quinta-feira, 29 de agosto de 2013

RESUMO. INFORMATIVO 524 DO STJ.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA. A ação de petição de herança relacionada a inventário concluído, inclusive com trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, deve ser julgada, não no juízo do inventário, mas sim no da vara de família, na hipótese em que tramite, neste juízo, ação de investigação de paternidade que, além de ter sido ajuizada em data anterior à propositura da ação de petição de herança, encontre-se pendente de julgamento. De fato, registre-se que o art. 96 do CPC determina que "o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro". Entretanto, nos termos da jurisprudência do STJ, a regra do art. 96 do CPC não incide quando já encerrado o inventário, com trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha (CC 51.061-GO, Segunda Seção, DJ de 19/12/2005). Sendo assim, não há como aplicar o mencionado dispositivo legal à hipótese em análise com o intuito de firmar, no juízo responsável pela conclusão do inventário, a competência para o julgamento da ação de petição de herança. Além disso, esta somente poderá prosperar se o pedido da ação de investigação de paternidade for julgado procedente, o que demonstra a existência de relação de dependência lógica entre as referidas demandas. Por efeito, deve-se reconhecer a existência de conexão entre as ações por prejudicialidade externa — a solução que se der a uma direciona o resultado da outra — para que elas sejam reunidas, tramitando conjuntamente no mesmo juízo; não constituindo, ademais, óbice à prevalência das regras processuais invocadas a existência de regra de organização judiciária estadual em sentido diverso. CC 124.274-PR, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 8/5/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DE QUANTIDADE DE PRODUTO NO CASO DE REDUÇÃO DO VOLUME DE MERCADORIA. Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o volume da mercadoria para quantidade diversa da que habitualmente fornecia no mercado, sem informar na embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva, a diminuição do conteúdo. É direito básico do consumidor a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III, do CDC). Assim, o direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando legal somente será efetivamente cumprido quando a informação for prestada de maneira adequada, assim entendida aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, no último caso, a diluição da comunicação relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia. Além do mais, o dever de informar é considerado um modo de cooperação, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor). Além disso, o art. 31 do CDC, que cuida da oferta publicitária, tem sua origem no princípio da transparência (art. 4º, caput) e é decorrência do princípio da boa-fé objetiva. Não obstante o amparo legal à informação e à prevenção de danos ao consumidor, as infrações à relação de consumo são constantes, porque, para o fornecedor, o lucro gerado pelo dano poderá ser maior do que o custo com a reparação do prejuízo causado ao consumidor. Assim, observe-se que o dever de informar não é tratado como mera obrigação anexa, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de consumo, não podendo afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor a erro, uma vez que não é válida a “meia informação” ou a “informação incompleta”. Com efeito, é do vício que advém a responsabilidade objetiva do fornecedor. Ademais, informação e confiança entrelaçam-se, pois o consumidor possui conhecimento escasso dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Ainda, ressalte-se que as leis imperativas protegem a confiança que o consumidor depositou na prestação contratual, na adequação ao fim que razoavelmente dela se espera e na confiança depositada na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado. Precedentes citados: REsp 586.316-MG, Segunda Turma, DJe 19⁄3⁄2009; e REsp 1.144.840-SP, Terceira Turma, DJe 11⁄4⁄2012. REsp 1.364.915-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/5/2013.

DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE DO ECAD PARA A FIXAÇÃO DO VALOR A SER RECEBIDO A TÍTULO DE DIREITOS AUTORAIS. O ECAD tem legitimidade para reduzir o valor a ser recebido, a título de direitos autorais, pelos autores de obras musicais de background (músicas de fundo), bem como estabelecer, para a remuneração desse tipo de obra, valor diferente do que o recebido pelos compositores das demais composições, de forma a corrigir distorções na remuneração pela execução das diversas obras musicais. Com efeito, o ECAD é uma associação civil constituída pelas associações de direito do autor com a finalidade de defesa e cobrança dos direitos autorais, nos termos do que prevê o art. 99 da Lei 9.610/1998. Vale ressaltar que, com o ato de filiação, as associações atuam como mandatárias de seus filiados na defesa dos seus interesses (art. 98), principalmente junto ao ECAD, que tem a competência para fixar preços, efetuar a cobrança e distribuir os valores referentes aos direitos autorais. Ademais, apesar de a lei de direitos autorais não fazer distinção entre os tipos de obras, outorgando-lhes igual proteção, verifica-se que não há nada que impeça que o critério adotado pelo ECAD para a distribuição dos valores arrecadados entre os autores leve em consideração o fato de as músicas de fundo serem obras de menor evidência do que as composições que, por exemplo, são temas de novelas, de personagens etc. Dessa forma, entende o STJ que, em se tratando de direito de autor, compete a este a fixação do seu valor, o que pode ocorrer diretamente ou por intermédio das associações e do próprio ECAD, que possui métodos próprios para a elaboração dos cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas, segundo critérios eleitos internamente, já que não há tabela oficial regulamentada por lei ou normas administrativas sobre o assunto. REsp 1.331.103-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2013.

DIREITO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE LIMITADA. Na hipótese em que tenha sido determinada a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade limitada modesta na qual as únicas sócias sejam mãe e filha, cada uma com metade das quotas sociais, é possível responsabilizar pelas dívidas dessa sociedade a sócia que, de acordo com o contrato social, não exerça funções de gerência ou administração. É certo que, a despeito da inexistência de qualquer restrição no art. 50 do CC/2002, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica apenas deve incidir sobre os bens dos administradores ou sócios que efetivamente contribuíram para a prática do abuso ou fraude na utilização da pessoa jurídica. Todavia, no caso de sociedade limitada modesta na qual as únicas sócias sejam mãe e filha, cada uma com metade das quotas sociais, a titularidade de quotas e a administração da sociedade se confundem, situação em que as deliberações sociais, na maior parte das vezes, ocorrem no dia a dia, sob a forma de decisões gerenciais. Nesse contexto, torna-se difícil apurar a responsabilidade por eventuais atos abusivos ou fraudulentos. Em hipóteses como essa, a previsão no contrato social de que as atividades de administração serão realizadas apenas por um dos sócios não é suficiente para afastar a responsabilidade dos demais. Seria necessária, para tanto, a comprovação de que um dos sócios estivera completamente distanciado da administração da sociedade. REsp 1.315.110-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. A entidade responsável por prestar serviços de comunicação não tem o dever de indenizar pessoa física em razão da publicação de matéria de interesse público em jornal de grande circulação a qual tenha apontado a existência de investigações pendentes sobre ilícito supostamente cometido pela referida pessoa, ainda que posteriormente tenha ocorrido absolvição quanto às acusações, na hipótese em que a entidade busque fontes fidedignas, ouça as diversas partes interessadas e afaste quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulga. De fato, a hipótese descrita apresenta um conflito de direitos constitucionalmente assegurados: os direitos à liberdade de pensamento e à sua livre manifestação (art. 5º, IV e IX), ao acesso à informação (art. 5º, XIV) e à honra (art. 5º, X). Cabe ao aplicador da lei, portanto, exercer função harmonizadora, buscando um ponto de equilíbrio no qual os direitos conflitantes possam conviver. Nesse contexto, o direito à liberdade de informação deve observar o dever de veracidade, bem como o interesse público dos fatos divulgados. Em outras palavras, pode-se dizer que a honra da pessoa não é atingida quando são divulgadas informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, outrossim, são de interesse público. Quanto à veracidade do que noticiado pela imprensa, vale ressaltar que a diligência que se deve exigir na verificação da informação antes de divulgá-la não pode chegar ao ponto de as notícias não poderem ser veiculadas até se ter certeza plena e absoluta de sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz o verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual deve haver cognição plena e exauriente dos fatos analisados. Além disso, deve-se observar que a responsabilidade da imprensa pelas informações por ela veiculadas é de caráter subjetivo, não se cogitando da aplicação da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva. Assim, para a responsabilização da imprensa pelos fatos por ela reportados, não basta a divulgação de informação falsa, exige-se prova de que o agente divulgador conhecia ou poderia conhecer a falsidade da informação propalada, o que configuraria abuso do direito de informação. REsp 1.297.567-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO SOBRE MANDATO JUDICIAL. A sentença de interdição não tem como efeito automático a extinção do mandato outorgado pelo interditando ao advogado para sua defesa na demanda, sobretudo no caso em que o curador nomeado integre o polo ativo da ação de interdição. De fato, o art. 682, II, do CC dispõe que a interdição do mandante acarreta automaticamente a extinção do mandato, inclusive o judicial. Contudo, ainda que a norma se aplique indistintamente a todos os mandatos, faz-se necessária uma interpretação lógico-sistemática do ordenamento jurídico pátrio, permitindo afastar a sua incidência no caso específico do mandato outorgado pelo interditando para a sua defesa judicial na própria ação de interdição. Isso porque, além de o art. 1.182, § 2º, do CPC assegurar o direito do interditando de constituir advogado para sua defesa na ação de interdição, o art. 1.184 do mesmo diploma legal deve ser interpretado de modo a considerar que a sentença de interdição produz efeitos desde logo quanto aos atos da vida civil, mas não atinge, sob pena de afronta ao direito de defesa do interditando, os mandatos referentes ao próprio processo. Com efeito, se os advogados constituídos pelo interditando não pudessem interpor recurso contra a sentença, haveria evidente prejuízo à defesa. Ressalte-se, ademais, que, nessa situação, reconhecer a extinção do mandato ensejaria evidente colisão dos interesses do interditando com os de seu curador. Contudo, a anulação da outorga do mandato pode ocorrer, desde que, em demanda específica, comprove-se cabalmente a nulidade pela incapacidade do mandante à época da realização do negócio jurídico. REsp 1.251.728-PE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em, 14/5/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA EM CONTRATO DE CONSUMO. É abusiva a cláusula contratual que atribua exclusivamente ao consumidor em mora a obrigação de arcar com os honorários advocatícios referentes à cobrança extrajudicial da dívida, sem exigir do fornecedor a demonstração de que a contratação de advogado fora efetivamente necessária e de que os serviços prestados pelo profissional contratado sejam privativos da advocacia. É certo que o art. 395 do CC autoriza o ressarcimento do valor de honorários decorrentes da contratação de serviços advocatícios extrajudiciais. Todavia, não se pode perder de vista que, nos contratos de consumo, além da existência de cláusula expressa para a responsabilização do consumidor, deve haver reciprocidade, garantindo-se igual direito ao consumidor na hipótese de inadimplemento do fornecedor. Ademais, deve-se ressaltar que a liberdade contratual, integrada pela boa-fé objetiva, acrescenta ao contrato deveres anexos, entre os quais se destaca o ônus do credor de minorar seu prejuízo mediante soluções amigáveis antes da contratação de serviço especializado. Assim, o exercício regular do direito de ressarcimento aos honorários advocatícios depende da demonstração de sua imprescindibilidade para a solução extrajudicial de impasse entre as partes contratantes ou para a adoção de medidas preparatórias ao processo judicial, bem como da prestação efetiva de serviços privativos de advogado. REsp 1.274.629-AP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE. O juiz pode determinar, de forma incidental, na execução singular ou coletiva, a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade. De fato, segundo a jurisprudência do STJ, preenchidos os requisitos legais, não se exige, para a adoção da medida, a propositura de ação autônoma. Precedentes citados: REsp 1.096.604-DF, Quarta Turma, DJe 16/10/2012; e REsp 920.602-DF, Terceira Turma, DJe 23/6/2008. REsp 1.326.201-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/5/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR PEDIDO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, essa será competente para processar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente de eventuais limitações existentes na lei de organização judiciária local. Ressalte-se, inicialmente, que a plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas trouxe, como consequência, a extensão automática àquelas das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável de homem e mulher. Ademais, apesar de a organização judiciária de cada estado ser afeta ao Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas varas impõe a submissão destas às respectivas vinculações legais estabelecidas no nível federal, para que não se configure ofensa à lógica do razoável e, em situações como a em análise, ao princípio da igualdade. Assim, se a prerrogativa de vara privativa é outorgada, para a solução de determinadas lides, à parcela heterossexual da população brasileira, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, bem como a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que precisem da intervenção do Poder Judiciário para a solução de demandas similares. REsp 1.291.924-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013.

DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO DE TERRENO QUE A UNIÃO ALEGA SER INTEGRANTE DE FAIXA DE MARINHA. A alegação da União de que determinada área constitui terreno de marinha, sem que tenha sido realizado processo demarcatório específico e conclusivo pela Delegacia de Patrimônio da União, não obsta o reconhecimento de usucapião. A demarcação da faixa de marinha depende de complexo procedimento administrativo prévio de atribuição do Poder Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados pela União e de domicílio certo, com observância à garantia do contraditório e da ampla defesa. Tendo-se em conta a complexidade e onerosidade do procedimento demarcatório, sua realização submete-se a um juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública. Ocorre que não é razoável que o jurisdicionado tenha sua pretensão de reconhecimento da usucapião de terreno que já ocupa com ânimo de dono condicionada à prévia demarcação da faixa de marinha, fato futuro e sem qualquer previsibilidade de materialização. Assim, é possível o reconhecimento da usucapião, desde que resguardados expressamente os interesses da União, admitindo que, caso se apure, no procedimento próprio, que a área usucapienda se caracteriza como bem público, não haverá prejuízo ao ente público. Com efeito, a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo juízo constantes do mérito da causa, não podendo, no caso, ser considerada deduzível a matéria, pois inexistente estudo conclusivo sobre o assunto. REsp 1.090.847-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/4/2013

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS POR EXTRAVIO DE CARTA REGISTRADA. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve reparar os danos morais decorrentes de extravio de correspondência registrada.
Com efeito, o consumidor que opta por enviar carta registrada tem provável interesse no rastreamento e na efetiva comprovação da entrega da correspondência, por isso paga mais caro pelo serviço. Desse modo, se o consumidor escolhe enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação ao remetente do aviso de recebimento, de maneira que o simples fato da perda da correspondência, nessa hipótese, acarreta dano moral in re ipsa. REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS POR EXTRAVIO DE CARTA REGISTRADA. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve reparar os danos morais decorrentes de extravio de correspondência registrada. Com efeito, o consumidor que opta por enviar carta registrada tem provável interesse no rastreamento e na efetiva comprovação da entrega da correspondência, por isso paga mais caro pelo serviço. Desse modo, se o consumidor escolhe enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação ao remetente do aviso de recebimento, de maneira que o simples fato da perda da correspondência, nessa hipótese, acarreta dano moral in re ipsa. REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013.

DIREITO CIVIL. LIMITES À UTILIZAÇÃO DE TRECHOS DE OBRA MUSICAL. Constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, sem autorização ou menção aos seus autores, em periódico de cunho erótico, de trechos de determinada obra musical — que vinha sendo explorada comercialmente, em segmento mercadológico diverso, pelos titulares de seus direitos patrimoniais — no caso em que o trecho tenha sido utilizado para dar completude ao ensaio fotográfico publicado, proporcionando maior valorização do produto comercializado. Em regra, a exploração comercial da obra e a escolha dos meios em que ela ocorrerá são direitos exclusivos do autor. De fato, a utilização de pequenos trechos de obras preexistentes somente não constitui ofensa aos direitos autorais quando a reprodução, em si, não seja o objetivo principal da obra nova, não prejudique a exploração normal daquela reproduzida, nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores (art. 46, VIII, da Lei 9.610/1998). Nesse contexto, verificado que a situação em análise não se enquadra na exceção, por ter sido a obra utilizada em caráter de completude, e não de acessoriedade, bem como pelo fato de que esta vinha sendo explorada comercialmente em segmento mercadológico diverso pelos titulares de seus direitos patrimoniais, deve-se reconhecer, na hipótese, a ocorrência de efetiva violação aos direitos dos autores. REsp 1.217.567-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR. No caso em que consumidor tenha apresentado reação alérgica ocasionada pela utilização de sabão em pó, não apenas para a lavagem de roupas, mas também para a limpeza doméstica, o fornecedor do produto responderá pelos danos causados ao consumidor na hipótese em que conste, na embalagem do produto, apenas pequena e discreta anotação de que deve ser evitado o "contato prolongado com a pele" e que, "depois de utilizar" o produto, o usuário deve lavar e secar as mãos. Isso porque, embora não se possa falar na ocorrência de defeito intrínseco do produto — haja vista que a hipersensibilidade ao produto é condição inerente e individual do consumidor —, tem-se por configurado defeito extrínseco do produto, qual seja, a inadequada informação na embalagem do produto, o que implica configuração de fato do produto (CDC, art. 12) e, por efeito, responsabilização civil do fornecedor. Esse entendimento deve prevalecer, porquanto a informação deve ser prestada de forma inequívoca, ostensiva e de fácil compreensão, principalmente no tocante às situações de perigo, haja vista que se trata de direito básico do consumidor (art. 6°, III, do CDC) que se baseia no princípio da boa-fé objetiva. Nesse contexto, além do dever de informar, por meio de instruções, a forma correta de utilização do produto, todo fornecedor deve, também, advertir os usuários acerca de cuidados e precauções a serem adotados, alertando sobre os riscos correspondentes, principalmente na hipótese em que se trate de um grupo de hipervulneráveis (como aqueles que têm hipersensibilidade ou problemas imunológicos ao produto). Ademais, o art. 31 do CDC estabelece que a “oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. Por fim, ainda que o consumidor utilize o produto para a limpeza do chão dos cômodos da sua casa — e não apenas para a lavagem do seu vestuário —, não há como isentar a responsabilidade do fornecedor por culpa exclusiva do consumidor (CDC, art. 12, § 3º, III) em razão de uso inadequado do produto. Isso porque a utilização do sabão em pó para limpeza doméstica não representa, por si só, conduta descuidada apta a colocar a consumidora em risco, haja vista que não se trata de uso negligente ou anormal do produto, sendo, inclusive, um comportamento de praxe nos ambientes residenciais. REsp 1.358.615-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. No âmbito de execução de sentença civil condenatória decorrente da prática de ato ilícito, é possível a penhora do bem de família na hipótese em que o réu também tenha sido condenado na esfera penal pelo mesmo fundamento de fato. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia. Por sua vez, o inciso VI do art. 3º desse diploma legal estabelece que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”. O legislador, ao registrar a exceção, não tratou do caso de execução de título judicial civil decorrente da prática de ato ilícito, ainda que devidamente apurado e cuja decisão tenha transitado em julgado. Nesse contexto, pode-se concluir que o legislador optou pela prevalência do dever do infrator de indenizar a vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo direito penal e que nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de sentença penal condenatória transitada em julgado. Dessa forma, é possível afirmar que a ressalva contida no inciso VI do art. 3º da referida lei somente abrange a execução de sentença penal condenatória — ação civil ex delicto —, não alcançando a sentença cível de indenização, salvo se, verificada a coexistência dos dois tipos, as decisões tiverem o mesmo fundamento de fato. Precedente citado: REsp 209.403-RS, Terceira Turma, DJ 5/2/2001. REsp 1.021.440-SP, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

DIREITO AO ESQUECIMENTO. VÍDEO DE EX-BBB DEVE SER RETIRADO DA INTERNET. AR.

Fonte: Migalhas. 

Big brother

Blogs com vídeo íntimo de ex-BBB devem ser retirados do ar

Terça-feira, 27/8/2013

Blogs com vídeo íntimo de ex-BBB devem ser retirados da internet. Para o juiz Sandro Nogueira de Barros Leite, da 6ª vara Cível de SP, a autora, participante da 9ª edição do Big Brother Brasil, comprovou que as expressões injuriosas veiculadas com o vídeo violam o seu direito constitucional fundamental à imagem.

De acordo com os autos, a modelo e apresentadora afirmou que, em toda sua carreira, iniciada ainda na adolescência vem colecionando "láureas e o carinho de fãs por todo o Brasil". Segundo ela, no entanto, em 2006, sem o seu consentimento, seu então marido produziu vídeo em momento íntimo do casal.

A ex-participante do reality show afirmou que, em maio de 2009, tomou conhecimento que o vídeo estaria circulando pela internet em 29 blogs e outras páginas, de criação anônima, com textos e fotos "para difamá-la", com o vídeo ou o link para download do mesmo. Pediu, então, que o Google, responsável pelo serviço Blogspot/Blogger, removesse os conteúdos dos links descritos na inicial e fornecesse os dados completos de cadastros dos usuários, além das informações de servidor.

Liminar concedida no início da lide determinou a exclusão das páginas e conteúdos que veiculassem imagens e textos difamatórios. O Google, administrador dos serviços Blogspot/Blogger, afirmou ter removido dez conteúdos e fornecido os dados disponíveis, sendo que 12 das páginas não foram encontradas.

O juiz Sandro Nogueira de Barros Leite, da 6ª vara Cível, entendeu que a autora comprovou que estão sendo utilizadas por meio da internet, vídeo e expressões injuriosas que violam o seu direito constitucional fundamental à imagem, previsto no art. 5º, X, da CF. Segundo o magistrado, "vale destacar que a livre manifestação do pensamento deve ser compatibilizada com o direito à inviolabilidade da honra".

Barros Leite determinou a remoção imediata das páginas do serviço que ainda estão disponíveis, além do fornecimento dos dados completos de cadastros dos usuários e informações de servidor.

·         Processo: 0118984-51.2011.8.26.0100

O processo tramita em segredo de Justiça.

domingo, 25 de agosto de 2013

ARTIGO DE ALDO DE CAMPOS COSTA SOBRE AS JORNADAS DE DIREITO CIVIL. SÉRIE PUBLICADA NO CONJUR. PARTE 1. .

Verbetes das Jornadas de Direito Civil (parte 1)

Aldo de Campos Costa. 

Fonte: Conjur. Publicado com a a autorização do autor. 

Por retratarem o pensamento médio de magistrados, professores, representantes das diversas carreiras jurídicas e estudiosos do direito civil brasileiro, os verbetes das Jornadas do Conselho da Justiça Federal vêm sendo cobrados com regularidade em processos seletivos e concursos públicos de todo o Brasil. A leitura dos enunciados, contudo, não raro é prejudicada pela forma como os textos são apresentados — por referência ou remissão aos preceitos do Código Civil. Daí a ideia de dedicar-se seis edições desta coluna à consolidação dos termos em que expostos os mencionados entendimentos. Iniciaremos hoje a organização daqueles alusivos à Parte Geral.

Enunciados 1 e 2
Nos termos do artigo 2º do Código Civil, a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A proteção deferida ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura. O dispositivo, entretanto, não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que devem ser objeto de um estatuto próprio.

Enunciado 138
Segundo dispõe o artigo 3º, os maiores de 16 e os menores de 18 anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Sua vontade, contudo, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

Enunciado 3
A menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. A redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos dezoito anos não altera o disposto no artigo 16, inciso I, da Lei 8.213/1991, segundo o qual são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado, os menores de 21 anos, porquanto regula específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial.

Enunciados 397 e 530
A incapacidade cessará, para os menores  pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 anos completos. A emancipação sujeita-se à desconstituição por vício de vontade e, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Enunciados 272 e 273
Não é admitida em nosso ordenamento jurídico a adoção por ato extrajudicial, sendo indispensável a atuação jurisdicional, inclusive para a adoção de maiores de dezoito anos. Na adoção bilateral e na adoção unilateral, quando não se preserva o vínculo com qualquer dos genitores originários, deverá ser averbado o cancelamento do registro originário de nascimento do adotado, lavrando-se novo registro. Sendo unilateral a adoção, e sempre que se preserve o vínculo originário com um dos genitores, deverá ser averbada a substituição do nome do pai ou mãe naturais pelo nome do pai ou mãe adotivos.

Enunciado 4 e 139
Excetuados os casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Ressalva-se a que não seja permanente nem geral, mesmo não especificamente prevista em lei.

Enunciado 139
Os direitos da personalidade não podem ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.

Enunciados 144, 274 e 531
Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, contida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que, na sociedade da informação, inclui o direito ao esquecimento. Em caso de colisão entre os direitos da personalidade, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

Enunciados 6, 276, 401 e 532
Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. A expressão “exigência médica” refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente, autorizando as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. É permitida, ainda, a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos e para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. A cessão gratuita de direitos de uso de material biológico para fins de pesquisa científica não contraria os bons costumes quando a manifestação de vontade for livre, esclarecida e puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais.

Enunciados 5, 140, 275, 399 e 400
O cônjuge sobrevivente, o companheiro ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, podem exigir, por direito próprio, de forma concorrente e autônoma, seja cessada a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Essa possibilidade refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no artigo 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo. Tem caráter geral e pode ser aplicada subsidiariamente, com relação ao cônjuge sobrevivente, o companheiro ou qualquer parente em linha reta, à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, ou à publicação, à exposição ou à utilização da imagem de uma pessoa se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Essas disposições, instituídas no artigo 20 do Código Civil, têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele mencionadas. Os poderes conferidos aos legitimados para a tutela post mortem dos direitos da personalidade não compreendem a faculdade de limitação voluntária.

Enunciado 277
O artigo 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do artigo 4º da Lei 9.434/1997, segundo o qual “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte” ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.

Enunciado 402
Fundado no consentimento informado, o artigo 14, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual “o ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”, não dispensa o consentimento dos adolescentes para a doação de medula óssea prevista no art. 9º, § 6º, da Lei 9.434/1997, que dispõe não poder o indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, salvo quando houver consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde, por aplicação analógica dos artigos 28, § 2º (“Tratando-se de maior de doze anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência”) e 45, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (“Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento”).

Enunciado 403
O direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observada a capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; a manifestação de vontade livre, consciente e informada; e a oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.

Enunciado 533
O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos.

Enunciado 278
Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade.

Enunciado 279
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.

Enunciados 404 e 405
A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas. As informações genéticas também são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular.

Enunciado 141
Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, isto é, as fundações públicas e os entes de fiscalização do exercício profissional, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas do Código Civil.

Enunciado 142
Os partidos políticos, os sindicatos e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil.

Enunciado 143
O fato de ser livre o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento, não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos.

Enunciado 144
São pessoas jurídicas de direito privado: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada. Essa relação não é exaustiva.

Enunciado 280
Os artigos 57 (“A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”) e 60 (“A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a um quinto dos associados o direito de promovê-la”), aplicam-se subsidiariamente às sociedades empresárias, exceto às limitadas, nos seguintes termos: i) em havendo previsão contratual, é possível aos sócios deliberar a exclusão de sócio por justa causa, pela via extrajudicial, cabendo ao contrato disciplinar o procedimento de exclusão, assegurado o direito de defesa, por aplicação analógica do artigo 1.085 (“Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa”) e ii) as deliberações sociais poderão ser convocadas por iniciativa de sócios que representem um quinto do capital social, na omissão do contrato. A mesma regra aplica-se na hipótese de criação, pelo contrato, de outros órgãos de deliberação colegiada.

Enunciado 145
Não afasta a aplicação da teoria da aparência o fato de os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo, obrigarem a pessoa jurídica.

Enunciados 7, 281, 285, 406 e 407
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, descrita no artigo 50 do Código Civil (“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”): a) só se aplica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido; b) prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica; c) pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor; d) pode alcançar os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do preceito e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as sociedades; e) pode alcançar as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos.

Enunciado 283
É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

Enunciado 282
O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.

Enunciado 146
Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no artigo 50 do Código Civil: o desvio de finalidade social ou confusão patrimonial.

A segunda parte da consolidação dos verbetes das Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho de Justiça Federal alusivos à Parte Geral do Código será publicada na próxima quinta-feira (29/8).

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

RESUMO. INFORMATIVO 523 DO STJ.



DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ATOS DE TORTURA. É imprescritível a pretensão de recebimento de indenização por dano moral decorrente de atos de tortura ocorridos durante o regime militar de exceção. Precedentes citados: AgRg no AG 1.428.635-BA, Segunda Turma, DJe 9/8/2012; e AgRg no AG 1.392.493-RJ, Segunda Turma, DJe 1/7/2011. REsp 1.374.376-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/6/2013.

DIREITO ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRICIONAL NA HIPÓTESE DE PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. A pretensão indenizatória decorrente de desapropriação indireta prescreve em vinte anos na vigência do CC/1916 e em dez anos na vigência do CC/2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002.
De início, cumpre ressaltar que a ação de desapropriação indireta possui natureza real e, enquanto não transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, ante a impossibilidade de reivindicar a coisa, subsiste a pretensão indenizatória em relação ao preço correspondente ao bem objeto do apossamento administrativo. Com base nessa premissa e com fundamento no art. 550 do CC/1916 — dispositivo legal cujo teor prevê prazo de usucapião —, o STJ firmou a orientação de que "a ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos" (Súmula 119/STJ). O CC/2002, entretanto, reduziu o prazo da usucapião extraordinária para quinze anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de dez anos nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Assim, considerando que a desapropriação indireta pressupõe a realização de obras pelo poder público ou sua destinação em função da utilidade pública ou do interesse social, com fundamento no atual Código Civil, o prazo prescricional aplicável às desapropriações indiretas passou a ser de dez anos. REsp 1.300.442-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/6/2013.

DIREITO CIVIL. INCOMUNICABILIDADE DE BEM RECEBIDO A TÍTULO DE DOAÇÃO NO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. No regime de comunhão parcial de bens, não integra a meação o valor recebido por doação na constância do casamento — ainda que inexistente cláusula de incomunicabilidade — e utilizado para a quitação de imóvel adquirido sem a contribuição do cônjuge não donatário. De início, cumpre observar que, na relação conjugal em que há opção pelo regime de comunhão parcial, os cônjuges reconhecem que o fruto do esforço comum deve ser compartilhado pelo casal, não o patrimônio anterior, nem tampouco aquele que não advenha – direta ou indiretamente – do labor do casal. Ademais, sob o citado regime, a doação realizada a um dos cônjuges somente será comunicável quando o doador expressamente se manifestar nesse sentido e, no silêncio, presume-se feita apenas à donatária. Por fim, não há que aplicar norma atinente ao regime de comunhão universal, qual seja, a necessidade de cláusula de incomunicabilidade para excluir bens doados, quando há expressa regulação da matéria em relação ao regime da comunhão parcial de bens (arts. 1.659, I, 1.660, III, e 1.661 do CC). REsp 1.318.599-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS DE ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA. É possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato, destinatário final fático e também econômico do serviço prestado. Revela-se, ainda, a presunção da sua vulnerabilidade, seja porque o contrato firmado é de adesão, seja porque é uma atividade complexa e especializada ou, ainda, porque os mercados se comportam de forma diferenciada e específica em cada lugar e período. No cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e a administradora; e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. Nas duas situações, evidencia-se a destinação final econômica do serviço prestado ao contratante, devendo a relação jurídica estabelecida ser regida pelas disposições do diploma consumerista. REsp 509.304-PR, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 16/5/2013.


DIREITO EMPRESARIAL. INCIDÊNCIA DA BOA-FÉ OBJETIVA NO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Não é possível ao representante comercial exigir, após o término do contrato de representação comercial, a diferença entre o valor da comissão estipulado no contrato e o efetivamente recebido, caso não tenha havido, durante toda a vigência contratual, qualquer resistência ao recebimento dos valores em patamar inferior ao previsto no contrato. Inicialmente, cumpre salientar que a Lei 4.886/1965 dispõe serem vedadas, na representação comercial, alterações que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência do contrato. De fato, essa e outras previsões legais introduzidas pela Lei 8.420/1992 tiveram caráter social e protetivo em relação ao representante comercial autônomo que, em grande parte das vezes, ficava à mercê do representado, que alterava livre e unilateralmente o contrato de acordo com os seus interesses e, normalmente, em prejuízo do representante, pois economicamente dependente daquele. Essa restrição foi introduzida para compensar o desequilíbrio entre o representado e o representante, este reconhecidamente mais fraco do ponto de vista jurídico e econômico. Nesse sentido, nem mesmo as alterações consensuais e bilaterais são admitidas quando resultarem em prejuízos diretos ou indiretos para o representante. Todavia, no caso em que a comissão tenha sido paga ao representante em valor inferior ao que celebrado no contrato, durante toda a sua vigência, sem resistência ou impugnação por parte do representante, pode-se concluir que a este interessava a manutenção do contrato, mesmo que em termos remuneratórios inferiores, tendo em vista sua anuência tácita para tanto. Verifica-se, nessa hipótese, que não houve uma redução da comissão do representante em relação à média dos resultados auferidos nos últimos seis meses de vigência do contrato, o que, de fato, seria proibido nos termos do art. 32, § 7º, da Lei 4.886/1965. Desde o início da relação contratual, tendo sido a comissão paga em valor inferior ao que pactuado, conclui-se que a cláusula que estipula pagamento de comissão em outro valor nunca chegou a viger. Ainda, observa-se que, nessa situação, não houve qualquer redução da remuneração do representante que lhe pudesse causar prejuízos, de forma a contrariar o caráter eminentemente protetivo e social da lei. Se o representante permanece silente durante todo o contrato em relação ao valor da comissão, pode-se considerar que tenha anuído tacitamente com essa condição de pagamento, não sendo razoável que, somente após o término do contrato, venha a reclamar a diferença. Com efeito, a boa-fé objetiva, princípio geral de direito recepcionado pelos arts. 113 e 422 do CC/2002 como instrumento de interpretação do negócio jurídico e norma de conduta a ser observada pelas partes contratantes, exige de todos um comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade, induz deveres acessórios de conduta, impondo às partes comportamentos obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos, a serem observados para que se concretizem as justas expectativas oriundas da própria celebração e execução da avença, mantendo-se o equilíbrio da relação. Essas regras de conduta não se orientam exclusivamente ao cumprimento da obrigação, permeando toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses globais envolvidos no negócio, sempre tendo em vista a plena realização da sua finalidade social. Além disso, o referido princípio tem a função de limitar o exercício dos direitos subjetivos. A esta função, aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando o instituto da supressio, que indica a possibilidade de considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar ao devedor a legítima expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo. Em outras palavras, haverá redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes em exercer direito ou faculdade ao longo da execução do contrato, criando para a outra a sensação válida e plausível — a ser apurada casuisticamente — de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. Assim, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão do representante comercial de exigir retroativamente valores que foram por ele dispensados, de forma a preservar uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual pelo representado. REsp 1.162.985-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 18/6/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO EM EMBARGOS DO DEVEDOR. No âmbito de embargos do devedor, é possível proceder à revisão do contrato de que se origine o título executado, ainda que, em relação ao referido contrato, tenha havido confissão de dívida.
Precedentes citados: AgRg no REsp 716.961-RS, Quarta Turma, DJe 22/2/2011; AgRg no REsp 908.879-PE, Quarta Turma, DJe 19/4/2010; e AgRg no REsp 877.647-RS, Terceira Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 8/6/2009. REsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PENHORABILIDADE DE VALORES APLICADOS EM FUNDO DE INVESTIMENTO. É possível a penhora de valores que, apesar de recebidos pelo devedor em decorrência de rescisão de contrato de trabalho, tenham sido posteriormente transferidos para fundo de investimento. Destaque-se, inicialmente, que a solução da controvérsia exige uma análise sistemática do art. 649 do CPC, notadamente dos incisos que fixam a impenhorabilidade de verbas de natureza alimentar e de depósitos em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos. Segundo o inciso IV do artigo, são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios”, além das “quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. Por sua vez, o inciso X do mesmo artigo dispõe ser absolutamente impenhorável, “até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança”. Deve-se notar que, apesar de o inciso que cuida da impenhorabilidade das verbas alimentares não dispor expressamente até que ponto elas permanecerão sob a proteção desse benefício legal, infere-se de sua redação, bem como de seu próprio espírito norteador, que somente manterão essa condição enquanto “destinadas ao sustento do devedor e sua família”. Em outras palavras, na hipótese de qualquer provento de índole salarial se mostrar, ao final do período — isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza —, superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável. Por isso, não é razoável, como regra, admitir que verbas alimentares não utilizadas no período para a própria subsistência sejam transformadas em aplicações ou investimentos financeiros e continuem a gozar do benefício da impenhorabilidade. Até porque, em geral, grande parte do capital acumulado pelas pessoas é fruto de seu próprio trabalho. Assim, se as verbas salariais não utilizadas pelo titular para subsistência mantivessem sua natureza alimentar, teríamos por impenhorável todo o patrimônio construído pelo devedor a partir desses recursos. O legislador, porém, criou uma exceção à regra, prevendo expressamente que são igualmente impenhoráveis valores até o limite de 40 salários mínimos aplicados em caderneta de poupança. Estabeleceu-se, assim, uma presunção de que os valores depositados em caderneta de poupança até aquele limite assumem função de segurança alimentícia pessoal e familiar. Trata-se, pois, de benefício que visa à proteção do pequeno investimento, da poupança modesta, voltada à garantia do titular e de sua família contra imprevistos, como desemprego ou doença. É preciso destacar que a poupança constitui investimento de baixo risco e retorno, contando com proteção do Fundo Garantidor de Crédito e isenção do imposto de renda, tendo sido concebida justamente para pequenos investimentos destinados a atender o titular e sua unidade familiar em situações emergenciais, por um período determinado e não muito extenso. Outras modalidades de aplicação financeira de maior risco e rentabilidade — como é o caso dos fundos de investimento — não detêm esse caráter alimentício, sendo voltadas para valores mais expressivos, menos comprometidos, destacados daqueles vinculados à subsistência mensal do titular e de sua família. Essas aplicações buscam suprir necessidades e interesses de menor preeminência — ainda que de elevada importância —, como a aquisição de bens duráveis, inclusive imóveis, ou mesmo a realização de uma previdência informal de longo prazo. Aliás, mesmo aplicações em poupança em valor mais elevado perdem o caráter alimentício, tanto que o benefício da impenhorabilidade foi limitado a 40 salários mínimos e o próprio Fundo Garantidor de Crédito assegura proteção apenas até o limite de R$ 70.000,00 por pessoa, nos termos da Res. 4.087⁄2012 do CMN. Diante disso, deve-se concluir que o art. 649, X, do CPC não admite intepretação extensiva de modo a abarcar todo e qualquer tipo de aplicação financeira, para que não haja subversão do próprio desígnio do legislador ao editar não apenas esse comando legal, mas também a regra do art. 620 do CPC de que a execução se dê pela forma menos gravosa ao devedor. De fato, o sistema de proteção legal conferido às verbas de natureza alimentar impõe que, para manterem essa natureza, sejam aplicadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos, o que permite ao titular e sua família uma subsistência digna por um prazo razoável de tempo. Valores mais expressivos, superiores ao referido patamar, não foram contemplados pela impenhorabilidade fixada pelo legislador, até para que possam, efetivamente, vir a ser objeto de constrição, impedindo que o devedor abuse do benefício legal, escudando-se na proteção conferida às verbas de natureza alimentar para se esquivar do cumprimento de suas obrigações, a despeito de possuir condição financeira para tanto. Com efeito, o que se quis assegurar com a impenhorabilidade de verbas alimentares foi a sobrevivência digna do devedor, e não a manutenção de um padrão de vida acima das suas condições às custas do credor. REsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2013.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

MAIS UMA SENTENÇA RECONHECE A MULTIPARENTALIDADE. TJRS.

Fonte: Migalhas. 

Maternidade socioafetiva.

Irmãos do RS conseguem o direito de ter duas mães na certidão de nascimento. 

eTerça-feira, 13/8/2013

A vara Judicial da comarca de São Francisco de Assis/RS reconheceu a possibilidade de duas crianças terem seus registros civis alterados, para inclusão de segunda mãe nas certidões. A madrasta e as crianças ajuizaram ação declaratória de maternidade socioafetiva, entretanto, sem excluir o nome da mãe biológica do registro.

As crianças tinham dois e sete anos de idade quando a mãe biológica faleceu. Algum tempo depois, o pai se casou com outra mulher e as crianças foram morar com o casal, estabelecendo um relacionamento afetivo com a madrasta.
O mais velho dos irmãos relatou que guarda boas lembranças da falecida genitora. Afirmou que chama a madrasta de mãe, pois ela lhe ensinou a ter responsabilidades e a ser uma pessoa honesta. Indicou ainda o desejo de ter o nome da madrasta em suas certidões.
Em sua decisão, a juíza de Direito Carine Labres, substituta na vara, dispôs que "as relações de afeto têm desafiado os legisladores que, muitas vezes, arraigados ao preconceito, ao termo de críticas que maculam a imagem daqueles que almejam a reeleição, silenciam face à realidade que lhes salta aos olhos".
A magistrada frisou ainda a sobreposição do afeto à lei e que isso é consequência da reconfiguração em diversas famílias modernas. Afirmou que é de grande importância que se questione "Por que não pode haver duas mães em uma certidão de nascimento, se as crianças, no íntimo de seus corações, as reconhecem como tal?".
"O fato de o ordenamento jurídico não prever a possibilidade de dupla maternidade não pode significar impossibilidade jurídica do pedido. Afinal, não são os fatos que se amoldam às leis, mas sim estas são criadas para regular as consequências que advém dos fatos, objetivando manter a ordem pública e a paz social", concluiu a juíza.
  • Processo: 125/11.000.12.218

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

BRILHANTE ARTIGO DE LUIZ EDSON FACHIN. SEGURANÇA JURÍDICA. ENTRE OURIÇOS E RAPOSAS.



Segurança jurídica. entre ouriços e raposas


Luiz Edson Fachin.

Publicado no Jornal Carta Forense. Edição de agosto de 2013.

Os enunciados normativos, ao servirem de instrumento na interpretação e aplicação, devem propiciar segurança como importante valor, coerente com a sociedade plasmada na Constituição brasileira. A centralidade desse valor assentada na legalidade constitucional recolhe da metáfora grega de Archilochus o sentido do ouriço, tal como descrito em Dworkin (em Justice for Hedgehogs): o ouriço sabe uma coisa muito importante. Seu universo, portanto, é unitário.

Nada obstante, os enunciados se revestem de polissemia: de um mesmo enunciado podem emergir diversas normas como também distintas interpretações. Essa possibilidade de respostas diferentes e às vezes incompatíveis entre si, repõe em cena, a partir da mesma metáfora antes mencionada, o significado da raposa, tal como exposta por Isaiah Berlin (no ensaio que escreveu sobre Tolstoi): a raposa sabe muitas coisas. Seu mundo é, pois, plural.

Se, de uma parte, a prestação jurisdicional demanda legitimamente espaços de solução do caso concreto, tem havido, de outra, choques em termos de limites e possibilidades de atuação dos julgadores, especialmente das Cortes Superiores no Brasil.

Observa-se, em razão disso, adesão progressiva no Judiciário aos ‘precedentes’ como sustentação da razão de decidir, o que traduziria, nesse horizonte, busca maior pelo respeito à autoridade dos julgados. Almeja-se, pois, estabilização.

Tal estabilidade tem sido garantida? Diante de expressivo número de julgados, tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça, calha ressaltar que a almejada segurança não se coaduna com juízos estritamente pessoais nem com a imotivada negação do passado. A continuidade, assim, não é absoluta, mas pode ser sintoma de compromisso com a justiça. Vem daí que a jurisprudência, pois, não merece tal nome se variar ao sabor das percepções pessoais momentâneas.

A realidade social e econômica tem se mostrado dinâmica, especialmente diante das inovações tecnológicas incessantes ou de mudanças normativas no plano internacional. Logo, é perfeitamente compreensível (e desejável) que a conformação dos casos concretos demande novas soluções.

Assim o fez o STF ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 54, concernente às células-tronco, bem assim o STJ, quer ao homologar sentença eclesiástica de anulação de casamento religioso, com base no acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé, quer ao alterar a orientação referente à contribuição previdenciária sobre o valor do salário-maternidade e de férias.

Segurança jurídica, pois, não significa imutabilidade, mas sim um mínimo indispensável de previsibilidade, em patamares compatíveis com o dinamismo e o cosmopolitismo. Eis, então, o desafio: como encontrar a solução correta no texto constitucional e nas normas infraconstitucionais? Como não sucumbir ao reducionismo simplista da metáfora sobre ouriços e raposas?

O que se espera é que tanto o STF, em matéria constitucional, quanto o STJ, no campo da legislação federal, não apenas formalmente afirmem suas competências como consolidem a unidade do sistema jurídico, cumprindo com a missão de expor, com nitidez, as razões de seu decidir, adequadas como tradução da previsibilidade e da coerência. Os denominados ‘precedentes’, cujo sentido não é unívoco, podem contribuir, nesse limite, com esse desiderato.

Será isso suficiente? Há, a rigor, compromisso ainda mais elevado com a segurança jurídica e que vem marcado pela obediência à legalidade constitucional. Não basta o encadeamento formal de ‘precedentes’ (mesmo aqueles realmente merecedores de tal denominação), antes e acima de tudo, cumpre ser a imagem especular do ordenamento jurídico constitucional.

Trata-se, assim, tanto da legalidade constitucional quanto da compreensão sobre a natureza jurídica de tais precedentes. Quanto a estes, anote-se que, realmente, a decisão pode não ter somente efeito meramente persuasivo. O precedente pode realmente se apresentar como binding precedent (vinculante). Impende, então, reconhecer a aproximação dos sistemas do civil law e do common law, especialmente no redesenho atual dostare decisis.

Estabilidade e simplificação foram os princípios à época indicados pelo Ministro Victor Nunes Leal, que, no Supremo, construiu a finalidade da súmula correspondente ao enunciado de entendimento predominante, inclusive no terreno da declaração de inconstitucionalidade. O julgador, contudo, não se substitui ao legislador. A legalidade constitucional constitui fonte e baliza do sistema jurídico.

Hoje, ainda com maior ênfase, a ética da confiança no direito positivado a equilibrar-se com a estabilidade de entendimentos jurisdicionais, os quais, por si só, se imutáveis indefinidamente ou mutáveis imotivada ou constantemente também geram insegurança. Tal temperamento passa pelo rigor da fundamentação racional das decisões, e alcança o sentido da segurança não apenas como garantia de legítimas expectativas, mas também como incidência material da legalidade constitucional.

De quantos corpos se comporia, então, a segurança jurídica plena? A resposta se agasalha na complexidade que pode ser arrostada pela metáfora de Kantorowicz ao divisar os dois corpos do rei.

Com efeito, a dupla imagem fornece o primeiro passo para apreender o que se revela dentro do continente que compõe a concepção de segurança plena. No primeiro corpo está o terreno da raposa, das vicissitudes da conjuntura em que se vive; numa palavra: nele se apresenta o campo das efemérides humanas, vertidas nos pronunciamentos jurisdicionais: (i) ora pelo julgado que, face às efetivas peculiaridades do caso concreto, não configura precedente, (ii) ora pelo precedente julgado que, ao consolidar entendimento predominante, consiste em pronunciamento vinculante, (iii) ora marcado por nova orientação (overruling), motivadamente assentada; no segundo corpo, está a senda do ouriço, a unidade desejável que se exercita, também despida de sentidos insolúveis, na expressão da legalidade constitucional; nesta se compreende a Constituição formal, substancial e prospectiva.

Diante dessa dualidade imbricada, é a segurança jurídica um cavaleiro de duas épocas: tanto segue ou arrosta os arquétipos legislativos, bem como, sem preconceitos nem cópias colonizantes, apreende a força construtiva dos fatos sociais complexos.

Sob o oxigênio da Constituição, essa plenitude imprime à segurança jurídica o destino do que afirmou Ihering: “não é a vida que é o conceito, antes os conceitos existem por causa da vida”.  Por essa dogmática jurídica crítica, a confiança na jurisdição pressupõe respeito à lei e julgamentos sólidos sem surpresas.

domingo, 11 de agosto de 2013

HOMENAGEM AO DIA DOS PAIS. ARTIGO DE MARIA BERENICE DIAS.


De quem sou filho?

Maria Berenice Dias

Advogada especializada em Direito das Famílias
Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

Ao menos até o atual estágio da ciência genética, todas as pessoas são filhas de uma mulher. Todos são gerados no ventre de uma pessoa do sexo feminino. Esta sempre foi uma verdade tão evidente que é latina a expressão: mater semper certa est. A mãe é sempre certa.
Quanto à paternidade, a verdade nunca foi tão evidente, ou melhor, tão aparente. Mas a necessidade de se certeza do vínculo de filiação paterna impôs uma série de pressuposições de modo a chegar-se a uma presunção. Para dizer que o pai sempre é o marido da mãe, foi preciso fazer as mulheres acreditarem que a virgindade tinha valor. Ou seja, manter íntegro o hímen lhe garantia a condição de pessoa séria e honesta. Pureza, castidade e recato davam às jovens a garantia de que iriam conseguir subir ao altar. Sempre foi este o dado que as diferenciava das chamadas mulheres de "vida fácil". Qualidade que nunca ninguém conseguiu entender muito o porquê.  A tarefa delas, aliás, sempre foi das mais áridas: assegurar prazer sexual sem qualquer contra partida, a não ser de natureza financeira. Mas certamente pagavam um preço muito caro: viver à margem da sociedade. Recebiam toda a sorte de adjetivações para lá de desrespeitosas e, claro, não tinham o direito de amar. Não podiam sequer embalar o sonho de casar com quem se deliciava com suas carícias. Na eventualidade de ocorrer gravidez - algo muito frequente antes do surgimento dos métodos contraceptivos - era impositivo que abortassem. Afinal, o filho jamais poderia ter um pai, um nome, uma família. Esta marginalização, aliás, era consagrada legalmente, o que deixava os homens em situação para lá de confortável. Os filhos havidos fora do casamento eram considerados ilegítimos, bastardos. Eram condenados a serem filhos da puta.
A necessidade de as moças casarem virgens era imposta pelos costumes. O lençol manchado de sangue era exposto no balcão da casa, motivo de júbilo para as famílias dos noivos. Também nesta seara havia a interferência da lei. A ausência da virgindade configurava erro essencial de pessoa e garantia ao marido o direito de pedir a anulação do casamento.
Mas havia mais um ingrediente para garantir a certeza da paternidade. A mulher casada precisava manter uma postura de recato e seriedade. Seu lugar era o lar, para dirigir a casa, criar os filhos e cuidar do marido. Este se tornava o seu senhor. A lei o considerava o cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Mas tinha mais. Por décadas, a mulher ao casar, perdia a plena capacidade, ou seja, restava meio idiota. Nada podia fazer sem a assistência do marido. Sequer podia trabalhar "fora" sem sua expressa autorização.
Assim ficava fácil. Se o homem casava a com uma virgem, que nada podia fazer sem a sua aquiescência e a mantinha refém no lar, claro que o filho que ela tivesse só poderia ser filho dele. Esta ilação transformou-se em presunção legal. Até hoje o marido pode, sem a presença da esposa, registrar o filho como seu. Basta comparece ao cartório acompanhado de duas testemunhas munido de uma certidão de casamento e da declaração de nascido vivo fornecido pela maternidade. Já a mãe não pode registrar o filho em nome do marido se ele não se fizer presente no cartório.
A possibilidade de registro pelo pai existe no casamento, mas não na união estável. O companheiro, ainda que tenha em mãos um contrato de convivência ou até uma sentença declaratória de união estável, não pode proceder ao registro do filho. Nada disso basta. Já o casado nem precisa comprovar a concordância da mãe para tornar-se pai. A explicação é para lá de bizarra: no casamento existe dever de fidelidade enquanto na união estável o compromisso é só de lealdade. De qualquer modo, esta esquisita presunção nem é de paternidade, mas de fidelidade da mulher ao seu marido.
Mas se tudo isso era necessário pela dificuldade em saber quem é o pai de alguém - até porque, em nome da moral e dos bons costumes relações sexuais acontecem a descoberto de testemunhas - dois acontecimentos não permitem que persistam estas práticas. Primeiro foi o surgimento da possibilidade de o vínculo parental ser afirmado com alto grau de certeza. A partir da identificação do código genético, através do exame do DNA, nada existe de mais seguro para dissipar qualquer dúvida do genitor.
Esta descoberta teve efeito de outra ordem. Sepultou de vez o tabu da virgindade, que perdeu significado como elemento qualificador da mulher. Sua honradez não mais depende da integridade e seu hímen. De outro lado, nas ações investigatórias de paternidade, a alegação de que a mãe poderia ter tido contato sexual com mais de uma pessoa - argumento conhecido pela feia expressão exceptio plurium concubentium - deixou de servir de justificativa para a improcedência da ação. A vida sexual da mãe não cabe ser invocada como meio de defesa.
O outro acontecimento revolucionário foi o surgimento das técnicas de reprodução assistida. As pessoas não mais são frutos exclusivamente de uma relação sexual entre um homem e uma mulher. Bancos de sêmen, fecundação in vitro, gestação por substituição fez pluralizarem os vínculos parentais. Hoje em dia para alguém ser pai ou ser mãe não precisa ter um par.
Agora nem mais a maternidade é certa.  Mãe passou a ter adjetivos. Nem sempre a mãe biológica é a mãe gestacional. E talvez nenhuma delas seja de fato a mãe registral. Ou seja, mãe não é somente aquela que teve um óvulo fecundado e nem quem o carregou no ventre por nove meses. Para ser mãe nem é preciso participar do processo reprodutivo. Mãe é quem deseja ter um filho. É o que basta para ser reconhecido o direito de registrar como seu o filho que não deu à luz e nem tem sua carga genética. O mesmo acontece com relação ao pai. Deixou de ser exclusivamente o marido da mãe.
Assim, estão sepultadas as presunções de parentalidade. Principalmente a partir do reconhecimento das uniões homoafetivas, a quem a justiça assegurou acesso ao casamento. Resolução do Conselho Federal de Medicina autorizou o uso das técnicas de procriação assistida aos parceiros homossexuais. A persistir tais presunções, por elementar princípio da igualdade, não é possível impedir que seja registrado como de ambos, o filho do casal de homens, ou de mulheres. Caso eles sejam casados, vivam em união estável ou comprovem terem se submetido às técnicas de reprodução assistida, é o que basta para procederem ao registro da dupla maternidade ou paternidade.
Não há forma mais humana, ágil, efetiva e afetiva para que crianças saibam desde sempre de quem são filhos!