DIREITO
EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE POR AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DE
INSCRIÇÃO DE CORRENTISTA NO CCF. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
8/2008-STJ). TEMA 874. O Banco do Brasil, na condição de gestor do Cadastro de
Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar
previamente o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco
legitimidade passiva para as ações de reparação de danos diante da ausência de
prévia comunicação. Inicialmente,
destaca-se que a Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.061.134-RS,
fixou, para os efeitos do art. 543-C do CPC, a tese de que "os órgãos
mantenedores de cadastros possuem legitimidade passiva para as ações que buscam
a reparação dos danos morais e materiais decorrentes da inscrição, sem prévia
notificação, do nome de devedor em seus cadastros restritivos, inclusive quando
os dados utilizados para a negativação são oriundos do CCF do Banco Central ou
de outros cadastros mantidos por entidades diversas". No entanto, o CCF
tem natureza, finalidade e características específicas, que não se confundem
com as de outros cadastros a que se refere imediatamente a lógica daquele
julgado. Com efeito, o CCF tem natureza pública, visa à proteção do crédito em
geral e à preservação da higidez do sistema financeiro nacional, servindo aos
interesses da coletividade (art. 192 do CF), envolvendo relevante interesse de
ordem pública, submetido a normas de cunho estatutário obrigatório,
estabelecidas pelas autoridades monetárias, operando sob controle do Banco
Central do Brasil (Bacen), sem prevalente intuito de obtenção de ganhos. Já os
demais cadastros são de natureza privada, instituídos e mantidos no interesse
de particulares, sociedades empresárias atuantes, sem vínculo sistêmico, no
ramo comercial, submetidos a normas de índole meramente contratual, operados
por entidades privadas, que os exploram com nítido intuito da obtenção de
lucro. Segundo a Resolução 1.682/1990 do Bacen, a inclusão no CCF ocorre
automaticamente quando o cheque é devolvido por: a) falta de provisão de fundos
(motivo 12), na segunda apresentação; b) conta encerrada (motivo 13); e c)
prática espúria (motivo 14). Conforme o art. 10 da referida Resolução e o item
14 da Circular 2.989/2000 do Bacen: "Nas devoluções pelos motivos 12 a 14,
o banco sacado é responsável pela inclusão do emitente no Cadastro de Emitentes
de Cheques sem Fundos (CCF)". A mesma Resolução dispõe que a instituição
financeira, ao recusar o pagamento de cheque por motivo que enseje a inclusão
de ocorrência no CCF, deve providenciar a referida inclusão no prazo de quinze
dias, contados da data de devolução do cheque. Por sua vez, o correntista não
fica prejudicado pela inscrição de seu nome no CCF, senão após previamente
notificado, pois as ocorrências do CCF devem ser obrigatoriamente comunicadas
pela instituição financeira sacada, por escrito, ao respectivo correntista
emitente do cheque e, somente após, serão consolidadas pelo executante dos
serviços de compensação de cheques e outros papéis e distribuídas, em meios
magnéticos, às instituições bancárias, conforme o art. 16 e o art. 27,
"a", da Resolução 1.682/1990 do Bacen, alterado pelo art. 1º da Circular
2.250 do Bacen. Assim, tratando-se de sistema financeiro, não pode o Banco do
Brasil encarregar-se de desempenhar função estranha, notificação prévia de
emitente de cheque sem provisão de fundos, dever que as normas de regência do
sistema atribuem corretamente a outro componente do sistema, o próprio banco
sacado, instituição financeira mais próxima do correntista, detentor do
cadastro desse cliente e do próprio saldo da conta do correntista, como
depositário. É, pois, de reconhecer-se a ilegitimidade do Banco do Brasil, na
condição de gestor do CCF, para responder pela ausência de prévia notificação
aos correntistas inscritos no CCF, pelo que descabe cogitar-se de sua
responsabilização por danos materiais ou morais, exceto nas hipóteses em que
também figure como banco sacado. Precedentes citados: REsp 1.425.756-RS,
Terceira Turma, DJe de 16/6/2014; e AgRg no AREsp 230.981-RS, Quarta Turma, DJe
de 17/9/2014. REsp 1.354.590-RS, Rel. Min. Raul Araújo,
Segunda Seção, julgado em 9/9/2015, DJe 15/9/2015.
DIREITO PENAL.
CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C
DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 918. Para a caracterização do crime de estupro
de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta
que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com
pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência
sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima
não afastam a ocorrência do crime. Inicialmente,
registre-se que a interpretação jurisprudencial acerca do art. 224,
"a", do CP (antes da entrada em vigor da Lei 12.015/2009) já vinha se
consolidando no sentido de que respondia por estupro ou por atentado violento
ao pudor o agente que mantinha relações sexuais (ou qualquer ato libidinoso)
com menor de 14 anos, mesmo sem violência real, e ainda que mediante anuência
da vítima (EREsp 1.152.864-SC, Terceira Seção, DJe 1º/4/2014). Com efeito, o
fato de alterações legislativas terem sido incorporadas pela Lei 12.015/2009 ao
"Título IV - Dos Crimes contra a Dignidade Sexual", especialmente ao
"Capítulo II - Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável", do CP, estanca,
de uma vez por todas, qualquer dúvida quanto à irrelevância, para fins de
aperfeiçoamento do tipo penal inscrito no caput do art. 217-A, de eventual consentimento da vítima ao
ato libidinoso, de anterior experiência sexual ou da existência de
relacionamento amoroso entre ela e o agente. Isso porque, a despeito de parte
da doutrina sustentar o entendimento de que ainda se mantém a discussão sobre
vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa, o tipo penal do art. 217-A
do CP não traz como elementar a expressão "vulnerável". É certo que o nomem
iuris que a Lei 12.015/2009 atribui ao
citado preceito legal estipula o termo "estupro de vulnerável".
Entretanto, como salientado, a "vulnerabilidade" não integra o
preceito primário do tipo. Na verdade, o legislador estabelece três situações
distintas em que a vítima poderá se enquadrar em posição de vulnerabilidade,
dentre elas: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos". Não cabe, destarte, ao aplicador do direito
relativizar esse dado objetivo, com o fim de excluir a tipicidade da conduta. A
propósito, há entendimento doutrinário no viés de que: "Hoje, com louvor,
visando acabar, de uma vez por todas, com essa discussão, surge em nosso
ordenamento jurídico penal, fruto da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito
que se convencionou denominar de estupro de vulnerável, justamente para
identificar a situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora, não
poderão os Tribunais entender de outra forma quando a vítima do ato sexual for
alguém menor de 14 (quatorze) anos. [...]. O tipo não está presumindo nada, ou
seja, está tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique
outro ato libidinoso com menor de 14 anos, bem como com aqueles mencionados no
§ 1º do art. 217-A do Código Penal. Como dissemos anteriormente, existe um
critério objetivo para análise da figura típica, vale dizer, a idade da
vítima". Dessa forma, não se pode qualificar ou etiquetar comportamento de
crianças, de modo a desviar a análise da conduta criminosa ou justificá-la.
Expressões como "amadurecimento sexual da adolescente",
"experiência sexual pretérita da vítima" ou mesmo a utilização das
expressões "criança prostituta" ou "criança sedutora" ainda
frequentam o discurso jurisprudencial, como se o reconhecimento de tais
circunstâncias, em alguma medida, justificasse os crimes sexuais perpetrados.
Esse posicionamento, todavia, implica a impropriedade de se julgar a vítima da
ação delitiva para, a partir daí, julgar-se o agente. Refuta-se, ademais, o
frágil argumento de que o desenvolvimento da sociedade e dos costumes possa
configurar fator que não permita a subsistência de uma presunção que toma como
base a innocentia consilli da vítima. Basta um rápido exame da história das ideias penais - e, em
particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas
normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da
"modernidade" é antípoda a essa espécie de proposição. Deveras, de um
Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual
de crianças e adolescentes, evoluiu-se, paulatinamente, para uma Política
Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico,
mental e afetivo do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que
passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com
reflexos na dogmática penal. Assim é que novas tipificações vieram reforçar a
opção do Estado brasileiro - na linha de similar esforço mundial - de combater
todo tipo de violência, sobretudo a sexual, contra crianças e adolescentes. É
anacrônico, portanto, qualquer discurso que procure considerar a modernidade, a
evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se
contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certos grupos de
pessoas física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. Além disso,
não há que se falar em aplicação do princípio da adequação social, porquanto no
julgamento de caso de estupro de vulnerável deve-se evitar carga de
subjetivismo, sob pena de ocorrência de possíveis danos relevantes ao bem
jurídico tutelado - o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de
crianças e adolescentes - que, recorde-se, conta com proteção constitucional e
infraconstitucional, não sujeito a relativizações. Ora, a tentativa de não
conferir o necessário relevo à prática de relações sexuais entre casais em que
uma das partes (em regra, a mulher) é menor de 14 anos, com respaldo nos
costumes sociais ou na tradição local, tem raízes em uma cultura sexista -
ainda muito impregnada no âmago da sociedade ocidental, sobretudo em
comunidades provincianas, segundo a qual meninas de tenra idade, já informadas
dos assuntos da sexualidade, estão aptas a manter relacionamentos duradouros e
estáveis (envolvendo, obviamente, a prática sexual), com pessoas adultas.
Ressalta-se, por fim, que praticamente todos os países do mundo repudiam o sexo
entre um adulto e um adolescente - e, mais ainda, com uma criança - e tipificam
como crime a conduta de praticar atos libidinosos com pessoa ainda incapaz de
ter o seu consentimento reconhecido como válido. Precedentes citados: AgRg nos
EDcl no AREsp 191.197-MS, Quinta Turma, DJe 19/12/2014; e AgRg no REsp
1.435.416-SC, Sexta Turma, DJe 3/11/2014. REsp 1.480.881-PI, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 10/9/2015.
DIREITO
EMPRESARIAL. PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE DEMURRAGE. Prescreve
em cinco anos a pretensão de cobrança de valores estabelecidos em contrato de
transporte marítimo de cargas (unimodal) para as despesas de sobre-estadia de
contêiner (demurrage). A
distinção entre o que se denominou ser transporte multimodal e o transporte
dito unimodal, pelo menos para fins de definição do prazo prescricional
aplicável à eventual pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de
contêineres, não se fazia relevante até a entrada em vigor do novo Código
Civil, já que, ainda que se admitisse a existência de demurrage no transporte multimodal, para ambos os casos o prazo
previsto necessariamente seria ânuo. No caso do transporte unimodal, por força
do estabelecido pelo Código Comercial, e, no do transporte multimodal, em
virtude da específica regra do art. 22 da Lei 9.611/1998. Ocorre que o artigo
do Código Comercial que estabelecia o prazo de prescrição de um ano para a
hipótese (art. 449, 3) foi expressamente revogado pelo Código Civil de 2002
(art. 2.045). Já quanto ao não cumprimento das responsabilidades decorrentes do
transporte multimodal, o prazo prescricional permanece sendo de um ano por
expressa previsão no art. 22 da Lei 9.611/1998. Ademais, nenhuma relação com a
hipótese guarda o art. 8º do Decreto-Lei 116/1967, haja vista dispor no sentido
de que prescrevem "ao fim de um ano, contado da data do término da
descarga do navio transportador", as ações decorrentes do eventual
extravio da carga transportada, bem como da falta de conteúdo, diminuição,
perdas e avarias ou danos a esta. Quanto à aplicação analógica do art. 22 da
Lei 9.611/1998, esta é absolutamente incabível, pois não se coaduna com os
princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir
verdadeiro atentado à segurança jurídica. É justamente a diferença existente
entre as atividades desempenhadas pelo transportador marítimo e aquelas
legalmente exigidas do Operador de Transporte Multimodal que revela, por si só,
a manifesta impossibilidade de se estender à pretensão de cobrança de despesas
decorrentes da sobre-estadia de contêineres (pretensão do transportador
unimodal contra o contratante do serviço) a regra que estabelece o prazo
prescricional ânuo para as ações fundadas no não cumprimento das
responsabilidades decorrentes do transporte multimodal (pretensões dos
contratantes do serviço contra o Operador de Transporte Multimodal). Vale
destacar que, no caso do transporte unimodal (marítimo), a responsabilidade do
transportador é restrita ao percurso marítimo, que se inicia após o recebimento
da carga a bordo do navio no porto de origem, cessando imediatamente após o
içamento das cargas e o consequente desembarque no porto de destino. Ou seja,
os demais serviços e atos correlatos, tais como desembaraço aduaneiro,
transporte, desunitização dos contêineres etc., são de exclusiva responsabilidade
do afretador, e, por tal motivo, a demora na conclusão desse procedimento pode
resultar em demasiado atraso na devolução dos contêineres utilizados no
transporte da carga ao transportador. Essa situação que não se verifica no
transporte multimodal de cargas, visto que este compreende, consoante
expressamente disposto no art. 3º da Lei 9.611/1998, "além do transporte
em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, movimentação,
armazenagem e entrega da carga ao destinatário, bem como a realização dos
serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive
os de consolidação e desconsolidação documental de cargas". Em outras
palavras, em nenhum momento a unidade de carga deixa de estar sob a posse e o
controle do operador de transporte multimodal, sendo descabido, portanto,
falar, em tal caso, na existência de responsabilidade do contratante por
suposta sobre-estadia de contêineres. Além da dessemelhança das situações em
apreço, certo é que, em se tratando de regras jurídicas sobre prazos
prescricionais, a interpretação analógica ou extensiva sequer é admitida pelo
ordenamento jurídico. A própria inteligência do caput do art. 205 do Código Civil evidencia a
impossibilidade de interpretação analógica ou extensiva de norma sobre
prescrição, visto que estabelece o prazo prescricional decenal como regra geral
a ser aplicada nas hipóteses em que prazo inferior não seja expressamente
fixado por lei. Desse modo, diante da certeza de que o art. 22 da Lei
9.611/1998 não alcança as ações de cobrança de despesas de sobre-estadia
decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal e de que
inexiste lei especial vigente que defina prazo prescricional específico para a
referida pretensão, a matéria deve ser regida pelas disposições insertas no
Código Civil. Não por outro motivo é que ambas as Turmas julgadoras integrantes
da Segunda Seção do STJ já haviam reconhecido que, em se tratando de transporte
unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for
oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios
necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos
prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o
prazo prescricional (art. 206, § 5º, I, do CC); caso contrário, ou seja, nas
hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica-se a regra
geral do art. 205 do CC, ocorrendo a prescrição em dez anos. Precedentes
citados: REsp 1.192.847-SP, Terceira Turma, DJe 1º/8/2014; e REsp 1.355.173-SP,
Quarta Turma, DJe 17/2/2014. REsp 1.340.041-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 24/6/2015, DJe 4/9/2015.
DIREITO CIVIL.
ALTERAÇÃO DE FACHADA SEM AUTORIZAÇÃO DA TOTALIDADE DOS CONDÔMINOS. O condômino
não pode, sem a anuência de todos os condôminos, alterar a cor das esquadrias
externas de seu apartamento para padrão distinto do empregado no restante da
fachada do edifício, ainda que a modificação esteja posicionada em recuo, não
acarrete prejuízo direto ao valor dos demais imóveis e não possa ser vista do
térreo, mas apenas de andares correspondentes de prédios vizinhos. Destaca-se que o legislador, tanto no Código Civil como na Lei
4.591/1964, faz referência expressa à proibição de se alterar a cor das
esquadrias externas ao dispor, respectivamente, que "São deveres do
condômino: [...] não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e
esquadrias externas" (inciso III do art. 1.336) e que "É defeso a
qualquer condômino: [...] decorar as partes e esquadriais externas com
tonalidades ou côres diversas das empregadas no conjunto da edificação"
(inciso II do art. 10), ressalvando-se a possibilidade de sua modificação
quando autorizada pela unanimidade dos condôminos (art. 10, § 2º, da Lei
4.591/1946). A consideração de que a alteração seria possível porque pouco
visível a partir da vista da rua e por não acarretar prejuízo direto no valor
dos demais imóveis do condomínio fere a literalidade da norma, pois é
indiscutível que houve alteração na fachada do prédio. Admitir que apenas as
alterações visíveis do térreo possam caracterizar alteração da fachada,
passível de desfazimento, poderia levar ao entendimento de que, em
arranha-céus, os moradores dos andares superiores, quase invisíveis da rua, não
estariam sujeitos ao regramento em análise. De igual modo, poderia ensejar a
descaracterização do padrão arquitetônico da obra, ainda que a alteração da
fachada seja avistável apenas dos prédios vizinhos em andares correspondentes,
visto posicionar-se em área recuada. Há de se considerar que recuos são
recursos arquitetônicos comuns e que, se localizados na face externa da
edificação, não deixam de compor a fachada. De fato, fachada não é somente
aquilo que pode ser visualizado do térreo. Assim, isoladamente, a alteração
pode não afetar diretamente o preço dos demais imóveis do edifício, mas deve-se
ponderar que, se cada proprietário de unidade superior promover sua
personalização, empregando cores de esquadrias que entender mais adequadas ao
seu gosto pessoal, a quebra da unidade arquitetônica seria drástica, com a
inevitável desvalorização do condomínio. Registre-se, por fim, que não se
ignoram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da alteração
de fachada, mais especificamente acerca de fechamento de varandas com vidros
incolores, instalação de redes de segurança e até substituição de esquadrias
com material diverso do original quando este não se encontra mais disponível no
mercado. Entretanto, na hipótese em apreço, foi utilizada esquadria de cor
diversa do conjunto arquitetônico, alteração jamais admitida e em flagrante
violação do texto legal. REsp 1.483.733-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 25/8/2015, DJe 1º/9/2015.
DIREITO CIVIL.
PENSÃO CIVIL POR INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO. Pode ser incluída pensão
civil em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a
soldado por acidente de trânsito, ainda que se possa presumir capacidade para
atividades administrativas no próprio Exército Brasileiro ou para outras
ocupações. O STJ já decidiu que a circunstância de se presumir
a capacidade laborativa da vítima para outras atividades, diversas daquela
exercida no momento do acidente, não exclui o pensionamento civil, observado o
princípio da reparação integral do dano. Precedentes citados: REsp
1.269.274-RS, Segunda Turma, DJe 10/12/2012; e REsp 899.869-MG, Terceira Turma,
DJe 26/3/2007. REsp 1.344.962-DF, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 25/8/2015, DJe 2/9/2015.
DIREITO CIVIL.
VALOR DA PENSÃO CIVIL POR INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO. A pensão civil
incluída em indenização por debilidade permanente de membro inferior causada a
soldado do Exército Brasileiro por acidente de trânsito pode ser fixada em 100%
do soldo que recebia quando em atividade. A
pensão correspondente ao soldo integral que o soldado recebia na ativa bem
repara o dano gravíssimo sofrido, com amparo no princípio da reparação integral
do dano. REsp 1.344.962-DF, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 25/8/2015, DJe 2/9/2015.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. FORO COMPETENTE PARA APRECIAR AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
CUMULADA COM ALIMENTOS. A autora pode optar entre o foro de seu domicílio e o
foro de domicílio do réu para propor ação de reconhecimento e dissolução de
união estável cumulada com pedido de alimentos, quando o litígio não envolver
interesse de incapaz. Deve-se ponderar, para a
solução da controvérsia em análise, acerca de qual regra de competência deve
sobressair: se a geral do art. 94, ou a especial do art. 100, II, ambos do CPC.
A resposta se orienta à luz do princípio da especificidade, prevalecendo, dessa
forma, a segunda regra de competência. Deve-se ressaltar, contudo, que a
competência prevista no art. 100, II, do CPC é relativa quando se tratar de
pedido de alimentos feito por qualquer um dos cônjuges, ao qual se presume a
condição de hipossuficiente. O que significa dizer que é lícito à autora optar
tanto pelo foro do domicílio do réu quanto pelo de seu próprio domicílio. A
propósito do tema, cabe invocar a seguinte lição doutrinária: "A regra
especial de competência dos incisos I e II do CPC 100 não fere o princípio
constitucional da isonomia (art. 5º, I), nem é incompatível com a igualdade dos
cônjuges na condução da sociedade conjugal (CF 226) (RJTJSP 134/283, 132/279).
A hipótese é de tratar desigualmente partes desiguais, vale dizer, de
discriminação justa, permitida pela CF 5º, I. Como, em tese, o alimentando
necessita dos alimentos para sobreviver e o alimentante pode pagá-los, a ação
de alimentos deve ser proposta no foro do domicílio do alimentando".
Conclui-se, portanto, que a aplicação da regra especial de competência
resguarda o alimentando em sua presumida condição de hipossuficiente e ameniza
o custo financeiro de se demandar em foro distinto de seu domicílio, promovendo
seu acesso à justiça. REsp 1.290.950-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 25/8/2015, DJe 31/8/2015.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA NO PROCEDIMENTO
ARBITRAL. No procedimento arbitral, o prazo decadencial de noventa dias para o
ajuizamento de ação anulatória (art. 33, § 1º, da Lei 9.307/1996) em face de
sentença arbitral parcial conta-se a partir do trânsito em julgado desta, e não
do trânsito em julgado da sentença arbitral final. De plano, afigura-se de suma relevância consignar que, no âmbito do
procedimento arbitral, nos termos da Lei 9.307/1996 (antes mesmo das alterações
promovidas pela Lei 13.129/2015), inexiste qualquer óbice à prolação de
sentença arbitral parcial. Efetivamente, a possibilidade de prolação de
sentença arbitral parcial, há muito admitida no Direito Comparado e
expressamente prevista nos principais regulamentos de arbitragem internacionais
(dentre eles, citam-se: da UNCITRAL -United Nations
Commission on International Trade Law,
art. 32.1; da ICC -International Court of Arbitration, art. 2 (iii); da AAA - International Centre
for Dispute Resolution, art. 27.7; e da LCIA
- London Court of International Arbitration, art. 26.7), encontrava, no país, antes da Lei
11.232/2005, alguma resistência de alguns autores, em virtude, não raro, da
inevitável comparação com o processo judicial então em vigor. Todavia, após a
Reforma instituída pela Lei 11.232/2005, pela qual se afastou da definição de
sentença o critério "exclusivamente" topográfico (extinção do
processo), reportando-se ao conteúdo das matérias vertidas nos arts. 267 e 269
do CPC, tornou-se insubsistente o argumento de parte da doutrina nacional, que
não admitia a prolação de sentença parcial no âmbito do procedimento arbitral
em virtude da literalidade do art. 29 da Lei 9.307/1996 ("Proferida a
sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem..."). Não se olvidam,
tampouco se afastam, as vantagens de se traçar um paralelo entre o processo judicial
e a arbitragem, notadamente por se tratar efetivamente de ramos do Direito
Processual. E, desse modo, natural que do processo judicial se extraiam as
principais noções e, muitas vezes, elementos seguros para solver relevantes
indagações surgidas no âmbito da arbitragem, de modo a conceder às partes
tratamento isonômico e a propiciar-lhes o pleno contraditório e a ampla defesa.
Por consectário, vislumbra-se, em certa medida, a salutar harmonia dos
institutos processuais incidentes no processo judicial com aqueles aplicáveis à
arbitragem. Isso, todavia, não autoriza o intérprete a compreender que a
arbitragem - regida por princípios próprios (notadamente o da autonomia da
vontade e o da celeridade da prestação jurisdicional) - deva observar
necessária e detidamente os regramentos disciplinadores do processo judicial,
sob pena de desnaturar-se esse importante modo de heterocomposição. Há que se
preservar, portanto, as particularidades de cada qual. É justamente com este
enfoque que se deve examinar a admissão da prolação de sentença parcial no
âmbito do procedimento arbitral, assim como sua adequação com o sistema
processual vigente. E, o fazendo, pode-se afirmar com segurança que o
julgamento fatiado da causa afigura-se adequado, viável e condizente com o sistema
processual posto (inclusive pela Lei 11.232/2005). Portanto, em consonância com
o sistema processual vigente, absolutamente admissível que, no âmbito do
procedimento arbitral, os árbitros profiram decisão (sentença) que resolva a
causa parcialmente, compreendida esta como o decisum que reconhece ou não o direito alegado pela parte
(sentença de mérito), ou que repute ausente pressupostos ou condições de
admissibilidade da tutela jurisdicional pretendida (sentença terminativa).
Naturalmente, levando-se em conta as peculiaridades do processo arbitral, a
decisão (sentença) que decide a causa, total ou parcialmente, não pode ser
impugnada por meio de recursos (com exceção, é certo, dos embargos
aclaratórios), mas apenas pela estreita via da ação anulatória, justamente em
função da celeridade e da segurança jurídica da prestação jurisdicional
perseguida pelas partes signatárias. Não obstante, a simples disparidade de
forma pela qual a decisão (sentença) parcial é impugnada nos processos judicial
e arbitral não consubstancia justificativa idônea para inadmiti-la neste
último. Com base em tais premissas, e em se transportando a definição de
sentença ofertada pela Lei 11.232/2005 à Lei 9.307/1996, é de se reconhecer a
absoluta admissão, no âmbito do procedimento arbitral, de se prolatar sentença
parcial, compreendida esta como o ato dos árbitros que, em definitivo (ou seja,
finalizando a arbitragem na extensão do que restou decidido), resolve parte da
causa, com fundamento na existência ou não do direito material alegado pelas
partes ou na ausência dos pressupostos de admissibilidade da tutela
jurisdicional pleiteada. Nesse passo, a sentença parcial arbitral resolve parte
da causa em definitivo, ou seja, finaliza a arbitragem na extensão do que
restou decidido, sendo, portanto, apta, no ponto, à formação da coisa julgada.
Nessa medida, a ação anulatória destinada a infirmá-la - único meio admitido de
impugnação dodecisum - deve
ser intentada de imediato, sob pena de a questão decidida tornar-se imutável,
porquanto não mais passível de anulação pelo Poder Judiciário, a obstar, por
conseguinte, que o Juízo arbitral profira nova decisão sobre a matéria. Não há,
dessa maneira, qualquer argumento idôneo a autorizar a compreensão de que a
impugnação ao comando da sentença parcial arbitral, por meio da competente ação
anulatória, poderia ser engendrada somente por ocasião da prolação da sentença
arbitral final. Sob o enfoque da celeridade, da efetividade e da segurança
jurídica especialmente perseguidas pelas partes signatárias de um compromisso
arbitral, absolutamente contraproducente a adoção de tal postura. De fato,
encontrando-se determinado capítulo da causa maduro para ser julgado, não
haveria razão para que a correlata matéria não fosse desde logo decidida. E,
uma vez resolvida a questão em sentença parcial, caso esta venha a ser anulada,
salutar que o referido provimento judicial seja exarado o quanto antes a fim de
não comprometer ainda mais o procedimento arbitral. A justificar, ainda, a
imediata impugnação, é de suma relevância reconhecer que a questão decidida
pela sentença arbitral parcial encontrar-se-á definitivamente julgada, não
podendo ser objeto de ratificação e muito menos de modificação pela sentença
arbitral final, exigindo-se de ambas, por questão de lógica, naturalmente,
coerência, tão-somente. Não bastassem tais considerações, suficientes em si,
para lastrear a compreensão de que a impugnação da sentença parcial, por meio
de ação anulatória, deve ser exercida pela parte sucumbente imediatamente à sua
prolação, é de se reconhecer, também e principalmente, que tal incumbência
decorre da própria lei de regência (Lei 9.307/1996, inclusive antes das
alterações promovidas pela Lei 13.129/2015), que, no § 1º do art. 33,
estabelece o prazo decadencial de 90 (noventa dias) para anular a sentença
arbitral. Nesse contexto, compreendendo-se sentença arbitral como gênero, do
qual a parcial e a definitiva são espécies, o prazo previsto no aludido
dispositivo legal aplica-se a estas, indistintamente. REsp 1.519.041-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 1º/9/2015, DJe 11/9/2015.
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