sábado, 31 de julho de 2010

LIVRO DO MESTRE ZENO VELOSO.



Prezados e Prezadas,

Gostaria de indicar e recomendar a leitura e o estudo do livro DIREITO HEREDITÁRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO, do mestre Zeno Veloso (Saraiva, 2010).

Trata-se de uma das obras definitivas do tema no Brasil, para o estudo por todos os aplicadores do Direito.

O livro confronta a doutrina clássica e a contemporânea, expondo a jurisprudência atual em relação ao assunto.
A obra é profunda e didática, como os outros trabalhos desse notável jurista.

Boa Leitura... Boas Reflexões..

Abraços a todos,

Professor Flávio Tartuce

quarta-feira, 28 de julho de 2010

XXV SEMANA JURÍDICA - DIREITO UNISAL. 2010.

SEMANA JURÍDICA - DIREITO UNISAL 2010

XXV SEMANA JURÍDICA - DIREITO UNISAL 2010
16 a 20 de agosto de 2010
(palestras manhã e noite todos os dias)

16 de agosto
manhã: Tendências atuais no direito civil. FLÁVIO TARTUCE.
noite: Insegurança jurídica no Brasil. LUIZ FLÁVIO BORGES D´URSO (OAB SP).

17 de agosto
manhã: Pluriparentalidade. MAURÍCIO BUNAZAR.
noite: Direito e imprensa. MIGUEL MATOS (Migalhas).

18 de agosto
manhã: 20 anos do CDConsumidor. JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO.
noite: Razoabilidade e proporcionalidade na Administração Pública. GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e HÉLIA MARIA DE OLIVEIRA (Advocacia Geral da União)

19 de agosto
manhã: Direitos fundamentais e tutela metaindividual. VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR
noite: Direito eleitoral e instrumentos de combate à corrupção. LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES

20 de agosto
manhã: Direitos Humanos e a internacionalização. FLÁVIO DE LEÃO BASTOS PEREIRA.
noite: Tribunal Superior do Trabalho e a uniformização de jurisprudência. Ministro PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS (TST).

Inscrições e informações na Coordenação do Curso de Direito
UNISAL - Lorena - SP
curso.direito@lo.unisal.br
3159-2033

segunda-feira, 26 de julho de 2010

CAMPANHA. FACHIN NO STF.

Juristas de todo o país apoiam o paranaense Fachin para o STF

Fontes: Jornal Gazeta do Povo - PR e Site do IBDFAM.

O apoio declarado de importantes pensadores do meio jurídico de todo o Brasil vem fazendo aumentar a expectativa de que o jurista Luiz Edson Fachin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), seja o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) - na vaga aberta com a aposentadoria, no mês que vem, do ministro Eros Grau. Uma mobilização realizada pela internet, entre professores e pesquisadores do Direito, já levou inúmeras manifestações de apoio a Fachin às caixas de mensagens de ministros próximos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva - responsável pela escolha do novo integrante do STF, o que deve ocorrer nas próximas semanas. "Como é sabido, não se trata de um processo de eleição, mas de escolha, dentro dos atuais parâmetros constitucionais estabelecidos. A fórmula pela qual pode se dar nossa participação neste processo é fazer nossa escolha e informá-la aos níveis decisórios", esclarece, em mensagem enviada a juristas de todo o Brasil, o advogado Fernando Facury Scaff, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos orquestradores da campanha pró-Fachin no meio acadêmico-jurídico.

A rede de apoio ao nome do advogado e professor paranaense (apesar de nascido no Rio Grande do Sul, Fachin é radicado no Paraná e cidadão honorário de Curitiba) já envolve juristas e entidades representativas de todo o país e ramos do Direito - fontes próximas a ministros do Supremo dizem que Fachin tem torcida até mesmo dentro da Corte. "Tenho certeza de que a indicação do professor e jurista Luiz Edson Fachin não apenas é merecida pelos critérios técnicos dentro da área do Direito, mas sobretudo pelo seu histórico de vida", afirma Vla­dimir Oliveira da Silveira, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), que integra todos os programas de mestrado e doutorado em Direito no Brasil.



No início do mês, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), área de que Fachin é representante destacado, enviou à Presidência da República manifestação de apoio ao nome do jurista paranaense. "Ele (Fachin) hoje é um dos maiores civilistas/constitucionalistas deste país. Certamente a comunidade jurídica, inclusive a do Direito de Família, estará muito bem representada por ele", afirmou Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFam.



No final da semana passada, uma manifestação pró-Fachin originou-se da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), que enviou carta ao Ministro da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, pedindo a indicação do paranaense ao Supremo. "Acreditamos que sua indicação reafirmará o compromisso da Presidência da República com um Poder Judiciário digno e comprometido com os ditames democráticos", afirma a mensagem, assinada pelo presidente da ABDConst, Flávio Pansieri.



Anteontem, foi o Instituto de Direito Civil (IDC) que encaminhou ao presidente da República moção de apoio à indicação de Fachin. "O prof. Fachin consolidou-se como um dos maiores juristas brasileiros, com amplo renome internacional", afirma o texto, assinado por Gustavo Tepedino, presidente do IDC e professor da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Também da UERJ, o professor Ricardo Lobo Torres, um dos principais tributaristas do Brasil, reforçou sua posição à Presidência: "Apoio totalmente o movimento em favor da indicação do Prof. Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal. É intelectual notável e professor de larga experiência".


Paraná


Dentro do estado, os operadores do Direito se uniram em torno do nome de Fachin. A seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) já haviam se manifestado a favor da indicação de Fachin para o STF. Ontem, foi a vez de o Ministério Público do Paraná fazê-lo. "Considerada a importância do Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional capaz de efetivamente implementar as promessas de cidadania já contempladas na Constituição Federal de 1988, alcançando notadamente os milhões de brasileiros que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade, não se tenha dúvida de que o professor Fachin se constituirá importante instrumento à disposição para o alcance daquilo que foi indicado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, qual seja, pela via da superação das desigualdades sociais e erradicação da pobreza, instalar-se uma sociedade livre, justa e solidária", destacou, em nota, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador-geral de Justiça do Estado do Paraná.


Faz tempo...


É pelo menos a quinta vez que Fachin tem seu nome fortemente cotado para uma vaga de ministro do STF - a última, no ano passado, para a vaga aberta com o falecimento do ministro Menezes Direito, ocupada por José Antônio Dias Tofolli. Se desta vez for o escolhido, Fachin será o segundo paranaense a ocupar um posto na mais alta corte do país. O primeiro foi o advogado Ubaldino do Ama­ral Fontoura, nascido na Lapa (que então fazia parte da província de São Paulo), ministro do Supremo de 1894 a 1896

Jurista de renome internacional
Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1980, Luiz Edson Fachin pode se tornar o primeiro jurista graduado por uma instituição de ensino paranaense a ter assento no Supremo Tribunal Federal (STF) - Ubaldino do Amaral, único ministro paranaense no STF até hoje, formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Fachin é mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e pós-doutor no Canadá. Advogado e professor titular da UFPR e da PUC do Paraná, ele é considerado um dos principais nomes do Direito Civil no país, com mais de uma centena de trabalhos publicados - alguns são usados para embasar decisões do próprio STF. "O Prof. Fachin consolidou-se como um dos maiores juristas brasileiros, com amplo renome internacional", confirma o professor Gustavo Tepedino, do Rio de Janeiro, presidente do Instituto de Direito Civil (IDC).

Os e-mails de apoio ao nome do professor da UFPR Luiz Edson Fachin para vaga no STF estão sendo enviados para os e-mails: do ministro da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto (gabinete@mj.gov.br); da ministra-Chefe da Casa Civil, Erenice Alves Guerra (erenice.guerra@planalto.gov.br); e do ministro-chefe do Gabinete Pessoal, Gilberto Carvalho (gabinete@planalto.gov.br).

sábado, 24 de julho de 2010

AINDA A PEC DO DIVÓRCIO. ARTIGO DO COAUTOR JOSÉ FERNANDO SIMÃO.

Fonte: Site do IBDFAM.

A Pec Do Divórcio: A Revolução do Século em Matéria de Direito de Família

José Fernando Simão.

No mês de julho de 2010, com a aprovação da PEC 28 de 2009 que alterou o art. 226, parágrafo 6º da Constituição, o direito de família no Brasil sofre a maior revolução deste século.

Se analisarmos mudanças radicais no direito de família, poderemos lembrar o Decreto 180 de 24 de janeiro de 1891 que estabeleceu o casamento civil no Brasil e sedimentou a distinção entre Estado e Igreja no país; o Estatuto da Mulher casada (Lei 4.121 de 27 de agosto de 1962) que concedeu direitos a mulheres na relação conjugal e, inclusive, retirou-o da lista dos relativamente incapazes do Código Civil; a Lei do Divórcio (lei 6515 de 26 de dezembro 1977) que só foi admitida em razão da Emenda Constitucional nº 9 de junho de 1977 e permitiu a dissolução do casamento não só pela morte mas também pelo divórcio; a Constituição Federal de 1988 que igualou os cônjuges em direitos e deveres, os filhos, independentemente de sua origem, e deu proteção à união estável e, no Século XXI, a PEC 28 de 2009.

Vejamos como era o texto da Constituição e como ficou com a aprovação da proposta

Redação original:
"§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Redação após a reforma:
"§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".


A alteração, que parece singela em uma primeira análise, trará profundas mudanças ao direito de família. Isto, por si, é suficiente para as primeiras reflexões sobre o tema.

1) A separação de direito.

A primeira e maior mudança diz respeito ao instituto da separação de direito. Como se sabe, o casamento é composto por dois elementos: a sociedade conjugal e o vínculo conjugal. A sociedade conjugal tem por elementos os deveres dos cônjuges (art. 1.566) e o regime de bens (arts. 1639 a 1.688).

No sistema tradicional, anterior à aprovação da PEC, a sociedade conjugal terminava por meio da separação de direito. Esta poderia se dar de duas maneiras:

a) separação judicial litigiosa (sanção, ruptura ou remédio) cujas regras estavam no caput e nos parágrafos do art. 1572 do CC.

b) separação judicial consensual - que exigia como requisito que os cônjuges estivessem casados há pelos menos um ano (art. 1.574). Era o chamado prazo de reflexão. Esta podia ocorrer por meio de ação em juízo (art. 1576 do CC) ou na forma extrajudicial, se os separandos não tivessem filhos menores ou incapazes (lei 11.441/07).

Na separação judicial litigiosa, havia espaço para o debate em torno da culpa pelo fim do casamento. Em resumo, o cônjuge poderia imputar ao outro a responsabilidade pelo descumprimento dos deveres conjugais com a consequente aplicação de uma sanção (tema que falaremos a seguir).

Com a aprovação da PEC, fica definitivamente BANIDA DO SISTEMA A SEPARAÇÃO DE DIREITO, seja ela judicial (arts. 1571 e segs. do CC) ou extrajudicial (lei 11.441/07).

Assim sendo, com o banimento do sistema, de imediato, alguns artigos do Código Civil passarão por uma leitura excluindo os termos "separação judicial" ou "separado judicialmente", mas, continuarão a produzir efeitos quanto a seus demais aspectos. São eles: arts. 10, 25, 792, 793, 980, 1562, 1571, parágrafo segundo, 1580, 1583, 1584, 1597, 1632, 1683, 1775 e 1830.

Já outros dispositivos estão definitivamente condenados e devem ser considerados extirpados do sistema. São eles: art. 27, I, 1571, III, 1572, 1573, 1574, 1575, 1576, 1577 e 1578.

Com a mudança constitucional e o desaparecimento do instituto da separação de direito, o divórcio será, ao lado da morte e da invalidade, a forma de se chegar ao fim do casamento (o que inclui o vínculo e a sociedade conjugal).

Assim as ações em curso de separação judicial (seja consensual ou litigiosa) devem ser extintas SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, por impossibilidade jurídica superveniente do pedido, salvo se já houver sentença prolatada. Excepcionalmente, se houver medida cautelar de separação de corpos em que houve concessão de liminar, permite-se a aplicação do princípio da fungibilidade podendo tais ações serem convertidas em ações de divórcio, já que sua simples extinção pode trazer prejuízos irremediáveis às partes.

A partir da aprovação da PEC, os Tabelionatos de Notas não podem mais lavrar Escrituras Públicas de Separação Consensual, pois estas padecerão de vício de nulidade absoluta, por infração ao texto constitucional.

Fica claro, contudo, que as pessoas anteriormente separadas de direito, quer por sentença, quer por escritura, não se encontram automaticamente divorciadas, pois seu estado civil não se alterou pela aprovação da PEC e, ainda, deverão se valer da conversão da separação em divórcio conforme explicaremos a seguir.

2) O divórcio e suas modalidades

O divórcio se dará de duas possíveis formas: divórcio consensual ou litigioso.

Deve-se frisar que sendo o divórcio consensual ou litigioso, este não terá como requisito qualquer prazo de casamento ou de separação de fato. O antigo prazo de um ano de casamento necessário para separação consensual (art. 1.574, caput, do CC) ou de dois anos de separação de fato para o divórcio direto (art. 1580, par. segundo do CC) desaparecem do sistema e, portanto, no dia seguinte ao casamento qualquer um dos cônjuges pode, isoladamente, propor a ação de divórcio litigioso contra o outro.

Também se estiverem de acordo, podem os cônjuges propor a ação de divórcio consensual ou mesmo buscarem o Tabelionato de Notas para a lavratura da Escritura Pública.

Em inexistindo acordo, a modalidade litigiosa do divórcio permanece como possibilidade de se extinguir o vínculo. Contudo, o réu não terá qualquer tipo de defesa para alegar em seu favor. Não poderá discutir a culpa do cônjuge autor da ação, nem mesmo a questão de prazos de casamento ou de separação de fato, pois esta passou a ser irrelevante com a mudança constitucional.

Vislumbramos apenas, a possibilidade de, por meio de reconvenção, o réu pedir a nulidade ou anulação de casamento se provar alguma causa de nulidade ou anulabilidade. Isso porque o réu pode demonstrar que o casamento não pode ser desfeito por divórcio (plano da eficácia), pois estava maculado por um vício que comprometia sua validade (plano da validade). Se a reconvenção for julgada procedente, o casamento será anulado e os cônjuges voltam ao estado de solteiros.

A ação de conversão de separação em divórcio (o chamado divórcio indireto) persiste no sistema para que as pessoas que atualmente não estão divorciadas possam romper o vínculo, já que a emenda constitucional não as transforma em divorciadas. Contudo, o prazo de 1 ano previsto para a conversão no caput do art. 1.580 do Código Civil não mais existe. Assim, imaginemos que o casal se separou judicialmente ou por escritura pública na véspera da promulgação da PEC. No dia seguinte, tais pessoas podem se valer da conversão sem necessidade de observância de qualquer prazo.

Deve-se concluir a questão que a PEC aprovada não acabou com a noção de sociedade conjugal que permanece intacta no sistema. Ao se casar, surgem a sociedade conjugal e o vínculo. Contudo, se antes era possível terminar-se com a sociedade, mas manter-se o vínculo, atualmente, a sociedade conjugal e o vínculo terminam simultaneamente com o divórcio.

A PEC não altera o conceito ou a existência de uma sociedade conjugal, mas muda apenas a forma de sua extinção.

3) A medida cautelar de separação de corpos.

Como se sabe, o sistema processual permite a propositura de medida cautelar de separação de corpos em duas situações.

No sistema tradicional, se os cônjuges estivessem de comum acordo quanto ao fim do casamento, mas ainda não tivessem o prazo de 1 ano de casamento necessário à separação consensual, poderiam propor uma medida cautelar consensual para, após decurso do prazo em questão, se valerem da ação principal de separação judicial. Tratava-se de cautelar satisfativa. Tal possibilidade acabou.

Como não há mais o prazo de 1 ano como requisito para o fim da sociedade conjugal (art. 1.574), a medida cautelar passou a ser desnecessária e inútil e caberá aos cônjuges a propositura de divórcio consensual.

Todavia, a medida cautelar de separação de corpos pode ser litigiosa, ou seja, quando em caso de risco à segurança de um dos cônjuges ou dos filhos, o juiz liminarmente afasta o outro do lar conjugal. Nesta hipótese, após 30 dias de concessão da liminar, caberá ao requerente propor a ação de divórcio e não mais de separação, pois esta desapareceu do sistema. O fundamento será o fim do casamento e não haverá debate de culpa.

Na situação supra, em havendo liminar concedida e ação de separação já proposta, mas não sentenciada, admite-se que a ação principal seja convertida em ação de divórcio. Afinal, sua simples extinção sem julgamento do mérito geraria, por consequência, extinção da cautelar, e os prejuízos ao cônjuge requerente seriam manifestos.

A propositura de divórcio após a concessão de liminar em cautelar de separação de corpos não é novidade no sistema, pois em que pesem as controvérsias, os julgados já admitiam tal situação antes mesmo da aprovação da PEC em questão.

4) A culpa acabou no Direito de Família?

A delicada resposta depende do alcance da pergunta. A culpa acabou para fins de se impedir o fim do vínculo conjugal? A resposta é afirmativa. Acabou o afeto, acabou a comunhão de vidas, acabou o casamento. Após a mudança constitucional, não mais se poderá debater a culpa como forma de protelar a decisão que põe fim ao casamento.

O divórcio será concedido e o processo não comportará debates em torno do motivo do fim do casamento. A culpa de um ou ambos os cônjuges para a dissolução do vínculo ou para o fim da comunhão de vidas passa a ser irrelevante.

O debate em torno da culpa, que anteriormente impedia a extinção célere do vínculo e sujeitava, desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória das mais lentas e sofridas acabou definitivamente.

Isso significa que a culpa não mais poderá ser debatida nas ações de direito de família?

Não. E ao leitor que não fique a impressão que a culpa desapareceu do sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro, que não quebrou seus deveres de mútua assistência e fidelidade, etc...

Não se trata de permitir irresponsabilidade do cônjuge. Só que a partir da emenda constitucional, a culpa será debatida no locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais, materiais ou estéticos.

O leitor pode estar se perguntando qual é a vantagem da mudança introduzida quando da aprovação da PEC. A mudança é evidente e espetacular. O divórcio se dará de maneira célere e com um único ato (seja uma decisão judicial ou escritura pública nos casos admitidos pela Lei 11.441/07) o casamento estará desfeito e os antigos cônjuges podem, agora, divorciados, buscar, em nova união ou casamento, a felicidade que buscaram outrora na relação que se dissolve.

Assim, livres para buscarem sua realização pessoal e felicidade, se necessário, que passem anos discutindo a CULPA em uma morosa ação de alimentos ou de indenização por danos morais.

Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.

4.a) Culpa e alimentos

Então cabe uma pergunta: se houver descumprimento dos deveres do casamento, tais como fidelidade recíproca, mútua assistência moral e material, qual será a sanção imposta ao cônjuge culpado?

A sanção se dará em matéria de alimentos. Isso porque não acreditamos que o artigo 1704, parágrafo único do Código Civil tenha sido revogado ou alterado pela Emenda Constitucional. Na ação de alimentos, há uma sanção ao cônjuge que descumpre seus deveres conjugais, qual seja, a perda dos alimentos que lhe garantiriam a manutenção do padrão de vida até então existente. O cônjuge culpado continua sendo punido em termos alimentares e só receberá os alimentos mínimos à manutenção se não puder prover seu sustento, nem tiver familiares que possam provê-lo.

Tal debate deverá ocorrer na ação de alimentos em que marido e mulher são partes, o que não afetará em nada e não atrasará a decisão do divórcio.

4.b) Culpa e indenização

Também não se pode afirmar que caso um dos cônjuges cause danos ao outro, a culpa não poderá ser debatida em ação indenizatória. Isto porque se houver ofensas físicas ou morais, agressão aos direito de personalidade, o cônjuge culpado responderá civilmente.

O inocente, vítima do dano, terá assegurado seu direito à indenização cabal.

Novamente, a questão não poderá ser discutida na ação de divórcio (da qual a culpa foi banida) e será objeto de ação indenizatória perante as varas cíveis, o que não impedirá a decretação de segredo de justiça a ser requerido pelas partes.

Sim, discuta-se a culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.

4.c) Culpa e sobrenome

Uma questão pode ainda gerar dúvidas na doutrina: a questão da perda do sobrenome pelo cônjuge culpado. Isso porque determina o art. 1.578 do Código Civil que

O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

Então surge a pergunta: se a culpa deixar de ser discutida na ação de separação judicial, como se dará a perda do sobrenome? Algumas ponderações, ainda que iniciais e sujeitas à crítica, devem ser feitas.

A perda do sobrenome em decorrência da culpa é algo que, em princípio, fere direito de personalidade. O direito ao nome, por contar com a proteção direta do Código Civil, e indireta na Constituição Federal (artigo 5º), conta com hierarquia e características (irrenunciabilidade, imprescritibilidade) que o imunizam contra a conduta culposa do agente. Em suma, para tal mister, é irrelevante a conduta culposa do cônjuge.

Na realidade, a perda de uso do sobrenome comporta exceções amplíssimas, exatamente para a proteção do direito de personalidade. Assim vejamos.

Não haverá perda se houver evidente prejuízo para a identificação do cônjuge culpado. É o caso de pessoas de renome que são conhecidas no meio em que trabalham ou convivem. Assim, poucas pessoas conhecem Marta Teresa Smith de Vasconcelos, mas certamente muitos conhecem Marta Suplicy, que recebeu o sobrenome a partir de seu casamento com o Senador Eduardo Suplicy em 1964. Ainda que a ex-prefeita e ministra tenha tido culpa quando do fim do casamento, poderia ela perder o direito de uso do sobrenome? O sobrenome Suplicy é dela ou apenas de seu ex-marido Eduardo? Podemos lembrar outras pessoas; Lucinha Lins (nascida Lúcia Maria Werner Vianna cujo Lins veio com o casamento compositor e cantor Ivan Lins); Lygia Fagundes Telles (que nasceu Lygia de Azevedo Fagundes e tornou-se Telles quando do casamento com o Eminente Professor e Jurista Gofredo da Silva Telles Jr no ano de 1950).

Ainda, não haverá a perda do uso do sobrenome do inocente, se houver manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida. Há casos em que o filho tem apenas o sobrenome paterno e não o materno. Se a esposa culpada perder o direito de uso do sobrenome do marido, haveria nítida distinção o que poderia gerar eventualmente prejuízos aos filhos.

Por fim, não há perda se houver dano grave reconhecido na decisão judicial. A locução é amplíssima e a ofensa a um direito de personalidade, em meu sentir, é um dano grave.

Em resumo, o cônjuge culpado não perde o direito de usar o "sobrenome do outro", porque, na realidade, o sobrenome é seu mesmo, já que passou a integrar seu nome quando do casamento. Trata-se de nome próprio e não de terceiros. A perda do sobrenome em decorrência da culpa é anacronismo, que revela afronta ao direito de personalidade, e que chegará ao fim em boa hora.

Assim, a questão do sobrenome não será obstáculo ao fim do debate da culpa em ação de extinção de vínculo conjugal.

4.d) Culpa e anulação de casamento

Com relação aos efeitos do casamento putativo, dúvida não há que a PEC do Divórcio em nada altera a disciplina do art. 1561 do Código Civil que assim dispõe:

"1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória".

Isto porque em se tratando de anulação de casamento o tema em voga é discussão da boa-fé subjetiva, ou seja, o conhecimento ou não de certo fato da vida. É a boa-fé em sentido psicológico (gutten Glauben). Não se trata de culpa como inobservância de um dever de cuidado.

O debate para fins de putatividade é o seguinte: "Você conhecia ou não o vício que inquinava o casamento?" Se a resposta for afirmativa, o cônjuge agiu de má-fé e não receberá os efeitos do casamento válido. Se desconhecia, agiu de boa-fé e receberá tais efeitos. Note-se que não se trata de debate de culpa e, por isso, nada se altera com a PEC aprovada.

4.e) Culpa e Sucessões

Uma das sanções que o Código Civil trazia ao cônjuge culpado dizia respeito ao direito das sucessões. Assim determina o Código Civil que:

"Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".

O debate da culpa permitia que apesar da separação de fato ter ocorrido há mais de dois anos, ainda houvesse participação sucessória se o cônjuge viúvo provasse que a separação de fato se deu por culpa do falecido.

O dispositivo sofria fortes críticas doutrinárias por permitir ao cônjuge supérstite que imputasse culpa ao falecido gerando aos herdeiros o ônus de defendê-lo, muitas vezes sem terem conhecimento dos fatos ou sequer saberem os reais motivos da separação de fato. A discussão da culpa, criticada em matéria de direito de família, era absolutamente impertinente em matéria sucessória.

Com a emenda constitucional, a culpa é abolida também no debate sucessório, pois se é irrelevante o motivo que levou o casamento acabar, e tal motivo sequer pode ser abordado para impedir o fim do vínculo, motivos não há para sua discussão após a morte de um dos cônjuges.

Da mesma forma, a norma exigia uma separação de fato por mais de 2 anos para que o cônjuge perdesse a qualidade de herdeiro. Buscando-se a teleologia da regra, resta claro que tal prazo mantinha estreita relação com o prazo necessário ao divórcio direto (art. 1580, par. segundo). Quem poderia se divorciar em razão da separação de fato, perderia qualidade de herdeiro.

A partir de agora, basta que tenha havido a separação de fato para que possa ocorrer o divórcio e, portanto, qualquer debate de prazos ou de culpa perdeu o objeto em matéria sucessória. O dispositivo de lei passa ser lido da seguinte maneira:

"Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados de direito ou de fato"

5 - Conclusões preliminares

O tema em análise empolga e empolgará os juristas e operadores do direito por anos. Isto porque uma grande mudança estrutural como a que se comenta passará por cuidadosa análise da doutrina e pelo crivo do Poder Judiciário.

De qualquer forma, em que pesem nossas reflexões serem ainda preliminares e por isso sujeitas à crítica, dúvida não há que assistimos no momento à maior revolução que o direito de família sofreu neste Século XXI e certamente a mais importante verificada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A EC 66/2010 E AS SEPARAÇÕES DE DIREITO.

Prezados Amigos e Amigas,

Sem prejuízo dos dois últimos artigos postados, de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, gostaria de reforçar os argumentos pelo fim da separação de direito - que engloba a separação judicial e a extrajudicial, nos tópicos a seguir:

1. A CF/1988 tem força normativa inquestionável, o que decorre da evolução do Direito Constitucional. Assim, o novo texto aplica-se imediatamente, sem a necessidade de qualquer norma infraconstitucional regulamentadora. As normas incompatíveis com o Texto Maior devem ser tidas como revogadas.

2. Como evolução da pós-modernidade, cabe aos aplicadores do Direito a tarefa de preenchimento das categorias previstas na CF/1988.
Não há necessidade de atribuir tal tarefa ao legislador infraconstitucional, o que seria fruto de um positivismo exagerado e superado.

3. Como já sustentando por Paulo Lôbo, deve-se interpretar a inovação com base nos seus fins sociais, conforme determina o art. 5o. da LICC, norma que prevalece.
Não há a menor dúvida de que a finalidade da EC 66/2010 é de por fim ao modelo bifásico (separação de direito + divórcio), mantendo-se apenas o último em um sistema unitário de dissolução do casamento.

4. Zeno Veloso apontou-me agora, em contato pessoal, um outro argumento interessante para o que se propõe, qual seja a utilidade da Emenda Constitucional.
Ora, se nada mudou, como sustentam alguns, foi totalmente inútil e desnecessário o trâmite da inovação no Congresso Nacional.
Em suma, a manutenção da separação de direito tornaria inútil a PEC do Divórcio, representando total e indesejado retrocesso.

5. Por fim, ressalto que se deve intepretar a norma com boa-fé e "desapego", levando-se em conta a intenção do legislador.
As normas são feitas para a sociedade e não para os aplicadores do direito.

Abraços a todos,

Professor Flávio Tartuce

NOVO ARTIGO DE MARIA BERENICE DIAS SOBRE A EC 66/2010.

Fonte: Site do IBDFAM.

EC 66/10 — e agora?
20/07/2010 | Autor: Maria Berenice Dias
Em face da recente Emenda Constitucional nº 66, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 do Constituição Federal,[1] um sem número de interpretação, posições e críticas floresceram. Há opiniões para todos os lados. Conclusão, ninguém sabe o que fazer.
No entanto, não é possível deixar de ler o novo texto constitucional sem atentar ao que antes estava escrito. A redação anterior dizia: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Ou seja, eram impostas restrições à concessão do divórcio: (a) ter ocorrido a separação judicial há mais de um ano; ou (b) estarem os cônjuges separados de fato há pelo menos dois anos.
Ao ser excluída a parte final do indigitado dispositivo constitucional, desapareceu toda e qualquer restrição para a concessão do divórcio, que cabe ser concedido sem prévia separação e sem o implemento de prazos. A partir de agora a única ação dissolutória do casamento é o divórcio que não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a causa, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda.
No entanto, como foi mantido o verbo "pode" há quem sustente que não desapareceu o instituto da separação, persistindo a possibilidade de os cônjuges buscarem sua concessão pelo só fato de continuar na lei civil dispositivos regulando a separação.
A conclusão é para lá de absurda, pois vai de encontro ao significativo avanço levado a efeito: afastou a interferência estatal que, de modo injustificado, impunha que as pessoas se mantivessem casadas. O instituto da separação foi eliminado. Todos os dispositivos da legislação infraconstitucional a ele referente restaram derrogados e não mais integram o sistema jurídico. Via de consequência, não é possível buscar em juízo a decretação do rompimento da sociedade conjugal.
Outra tentativa de não ver o novo, é sustentar a necessidade de manter a odiosa identificação de um culpado para a separação, porque a quantificação do valor dos alimentos está condicionada à culpa de quem os pleiteia (CC 1.694, § 2º). No entanto, tal redutor está restrito ao âmbito dos alimentos e de forma alguma pode condicionar a concessão do divórcio, até porque caiu por terra o art. 1.702 da lei civil.
Um argumento derradeiro de quem quer assegurar sobrevida à separação. Havendo arrependimento, a necessidade de ocorrer novo casamento obrigaria a partilha dos bens do casamento anterior ou a adoção do regime da separação obrigatória (CC 1.523, III e 1.641, I).
Mais uma vez a resistência não convence. Havendo dúvidas ou a necessidade de um prazo de reflexão, tanto a separação de fato como a separação de corpos preservam o interesse do casal. Qualquer uma dessas providências suspende aos deveres do casamento e termina com a comunicabilidade dos bens. A separação de corpos, inclusive, pode ser levada a efeito de modo consensual por meio de escritura pública. E, ocorrendo a reconciliação tudo volta a ser como era antes. Sequer há a necessidade de ser extinta a separação de corpos. O único efeito - aliás, bastante salutar - é que bens adquiridos e as dívidas contraídas durante o período da separação é de cada um, a não ser que convencionem de modo diferente.
Ao que se vê, a resistência que ainda se percebe é muito mais uma tentativa de alguns advogados e notários de garantirem reserva de mercado de trabalho. Mantida a separação, persistiria a necessidade de um duplo procedimento, a contratação por duas vezes de um procurador e a lavratura de duas escrituras.
Parece que não atentam ao prevalente interesse das partes: a significativa economia de tempo, dinheiro e desgaste emocional não só dos cônjuges, mas principalmente de sua prole. E mais, não se pode desprezar a significativa redução do volume de processos no âmbito do Poder Judiciário, a permitir que juízes deem mais atenção ao invencível número de demandas que exigem rápidas soluções.
É necessário alertar que a novidade atinge as ações em andamento. Todos os processos de separação perderam o objeto por impossibilidade jurídica do pedido (CPC 267, inc. VI). Não podem seguir tramitando demandas que buscam uma resposta não mais contemplada no ordenamento jurídico.
No entanto, como a pretensão do autor, ao propor a ação, era pôr um fim ao casamento, e a única forma disponível no sistema legal pretérito era a prévia separação judicial, no momento em que tal instituto deixa de existir, ao invés de extinguir a ação cabe transformá-la em ação de divórcio. Eventualmente cabe continuar sendo objeto de discussão as demandas cumuladas, como alimentos, guarda, partilha de bens, etc. Mas o divórcio cabe ser decretado de imediato.
De um modo geral, nas ações de separação não há inconformidade de nenhuma das partes quanto a dissolução da sociedade conjugal. Somente era utilizado dito procedimento por determinação legal, que impunha a indicação de uma causa de pedir: decurso do prazo da separação ou imputação da culpa ao réu. Como o fundamento do pedido não cabe mais ser questionada, deixa de ser necessária qualquer motivação para o decreto da dissolução do casamento.
Como o pedido de separação tornou-se juridicamente impossível, ocorreu a superveniência de fato extintivo ao direito objeto da ação, o que precisa ser reconhecido de ofício pelo juiz (CPC 462). Deste modo seque há a necessidade de a alteração ser requerida pelas partes. Somente na hipótese de haver expressa oposição de ambos os separandos à concessão divórcio deve o juiz decretar a extinção do processo.
Do mesmo modo, encontrando-se o processo de separação em grau de recurso, descabe ser julgado. Sequer é necessário o retorno dos autos à origem, para que o divórcio seja decretado pelo juízo singular. Deve o relator decretar o divórcio, o que não fere o princípio do grupo grau de jurisdição.
A verdade é uma só: a única forma de dissolução do casamento é o divórcio, eis que o instituto da separação foi banido - e em boa hora - do sistema jurídico pátrio. Qualquer outra conclusão transformaria a alteração em letra morta.
A nova ordem constitucional veio para atender ao anseio de todos e acabar com uma excrescência que só se manteve durante anos pela histórica resistência à adoção do divórcio. Mas, passados mais de 30 anos nada, absolutamente nada justifica manter uma dupla via para assegurar o direito à felicidade, que nem sempre está na manutenção coacta de um casamento já roto.

Maria Berenice Dias é Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS. Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM


--------------------------------------------------------------------------------

[1] Emenda Constitucional nº 66 de 13.07.2010 - DOU 14.07.2010. Art. 1º: O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

ARTIGO DE RODRIGO DA CUNHA PEREIRA (PRESIDENTE DO IBDFAM) SOBRE A EC 66/2010

Fonte: Site do IBDFAM.

A Emenda Constitucional nº 66/2010: Semelhanças, Diferenças e Inutilidades entre Separação e Divórcio e o Direito Intertemporal

20/07/2010 | Autor: Rodrigo da Cunha Pereira

Desde a Lei nº 6.515/1977 tem sido feita a distinção entre "terminar" e "dissolver" o casamento. Foi necessário este "jogo" de palavras para dar alguma coerência ao incoerente e inútil instituto da separação judicial. Como já dito, ele veio substituir o desquite para satisfazer àqueles cuja religião não permite o divórcio. Dissolver ou terminar um casamento tem o mesmo sentido: o casamento acabou. A diferença essencial é que não se pode casar quem apenas se separou judicialmente, enquanto com o divórcio é possível casar novamente. Este também é o pensamento de Maria Berenice Dias (4) :
"(...) É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la (...). Portanto, de todo o inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal 'finda', mas não 'extinta'.
Há outras pequenas diferenças: se o cônjuge separado judicialmente morre, o estado civil do sobrevivo é viúvo, ao passo que o divorciado continua sendo divorciado; pela Lei nº 6.515/77 não era possível divorciar sem fazer a partilha dos bens, equívoco já corrigido pelo artigo 1.581 do CCB/2002; se os divorciados pretendem reatar o casamento, terão que fazer novo processo de habilitação, como se estivessem casando pela primeira vez, enquanto os separados judicialmente podem voltar ao estado civil anterior por meio de uma simples petição ao juiz, conforme dispunha o artigo 1.577 do CCB/2002.
Os prazos para a separação judicial já haviam sofrido algumas alterações com o CCB 2002. Era necessário o prazo de dois anos de casamento para requerer uma separação judicial consensual. Obviamente não havia necessidade de nenhum lapso temporal se a separação fosse litigiosa. Os prazos para o divórcio estavam estabelecidos na Constituição, art. 226, § 6º, e reproduzidos no artigo 1.580 do CCB/2002. Para o divórcio direto era necessária uma separação de fato por mais de dois anos. Para o divórcio indireto, isto é, por conversão, o prazo era de um ano, contado do trânsito em julgado da sentença que decreta a separação judicial ou da data da decisão liminar que houver concedido a separação judicial de corpos. A Emenda Constitucional nº 66/2010, ao dar nova redação ao artigo 226, § 6º, eliminou o requisito do lapso temporal para se requerer divórcio, seja na forma litigiosa ou consensual, além de ter extirpado também o requisito da prévia separação judicial para o divórcio.
2- Separação Judicial/Administrativa ainda Vigora no Brasil? A Emenda Constitucional nº 66/2010
O sistema dual para romper o vínculo legal do casamento, como já se disse, tem suas raízes e justificativas principalmente em uma moral religiosa. Não se justifica mais em um Estado laico manter esta duplicidade de tratamento legal. A tendência evolutiva dos ordenamentos jurídicos ocidentais é que o Estado interfira cada vez menos na vida privada e na intimidade dos cidadãos. Se não há intervenção do Estado na forma e no modo de as pessoas se casarem, por que ele interfere tanto quando o casamento termina? Os ordenamentos jurídicos de países cuja interferência religiosa é menor não têm em seu corpo normativo a previsão deste sistema dual.
A moral condutora da manutenção deste arcaico sistema, assim como a da não facilitação do divórcio, é a preservação da família. Pensa-se que se o Estado dificultar ou colocar empecilhos, os cônjuges poderão repensar e não se divorciarem; ou, se apenas se separarem, poderão se arrepender e restabelecerem o vínculo conjugal. Em 1977, o argumento usado para se manter na lei o instituto da separação judicial como alternativa ao divórcio era puramente religioso. Tinha-se a esperança de que os católicos não se divorciariam, apenas se separariam judicialmente. A realidade, diferente do que se temia, foi outra: católicos se divorciam, não houve uma "avalanche" de divórcios, e as famílias não se desestruturaram por isso. Ao contrário, as pessoas passaram a ter mais liberdade e conquistaram o direito de não ficarem casadas. Ora, o verdadeiro sustento do laço conjugal não são as fórmulas jurídicas. O que garante a existência dos vínculos conjugais é o DESEJO.
É preciso separar o "joio do trigo", para usar uma linguagem bíblica, isto é, se separarmos as razões jurídicas das razões e motivações religiosas, veremos claramente que não faz sentido a manutenção do instituto de separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Ele significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais processos desnecessários. Um dos maiores juristas brasileiros, o alagoano Paulo Luiz Netto Lôbo, mesmo antes da aprovação da referida Emenda Constitucional, já era enfático quanto à insustentabilidade dessa duplicidade de tratamento legal:
"(...) A superação do dualismo legal repercute os valores da sociedade brasileira atual, evitando que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam reveladas e trazidas ao espaço público dos tribunais, com todo o caudal de constrangimento que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação" (5) .
Os professores Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, em livro escrito a quatro mãos, também já faziam ferrenha crítica ao sistema binário de dissolução do casamento. Exemplificando com os ordenamentos jurídicos da Áustria, Grã Bretanha e Alemanha, que adotam apenas o divórcio, realçam que é totalmente ilógica a manutenção da separação judicial:
"É evidente a dificuldade conceitual existente em compreender, com precisão, o caráter dualista do sistema de dissolução matrimonial. Não há justificativa lógica em terminar e não dissolver um casamento. Escapa à razoabilidade e viola a própria operabilidade do sistema jurídico" (6) .
Realmente não faz mais sentido a manutenção do instituto da Separação Judicial. Foi com este intuito que o Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, apresentou Proposta de Emenda Constitucional - PEC, através do seu sócio, o DEPUTADO FEDERAL SÉRGIO BARRADAS CARNEIRO (PT/BA), para dar nova redação ao parágrafo § 6º do artigo 226, que em Julho de 2010 se transformou na Emenda Constitucional nº 66 que diz:
"§ 6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio"
E assim foi abolido o texto:
"(...) após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos"
Portanto, o novo texto constitucional suprimiu a prévia separação como requisito para o divórcio, bem como eliminou qualquer prazo para se propor o divórcio, seja judicial ou administrativo (Lei nº 11.441/07). Tendo suprimido tais prazos e o requisito da prévia separação para o divórcio, a Constituição joga por terra aquilo que a melhor doutrina e a mais consistente jurisprudência já vinha reafirmando há muitos anos, a discussão da culpa pelo fim do casamento, aliás, um grande sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro.
É possível que haja resistência de alguns em entender que a separação judicial foi extinta de nossa organização jurídica. Mas, para estas possíveis resistências, basta lembrar os mais elementares preceitos que sustentam a ciência jurídica: a interpretação da norma deve estar contextualizada, inclusive historicamente. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial ao divórcio por conversão. Qual seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial se ela não pode mais ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para a sua manutenção. Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda Constitucional nº 66/2010, não poderá transformar mais tal separação em divórcio, se o quiser, terá que propor o divórcio direto. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do artigo 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência. O sentido jurídico da manutenção da separação judicial era convertê-la em divórcio, repita-se. Paulo Lôbo, em assertivo e conclusivo texto para a Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, não deixa sombra de dúvidas sobre a extinção do antiquado instituto da separação judicial e das normas infraconstitucionais que a regulavam:
"(...) a Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A conseqüência da extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a dissolução da sociedade conjugal, que era a única possível, sem dissolução do vínculo conjugal, até 1977. Com o advento do divórcio, a partir dessa data e até 2009, a dissolução da sociedade conjugal passou a conviver com a dissolução do vínculo conjugal, porque ambas recebiam tutela constitucional explícita. Portanto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do Divórcio. A nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal" (7).
As outras possíveis argumentações são apenas de ordem moral e religiosa. Deve-se respeitar a religião, a crença e as convicções morais. Elas mais que fazem sentido, dão sentido à vida, ajudam a colocar limites, direcionam valores, alimentam esperanças e fé. Entretanto, não podemos misturar Direito com valores morais particulares e religiosos. A história do Direito de Família já nos mostrou todas as injustiças provocadas por esses valores, tais como a exclusão de determinadas categorias do laço social, ilegitimando filhos, famílias, em nome de uma moral sexual civilizatória. Não podemos continuar repetindo essas injustiças. E é por isso que os argumentos de ordem moral-religiosa não podem prescrever as regras jurídicas.
O Direito Civil Constitucional tão bem sustentado pelos juristas Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Paulo Lôbo, Maria Celina Bodin de Moraes, dentre outros, vem exatamente na direção que aqui se argumenta, ou seja, a legislação infraconstitucional não pode ter uma força normativa maior que a própria Constituição. Em outras palavras, se o novo texto do §6 º do artigo 226 retirou de seu corpo a expressão separação judicial, como mantê-la na legislação infraconstitucional? É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a hermenêutica Constitucional tem que ser colocada em prática, e isso compreende suas contextualizações política e histórica.
A interpretação das normas secundárias, ou seja, da legislação infraconstitucional, deve ser compatível com o comando maior da Carta Política. O conflito com o texto constitucional atua no campo da não recepção. Essa é a posição de nossa Corte Constitucional, em julgamento de 2007, que traduz exatamente essa assertiva: "O conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no campo da não-recepção" (8). Vê-se, portanto, mais uma razão da desnecessidade de se manter o instituto da separação judicial, pois, ainda que se admitisse a sua sobrevivência, a norma constitucional permite que os cônjuges atinjam seu objetivo com muito mais simplicidade e vantagem. Ademais, em uma interpretação sistemática não se pode estender o que o comando constitucional restringiu. Toda legislação infraconstitucional deve apresentar compatibilidade e nunca conflito com o texto constitucional. Assim, estão automaticamente revogados os artigos 1.571, III, 1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.577 e 1.578 do Código Civil. Da mesma forma, e pelo mesmo motivo, os artigos da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e da Lei nº 10.406/2002 (Divórcio por Escritura Pública), bem como os artigos adiante mencionados deverão ser lidos desconsiderando-se a expressão "separação judicial", à exceção daqueles que já detinham este estado civil anteriormente a EC nº 66/2010, mantendo seus efeitos para os demais aspectos: 10, I, 25, 27, I, 792, 793, 980, 1.562, 1.571, § 2º, 1.580, 1.583, 1.683, 1.775 e 1.831.
Como se não bastassem todos os princípios jurídicos e argumentativos da extirpação da anacrônica separação judicial, é necessário considerar a pretensão do legislador e o "espírito das leis", como dizia Montesquieu. Isso pode ser constatado na exposição de motivos da referida Emenda Constitucional, que se vê abaixo, ipsis literis, que contextualiza e traduz o real e verdadeiro sentido do novo comando constitucional.
Como corolário do sistema jurídico vigente, constata-se que o instituto da separação judicial perdeu muito da sua relevância, pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio necessário para a sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto possível revela-se natural para os cônjuges desavindos, inclusive sob o aspecto econômico, na medida em que lhes resolve em definitivo a sociedade e o vínculo conjugal.
(...)
Com efeito, se é verdade que não se sustenta a diferenciação, quanto aos prazos, entre a separação judicial e a separação de fato, tendo em vista a obtenção do divórcio, é verdade ainda mais cristalina que o próprio instituto da separação não se sustenta mais no ordenamento jurídico pátrio. De fato, deve-se ter em mente que o antigo desquite, hoje separação judicial, foi mantido no direito brasileiro possível a adoção do divórcio entre nós. Tratou-se de uma fórmula que agradasse àqueles frontalmente contrários à dissolução do vínculo matrimonial, e que, portanto, contentavam- se com a possibilidade de pôr termo, apenas e tão-somente, à sociedade conjugal.
Hoje, contudo, resta claro que a necessidade da separação dos cônjuges, seja judicial ou de fato, como pressuposto para o divórcio apenas protrai a solução definitiva de um casamento malsucedido.
Deve-se sublinhar que a necessidade de dois processos judiciais distintos apenas redunda em gastos maiores e também em maiores dissabores para os envolvidos, obrigados que se vêem a conviver por mais tempo com o assunto penoso da separação - penoso, inclusive, para toda a família, principalmente para os filhos.
Não menos importante é a constatação prática de que apenas uma parcela realmente ínfima das separações reverte para a reconciliação do casal.
(...)
Para esta relatoria, salta aos olhos que os representantes da advocacia, do Poder Judiciário e do Ministério Público foram unânimes em afirmar que o instituto da separação judicial deve ser suprimido do direito brasileiro. (Grifo nosso.) (9)
3- Direito intertemporal e as questões transitórias
O artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República (10) assegura e preserva o ato jurídico perfeito (11), o direito adquirido (12) e a coisa julgada (13). Portanto, as novas disposições sobre o divórcio têm sua força e eficácia a partir da entrada em vigor do novo texto constitucional. Como já se disse, a Emenda Constitucional nº 66/2010, ao revogar a maior parte da redação do parágrafo 6º do artigo 226, alterou não apenas as regras, mas, principalmente, os princípios constitucionais sobre o divórcio no Brasil.
Está ultrapassado, e não se discute mais, a eficácia imediata da norma constitucional (art. 5º, § 1º) (14) , nem mesmo a ineficácia de todas as regras infraconstitucionais que contrariem os novos princípios instalados. Se assim não fosse, as normas constitucionais seriam transformadas em meros enunciados e estariam despidas de seu conteúdo propositivo e de eficácia plena.
Por se tratar de uma nova redação da Constituição que eliminou expressamente prazos para o divórcio e instalou novas concepções sobre a dissolução do vínculo conjugal, é necessário examinarmos algumas situações especiais e transitórias, em nome da segurança das relações jurídicas. Afinal, não se pode obrigar alguém a se submeter a novas regras e princípios se já tinha uma situação jurídica consolidada pelas leis vigentes à época. Isso seria o mesmo que instalar a obrigatoriedade de submissão às leis que ainda não existem, isto é, tornar caótico o sistema jurídico (15).
O novo texto constitucional, além de acabar com todo e qualquer prazo para o divórcio, pelas razões aqui já expostas, tornou a separação judicial e as regras que a regiam incompatíveis com o sistema jurídico. Entretanto, há quatro situações transitórias que devem ser consideradas em relação à situação daqueles que já estavam separados judicialmente (ou administrativamente) na data da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010: se continua existindo o estado civil de "separado judicialmente"/ administrativamente; se eles ainda podem converter a separação em divórcio; se poderiam restabelecer o casamento; e se os processos judiciais ou administrativos de separação poderão continuar tramitando para se alcançar o seu objetivo proposto.(16)
O estado civil daqueles que já eram separados judicialmente continua sendo o mesmo, pois não é possível simplesmente transformá-los em divorciados. Portanto, o estado civil "separado judicialmente/administrativamente" continua existindo para aqueles que já o detinham quando o novo texto constitucional entrou em vigor. É uma situação transitória, pois, com o passar do tempo, naturalmente, deixará de existir. Caso queiram transformá-lo em estado civil de divorciado poderão, excepcionalmente, converter tal separação em divórcio ou simplesmente propor Ação de Divórcio, o que na prática tem o mesmo resultado. São exceções, necessárias e justificáveis, para compatibilizar com o respeito aos princípios constitucionais da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Neste mesmo raciocínio poderão ainda usar a faculdade que lhes oferecia o artigo 1.577 e a Lei nº 11.441/2007: restabelecerem a sociedade conjugal. Obviamente que a partir daí já estarão submetidos às novas regras e princípios decorrentes da instalação da Emenda Constitucional nº 66/2010.
Os processos judiciais em andamento, sejam os consensuais ou litigiosos, ou os extrajudiciais, isto é, os administrativos (Lei nº 11.441/2007) deverão readequar seu objeto e objetivos às novas disposições legais vigentes, sob pena de arquivamento.

1 (Título) Este artigo integra o livro "Divórcio - Teoria e prática de acordo com a EC nº 66/2010", publicado pela Editora GZ.
2 (Autor) Advogado em Belo Horizonte, Presidente do IBDFAM, Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG), autor de vários livros e trabalhos em Direito de Família (http://www.rodrigodacunha.adv.br)
3 Ilustração da artista plástica Adriana Silveira, que integra, juntamente com outras ilustrações da mesma artista, o referido livro sobre o Divórcio.
4 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, 5ª ed. revista e atualizada, São paulo: RT, 2009, p. 274.
5 LÔBO, Paulo. Direito Civil - Famílias, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 127.
6 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 282.
7 LÔBO, Paulo. "A PEC do Divórcio: conseqüências jurídicas imediatas". In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, vol. 11, pp. 05-17, Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, p. 8, ago./set. 2009.
8 STF, RE 387.271, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 08.08.2007, DJE 01.02.2008.
9 Parecer da Comissão Especial quando da análise da PEC 413/2005 e 33/2007 ministrado na Câmara dos Deputados, Diário da Câmara dos Deputados, quinta-feira, 29.11.2007.
10 Art. 5º, XXXVI: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
11 Art. 6º da LICC, § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
12 Art. 6º da LICC, § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
13 Art. 6º da LICC, § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
14 § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
15 A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, em situação semelhante, analisando as doutrinas brasileira e estrangeira, sobre aplicação de regras do CCB de 1916 e de 2002 a respeito do regime de bens, assim também se posicionou: "A doutrina fez uma distinção fecunda entre a retroatividade máxima, que alcança o direito adquirido e afeta negócios jurídicos findos; a retroatividade média, que alcança direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio do titular e a retroatividade mínima, que se confunde com o efeito imediato da lei e só implica sujeitar à lei nova conseqüências a ela posteriores de atos jurídicos praticados na vigência da lei anterior" (In: Curso de Direito Civil Brasileiro, 5ª ed., vol. I, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,1987, p. 82). Ainda, com base no Direito Comparado, elucidativas as palavras, respectivamente, dos mestres franceses Planiol e Roubier, verbis: "(...) a lei é retroativa quando ela se volta para o passado, seja para apreciar as 'condições de legalidade de um ato', seja para modificar ou suprimir os 'efeitos de um direito já realizado'. Fora daí, não há retroatividade, e a lei pode modificar os 'efeitos futuros' de fatos ou atos anteriores, sem ser retroativa" "(...) la loi est rétroactive quand elle revient sur le passe soit pour aprécier lês 'conditions de légalité d'um acte', soit pour modifier ou supprimer lês leffets d'un droit déjà réalisés'. Hors de là il n'y a pás de rétroactivité, et la loi peut modifier lês 'effets futurs' de faits ou d'actes Memes antérieurs, sans êtres rétroactive"). (Traité Élémentaire de Droit Civil, vol. I, 4ª ed., nº 243, Paris: Libraire Générale de Droit & de Jurisprudence, 1906, p. 95) Se a lei pretende aplicar-se aos fatos realizados ('facta praeterita'), é ela retroativa, se pretende aplicar-se a situações em curso ('facta pendentia'), convirá estabelecer uma separação entre as partes anteriores à data da modificação da legislação, que não poderão ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, para as quais a lei nova, se ela deve aplicar-se, não terá senão efeito imediato; enfim, diante dos fatos a ocorrer ('facta futura'), é claro que a lei não pode jamais ser retroativa "("Si la loi prétend s'appliquer à des faits accomplis ('facta praeterita'), elle est rétroactive; si elle prétend s'appliquer à des situations em cours ('facta pendentia'), il faudra établir une séparation entre les parties antérieures à separala date du changement de législation, qui ne pourraient être atteintes sans rétroactivité, et lês partis postérieures, pour lesquelles la loi nouvelle, si elle doit s'appliquer, n'aura jamais qu'um effet imédiat; enfin, vis-à-vis des faits à venir ('facta futura'), il est clair que la loi ne peut jamais être rétroactive'). (Le Droit Transitoire - Conflits des Lois dans le Temps, 2ª ed., nº 38, Éditions Dalloz et Sirey, 1960, p. 177) Destarte, consoante a orientação doutrinária ora em apreço, quanto aos casamentos celebrados sob a égide do CC/1916, em curso quando da promulgação da nova disciplina jurídica civil, em razão da própria dinâmica do matrimônio, cujos efeitos, quanto ao regime de bens (contrato especial de Direito de Família de prestação contínua), não se exauriram sob a vigência deste, projetando-se, ao revés, sob a vigência do CC/2002, aplicam-se imediatamente as novas regras legais, perfazendo-se possível a alteração do regime patrimonial mediante decisão judicial"(...) (STJ, Resp nº 730.546-MG, Rel Min. Jorge Scartezzini, public. 03.10.2005, DJ).
16 O STF citando Vicente Rao, que em seu livro de 1952 O Direito e a vida dos direitos abordou o direito intertemporal sob o seguinte enfoque: "O autor primeiramente distinguiu os direitos pessoais puros, dos direitos pessoais relativos ou patrimoniais. Segundo ele, quanto aos primeiros, por envolverem normas de direito público, têm aplicação imediata (v.g. relações pessoais entre cônjuges, normas sobre pátrio poder, alimentos tutela, curatela). No que concerne à segunda categoria (Direitos pessoais relativos ou patrimoniais), mas vinculados ao direito de família ou dele decorrentes, biparte sua qualidade: uns, cuja constituição deixava ao livre arbítrio das partes, por predominarem os interesses individuais; outros, são direitos em que prepondera o interesse social. Aí apresenta a solução: "Os primeiros continuam submetidos à lei sob o qual nasceram, ao passo que os últimos são atingidos, em seus efeitos, pela lei nova, desde o momento em que esta entre em vigor. (STF. RE. Rel. Min. Moreira Alves, j. 24.11.88).

terça-feira, 13 de julho de 2010

PROMULGADA A PEC DO DIVÓRCIO. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010.

PEC do Divórcio foi promulgada nesta terça-feira

13/07/2010 | Fonte: Ascom IBDFAM

O Congresso Nacional promulgou nesta terça-feira (13), às 12h, em sessão solene, a PEC do Divórcio. Agora chamada de Emenda 66 que segue para publicação no Diário Oficial, entrando assim em vigor.

Aprovada na última quarta-feira, a PEC 28/2009 alterou o parágrafo sexto do artigo 226 da Constituição. Com a nova lei, aqueles que desejarem se divorciar não precisarão mais cumprir o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovar a separação de fato por dois anos.

Além de reduzir a interferência do Estado na vida privada dos cidadãos, a medida acarretará economia de recursos técnicos e financeiros para o Judiciário e para os indivíduos que pretendem se divorciar, uma vez que não serão necessários os dois processos, separação judical e divórcio.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A PEC DO DIVÓRCIO. VERDADEIRA REVOLUÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO. BREVES COMENTÁRIOS.

Prezados Amigos e Amigas,

A Proposta de Emenda Constitucional 28/2009, conhecida como PEC do Divórcio, deve entrar em vigor nos próximos dias.

Trata-se de uma revolução no Direito de Família Brasileiro, que conta com o meu apoio.

Porém, a alteração do texto traz uma série de questões controvertidas, a seguir pontuadas:

1. Acredito que o novo texto tem aplicação imediata e eficácia horizontal, o que quer dizer que a emenda tem plena incidência nas relações privadas, independentemente de qualquer norma infraconstitucional.

2. A separação de direito – que engloba a separação judicial e a extrajudicial -, desaparece definitivamente do sistema, o que vem em boa hora. Não há mais a tripla classificação da separação judicial em separação-sanção, separação-ruptura e separação-remédio, retirada do art. 1.572 do CC, dispositivo que está revogado. Essa é a grande revolução do novo texto.

3. Não há mais qualquer prazo para o divórcio. Desaparecem as classificações em divórcio direto e indireto, consensual e litigioso. Casa-se um dia e divorcia-se no outro, se essa for a intenção das partes. Esse é o segundo aspecto de maior destaque. Não acredito que a inovação enfraquece a família, mas muito ao contrário, pois é facilitada a constituição de novos vínculos, o que está melhor adequado à realidade contemporânea.

4. Será amplamente debatida pela doutrina e pela jurisprudência a possibilidade de discussão de culpa em sede de divórcio. Duas correntes bem definidas sobre o tema já surgem na doutrina. Para a primeira corrente, a culpa persiste para todos os fins, inclusive para os alimentos (corrente encabeçada por Regina Beatriz Tavares da Silva). Para a segunda corrente, liderada pelos grandes expoentes do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a culpa não pode ser discutida para dissolver o casamento em hipótese alguma (nesse sentido: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, entre outros). Estou filiado a uma corrente intermediária, que admite a discussão da culpa em casos excepcionais, tais como transmissão de doenças sexuais entre os cônjuges, atos de violência e engano quanto à prole. Acredito na existência de um modelo dual ou binário, com e sem culpa, assim como ocorre com a responsabilidade civil (responsabilidade subjetiva e objetiva).
Até pode ser sustentando que, em regra, não se debate a culpa no divórcio, sendo a sua discussão exceção no sistema de dissolução do casamento, para os casos mais graves.

5. A posição de total desaparecimento da culpa gera grande impacto na questão dos deveres do casamento. Explico a partir de premissas:
Premissa 1. A culpa é definida como a violação de deveres.
Premissa 2. Não se pode mais discutir a culpa para se dissolver o casamento.
Conclusão. Não há mais deveres do casamento, mas meras faculdades jurídicas (art. 1.566 do CC).
Um sistema sem deveres no casamento é algo até louvável, aumentando sobremaneira a liberdade das partes e a autodeterminação da pessoa humana. O problema se refere à aceitação expressa dessa premissa pela sociedade brasileira...

6. Já está em debate a situação das pessoas que se encontram separadas juridicamente na vigência da nova lei. Entendo que essas pessoas não podem ser consideradas automaticamente divorciadas, havendo necessidade de ingresso do divórcio judicial ou extrajudicial.

Em suma, muitas questões serão debatidas pela doutrina e jurisprudência nos próximos anos.
O tempo e a prática devem apontar quais são os melhores caminhos para essa verdadeira revolução que estamos vivendo agora.

É tempo de crescer e de rever antigos paradigmas....

Abraços a todos,

Professor Flávio Tartuce

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ARTIGO DE PABLO STOLZE SOBRE A PEC DO DIVÓRCIO.

A Nova Emenda do Divórcio: Primeiras Reflexões

Pablo Stolze Gagliano
Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Pós-Graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia e da Rede de Ensino LFG.. Co-autor das obras “Novo Curso de Direito Civil” e “O Novo Divórcio” (Saraiva)

1. Introdução

O incremento do divórcio é fenômeno observado, há tempos, não apenas no Brasil, mas em outros Estados no mundo.
Em fecundo estudo, CONSTANCE AHRONS e ROY RODGERS, debruçados nas alterações sociais experimentadas no século passado, observavam que, somente nas últimas três décadas, a idealizada noção “sagrada” da tradicional família norte-americana havia sido seriamente desafiada. Fatores de variada ordem como o movimento feminista, o aumento da força de trabalho da mulher e a revolução sexual, freqüentemente eram citados como responsáveis pelo número crescente de divórcios:
“It is only in the last three decades that this idealized notion of the sanctity of the tradicional American family has been seriously chalenged. The contemporary feminist movement, the increase of women in the workforce, and the sexual revolution are often cited as contribuiting to the rapid increase in divorce rates”.
Surgiriam, nesse contexto, e a virada do século confirmaria esta previsão, famílias recombinadas, de segundas, terceiras ou quartas núpcias (ou mais), alterando com isso, significativamente, o panorama tradicional da família.
A família, sob o prisma jurídico, portanto, seria reconstruída com base no afeto, noção decorrente da “valorização constante da dignidade da pessoa humana”, no erudito dizer de FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO.
O acesso mais facilitado ao divórcio, pois, consolidaria esses arranjos familiares recombinados (blended or mixed families), alterando profundamente o cenário social em que vicejam.
Observamos, com isso, que o inexorável processo de reabertura do conceito tradicional de família - fruto de fatores diversos, de variados matizes (social, econômico, político, antropológico, cultural) – desembocaria no aumento do número de casais divorciados em todo o mundo.
E o Brasil, nesse diapasão, acompanhou esta tendência, conforme podemos constatar em recente pesquisa feita pelo IBGE:
“Em 2006, o número de separações judiciais concedidas foi 1,4% maior do que em 2005, somando um total de 101.820. Neste período, a análise por regiões mostra distribuição diferenciada com a mesma tendência de crescimento: Norte (14%), o Nordeste (5,1%), o Sul (2,6%) e o Centro-Oeste (9,9%). Somente no Sudeste houve decréscimo de 1,3%. Os divórcios concedidos tiveram acréscimo de 7,7% em relação ao ano anterior, passando de 150.714 para 162.244 em todo o país. O comportamento dos divórcios mostrou tendência de crescimento em todas as regiões, sendo de 16,6% para o Norte, 5,3% para o Nordeste, 6,5% para o Sudeste, 10,4% para o Sul e 9,3%, no Centro-Oeste. Em 2006, as taxas gerais de separações judiciais e de divórcios, medidas para a população com 20 anos ou mais de idade, tiveram comportamentos diferenciados. Enquanto as separações judiciais mantiveram-se estáveis em relação a 2005, com taxa de 0,9%, os divórcios cresceram 1,4%. Esse resultado revela uma gradual mudança de comportamento na sociedade brasileira, que passou a aceitar o divórcio com maior naturalidade, além da agilidade na exigência legal, que para iniciar o processo exige pelo menos um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato. De 1996 a 2006, a pesquisa mostrou que a separação judicial manteve o patamar mais freqüente e o divórcio atingiu a maior taxa dos últimos dez anos. Em 2006, os divórcios diretos foram 70,1% do total concedido no país. Os divórcios indiretos representaram 29,9% do total. As regiões Norte e Nordeste, com 86,4% e 87,4%, foram as que obtiveram maiores percentuais de divórcios diretos. As informações da pesquisa de Registro Civil referente à faixa etária dos casais nas separações judiciais e nos divórcios mostram que as médias de idade eram mais altas para os divórcios. Para os homens, as idades médias foram de 38,6 anos, na separação judicial, e de 43,1 anos, no divórcio. As idades médias das mulheres foram de 35,2 e 39,8 anos, respectivamente, na separação e no divórcio. A análise das dissoluções dos casamentos, por divórcio, segundo o tipo de família, mostrou que, em 2006, a proporção dos casais que tinham somente filhos menores de 18 anos de idade foi de 38,8%, seguida dos casais sem filhos com 31,1%” .
Em 2007, vale acrescentar, ano em que se completaram os 30 anos da Lei do Divórcio (Lei n. 6515 de 1977), os números mantiveram a tendência de crescimento, conforme podemos ler na notícia abaixo, baseada também em estudo do IBGE:
“A taxa de divórcios no Brasil subiu 200% entre 1984 e 2007, segundo dados da pesquisa "Estatísticas do Registro Civil 2007", divulgada nesta quinta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No período, o índice passou de 0,46 divórcio para cada grupo de mil habitantes para 1,49 divórcio por mil habitantes. Em números absolutos, os divórcios concedidos passaram de 30.847, em 1984, para 179.342, em 2007” .
Toda essa projeção matemática de crescimento demonstra a inegável alteração do matiz ideológico do conceito moderno de família - na perspectiva da busca da felicidade pessoal de seus integrantes em novos relacionamentos - reforçando ainda mais a importância da facilitação jurídica do divórcio, o que, sob o viés civil-constitucional, cristalizou-se, atualmente, na aprovação desta importante Emenda Constitucional.
E não se conclua, a partir disso, que se esteja fortalecendo uma política inconseqüente de banalização do casamento.
De forma alguma.
O que se quis, em verdade, por meio da aprovação da recente Emenda do Divórcio, é permitir a obtenção menos burocrática da dissolução do casamento, facultando, assim, que outros arranjos familiares fossem formados, na perspectiva da felicidade de cada um.
Pois sem amor e felicidade não há porque se manter um casamento.

2. Compreendendo o Contexto Jurídico do Projeto de Emenda do Divórcio

Em 05 de dezembro de 2002, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 467.184 de São Paulo, sendo relator o culto Min. Ruy Rosado de Aguiar, tendo assentado que, em sede de separação, “evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e manifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquer das partes”.
Este acórdão, proferido em uma época em que sequer estava em vigor o novo Código Civil, sempre nos chamou a atenção.
Isso porque, como se pode notar, os ministros decretaram a separação do casal, desconsiderando a exigência legal no sentido de se imputar causa para o fim da sociedade conjugal (violação de dever matrimonial ou cometimento de conduta desonrosa), atendo-se, simplesmente, ao desamor para o fim de dissolver a sociedade entre os cônjuges.
Merece aplausos este aresto.
Em sua nova e moderna perspectiva, o Direito de Família, segundo o princípio da intervenção mínima, desapega-se de amarras anacrônicas do passado, para cunhar um sistema aberto e inclusivo, facilitador do reconhecimento de outras formas de arranjo familiar, incluindo-se as famílias recombinadas (de segundas, terceiras núpcias etc.).
Nesse diapasão, portanto, detectado o fim do afeto que unia o casal, não há sentido em se tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais.
Segundo CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD:
“Infere-se, pois, com tranqüilidade que, tendo em mira o realce na proteção avançada da pessoa humana, o ato de casar e o de não permanecer casado constituem, por certo, o verso e o reverso da mesma moeda: a liberdade de auto-determinação afetiva”.
Ademais, não caberia à lei nem à religião estabelecer condições ou requisitos necessários ao fim do casamento, pois apenas aos cônjuges, e a ninguém mais, é dado tomar esta decisão.
Por isso, tanto para a separação, quanto para o divórcio, a tendência deve ser sempre a sua facilitação, e não o contrário.
E quando nos referimos a uma “facilitação” não estamos querendo dizer, com isso, conforme já anunciamos no tópico anterior, que somos entusiastas do fim do casamento.
Não.
O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico, numa perspectiva de promoção da dignidade da pessoa humana, garanta meios diretos, eficazes e não-burocráticos para que, diante da derrocada emocional do matrimônio, os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido, partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida.
Um primeiro passo já havia sido dado por meio da aprovação da Lei n. 11.441 de 2007, que regulou a separação e o divórcio administrativos em nosso País, permitindo que os casais, sem filhos menores ou incapazes, pudessem, consensualmente, lavrar escritura pública de separação ou divórcio, em qualquer Tabelionato de Notas do País.
Outro significativo passo vem a ser dado, agora, por meio da aprovação desta importante Emenda, que modificou o art. 226, § 6o da CF.
A referida proposta de emenda resultou de iniciativa de juristas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, abraçada pelo deputado Antônio Carlos Biscaia (PEC 413/05) e reapresentada posteriormente pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro (PEC 33/07).
Vamos então compreender o seu objeto.

3. O Objeto da Emenda do Divórcio

3.1. O Teor da Emenda
O texto de sua proposta de redação original era o seguinte:
“§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”.
Suprimiu-se, posteriormente, a expressão “na forma da lei”, constante na parte final do dispositivo sugerido.
Esta supressão, aparentemente desimportante, revestiu-se de grande significado jurídico.
Caso fosse aprovada em sua redação original, correríamos o sério risco de minimizar a mudança pretendida, ou, o que é pior, torná-la sem efeito, pelo demasiado espaço de liberdade legislativa que a jurisprudência poderia reconhecer estar contida na suprimida expressão.
Vale dizer, aprovar uma emenda simplificadora do divórcio com o adendo “na forma da lei” poderia resultar em um indevido espaço de liberdade normativa infraconstitucional, permitindo interpretações equivocadas e retrógradas, justamente o que a proposta quer impedir.
Melhor, portanto, a sintética redação atual, aprovada em segunda e última votação pelo Senado Federal:
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Da sua leitura, constatamos duas modificações de impacto: acaba-se com a separação judicial (de forma que a única medida juridicamente possível para o descasamento seria o divórcio) e extingue-se também o prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial (eis que não há mais referência à separação de fato do casal há mais de dois anos).
Vale a pena lermos a justificativa apresentada pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, quando da apresentação da referida proposta, pois, assim, é possível se ter uma idéia das razões da sua propositura, e,também, do contexto social e histórico da sua apresentação:

“A presente Proposta de Emenda Constitucional é uma antiga reivindicação não só da sociedade brasileira, assim como o Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos, e também defendida pelo Nobre Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia (Rio de Janeiro). Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A Submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis. Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação. Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria dos processos são iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes os que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é nitidamente para o divórcio que apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-se nos dramas íntimos; Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do desaparecimento do afeto ou do desamor? O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da separação, quando o casal não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos filhos, aos alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois processos judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial (PEC 33/07. Dep. Sérgio Barradas Carneiro)”.
Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no Brasil e apresenta dois pontos fundamentais:
a) extingue a separação judicial;
b) extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial.
Cuidemos de ambos os aspectos separadamente, para a sua melhor compreensão.

3.2. Extinção da Separação Judicial
A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.
Como sabemos, a separação judicial é instituto menos profundo do que o divórcio.
Com ela, dissolve-se, tão-somente, a sociedade conjugal, ou seja, põe-se fim a determinados deveres decorrentes do casamento como o de coabitação e o de fidelidade recíproca, facultando-se também, em seu bojo, realizar-se a partilha patrimonial.
Nesse sentido, o art. 1576 do Código Civil:
Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.
Mas note-se que o vínculo matrimonial persiste.
Pessoas separadas não podem se casar novamente, pois o laço matrimonial ainda não fora desfeito, o que somente será possível em caso de morte de um dos cônjuges ou de decretação do divórcio.
Assim, é de clareza meridiana, estimado leitor, que o divórcio é infinitamente mais vantajoso do que a simples medida de separação.
Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, pois, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos.
E o fato de a separação admitir a reconciliação do casal – o que não seria possível após o divórcio, pois, uma vez decretado, se os ex-consortes pretendessem reatar precisariam se casar de novo – não serve para justificar a persistência do instituto, pois as suas desvantagens são, como vimos acima, muito maiores.
Nessa linha, a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por conseqüência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não-recepção ou inconstitucionalidade superveniente .
Note-se, no entanto, que as pessoas já separadas ao tempo da promulgação da Emenda não podem ser consideradas automaticamente divorciadas.
Não haveria sentido algum.
Aliás, este entendimento, a par de gerar grave insegurança jurídica, resultaria no desagradável equívoco de se pretender modificar uma situação jurídica consolidada segundo as normas vigentes à época da sua constituição, sem que tivesse havido manifestação de qualquer das partes envolvidas.
Ademais, é de bom alvitre lembrar que uma modificação assim pretendida – caída do céu – culminaria por transformar o próprio estado civil da pessoa até então separada.
Como ficariam, por exemplo, as relações jurídicas travadas com terceiros pela pessoa até então judicialmente separada?
À vista do exposto, portanto, a alteração da norma constitucional não teria o condão de modificar uma situação jurídica perfeitamente consolidada segundo as regras vigentes ao tempo de sua constituição, sob pena de se gerar, como dito, perigosa e indesejável insegurança jurídica.
Em outras palavras: a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional, as pessoas judicialmente separadas (por meio de sentença proferida ou escritura pública lavrada ) não se tornariam imediatamente divorciadas, exigindo-se-lhes o necessário pedido de decretação do divórcio para o que, por óbvio, não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer prazo.
Respeita-se, com isso, o próprio ato jurídico perfeito.
E o que dizer dos processos judiciais de separação em curso, ainda sem prolação de sentença?
Neste caso, a solução, em nosso sentir, é simples.
Deverá o juiz oportunizar à parte autora (no procedimento contencioso) ou aos interessados (no procedimento de jurisdição voluntária), mediante concessão de prazo, a adaptação do seu pedido ao novo sistema constitucional, convertendo-o em requerimento de divórcio.
Nesse particular, não deverá incidir a vedação constante no art. 264 do CPC, segundo o qual, “feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”.
Isso porque não se trata de uma simples inovação de pedido ou da causa de pedir no curso do processo, em desrespeito aos princípios da boa-fé objetiva e da cooperatividade, que impedem seja uma das partes colhida de surpresa ao longo da demanda.
De modo algum.
O que sucede, em verdade, é uma alteração da base normativa do direito material discutido, por força de modificação constitucional, exigindo-se, com isso, adaptação ao novo sistema, sob pena de afronta ao próprio princípio do devido processo civil constitucional.
Caso se recusem, ou deixem transcorrer o prazo concedido in albis, deverá o magistrado extinguir o processo, sem enfrentamento do mérito, por perda de interesse processual superveniente (art. 264, VI, CPC).
Se, entretanto, dentro no prazo concedido, realizarem a devida adaptação do pedido, recategorizando-o, à luz do princípio da conversibilidade, como de divórcio, o processo seguirá o seu rumo normal, com vistas à decretação do fim do próprio vínculo matrimonial, na forma do novo sistema constitucional inaugurado a partir da promulgação da Emenda.
No âmbito dos divórcios e separações consensuais administrativos, disciplinados pela Lei n. 11. 441 de 2007, os tabeliães precisarão ficar atentos ao novo sistema, pois não deverão mais lavrar escrituras públicas de separação, mantendo-se, obviamente, pelas razões expostas, aquelas já formalizadas antes do advento da Emenda.
Faculta-se, outrossim, lavrarem atos de conversão de separação em divórcio, nos termos da Resolução n. 35 do Conselho Nacional de Justiça:
“Art. 52. A Lei nº 11.441/07 permite, na forma extrajudicial, tanto o divórcio direto como a conversão da separação em divórcio. Neste caso, é dispensável a apresentação de certidão atualizada do processo judicial, bastando a certidão da averbação da separação no assento de casamento”.
Se, por equívoco ou desconhecimento, após o advento da nova Emenda, um tabelião lavrar escritura de separação, esta não terá validade jurídica, por conta da supressão do instituto em nosso ordenamento, configurando nítida hipótese de nulidade absoluta do acordo por impossibilidade jurídica do objeto (art. 166, II, CC).

3.3. Fim do Prazo de Separação de Fato para o Divórcio
Outra inovação é o fim do prazo de separação de fato para o divórcio direto.
Com a mudança determinada pela Emenda, não temos dúvida de que o Direito Brasileiro converter-se-á em um dos mais liberais do mundo, para efeito de se permitir, com mais imediatidade, a dissolução do vínculo matrimonial.
Só para se ter uma idéia, vejamos o que se dá no Direito Alemão.
A legislação alemã estabelece duas condições para o divórcio:
a) o casal estar separado de fato há pelo menos um ano, situação em que deverá haver pedido conjunto dos cônjuges ou, ainda que o pedido seja formulado por apenas um dos consortes, o outro consinta ou
b) estarem os cônjuges separados de fato há, pelo menos, três anos.
Afora essas situações, o casal somente poderá se divorciar se o fracasso da relação for devidamente verificado pelo Tribunal.
Além disso, este sistema europeu ainda mantém cláusula de dureza (Härteklausel): excepcionalmente, posto fracassado o casamento, não ocorrerá o divórcio, enquanto a manutenção do casamento for necessária à preservação do interesse das crianças (prejuízo evidente ao bem estar da criança). Também, por razões especiais, se o divórcio representar para o outro cônjuge dificuldade extraordinária, por conta de grave doença ou situação econômica, tiver o proponente de desistir da medida.
Em Portugal, escreve ANTUNES VARELA:
“O direito português é hoje dos direitos europeus que, com maior amplitude, permite a dissolução do casamento, tanto civil, como canônico, pelo divórcio. Além de admitir a separação judicial de pessoas e bens, quer litigiosa, quer consensual, ao lado do divórcio, o Código Civil faculta tanto o divórcio litigioso (art. 1779), com grande largueza de fundamentação, como o divórcio por mútuo consentimento, hoje quase sem nenhuns entraves à vontade comum dos cônjuges (art. 1175)”.
E, quanto ao prazo do divórcio no direito lusitano, assevera JORGE PINHEIRO:
“O divórcio fundado em ruptura da vida em comum pode ter como causa a separação de facto por três anos consecutivos (art. 1781, al. a) ou a separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem a oposição do outro (art. 1781, al. b)”.
Ora, com o advento da nova Emenda, estaremos à frente dos alemães e também dos portugueses.
No sistema inaugurado, pois, não só inexiste causa específica para a decretação do divórcio (decurso de separação de fato ou qualquer outra) como também não atua mais nenhuma condição impeditiva da decretação do fim do vínculo, tradicionalmente conhecida como “cláusula de dureza”.
Aliás, quanto a esta última cláusula, o próprio Código Civil de 2002 não havia mais repetido o dispositivo constante no revogado art. 6 da Lei do Divórcio.
Em síntese: com a entrada em vigor da nova Emenda, é suficiente instruir o pedido de divórcio com a certidão de casamento, não havendo mais espaço para a discussão de lapso temporal de separação fática do casal ou, como dito, de qualquer outra causa específica de descasamento.
Vigora, mais do que nunca, agora, o princípio da ruptura do afeto – o qual busca inspiração no “Zerrüttungsprinzip” do Direito alemão (princípio da desarticulação ou da ruína da relação de afeto) – como simples fundamento para o divórcio.
Neste ponto, entretanto, uma pergunta poderá ser feita: é razoável não haver um prazo mínimo de reflexão para que o casal amadureça o pedido de descasamento, impedindo assim que uma simples briga, motivada por uma explosão emocional de momento, possa por fim ao enlace conjugal?
Seria justa a solução da Emenda, no sentido de considerar o divórcio como o simples exercício de um direito potestativo, não-condicionado, sem causa específica para o seu deferimento?
Certamente, muitos dos nossos leitores concluirão pelo desacerto da Emenda, uma vez que não se afiguraria justo admitir-se o divórcio sem que se fixasse um período mínimo de separação de fato, dentro do qual os consortes pudessem amadurecer a decisão de ruptura.
Mas, neste ponto, caberia uma outra pergunta: é mesmo dever do Estado estabelecer um prazo de reflexão?
Se a decisão de divórcio é estritamente do casal, não violaria o princípio da intervenção mínima do Direito de Família, o estabelecimento coercitivo de um período mínimo de separação de fato? E que período seria este? Um ano? Por que dois?
Em nosso sentir, é correta a solução da Emenda, pois, como dito, a decisão de divórcio insere-se em uma seara personalíssima, de penetração vedada por parte do Estado, ao qual não cabe determinar tempo algum de reflexão.
Se o próprio casal resolve, no dizer comum, “dar um tempo” ou “acabar”, a opção é deles e deriva da sua autonomia privada.
Hoje, então, com o novo sistema, temos o seguinte.
Se JOÃO REGINO se casa com DIVA e, dois meses depois, descobre que ela não é o amor de sua vida (e isso acontece...), poderá pedir o divórcio.
Sem causa específica.
Sem prazo determinado.
Pede, simplesmente, porque não gosta mais.
E há motivo mais forte do que este?
O que não convence é o argumento contrário à solução da Emenda, no sentido de que o não estabelecimento de prazo conduziria a divórcios impensados, e, conseqüentemente, à impossibilidade de retomarem o mesmo casamento.
Tais argumentos não convencem, primeiro, como já dito, pelo fato de que, se a decisão é impensada ou não, ela é do casal, e não do Estado.
E, segundo, porque, se o casal, divorciado, resolve reatar, poderá, querendo, casar-se novamente.
Afinal, não existe, na lei, o estabelecimento de um número mínimo de vezes em que o mesmo casal possa se unir em matrimônio...

4. Conclusões
Nessas breves linhas, cuidamos de passar em revista alguns aspectos fundamentais da nova Emenda do Divórcio, a qual, fundamentalmente, suprime o instituto da separação judicial no Brasil e extingue também o prazo de separação de fato para a concessão do divórcio.
Com isso, o divórcio converter-se-á na única medida dissolutória do vínculo e da sociedade conjugal, não persistindo mais a tradicional dualidade tipológica em divórcio direto e indireto.
Haverá apenas o divórcio: direito potestativo não-condicionado que visa à extinção do vínculo matrimonial sem a imputação de causa específica.
Anotamos, ainda, que as pessoas separadas judicialmente, quando da entrada em vigor da Emenda não se converterão, por um passe de mágica, em divorciadas. E aquelas, cujo processo de separação esteja em curso, terão a opção de adaptarem o seu pedido ao novo sistema do divórcio, conforme, fundamentadamente, discorremos acima.
Diante de todo o exposto, temos que a nova Emenda abraça, mais do que nunca, a perspectiva socioafetiva e eudemonista do Direito de Família, para permitir que os integrantes de uma relação frustrada possam partir para outros projetos de vida.
Ademais, não é papel do Estado criar obstáculos indesejados ou burocracias inúteis na eterna busca da felicidade a que se lança todo ser humano em sua jornada terrena.
A não-intervenção do Estado, aliás, em questões atinentes ao matrimônio, fora sentida inclusive em Estados socialistas, como observa ANTON MENGER, na monumental obra O Direito Civil e os Pobres, com a qual concluímos:
“Esta imparcialidad de la legislación ante El matrimonio, ha hecho que semejante instituición haya ido relativamente poco combatido por el socialismo. Dado el modo de juzgar las cosas, propio del socialismo, que se dirige á una radical transformación de la propiedad privada, á primeira vista parecía que debía esperarse que rechasaze también la segunda instituición fundamental del Derecho Privado: el matrimonio. Realmente, de las tres instituiciones fundamentales de nuestra sociedad civil: propiedad privada, religión y matrimonio, llamadas por Robert Owen la Trinidad de la desgracia (Trinity of Curse), la más combatida por la corriente socialista es la propiedad; la religión es menos, y el matrimonio menos todavía. Este hecho puede servir para confirmar la vedad antes indicada, de que los antagonismos sociales del presente, no han sido provocados sólo por las idéias fundamentales de nuestro orden del derecho privado, sino también, en la misma medida, por su carácter unilateral y parcial aplicación, lo cual es obra casi exclusivamente de los jurisconsultos”.
Deixemos, pois, as questões do coração serem julgadas pelas próprias pessoas envolvidas na relação de afeto.
E não pelo Estado.

BIBLIOGRAFIA

AHRONS, Constance R. e RODGERS, Roy H. Divorced Families – A Multidisciplinary Development View. New York: Norton, 1987, pág. 13.
CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 277.
DIAS, Maria Berenice. Até que enfim..., texto disponível no: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=513 , acessado em 22 de dezembro de 2009
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio: Alteração Constitucional e suas Conseqüências, disponível no http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=570 acessado em 22 de dezembro de 2009
MENGER, Anton. El Derecho Civil y Los Pobres. Granada: Editorial Comares, 1998, págs. 160-161.
PINHEIRO, Jorge. O Direito da Família Contemporâneo. Lisboa: AAFDL, Lisboa, 2008, pág. 620.
TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil – Direito de Família, vol. 5. 2. Ed. São Paulo: Método, 2007.
VARELA, João de Mattos Antunes, Direito de Família, citado, págs. 487-488.
VOPPEL, Reinhard, in Kommentar zum Bürgerlichen Geseztbuch mit Einführungsgesezt und Nebengesetzen – Eckpfeiler des Zivilrechts (J. Von Staudinger). Berlin: Sellier, 2008