quarta-feira, 30 de agosto de 2017

DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO. COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE AGOSTO

DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO[1]
Flávio Tartuce[2]
Como demonstrado em texto anterior, publicado neste canal, muitos acórdãos da recente jurisprudência brasileira têm afastado a indenização por abandono afetivo, não obstante o seu reconhecimento quando do acórdão prolatado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.159.242/SP, do ano de 2012. Diante desse panorama recente, recomendamos naquele artigo que os pedidos de indenização por abandono afetivo sejam bem formulados, inclusive com a instrução ou realização de prova psicossocial do dano suportado pelo filho. Notamos, também em nossa pesquisa, que muitos dos arestos estão orientados pela afirmação de que não basta a prova da simples ausência de convivência para que caiba a indenização por abandono afetivo.
A nossa impressão, conforme as palavras finais do texto, foi no sentido de que a doutrina contemporânea foi bem festiva em relação à admissão da reparação imaterial por abandono afetivo pelo Tribunal da Cidadania. Porém, no âmbito das Cortes Estaduais há certo ceticismo, com numerosos julgados que afastam a indenização. E muitos deles o fazem com base no prazo prescricional a ser aplicado à espécie, o que aqui pretendemos abordar.
De início, esclareça-se que, por se tratar de demanda reparatória de danos, o prazo eventualmente aplicado é de prescrição, e não de decadência. Como é cediço, o Código Civil de 2002 acabou por adotar os critérios desenvolvidos por Agnelo Amorim Filho, em clássico estudo sobre os prazos, publicado na Revista dos Tribunais n. 300. Isso foi feito em prol da operabilidade, em um sentido de facilitação dos institutos privados, um dos baluartes principiológicos da codificação em vigor. Seguindo tal orientação, os prazos de prescrição são associados às ações condenatórias, caso das demandas relativas à responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual. Já os prazos de decadência associam-se às ações constitutivas positivas ou negativas, como ocorre no reconhecimento de nulidade relativa de um ato ou negócio jurídico, nos termos dos arts. 178 e 179 do Código Civil, sem prejuízo de outras normas que tratam da anulabilidade.
Pois bem, a corrente amplamente majoritária entende que o prazo prescricional, em casos tais, é de três anos, afirmando-se a subsunção do prazo especial para a reparação civil, previsto no art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil. No âmbito estadual, numerosos julgados seguem essa vertente, do prazo exíguo, diante de uma suposta subsunção perfeita ao caso concreto. Vejamos cinco deles, dos últimos dois anos e de cada uma das regiões do País.
De início, do Tribunal de Justiça do Paraná: “Ação reparatória de danos morais e materiais em razão do homicídio da mãe dos autores e do abandono afetivo em tese praticado pelo requerido. Prescrição. Aplicação do prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, CCB. Autores absolutamente incapazes à época dos fatos. Início do prazo prescricional com o alcance da maioridade” (TJPR, Apelação cível n. 1601201-4, Ipiranga, Décima Câmara Cível, Relª Desª Ângela Khury Munhoz da Rocha, julgado em 08/06/2017, DJPR21/07/2017, pág. 130). Do Tribunal de São Paulo: “Incidência do prazo de três anos previsto no artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, em consonância com o artigo 2.028 do mesmo diploma legal” (TJSP, Apelação n. 0013103-59.2012.8.26.0453, Acórdão n. 9425346, Pirajuí, Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, julgado em 04/05/2016, DJESP 17/05/2016).
Da Região Centro-Oeste, posicionou-se o Tribunal do Distrito Federal no sentido de que “a pretensão indenizatória da autora/recorrente prescreve em três anos, na esteira do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. Além disso, fundamenta-se no descumprimento, pelo réu/recorrido, das obrigações inerentes ao poder familiar, incluindo o amparo moral e econômico. Os deveres relativos ao poder familiar cessam com a maioridade plena, ainda que o genitor não os exerça. De fato, a simples alegação de que o requerido/apelado não cumpriria as obrigações relativas ao poder familiar não tem o condão de afastar a incidência da causa suspensiva prevista no art. 197, inciso II, do Código Civil. Sendo assim, resta claro que qualquer pretensão relacionada ao inadimplemento dos deveres inerentes ao poder familiar somente pode ser demandada quando encerrada a causa suspensiva acima mencionada, ou seja, com a maioridade plena do filho ou com a emancipação deste” (TJDF, Apelação cível n. 2015.01.1.064396-6, Acórdão n. 101.8971, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Rômulo de Araújo Mendes, julgado em 11/05/2017, DJDFTE 30/05/2017).
Seguindo, do Estado da Paraíba, no mesmo sentido: “a pretensão de reparação civil por abandono afetivo nasce quando cessa a menoridade civil do autor, caso a suposta paternidade seja de seu conhecimento desde a infância, estando sujeita ao prazo prescricional de três anos” (TJPB, Recurso n. 0028806-67.2013.815.0011, Quarta Câmara Especializada Cível, Rel. Des. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, DJPB 11/04/2016). Por derradeiro, chegando-se ao Amazonas, tem-se que “a pretensão de indenização por abandono afetivo prescreve em três anos, conforme o prazo estabelecido no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, e começa a contar a partir da maioridade do alimentando. No caso concreto deve ser reconhecida a prescrição, porquanto a presente ação foi ajuizada quase sete anos após o autor atingir a maioridade” (TJAM, Apelação n. 0622496-32.2013.8.04.0001, Primeira Câmara Cível, Relª Desª Maria das Graças Pessoa Figueiredo, DJAM 17/08/2017, p. 12).
Como se pode perceber, todos os julgados transcritos acabam por concluir que o prazo prescricional de três anos tem início com a maioridade do filho, pois, nos termos do art. 197, inc. II, do Código Civil, não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar, o que é cessado quando o filho completa dezoito anos, em regra. Esse dispositivo, segundo tal interpretação, deve prevalecer sobre outra, enunciada pelo art. 198, inc. I, da mesma codificação, segundo a qual não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes, os menores de dezesseis anos. Sendo assim, o prazo prescricional para o abandono afetivo acaba por vencer quando o filho completa vinte e um anos de idade (18 anos + 3 da prescrição).
Entre colegas professores consultados, assim se posicionam Ricardo Calderón, Rodrigo Toscano de Brito, João Ricardo Brandão Aguirre, Maurício Bunazar, Marcelo Truzzi Otero, Eduardo Busatta, Fábio Azevedo, Alexandre Gomide, Maurício Andere Von Bruck Lacerda, Roberto Lima Figueiredo, Marcelo Junqueira Calixto, Marco Aurélio Bezerra de Melo, Fernando Carlos de Andrade Sartori e Marcos Ehrhardt Júnior. No âmbito do STJ existe acórdão da Terceira Turma concluindo exatamente dessa forma: “Indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo. Prescrição. Aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 § 3º, inciso V, do CC/2002. Precedentes deste Tribunal” (STJ, AREsp 842.666/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJE 29/06/2017).
Porém, é preciso aqui fazer uma ressalva, pois, se os fatos tiverem ocorrido na vigência do Código Civil de 1916, há que se aplicar o prazo geral de vinte anos para as ações pessoais, previsto no art. 177 da codificação revogada. Nessa linha, importante precedente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “os direitos subjetivos estão sujeitos a violações, e quando verificadas, nasce para o titular do direito subjetivo a faculdade (poder) de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou negativa), poder este tradicionalmente nomeado de pretensão. A ação de investigação de paternidade é imprescritível, tratando-se de direito personalíssimo, e a sentença que reconhece o vínculo tem caráter declaratório, visando acertar a relação jurídica da paternidade do filho, sem constituir para o autor nenhum direito novo, não podendo o seu efeito retro-operante alcançar os efeitos passados das situações de direito. O autor nasceu no ano de 1957 e, como afirma que desde a infância tinha conhecimento de que o réu era seu pai, à luz do disposto nos artigos 9º, 168, 177 e 392, III, do Código Civil de 1916, o prazo prescricional vintenário, previsto no Código anterior para as ações pessoais, fluiu a partir de quando o autor atingiu a maioridade e extinguiu-se assim o ‘pátrio poder’. Todavia, tendo a ação sido ajuizada somente em outubro de 2008, impõe-se reconhecer operada a prescrição, o que inviabiliza a apreciação da pretensão quanto a compensação por danos morais” (STJ, REsp 1.298.576/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 21/08/2012, DJe 06/09/2012).
Com o devido respeito às posições expostas, entendo que, em casos de abandono afetivo, não há que se reconhecer qualquer prazo para a pretensão, sendo a correspondente demanda imprescritível. Primeiro, pelo fato de a demanda envolver Direito de Família e estado de pessoas, qual seja a situação de filho. Segundo, por ter como conteúdo o direito da personalidade e fundamental à filiação. Terceiro, porque, no abandono afetivo, os danos são continuados, não sendo possível identificar concretamente qualquer termo a quo para o início do prazo.
Em verdade, penso que os casos de abandono afetivo são similares aos casos de responsabilidade civil por tortura, reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça, em vários arestos, a imprescritibilidade da pretensão em tais situações. Assim, por exemplo, entre os mais recentes, com citação de outros acórdãos: “as ações indenizatórias por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1.339.344/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 28.02.2012; AgRg no REsp 1.251.529/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 01.07.2011” (STJ, AgRg no REsp 1.4981.67/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 18/08/2015, DJe 25/08/2015). Com tom suplementar de ilustração, entre os primeiros precedentes: “o dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes da sua prática” (STJ, REsp 379.414/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ17/02/2003).
Em reforço, parece-nos equivocado afirmar que o prazo prescricional, pela feição subjetiva da actio nata, terá início a partir da maioridade do filho postulante. Pela citada teoria, desenvolvida entre nós por Câmara Leal e José Fernando Simão, o prazo prescricional tem início não da lesão ao direito subjetivo, mas do conhecimento da lesão. Diante dessa feição subjetiva da actio nata que não se pode dizer qual o termo a quo para o início do prazo. Os danos são continuados, não cessam, não saem da memória do ofendido, mesmo em se tratando de pessoa com idade avançada. Em outras palavras, o prejuízo é de trato sucessivo, atinge a honra do filho a cada dia, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo. Ninguém esquece o desprezo de um pai. Entre os colegas consultados, essa é a opinião de Pablo Malheiros da Cunha Frota, Marcos Jorge Catalan e Cesar Calo Peghini.
A respeito do início do prazo, também é preciso fazer uma objeção, adotando-se a posição majoritária pelo prazo prescricional específico. Ora, nem sempre o lapso temporal de três anos será contado da maioridade do filho. Em casos de reconhecimento posterior da paternidade, mais uma vez por aplicação da teoria da actio nata subjetiva, o prazo deve ser contado do trânsito em julgado da decisão que a reconhece, momento em que não há mais dúvida quanto ao vínculo dos envolvidos. Nesse sentido, conforme se retira de recente julgamento do Tribunal Paulista, “no caso dos autos, contudo, a autora apenas soube o nome do pai em 2013, ano em que completou 30 (trinta) anos, quando o réu dela se aproximou pela rede social Facebook. Propositura de ação de reconhecimento da paternidade pela autora embasada em exame de DNA positivo realizado em laboratório particular pelas partes. Início da contagem do prazo prescricional a partir da data do trânsito em julgado da ação de paternidade. Precedente deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo” (TJSP, Apelação n. 1008272-98.2015.8.26.0564, Acórdão n. 9428000, São Bernardo do Campo, Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Pedro de Alcântara, julgado em 11/05/2016, DJESP 19/05/2016). Como se nota, o julgado admite a possibilidade de indenização por abandono afetivo após a maioridade, o que conta com o meu apoio.
Por derradeiro, sendo adotada a corrente pelo prazo de três anos, não se pode ignorar, ainda, a aplicação da regra de Direito Intertemporal do art. 2.028 do CC, in verbis: “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”. Desse modo, tendo sido o prazo reduzido de vinte para três anos, transcorrido menos da metade do prazo, deve-se aplicar o novo lapso de três anos, a partir de 11 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Sendo assim, várias pretensões reparatórias prescreveram no mesmo dia: 11 de janeiro de 2006, com exceção dos casos dos filhos que ainda não tinham atingido a maioridade nesse período ou cuja maioridade ainda não tenha sido reconhecida. Nesse sentido, transcreve-se: “se a ação de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo foi proposta após o decurso do prazo de três anos de vigência do Código Civil de 2002, é imperioso reconhecer a prescrição da ação. Inteligência do art. 206, § 3º, inc. V, do CCB/2002. O novo Código Civil estabeleceu a redução do prazo prescricional para as ações de reparação civil, tendo incidência a regra de transição posta no art. 2.028 do CCB/2002” (TJRS, Apelação cível n. 283426-62.2013.8.21.7000, Farroupilha, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/08/2013, DJERS 05/09/2013).
Como se pode perceber, muitas peculiaridades técnicas devem ser percebidas, mesmo no caso de adoção do prazo de três anos. O tema do abandono afetivo, assim, apresenta dificuldades jurídicas não só no seu conteúdo, mas também na verificação da existência ou não da suposta pretensão. Em suma, limitações existentes a respeito da prova do dano e do prazo prescricional têm feito que os pedidos de reparação imaterial sejam afastados na grande maioria dos casos levados ao Poder Judiciário.

[1] Coluna do Informativo Migalhas de Agosto de 2017.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

RESUMO. INFORMATIVO 608 DO STJ

RESUMO. INFORMATIVO 608 DO STJ.
RECURSOS REPETITIVOS
PROCESSO
REsp 1.551.488-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/6/2017, DJe 1/8/2017. (Tema 943)
RAMO DO DIREITO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Previdência complementar. Entidade fechada. Contrato de transação. Migração e resgate. Institutos jurídicos diversos. Súmula 289/STJ. Incidência limitada ao instituto jurídico do resgate. Transação para migração de plano de benefícios. Correção monetária. Expurgos inflacionários. Inaplicabilidade.
DESTAQUE
Em caso de migração de plano de benefícios de previdência complementar, não é cabível o pleito de revisão da reserva de poupança ou de benefício, com aplicação do índice de correção monetária.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A primeira questão controvertida, objeto de afetação ao rito dos recursos repetitivos, consiste em saber se, em havendo migração de plano de benefícios de previdência complementar, é cabível o pleito de revisão dos benefícios e/ou resgates dos valores pagos, a título de contribuição previdenciária (reserva de poupança), com aplicação do índice de correção monetária. Com efeito, esse debate enseja necessária distinção entre os institutos da migração de plano de benefícios da previdência e a ocorrência de resgate, que somente poderá ser requerido pelo participante que se desligar da patrocinadora e da entidade. No que diz respeito às modalidades de migração e de resgate, os arts. 14, III e 15, I, da Lei Complementar n. 109/2001 esclarecem que estes institutos não se confundem entre si, de forma que se revela inadequada a aplicação dos mesmos preceitos referentes ao resgate e da Súmula 289/STJ, para os casos em que o participante ou assistido não se desligou do regime jurídico de previdência privada, tendo apenas feito a portabilidade do plano. Na ocorrência de resgate é facultado ao ex-participante receber o valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios. O montante a ser restituído corresponde à totalidade das contribuições por ele vertidas ao fundo (reserva de poupança), devidamente atualizadas, implicando, assim, a cessação dos compromissos do plano administrado pela entidade fechada de previdência complementar (EFPC) em relação ao participante e seus beneficiários, não podendo se dar quando ele estiver em gozo de benefício ou se já tiver preenchido os requisitos de elegibilidade ao benefício pleno, inclusive sob a forma antecipada. De outro turno, a migração – pactuada em transação – de planos de benefícios, facultada até mesmo aos assistidos, ocorre em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a transferência de reservas de um plano de benefícios para outro. Vale ressaltar, por fim, que, na medida em que o art. 18 da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que cabe ao plano de benefícios arcar com as demais despesas – inclusive, pois, com a verba vindicada –, não cabe a aplicação do índice de correção monetária pretendida, sob pena de lesão aos interesses dos demais assistidos e participantes do plano de benefícios primevo, a que eram vinculados os requerentes.

PROCESSO
REsp 1.551.488-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14/6/2017, DJe 1/8/2017. (Tema 943)
RAMO DO DIREITO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Previdência complementar. Entidade fechada. Contrato de transação para migração de plano de benefícios. Negócio jurídico oneroso, unitário e indivisível, tendo por elemento essencial a reciprocidade de concessões.
DESTAQUE
Em havendo transação para migração de plano de benefícios, em observância à regra da indivisibilidade da pactuação e proteção ao equilíbrio contratual, a anulação de cláusula que preveja concessão de vantagem contamina todo o negócio jurídico, conduzindo ao retorno ao status quo ante.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A segunda questão em debate se limita a definir se, em havendo transação para migração de plano de benefícios de previdência complementar, é possível, apesar do reconhecimento de vício em cláusula contratual, manter-se a higidez do negócio jurídico e todas as vantagens auferidas pelo transator. Inicialmente, cabe destacar que o Código Civil de 2002 incluiu a transação no título das “várias espécies de contratos”. Aliás, a doutrina especializada e os precedentes desta Corte destacam que na modalidade contratual da transação – que se caracteriza pela consensualidade, bilateralidade, onerosidade, indivisibilidade e formalidade –, há reciprocidade de concessões, pois será necessário que ambos os transigentes concedam alguma coisa ou abram mão de alguns direitos em troca da segurança oferecida pelo instituto. (REsp 1.219.347-SC, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 9/12/2014). Na hipótese, como a migração ocorreu por meio de transação, conforme dispõe o art. 848 do CC/2002, tendo-se nula qualquer das suas cláusulas, independentemente da natureza constitucional ou infraconstitucional do fundamento invocado para o reconhecimento do vício, nula será esta – o que implicaria o retorno ao status quo ante. Com efeito, não se mostra razoável a pretensão de anulação apenas da cláusula mediante a qual os autores fizeram concessões de vantagens, sob pena de flagrante lesão à própria comutatividade da avença e caracterização de comportamento contraditório com a tutela da confiança. Por fim, ressalta-se que a matéria objeto de debate já se encontra pacificada no âmbito do STJ, no sentido de que o enunciado sumular n. 289 “aplica-se apenas às hipóteses em que houve o rompimento definitivo do vínculo contratual estabelecido entre a entidade de previdência complementar e o participante, não incidindo nos casos em que, por meio de transação, houve transferência de reservas de um plano de benefícios para outro no interior da mesma entidade”.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.442.975-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Revisional de alimentos. Antecipação de tutela. Alteração para valor ilíquido. Descabimento. Subtração da eficácia da obrigação de alimentos. Contrariedade ao interesse do menor alimentante.
DESTAQUE
Não é possível, em tutela antecipada deferida na ação revisional de alimentos, a alteração de valor fixo de pensão alimentícia para um valor ilíquido, correspondente a percentual de rendimentos que virão a ser apurados no curso do processo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão posta nos autos discute o cabimento da revisão da obrigação de alimentos estabelecidos em valor fixo para uma quantia ilíquida. Inicialmente, verifica-se que a vedação à sentença ilíquida prevista no art. 459 do CPC/1973 atende aos princípios da efetividade e da celeridade do processo, uma vez que permite à parte vencedora da demanda que busque desde logo satisfação de seu direito, sem as delongas do procedimento de liquidação de sentença. O novo Código de Processo Civil deu realce ainda maior a essa norma, ao estabelecer a obrigação de que o juiz deve proferir sentença líquida ainda que o pedido seja genérico, conforme se verifica no art. 491. É de se observar que, no âmbito da ação de alimentos, a exigência de sentença líquida toma dimensão ainda maior, tendo em vista a necessidade premente do alimentando. Não é por outra razão que a Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968) determina ao juiz que fixe desde o limiar do processo os alimentos provisórios. No caso dos autos, a despeito de os alimentos haverem sido estabelecidos em valor líquido, no curso de demanda revisional o Tribunal de origem deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal para estabelecer um valor ilíquido de pensão alimentícia, correspondente a 30% dos rendimentos que viessem a ser comprovados no curso do processo. Tal provimento dá ensejo à nulidade da decisão, uma vez que, além de contrariar a aludida regra processual acerca da liquidez das sentenças, atenta contra o interesse do menor alimentando, pois a pensão alimentícia foi alterada de um valor fixo, passível de imediata execução, para um valor ilíquido, a ser determinado no curso da demanda revisional, impedindo a imediata execução.

PROCESSO
REsp 1.545.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 6/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Adoção unilateral. Revogação. Possibilidade.
DESTAQUE
No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Restringe-se a controvérsia, exclusivamente, a definir se é possível flexibilizar o preceito do art. 39, § 1º, da Lei n. 8.069/1990, que atribui caráter irrevogável ao ato de adoção, em virtude do enfraquecimento do vínculo afetivo firmado entre adotado e adotante. Inicialmente, consigna-se que a adoção unilateral, ou adoção por cônjuge, é espécie do gênero adoção, que se distingue do caudal comum por possuir elementos que lhe são singulares, sendo o mais acentuado, a ausência de ruptura total entre o adotado e os pais biológicos, porquanto um deles permanece exercendo o poder familiar sobre o menor que será, após a adoção, compartilhado com o cônjuge adotante. Ela ocorre a partir do óbito de um dos ascendentes biológicos, após a destituição do poder familiar de um deles ou mesmo na ausência de pai registral. Tal adoção irá substituir, para todos os efeitos, a linha biológica originária do adotado e ocorre independentemente de consulta ao grupo familiar estendido, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/companheiro. É de se salientar que hoje, procura-se prioritariamente colocar o menor como o foco central do processo de adoção, buscando-se, em prol dele, a melhor fórmula possível de superação da ausência parcial, ou total dos ascendentes biológicos. Essa opção é claramente expressa no artigo 43 do ECA (a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.), que pela sua peremptoriedade e capacidade de se sobrepor aos outros ditames relativos à adoção, pode ser considerada verdadeira norma-princípio. Assim, os elementos balizadores e constitutivos da adoção unilateral, bem como as prerrogativas do cônjuge supérstite de autorizar a adoção unilateral de seu filho, e mesmo a própria declaração de vontade do adotando, podem ser superados ou moldados em nome da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção. O princípio do interesse superior do menor, ou melhor interesse, tem assim, a possibilidade de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação concreta onde se analisa. Em complemento a esse raciocínio, fixa-se que a razão de ser da vedação erigida, que proíbe a revogação da adoção é, indisfarçavelmente, a proteção do menor adotado, buscando colocá-lo a salvo de possíveis alternâncias comportamentais de seus adotantes, rupturas conjugais ou outras atitudes que recoloquem o menor adotado, novamente no limbo sócio emocional que vivia antes da adoção. Sob esse diapasão, observa-se que há espaço para, diante de situações singulares onde se constata que talvez a norma protetiva esteja, na verdade, vulnerando direitos do seu beneficiário, ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 39 § 1º, do ECA.
PROCESSO
REsp 1.669.131-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Propriedade industrial. Patentes. Falta de pagamento de retribuição anual. Obrigatoriedade de notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente. Restauração garantida pelo art. 87 da Lei n. 9.279/96 até três meses contados da notificação.
DESTAQUE
Para arquivamento de pedido ou extinção de patente por falta de pagamento da retribuição anual prevista no art. 84 da Lei n. 9.279/1996, exige-se notificação prévia do respectivo depositante ou titular.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Discute-se acerca da necessidade de notificação prévia da extinção da patente pela falta de pagamento de duas retribuições anuais. Inicialmente, cabe pontuar que esse pagamento configura requisito imprescindível para que o titular de uma patente goze do monopólio, garantido pelo Estado, de exploração comercial do objeto patenteado durante o seu prazo de vigência. De acordo com o art. 84 da Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), a retribuição anual é devida a partir do início do terceiro ano do depósito e deve ser paga nos três primeiros meses de cada período anual. Nesse contexto, a falta do pagamento da retribuição acarreta, como regra, o arquivamento do pedido de patente, ou, caso já concedida, a sua extinção. Porém, a regra do art. 87 do referido diploma legal prevê, como forma de preservar o direito do titular da patente, o instituto da restauração. Estabelece o dispositivo aludido que, notificado do arquivamento do pedido ou da extinção da patente em razão do não pagamento da retribuição anual, o depositante ou o titular pode, no prazo de três meses contados dessa notificação, restaurar o pedido ou a patente, por meio do pagamento de retribuição específica. Infere-se desse dispositivo legal que, na hipótese de inadimplemento da retribuição anual, a notificação do arquivamento do pedido ou da extinção da patente é obrigatória, porquanto necessária para o exercício do direito à restauração.

PROCESSO
REsp 1.367.212-RR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 20/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Honorários advocatícios. CPC/73. Astreintes. Valores afastados da base de cálculo. Meio coercitivo. Ausência de caráter condenatório. Inexistência de coisa julgada material.
DESTAQUE
O valor da multa cominatória (astreintes) não integra a base de cálculo da verba honorária disciplinada pelo CPC/1973.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se, na égide do CPC/1973 (art. 20, § 3º), o valor referente à multa cominatória (astreintes) deve integrar a condenação para fins de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais. Sobre o tema, o art. 20, § 3º, do CPC/1973 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação. Neste contexto, por valor da condenação, na fase de conhecimento do processo, deve ser entendido o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Por outro lado, a multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo medida de execução indireta. Ademais, a decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Deste modo, as astreintes, sendo apenas um mecanismo coercitivo posto à disposição do Estado-Juiz para fazer cumprir as suas decisões, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam da base de cálculo dos honorários advocatícios.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 9/5/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA
Ação de retificação de registro de nascimento. Troca de prenome e do sexo (gênero). Pessoa transexual. Cirurgia de transgenitalização. Desnecessidade.
DESTAQUE
O direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia está em definir se é possível a alteração de gênero no assento de registro civil de pessoa transexual, independentemente da realização da cirurgia de transgenitalização (também chamada de cirurgia de redesignação ou adequação sexual). Inicialmente, e no que diz respeito aos aspectos jurídicos da questão, infere-se, da interpretação dos arts. 55, 57 e 58 da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclamará, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. Quanto ao ponto, cabe destacar ser incontroversa a possibilidade de alteração do prenome, na medida em que o Tribunal de origem manteve a sentença que rejeitou tão somente o pedido de alteração do gênero registral da transexual mulher. Ocorre que a mera alteração do prenome das pessoas transexuais, não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade. Nesse contexto, o STJ, ao julgar casos nos quais realizada a cirurgia de transgenitalização, adotou orientação jurisprudencial no sentido de ser possível a alteração do nome e do sexo/gênero das pessoas transexuais no registro civil – entendimento este que merece evolução tendo em vista que a recusa de modificação do gênero nas hipóteses em que não realizado tal procedimento cirúrgico ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. Vale lembrar que, sob a ótica civilista, os direitos fundamentais relacionados com a dimensão existencial da subjetividade humana são também denominados de direitos de personalidade. Desse modo, a análise do tema reclama o exame de direitos humanos (ou de personalidade) que guardam significativa interdependência, quais sejam: direito à liberdade, direito à identidade, direito ao reconhecimento perante a lei, direito à intimidade e à privacidade, direito à igualdade e à não discriminação, direito à saúde e direito à felicidade. Assim, conclui-se que, em atenção à cláusula geral de dignidade da pessoa humana, a jurisprudência desta Corte deve avançar para autorizar a retificação do sexo do indivíduo transexual no registro civil, independentemente da realização da cirurgia de adequação sexual, desde que dos autos se extraia a comprovação da alteração no mundo fenomênico (como é o caso presente, atestado por laudo incontroverso), cuja averbação, nos termos do § 6º do artigo 109 da Lei de Registros Públicos, deve ser efetuada no assentamento de nascimento original, vedada a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão transexual ou do sexo biológico.

PROCESSO
REsp 1.343.313-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antônio Carlos Ferreira, por maioria, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Factoring. Compra e venda em prestações. Cessão do contrato. Anuência do devedor. Legitimidade passiva da cessionária.
DESTAQUE
A empresa de factoring, que figura como cessionária dos direitos e obrigações estabelecidos em contrato de compra e venda em prestações, de cuja cessão foi regularmente cientificado o devedor, tem legitimidade para figurar no polo passivo de demandas que visem a revisão das condições contratuais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A principal questão controvertida consiste em saber se, em contrato de compra e venda de bem em prestações, com expressa referência sobre a cessão dos correspondentes direitos e obrigações a terceiro, pode ser ajuizada ação revisional diretamente contra a cessionária (empresa de factoring). No primeiro grau de jurisdição, o juiz desqualificou o contrato de factoring, afirmando que a operação caracterizava, em verdade, típico contrato de mútuo, estabelecido diretamente entre as partes do processo. A Corte local, por sua vez, reconheceu a cessão de direitos e obrigações decorrentes do contrato, inclusive o domínio reservado, em favor da “faturizadora”, pactuada no corpo do mesmo instrumento contratual em que avençada a compra e venda do bem. Diante do quadro fático estabelecido pelas instâncias ordinárias, não se faz necessária a formação de litisconsórcio passivo, na forma prevista pelo art. 47 do CPC/1973. Com efeito, a empresa cedente não mais se encontra em qualquer dos polos da relação jurídica obrigacional, à vista da transmissão operada, com a inequívoca ciência do devedor, que pode opor diretamente ao cessionário as exceções que lhe competirem (CC/2002, art. 294), inclusive as de natureza pessoal.

PROCESSO
REsp 1.362.084-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 16/5/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Prestação de serviço de TV a cabo. Cláusula de fidelização. Cobrança proporcional da multa de fidelidade independentemente do cumprimento parcial do prazo de carência.
DESTAQUE
A cobrança da multa de fidelidade pela prestadora de serviço de TV a cabo deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização, mesmo antes da vigência da Resolução n. 632/2014 da ANATEL.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia principal versa sobre a licitude ou não da cláusula permitindo a cobrança da integralidade da multa por fidelidade, por parte da prestadora de serviço de TV a cabo, quando o consumidor opta pela rescisão do contrato no curso do prazo de carência. Inicialmente, consigna-se que a multa convencional, no caso de resilição unilateral imotivada, tem por escopo principal o necessário ressarcimento dos investimentos financeiros realizados por uma das partes para a celebração ou execução do contrato (parágrafo único do artigo 473 do Código Civil). De outro lado, sobressai seu caráter coercitivo, objetivando constranger o devedor a cumprir o prazo estipulado no contrato e, consequentemente, viabilizar o retorno financeiro calculado com o pagamento das mensalidades a serem vertidas durante a continuidade da relação jurídica programada. Nada obstante, em que pese ser elemento oriundo de convenção entre os contratantes, a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato. A referida preocupação reverbera, com maior intensidade, em se tratando do chamado contrato de adesão, ou seja, aquele cujas cláusulas tenham sido estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor). É, sem dúvida, o que ocorre com o pacto de prestação de serviço de TV a cabo, cuja licitude da cláusula de fidelização extrai-se de normativos expedidos pela ANATEL e da jurisprudência desta Corte. Em relação à forma de cálculo da multa a ser cobrada em caso de resilição antecipada dos contratos com fidelização, verifica-se que a ANATEL, em 07 de março de 2014, expediu a Resolução n. 632, que aprovou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, que determina o pagamento da multa de fidelidade proporcionalmente ao valor do benefício concedido e ao período restante para o decurso do prazo mínimo estipulado. No entanto, mesmo antes da vigência do citado normativo, revelava-se abusiva a prática comercial adotada por prestadora do serviço de TV a cabo que cobra a multa de fidelidade integral dos consumidores, independentemente do tempo faltante para o término da relação de fidelização. Isso porque essa prática coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do CDC. Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos. Assim, infere-se que o custo arcado pelo prestador do serviço é, efetivamente, recuperado a cada mês da manutenção do vínculo contratual com o tomador, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado. Desse modo, reconhece-se a ilicitude (caráter abusivo) da cobrança integral da multa de fidelidade pela prestadora de TV a cabo independentemente do cumprimento parcial do prazo de carência pelos consumidores, mesmo antes da vigência da Resolução ANATEL n. 632/2014.

PROCESSO
REsp 1.332.766-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Tutela antecipada. Requerimento em sustentação oral. Viabilidade.
DESTAQUE
É possível o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela em sede de sustentação oral.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A antecipação dos efeitos da tutela constitui relevante medida à disposição do juiz, para que propicie a prestação jurisdicional oportuna e adequada que, efetivamente, confira proteção ao bem jurídico em litígio, abreviando, ainda que em caráter provisório, os efeitos práticos do provimento definitivo. Em linha de princípio, o requerimento da tutela antecipada – requisito exigido nos termos do art. 273 do CPC/1973 –, assim como a sua extensão, pode ser formulado ou alterado pelo autor, desde que observado o pedido inicial, pois a medida não pode ser mais ampla. Assim, pode o autor requerer ou não, na exordial, a antecipação de parte da tutela, e depois pedir a antecipação da tutela jurisdicional em sua totalidade – o ordenamento jurídico não é infenso à modificação do requerimento de tutela antecipatória. Ora, se o pedido poderia ser formulado ao relator, e o próprio art. 273 do CPC/1973 deixa nítido que novas circunstâncias autorizam o requerimento, possível também que seja deduzido em sessão de julgamento, em feito que comporta sustentação oral, ao Colegiado que apreciará o recurso. Isso porque, tal procedimento consiste em manifestação formal (art. 554 do CPC/1973 e 937 do CPC/2015) a oportunizar à parte adversa até mesmo o contraditório prévio ao exame do pedido.

PROCESSO
REsp 1.332.766-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Ação de dissolução parcial de sociedade limitada. Sócio que detém parte das quotas sociais empenhadas. Apuração de haveres. Deferimento apenas àquelas livres de ônus reais, com exclusão de qualquer possibilidade de participação do sócio retirante.
DESTAQUE
A dissolução parcial de sociedade limitada por perda da affectio societatis pode ser requerida pelo sócio retirante, limitada a apuração de haveres às suas quotas livres de ônus reais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida consiste em saber se é possível, em ação de dissolução parcial de sociedade limitada, para o exercício do direito de retirada do sócio, por perda da affectio societatis, o requerimento de haveres correspondentes apenas às quotas livres de ônus reais, em vista da existência de penhor de parte das quotas do sócio retirante. Ressalta-se que a peculiaridade do caso reside no fato de o sócio retirante deter 13,68% do capital social, sendo que 6,08% se encontram empenhadas em favor de terceiros, que não são parte no feito de dissolução. Segundo a doutrina, para a constituição do penhor, a lei requer a tradição da coisa empenhada, a posse por parte do credor do bem dado em garantia da obrigação assumida pelo devedor, não permitindo que se aperfeiçoe o penhor pelo constituto possessório, isto é, ficando a posse da coisa com o devedor. Somente nos casos especiais, mencionados no Código Civil, é admitido o penhor com a cláusula constituti: no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, por efeito da cláusula constituti. Com efeito, em linha de princípio, não caracterizando modalidade prevista em lei de penhor especial (hipóteses supramencionadas), não parece mesmo possível ao dador requerer a dissolução parcial da sociedade limitada, para apurar também os haveres correspondentes às quotas sociais empenhadas, pois, pelo penhor, ocorre a transferência da posse, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente. É pertinente rememorar que, à luz do art. 14 do CPC/1973, são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé [art. 5º do NCPC]. Nessa esteira de raciocínio, não se mostraria razoável o pleito para apuração de haveres das quotas empenhadas, por aquele que delas não pode dispor, pois caracterizaria verdadeira defraudação do instituto de garantia real.