CONDOMÍNIO DE LOTES E A LEI 13.465/2017: BREVE APRECIAÇÃO
Marco Aurélio Bezerra de Melo. Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Professor da Escola Magistratura do Rio de Janeiro.
Há muito que a doutrina especializada[1] sustentava a possibilidade do estabelecimento do condomínio de lotes ou condomínio deitado com fundamento no artigo 3º do dec-lei nº 271/67 que ao dispor ser possível a aplicação ao regime jurídico de loteamentos a lei 4591/64, equipara o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação. O referido dispositivo já seria o bastante, a nosso sentir, para viabilizar a aprovação e registro de um condomínio de lotes para todos os fins de direito.
Por essa visada, já seria possível a instituição de um condomínio horizontal que não teria por fim reconhecer como unidade autônoma um apartamento, sala, casa, isto é, uma edificação, mas sim um lote de terreno apto à edificação, isto é, dotado de infraestrutura básica para tanto, segundo os ditames da lei 4591/64 no que tange à incorporação imobiliária e da lei 6766/79 que disciplina a divisão do solo urbano, além, à toda evidência, da observância das normas edilícias da localidade em atenção à competência constitucional delegada aos municípios (art. 30, VIII e 182, CF).
A despeito da clareza, da existência de inúmeras leis municipais admitindo essa figura e até mesmo de recente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal[2] que reconheceu, com fundamento nos artigos 30, VIII e 182, da Constituição Federal, validade a lei do Distrito Federal que ordenava o espaço urbano e previa, dentre outras regras, a possibilidade do reconhecimento do condomínio de lotes, o fato é que outras decisões estaduais e registradores pelo país afora entendiam pela impossibilidade dessa figura jurídica, trazendo insegurança jurídica aos incorporadores e adquirentes de lotes no condomínio a ser instalado.
Na linha de raciocínio crítica ao condomínio de lotes de terrenos urbanos, é sempre bom lembrar a lição do professor José Afonso da Silva[3] que em brado de repúdio a essa figura, sustenta a sua inexistência segundo a ordem jurídica vigente, sendo, continua o autor, uma forma distorcida e deformada de especulação imobiliária, na qual o incorporador se vê livre do cumprimento das limitações, ônus e obrigações impostas pelo Direito Urbanístico constantes principalmente na lei 6766/79, inegavelmente mais rigorosa do que a lei 4591/64. Não há como negar a pertinência das reflexões apresentadas pelo eminente constitucionalista. Entretanto, parece-nos que a forma como o instituto foi positivado pela lei 13.465/17 extirpa essa preocupação.
Isso porque, a aludida legislação alterou o Código Civil no capítulo que trata do Condomínio Edilício, instituindo o artigo 1358-A, mas também fez alterações importantes na lei 6766/79 que trata do parcelamento do solo urbano, sem embargo da submissão à lei 4591/64 e ao próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Vejamos.
Por meio do Código Civil foi sepultada de uma vez por todas qualquer dúvida acerca da viabilidade da incorporação imobiliária destinada a venda de lotes no âmbito de um condomínio que se submeterá às regras e princípios previstos no Código Civil (art. 1331 a 1358-A, CC) e, no que couber, à lei 4591/64 que já impõe ao incorporador uma série de deveres prévios a serem observados para a aprovação e registro no cartório imobiliário do memorial de incorporação e a possibilidade de comercialização dos lotes de terrenos urbanos (v.g. arts. 31 e 32).
Pela via da lei 6766/79, a novel legislação incluiu parágrafo sétimo ao artigo 2º prescrevendo que “o lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes.”. Com isso, de modo muito explícito, a lei 13465, de 11 de julho de 2017 traz para o âmbito da lei de parcelamento do solo urbano toda a sua finalidade de salvaguardar, dentre outros, interesses pertinentes ao planejamento correto de ocupação da cidade, com a qualidade de vida dos seus habitantes e, é claro, a proteção ao vulnerável adquirente de lote, a quem também se aplicam, é de bom tom a lembrança, as regras e princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 2º e 3º).
Como exemplo da importância dessa extensão normativa do conceito de lote, podemos citar os parágrafos quarto e quinto do artigo 2º da lei 6766/79. O parágrafo quarto, pois preconiza que “considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.” O quinto por estabelecer que “a infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.”.
O fato é que o condomínio de lotes, em nada se diferencia das formas de estabelecimento de fracionamento da propriedade imóvel em que se possibilita, para o bom cumprimento da função social da propriedade, a convivência entre a propriedade condominial, perpétua e indivisível e as unidades autônomas que não terão por objeto mediato, obviamente, apartamentos, salas, casas, mas simplesmente o lote (art. 1331, §§ 1º e 2º, CC).
Enfim, ao incorporador competirá obrigações de infraestrutura do estabelecimento do condomínio como obrigação básica para disponibilizar os lotes de terreno à venda. Aos condôminos caberá, como lembra Chalhub[4], arcar com as despesas com limpeza, segurança, manutenção, vigilância e demais serviços no condomínio. Será a convenção como ato-regra que constitui o condomínio edilício o documento que ao lado da legislação definirá os direitos e deveres dos condôminos como como ocorre em qualquer condomínio edilício. O condomínio de lotes, em suma, é um condomínio edilício sem edificação.
[1] Melhim Namem Chalhub. Condomínio de Lotes de Terreno Urbano. Revista de Direito Imobiliário (RT), v. 67, jul-dez 2009, p. 101/151; Enunciado 89 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ/2002: O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.
[2] RE nº 607.940/DF, Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, julg. em 29/10/2015. Tese fixada em repercussão geral: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”.
[3] José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 313/314.
[4] Melhim Namem Chalhub. Incorporação Imobiliária. 4ª ed. São Paulo: Gen/Forense, 2017, p. 46.
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