, originário de proposta formulada pelos juristas que compõem o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e que, em vários de seus dispositivos, traz um conceito extensivo de família.  Cite-se, entre tantas regras, a proposta de conceito de união estável constante do seu art. 61, in verbis: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". Como se nota, a proposta menciona a união de duas pessoas, não obrigatoriamente homem e mulher.
Acompanhando os debates que ocorrem na Câmara dos Deputados, e diante do momento que vive o País, o Projeto de Lei n. 6.583/2013 tem grandes chances de ser aprovado. Se isso ocorrer, não persistindo eventual veto da Presidência da República, dois são os caminhos interpretativos para a citada projeção.
O primeiro deles é o reconhecimento de sua inconstitucionalidade. Ora, é sabido que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a união homoafetiva é entidade familiar protegida pela Constituição Federal, devendo ser aplicadas, por analogia, todas as regras previstas para a união estável heteroafetiva (julgado na ADPF 132/RJ, publicado no Informativo n. 625 da Corte, de maio de 2011). Em complemento, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, logo após, que é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, consequência natural da decisão do Supremo, pois se todas as normas são aplicáveis por analogia, o mesmo deve ser dito quanto à conversão da união estável ao casamento, retirada do art. 1.727 do Código Civil (REsp. 1.183.378/RS). Conforme o voto do Ministro Luis Felipe Salomão nesse acórdão, proferido em outubro de 2011, “é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que ocorria com os diplomas superados – deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. A fundamentação do casamento hoje não pode simplesmente emergir de seu traço histórico, mas deve ser extraída de sua função constitucional instrumentalizadora da dignidade da pessoa humana. Por isso, não se pode examinar o casamento de hoje como exatamente o mesmo de dois séculos passados, cuja união entre Estado e Igreja engendrou um casamento civil sacramental, de núcleo essencial fincado na procriação, na indissolubilidade e na heterossexualidade”.
Todas essas decisões fizeram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editar, em 2013, a Resolução n. 175, que veda às autoridades competentes, caso dos responsáveis pelos Cartórios de Registro Civil de todo o País, a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Em suma, o casamento homoafetivo transformou-se em realidade prática do Direito Brasileiro.
No âmbito da doutrina do Direito de Família, para demonstrar qual a corrente majoritária hoje prevalecente, pontue-se que, na VII Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015, aprovou-se enunciado segundo o qual é existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Cabe esclarecer que desse evento participaram juristas com as mais variadas visões sobre o Direito de Família e, mesmo assim, a proposta aprovada conseguiu ampla maioria, o que demonstra uma sedimentação doutrinária a respeito do tema no País.  
O citado Estatuto da Família, no singular, desconsidera toda essa evolução. Sim, evolução, pois a tendência dos países ocidentais é a inclusão dos direitos civis de casais homossexuais, sem que isso represente qualquer afronta ou ofensa aos direitos das pessoas que pretendem ter uniões heteroafetivas. Nessa perspectiva, o projeto já soa totalmente inconstitucional. 
Mas não é só. O art. 2º do Projeto de Lei n. 6.583/2013 é inconstitucional por desconsiderar o conceito de família monoparental previsto no art. 226, § 4º, do Texto Maior, constituída por um dos ascendentes e seus descendentes. Como antes se transcreveu, a projeção limita a família aos pais que vivem com seus filhos, deixando de fora as famílias monoparentais existentes entre avós e netos.
Sem falar em outras entidades que também não foram contempladas, caso das famílias mosaico – de várias origens, oriundas de famílias reconstituídas – e das famílias anaparentais (na expressão criada por Sérgio Resende de Barros) – famílias sem pais, formadas por irmãos ou primos que vivem juntos, com intuito comunitário familiar.
Sabe-se, conforme os escritos de vários constitucionalistas nacionais, que a Constituição Federal Brasileira de 1988 é inclusiva, e não exclusiva, afirmação que merece especial atenção quanto tópico que regulamenta as entidades familiares em rol meramente exemplificativo (art. 226). Assim, não pode uma lei infraconstitucional limitar o texto superior na concessão de direitos civis sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Vale dizer, em complemento, que a Lei Maria da Penha já traz um conceito ampliativo, em seu art. 5º, inciso II, ao estabelecer que a família deve ser compreendida "como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa". Essa é a ideia de família que deve prevalecer na realidade brasileira, na opinião deste articulista, não só para os fins de incidência dessa lei, mas também de outras normas.
De toda sorte, há um segundo caminho para a interpretação do Estatuto da Família, qual seja o de adaptá-lo ao Texto Maior e a toda essa evolução. Por essa ideia, é possível firmar a premissa segundo a qual o projeto de lei apenas exemplifica algumas formas de família, sem excluir outras, caso de todas as entidades aqui citadas. Se for assim, nosso Congresso Nacional perde precioso tempo de trabalho legislativo, pois as famílias ali previstas já estão amplamente tuteladas, especialmente por serem maioria no Brasil.
Pensamos que o trabalho a ser desenvolvido é de proteção de outras constituições famílias, como propõe o Estatuto das Famílias, no plural; e não o Estatuto da Família, no singular. A inclusão deve prevalecer sobre a exclusão, pois esse é o sentido da nossa Lei Maior. Como palavras finais, vale lembrar que a Constituição Brasileira veda a discriminação no seu art. 5º, além de valorizar a dignidade da pessoa humana no seu dispositivo inaugural. A projeção no singular deixa esses valores de lado.







[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP – Faculdade Especializada em Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD – Escola Paulista de Direito, sendo coordenador dos últimos. Professor da Rede LFG. Diretor nacional e estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

DIVULGAÇÃO OFICIAL DOS ENUNCIADOS DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL. COM NUMERAÇÃO.



ENUNCIADOS APROVADOS NA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL (Brasília/DF, 28 e 29 de setembro de 2015)
COORDENADOR GERAL: RUY ROSADO
COORDENADOR CIENTÍFICO: ROBERTO ROSAS

PARTE GERAL
COORDENADOR:
ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA

ENUNCIADO 576 – O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial  inibitória.

ENUNCIADO 577 – A possibilidade de instituição de categorias de associados com vantagens especiais admite a atribuição de pesos diferenciados ao direito de voto, desde que isso não acarrete a sua supressão em relação a matérias previstas no art. 59 do CC.

ENUNCIADO  578 – Sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, sua alegação prescinde de ação própria.

ENUNCIADO 579 – Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos causados.

ENUNCIADO 580 – É de 3 anos, pelo art. 206, § 3º, V, do CC, o prazo prescricional para a pretensão indenizatória da seguradora contra o causador de dano ao segurado, pois a seguradora sub-roga-se em seus direitos.

ENUNCIADO 581 – Em complemento ao Enunciado 295, a decretação ex officio da prescrição ou da decadência deve ser precedida de oitiva das partes.

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E CONTRATOS
COORDENADORES: PAULO ROBERTO ROQUE ANTÔNIO KHOURI e ANA DE OLIVEIRA FRAZÃO

ENUNCIADO 582 – Com suporte na liberdade contratual e, portanto, em concretização da autonomia privada, as partes podem pactuar garantias contratuais atípicas.

ENUNCIADO 583 – O art. 441 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de abranger também os contratos aleatórios, desde que não inclua os elementos aleatórios do contrato.

ENUNCIADO 584 – Desde que não haja forma exigida para a substância do contrato, admite-se que o distrato seja pactuado por forma livre.

ENUNCIADO 585 – Impõe-se o pagamento de indenização do seguro mesmo diante de condutas, omissões ou declarações ambíguas do segurado que não guardem relação com o sinistro.

ENUNCIADO 586 – Para a caracterização do adimplemento substancial (tal qual reconhecido pelo Enunciado 361 da IV Jornada de Direito Civil – CJF), levam-se em conta tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos.

RESPONSABILIDADE CIVIL
COORDENADOR: PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO

ENUNCIADO 587 – O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa.

ENUNCIADO 588 – O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro  preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial.

ENUNCIADO 589 – A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.

ENUNCIADO 590 – A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores, prevista no art. 932, inc. I, do Código Civil, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso o fosse a um agente imputável, seria hábil para a sua responsabilização.

DIREITO DAS COISAS
COORDENADOR: GUSTAVO JOSÉ MENDES TEPEDINO

ENUNCIADO 591 – A ação de reintegração de posse nos contratos de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel pode ser proposta a partir da consolidação da propriedade do imóvel em poder do credor fiduciário e não apenas após os leilões extrajudiciais previstos no art. 27 da Lei  9.514/1997.

ENUNCIADO 592 – O art. 519 do Código Civil derroga o art. 35 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 naquilo que ele diz respeito a cenários de tredestinação ilícita. Assim, ações de retrocessão baseadas em alegações de tredestinação ilícita não precisam, quando julgadas depois da incorporação do bem desapropriado ao patrimônio da entidade expropriante, resolver-se em perdas e danos.

ENUNCIADO 593 – É indispensável o procedimento de demarcação urbanística para regularização fundiária social de áreas ainda não matriculadas no Cartório de Registro de Imóveis, como requisito à emissão dos títulos de legitimação da posse e de domínio.

ENUNCIADO 594 – É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.

ENUNCIADO 595 – O requisito 'abandono do lar' deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499

ENUNCIADO 596 – O condomínio edilício pode adquirir imóvel por usucapião.

ENUNCIADO 597 – A posse impeditiva da arrecadação, prevista no art. 1.276 do Código Civil, é efetiva e qualificada por sua função social.

ENUNCIADO 598 – Na redação do art. 1.293, “agricultura e indústria” não são apenas qualificadores do prejuízo que pode ser causado pelo aqueduto, mas também finalidades que podem justificar sua construção.

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES
COORDENADOR: OTAVIO LUIZ RODRIGUES JUNIOR

ENUNCIADO 599 – Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar), se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.

ENUNCIADO 600 – Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

ENUNCIADO 601 – É existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

ENUNCIADO 602 – Transitada em julgado a decisão concessiva do divórcio, a expedição do mandado de averbação independe do julgamento da ação originária em que persista a discussão dos aspectos decorrentes da dissolução do casamento.

ENUNCIADO 603 – A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2 ̊ do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.

ENUNCIADO 604 – A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho.

ENUNCIADO 605 – A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência.

ENUNCIADO 606 – O tempo de convívio com os filhos “de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um.

ENUNCIADO 607 – A guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensão alimentícia.

ENUNCIADO 608 – É possível o registro de nascimento dos filhos de pessoas do mesmo sexo originários de reprodução assistida, diretamente no Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de ação judicial, nos termos da regulamentação da Corregedoria local.

ENUNCIADO 609 – O regime de bens no casamento somente interfere na concorrência sucessória do cônjuge com descendentes do falecido.

ENUNCIADO 610 – Nos casos de comoriência entre ascendente e descendente, ou entre irmãos, reconhece-se o direito de representação aos descendentes e aos filhos dos irmãos.

ENUNCIADO 611 – O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.

ENUNCIADO 612 – O prazo para exercer o direito de anular a partilha amigável judicial, decorrente de dissolução de sociedade conjugal ou de união estável, extingue-se em 1 (um) ano da data do trânsito em julgado da sentença homologatória, consoante dispõem o art. 2.027, parágrafo único, do Código Civil de 2002, e o art. 1.029, parágrafo único, do Código de Processo Civil (art. 657, parágrafo único, do Novo CPC).

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

RESUMO. INFORMATIVO 569 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 569 DO STJ.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MULTA DO ART. 475-J DO CPC EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL. TEMA 893. No âmbito do cumprimento de sentença arbitral condenatória de prestação pecuniária, a multa de 10% (dez por cento) do artigo 475-J do CPC deverá incidir se o executado não proceder ao pagamento espontâneo no prazo de 15 (quinze) dias contados da juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos (em caso de título executivo contendo quantia líquida) ou da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial (em havendo prévia liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral). O CPC (arts. 475-N, IV e parágrafo único), assim como a Lei da Arbitragem (arts. 18 e 31), confere a natureza de título executivo judicial à sentença arbitral, distinguindo apenas o instrumento de comunicação processual do executado. Com efeito, em se tratando de cumprimento de sentença arbitral, a angularização da relação jurídica processual dar-se-á mediante citação do devedor no processo de liquidação ou de execução em vez da intimação promovida nos processos sincréticos. Eis, portanto, a única diferença procedimental entre o cumprimento da sentença proferida no processo civil e o da sentença arbitral. Nessa ordem de ideias, à exceção da ordem de citação (e não de intimação atinente aos processos sincréticos), a execução da sentença arbitral condenatória de obrigação de pagar quantia certa observa o mesmo procedimento previsto para as sentenças civis de idêntico conteúdo, qual seja, o regime previsto nos artigos 475-J a 475-R do CPC. À luz da supracitada premissa, o decurso in albis do prazo de 15 (quinze) dias (contados da comunicação pessoal do devedor, mediante citação ou intimação) para pagamento espontâneo da prestação pecuniária certificada na sentença arbitral enseja a aplicação da multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J do CPC. A referida sanção pecuniária (aplicável no âmbito do cumprimento de título representativo de obrigação pecuniária líquida) ostenta caráter punitivo e coercitivo, tendo por objetivo garantir a maior efetividade e celeridade na prestação jurisdicional, tornando onerosa a recalcitrância do devedor em desobedecer ao comando sentencial ao qual submetido. Consequentemente, o afastamento a incidência da referida sanção no âmbito do cumprimento de sentença arbitral de prestação pecuniária representaria um desprestígio ao procedimento da arbitragem (tornando-a um minus em relação à prestação jurisdicional estatal), olvidando-se de um de seus principais atrativos, qual seja, a expectativa de célere desfecho na solução dos conflitos. Além disso, a sentença arbitral não se sujeita a reexame de mérito nem pelo árbitro nem pelo juiz estatal, adquirindo, desde sua prolação, a imutabilidade decorrente da coisa julgada (arts. 18 e 31 da Lei 9.037/1996), razão pela qual cabida sua execução definitiva (e não provisória). Assim, firmada a aplicabilidade da multa do art. 475-J do CPC no âmbito do cumprimento de sentença arbitral condenatória de prestação pecuniária, impende consignar que o termo inicial do prazo de quinze dias contar-se-á: (i) da data da juntada do mandado de citação (com a determinação de pagamento) devidamente cumprido aos autos (em caso de título executivo contendo quantia líquida); ou (ii) da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial, no caso em que necessária prévia liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral. Tal consideração decorre da especificidade da comunicação processual do executado na ação de cumprimento de sentença arbitral, adaptando-se à orientação jurisprudencial do STJ firmada no bojo de recurso especial representativo de controvérsia, no sentido de que "na fase de cumprimento de sentença, o devedor deverá ser intimado, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir a multa de 10% (dez por cento) sobre montante da condenação (art. 475-J do CPC)" (REsp 1.262.933-RJ, Corte Especial, DJe 20/8/2013). REsp 1.102.460-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Corte Especial, julgado em 17/6/2015, DJe 23/9/2015.

DIREITO CIVIL. MODIFICAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL COM O FIM DE EVITAR A INEXEQUIBILIDADE DO MODELO ANTIGO (EXCEÇÃO DE RUÍNA). Os empregados demitidos sem justa causa e os aposentados que contribuíram para plano de saúde coletivo empresarial que tenha sido extinto não têm direito de serem mantidos nesse plano se o estipulante (ex-empregador) e a operadora redesenharam o sistema estabelecendo um novo plano de saúde coletivo a fim de evitar o seu colapso (exceção da ruína) ante prejuízos crescentes, desde que tenham sido asseguradas aos inativos as mesmas condições de cobertura assistencial proporcionadas aos empregados ativos. Inicialmente, cabe asseverar que um plano de saúde pode ser: (a) individual ou familiar: em que a pessoa física contrata diretamente com a operadora ou por intermédio de um corretor autorizado; ou (b) coletivo: contratado por uma sociedade empresária, conselho, sindicato ou associação junto à operadora de planos de saúde para oferecer assistência médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas às mencionadas entidades, bem como a seus dependentes. Um plano de saúde coletivo, por sua vez, pode ser: (b.1) por adesão: contratado por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos e associações profissionais; ou (b.2) empresarial: contratado por sociedade empresária, para garantir assistência à saúde dos seus funcionários e de seus respectivos dependentes em razão do vínculo empregatício ou estatutário. No que diz respeito a plano de saúde coletivo empresarial (b.2) - ou seja, à hipótese em análise -, realmente, é garantido ao inativo (o empregado demitido sem justa causa ou o aposentado) que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício o direito de manutenção da sua condição de beneficiário "nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral" (arts. 30 e 31 da Lei 9.656/1998). Nesse contexto, de acordo com o art. 2º, II, da RN 279/2011 da ANS, deve-se entender por "mesmas condições de cobertura assistencial" a "mesma segmentação e cobertura, rede assistencial, padrão de acomodação em internação, área geográfica de abrangência e fator moderador, se houver, do plano privado de assistência à saúde contratado para os empregados ativos", de modo a inexistir, na hipótese em análise, direito adquirido a modelo de plano de saúde ou de custeio. Nesse sentido, aliás, a Quarta Turma do STJ (REsp 531.370-SP, DJe 6/9/2012) decidiu que, embora seja garantida aos empregados demitidos sem justa causa e aos aposentados "a manutenção no plano de saúde coletivo nas mesmas condições de assistência médica e de valores de contribuição, desde que assuma o pagamento integral desta", os valores de contribuição poderão "variar conforme as alterações promovidas no plano paradigma, sempre em paridade com os que a ex-empregadora tiver que custear". De fato, pela exceção da ruína - instituto que, conforme definição doutrinária, representa a circunstância liberatória decorrente da "situação de ruína em que o devedor poderia incorrer, caso a execução do contrato, atingida por alterações fácticas, não fosse sustida" -, o vínculo contratual original pode sofrer ação liberatória e adaptadora às novas circunstâncias da realidade, com a finalidade de manter a relação jurídica sem a quebra do sistema, sendo imprescindível a cooperação mútua para modificar o contrato do modo menos danoso às partes. É por isso que, nos contratos cativos de longa duração, também chamados de relacionais, baseados na confiança, o rigorismo e a perenidade do vínculo existente entre as partes podem sofrer, excepcionalmente, algumas flexibilizações, a fim de evitar a ruína do sistema e da empresa, devendo ser respeitados, em qualquer caso, a boa-fé, que é bilateral, e os deveres de lealdade, de solidariedade (interna e externa) e de cooperação recíprocos. Além do mais, ressalte-se que a onerosidade excessiva é vedada tanto para o consumidor quanto para o fornecedor, nos termos do art. 51, § 2º, da Lei 8.078/1990. Cumpre destacar, também, que a função social e a solidariedade nos planos de saúde coletivos assumem grande relevo, tendo em vista o mutualismo existente, caracterizador de um pacto tácito entre as diversas gerações de empregados passados, atuais e futuros (solidariedade intergeracional), trazendo o dever de todos para a viabilização do próprio contrato de assistência médica. Desse modo, na hipótese em apreço, não há como preservar indefinidamente a sistemática contratual original se verificada a exceção de ruína. REsp 1.479.420-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 1º/9/2015, DJe 11/9/2015.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DE FRANQUEADORA EM FACE DE CONSUMIDOR. A franqueadora pode ser solidariamente responsabilizada por eventuais danos causados a consumidor por franqueada. No contrato de franquia empresarial, estabelece-se um vínculo associativo entre sociedades empresárias distintas, o qual, conforme a doutrina, caracteriza-se pelo "uso necessário de bens intelectuais do franqueador (franchisor) e a participação no aviamento do franqueado (franchise)". Dessa forma, verifica-se, novamente com base na doutrina, que o contrato de franquia tem relevância apenas na estrita esfera das empresas contratantes, traduzindo uma clássica obrigação contratual inter partes. Ademais, o STJ já decidiu por afastar a incidência do CDC para a disciplina da relação contratual entre franqueador e franqueado (AgRg no REsp 1.193.293-SP, Terceira Turma, DJe 11/12/2012; e AgRg no REsp 1.336.491-SP, Quarta Turma, DJe 13/12/2012). Aos olhos do consumidor, entretanto, trata-se de mera intermediação ou revenda de bens ou serviços do franqueador, que é fornecedor no mercado de consumo, ainda que de bens imateriais. Aliás, essa arquitetura comercial - na qual o consumidor tem acesso a produtos vinculados a uma empresa terceira, estranha à relação contratual diretamente estabelecida entre consumidor e vendedor - não é novidade no cenário consumerista e, além disso, não ocorre apenas nos contratos de franquia. Desse modo, extraindo-se dos arts. 14 e 18 do CDC a responsabilização solidária por eventuais defeitos ou vícios de todos que participem da introdução do produto ou serviço no mercado (REsp 1.058.221-PR, Terceira Turma, DJe 14/10/2011; e REsp 1.309.981-SP, Quarta Turma, DJe 17/12/2013) - inclusive daqueles que organizem a cadeia de fornecimento -, as franqueadoras atraem para si responsabilidade solidária pelos danos decorrentes da inadequação dos serviços prestados em razão da franquia, tendo em vista que cabe a elas a organização da cadeia de franqueados do serviço. REsp 1.426.578-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/6/2015, DJe 22/9/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL MEDIANTE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES. A arrematação de bem imóvel mediante pagamento em prestações (art. 690, § 1º, do CPC) não pode ser realizada por preço inferior ao da avaliação, mesmo que realizada em segunda praça. De fato, a jurisprudência do STJ possui entendimento firmado de que, "malsucedida a primeira praça, a arrematação do bem imóvel pode ser concretizada em segunda praça, por valor inferior ao da avaliação" (REsp 229.304-SP, Terceira Turma, DJ de 9/10/2006), observando-se apenas os casos de caracterização de preço vil (arts. 692, caput, e 701 do CPC). Naqueles casos, contudo, a forma de pagamento então admitida era, em conformidade com o art. 690, caput, do CPC, "com dinheiro à vista, ou a prazo de 3 (três) dias, mediante caução idônea" - na redação anterior à Lei 11.832/2006 -, não se referindo à hipótese excepcional do art. 700 do CPC, revogado pela mesma lei. Neste caso, a hipótese é de arrematação de bem imóvel, em segunda praça, mediante pagamento em prestações, nos termos do previsto no art. 690, § 1º, do CPC, com a redação introduzida pela Lei 11.382/2006, segundo o qual, "Tratando-se de bem imóvel, quem estiver interessado em adquiri-lo em prestações poderá apresentar por escrito sua proposta, nunca inferior à avaliação, com oferta de pelo menos 30% (trinta por cento) à vista, sendo o restante garantido por hipoteca sobre o próprio imóvel". A questão que se coloca é saber se, frustrada a primeira hasta pública, a arrematação de bem imóvel em segunda praça, mediante pagamento em prestações, poderá ser feita por preço inferior ao da avaliação, nos termos do previsto no art. 686, VI, do CPC, que possui a seguinte redação: "Não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado, será expedido o edital de hasta pública, que conterá: [...] a comunicação de que, se o bem não alcançar lanço superior à importância da avaliação, seguir-se-á, em dia e hora que forem desde logo designados entre os dez e os vinte dias seguintes, a sua alienação pelo maior lanço (art. 692)". O aparente conflito entre as normas processuais confrontadas - art. 686, VI, e art. 690, § 1º, ambos do CPC - resolve-se pelo princípio da especialidade, segundo o qual a lei especial afasta a aplicação da lei geral (lex especialis derrogat generali). Pelo critério da especialidade, o art. 686, VI, do CPC, que estabelece as regras para a alienação de bens, móveis ou imóveis, em hasta pública, apresenta-se, portanto, como norma geral em relação ao art. 690, § 1º, do mesmo diploma legal, que trata especificamente da arrematação de bens imóveis em prestações - norma especial. Em vista disso, deve ser afastada a incidência do art. 686, VI, do CPC, reconhecendo-se como prevalente, na espécie, o disposto no art. 690, § 1º, do CPC. Nesses termos, não parece possível admitir-se, mesmo em segunda praça, que, em se tratando de imóvel adquirido em prestações, a arrematação se realize por preço inferior ao valor de avaliação do bem. Isso porque, estabelecendo-se, de modo enfático, que, "Tratando-se de bem imóvel, quem estiver interessado em adquiri-lo em prestações poderá apresentar por escrito sua proposta, nunca inferior à avaliação [...]" (art. 690, §1º, do CPC), o dispositivo legal em questão não deixa dúvidas quanto à intenção do legislador de não admitir que a aquisição do imóvel, em tais condições, se faça por preço inferior ao da avaliação. De fato, o vocábulo "nunca", em sua acepção única de advérbio, significa "em tempo algum; em nenhum tempo; jamais" (Dicionário Aurélio), e a lei, como se sabe, não contém, ou não deve conter, palavras inúteis. Portanto, parece inequívoca a intenção do legislador de impedir, na hipótese específica de que cuida - a arrematação de bem imóvel em prestações - que a aquisição se realize por preço inferior ao da avaliação, mesmo que em segunda praça. REsp 1.340.965-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/9/2015, DJe 11/9/2015.


CURSO. AASP. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESENCIAL E PELA INTERNET. NOVEMBRO DE 2015


terça-feira, 20 de outubro de 2015

O ESTRANHO CASO DO INIMPUTÁVEL CAPAZ. PARTE I. POR VITOR KÜMPEL

O estranho caso do inimputável capaz - Parte I

Por Vitor Frederico Kümpel. Doutor em Direito Civil pela USP. Juiz de Direito.

Fonte: Migalhas.

Ao longo das semanas, estamos nos debruçando sobre a lei 13.146 de 6 de julho de 2015, que para maioria dos 127 dispositivos entrará em vigor em 3 de janeiro de 2016. Tem sido uma experiência e tanto analisar as (in)consistências da lei ao longo dos vários artigos publicados.

Como bem mencionou Tartuce, duas correntes têm sido firmadas ao logo do tempo: uma denominada "dignidade-liberdade" e que vê positiva as modificações no âmbito civil, inclusive, e outra, dita "dignidade-vulnerabilidade"1, a que nos alinhamos e que enxerga uma série de atrocidades a que passa o Direito Civil notadamente por desproteger a quem o sistema tem por obrigação tutelar.

Após o Estatuto da Pessoa com Deficiência determinar a plena capacidade civil para a pessoa com deficiência2, conforme já aventado em matéria anterior, passamos a observar se alguma mudança teria ocorrido no que toca ao decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, o nosso tão conhecido Código Penal Brasileiro.
Foi até com certo alívio que verificamos não ter ocorrido modificação no que toca à imputabilidade penal, prevista nos artigos 26 a 28 d.

A lei 13.146/2015, por ficção, estabeleceu que toda pessoa com deficiência é formal e materialmente igual aos demais, estatuindo inclusive que discriminação é toda forma de distinção (Art. 4º, § 1º), inclusive sob o prisma normativo, o que fez gerar uma serie de bizarrices sob o aspecto civil.

O artigo 26, caput do Código Penal estabelece que "[é] isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

O paragrafo único dispõe que "a pena pode se reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

De acordo com o Estatuto, os dispositivos transcritos são discriminatórios. A grande questão formulada é: se o deficiente possui plena autodeterminação civil, tem total cognoscibilidade das complexas relações privadas, podendo sempre casar-se e constituir união estável (art. 6, inciso I), ser adotante, guardião, tutor e curador (art. 6, inciso VI), como é possível que não entenda o caráter ilícito de um fato e nem possa determinar-se de acordo com esse entendimento?

Se, de acordo com o Estatuto, a pessoa com deficiência tem total aptidão sempre para participar das múltiplas e complexas relações do cotidiano, como é possível que não entenda o caráter ilícito de um fato, principalmente proveniente do direito natural, como é o caso do homicídio, por exemplo? Repare que a dissonância chega a impressionar.

É bom lembrar que, muitas vezes o ilícito penal é fato gerador de responsabilidade civil. Na seara da responsabilidade civil, o curador é responsável pela reparação civil pelo curatelado (art. 932, II). O direito civil, de forma harmônica, estabelece a responsabilidade objetiva do curador exatamente por força da ausência de discernimento do curatelado. O direito material civil só prevê a imputabilidade do incapaz no presente caso específico, se o curador não dispuser de meios e o incapaz tiver total condição econômica de fazê-lo (art. 928, caput).

Ainda assim, a indenização é equitativa (art. 928, parágrafo único). Porém, é óbvio que sob a esfera penal há uma absoluta isenção de pena ao réu. Nessa sorte de coisas, o incapaz deficiente é inimputável e irresponsável civilmente como regra.

Com o advento e a entrada em vigor do Estatuto, o deficiente ou enfermo mental sem qualquer discernimento será, por regra geral, responsável, porém, inimputável. Por ficção, entenderá o ilícito civil e determinar-se-á de acordo com esse entendimento; porém, não entenderá esse mesmo ilícito, isto é, o fato gerador sob o aspecto penal. 

Como é possível entender e deixar de entender a mesma situação? Trata-se de desarmonia intolerável para o sistema, dissonância ontologicamente inaceitável.

Ou é possível se pensar, por absurdo, numa discriminação legislativa no âmbito penal, para os mais garantistas.
Pergunta interessante que pode ser formulada é: pode o juiz criminal reconhecer a inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado verificando as presença dos requisitos teológico, psicológico e temporal e aplicar uma absolvição imprópria (medida de segurança) e condená-lo a indenizar? São tantas as bizarrices da lei que é melhor pararmos por aqui. 

Até a próxima!

Aguarde reflexões penais sobre o assunto.

*O artigo foi escrito em coautoria com Thalles Ferri e Bruno de Ávila Borgarelli.
__________
1 TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei 13.146/2015 – Segunda Parte. JusBrasil. Acesso em [14/10/2015]
2 O art. 6º, caput, da lei 13.146/2015 derroga os arts. 3º e 4º do Código Civil:
Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas