quinta-feira, 30 de março de 2017

RESUMO. INFORMATIVO 598 DO STJ. MARÇO DE 2017



SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 8/2/2017, DJe 20/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Família. Divórcio. Partilha. Indenização pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum dos ex-cônjuges ainda não partilhado formalmente. Possibilidade a depender das circunstâncias do caso concreto.

DESTAQUE
Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se é cabível indenização pelo uso exclusivo de imóvel que já foi objeto de divisão na ação de divórcio (50% para cada um dos ex-cônjuges), mas ainda não partilhado formalmente. Ao analisar a jurisprudência do STJ sobre o tema, verifica-se que a questão continua controvertida nesta Corte. A mais antiga linha de raciocínio admite a referida indenização antes da formalização da partilha porque, segundo defende, "uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio regido pelas regras comuns da copropriedade" (REsp 178.130-RS, Quarta Turma, DJe 17/6/2002). Todavia, os julgamentos mais recentes condicionam o dever de indenizar à ultimação da partilha dos bens, pois é esta, e não a separação, que encerra a "mancomunhão" sobre os bens e, sendo assim, "o patrimônio comum subsiste sob a administração do cônjuge que tiver a posse dos bens" (AgRg no REsp 1.278.071-MG, Quarta Turma, DJe de 21/6/2013). Porém, nesta oportunidade, não obstante as ponderáveis razões que arrimam uma e outra orientação, defende-se que a solução para casos como este deve ser atingida a despeito da categorização civilista da natureza jurídica dos bens comuns do casal que, apesar de separado, ainda não formalizou a partilha do patrimônio. Deveras, o que importa no caso não é o modo de exercício do direito de propriedade, se comum ou exclusivo ("mancomunhão" ou condomínio), mas sim a relação de posse mantida com o bem, se comum do casal ou exclusiva de um dos ex-cônjuges. Ou seja, o fato gerador da indenização não é a propriedade, mas sim a posse exclusiva do bem no caso concreto. Logo, o fato de certo bem comum aos ex-cônjuges ainda pertencer indistintamente ao casal, por não ter sido formalizada a partilha, não representa empecilho automático ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo por um deles, sob pena de gerar enriquecimento ilícito. Nessa toada, propõem-se as seguintes afirmações: a) a pendência da efetivação da partilha de bem comum não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo seu uso exclusivo, desde que a parte que toca a cada um dos ex-cônjuges tenha sido definida por qualquer meio inequívoco, sempre suscetível de revisão judicial e fiscalização pelo Ministério Público; e b) o indigitado direito à indenização também não é automático, sujeitando-se às peculiaridades do caso concreto sopesadas pelas instâncias de origem.

PROCESSO
REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 8/2/2017, DJe 20/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Indenização devida pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum de ex-cônjuges. Termo inicial. Influência no valor de alimentos.

DESTAQUE
Requerida a indenização pelo uso exclusivo de bem comum por um dos ex-cônjuges, o termo inicial para o ressarcimento ao outro é a data da intimação da pretensão e o valor correspondente pode influir no valor da prestação de alimentos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Com efeito, tornado certo pela sentença o quinhão que cabe a cada um dos ex-cônjuges, aquele que utiliza exclusivamente o bem comum deve indenizar o outro, pois é certo que usufrui, ainda que parcialmente, de propriedade que é subjetivamente alheia. Contudo, alerte-se desde já que a indenização pelo uso exclusivo do bem por parte do ex-cônjuge alimentante pode influir no valor da prestação de alimentos, pois afeta a renda do obrigado, devendo as obrigações serem reciprocamente consideradas. A consequência necessária do entendimento que ora se adota é a de que o valor da indenização pelo uso exclusivo do bem deve ser levado em conta no momento da fixação ou da revisão dos alimentos que, como de sabença, sempre depende de possibilidades e necessidades, circunstâncias do caso concreto. Fixados esses entendimentos, resta determinar o termo inicial para o ressarcimento que, no caso, deve ser a data da intimação do ex-cônjuge para responder ao feito no qual se deu o pedido de indenização, momento em que teve conhecimento inequívoco da pretensão.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.601.555-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 20/2/2016.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoa jurídica (Seguro de RC D&O). Investigações da CVM. Prática de insider trading. Ato doloso. Favorecimento pessoal da gestão. Descaracterização. Ausência de cobertura.

DESTAQUE
O seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance) não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia devolvida ao STJ, entre outras questões, a verificar se é devida a indenização prevista em contrato de seguro de RC D&O no caso de ocorrência de insider trading. O referido seguro tem por objetivo garantir o risco de eventuais prejuízos causados por atos de gestão de diretores, administradores e conselheiros que, na atividade profissional, agiram com culpa. Como cediço, cabe aos administradores atuarem no interesse da empresa que representam, com zelo e lealdade, respeitando, entre outros, os deveres de sigilo e de informação, principalmente para com o mercado.  Esse tipo de seguro constitui instrumento de preservação do patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), o que acaba por incentivar gestões corporativas inovadoras e mais flexíveis, as quais ficariam comprometidas ou engessadas com a possibilidade sempre reinante de responsabilização civil ou de abertura de processo administrativo sancionador na CVM. Além disso, a natureza dúplice desse seguro também favorece a própria empresa tomadora do seguro e seus acionistas, pois o patrimônio social poderá ser ressarcido de eventuais prejuízos sofridos em razão de condutas faltosas de seus administradores. Ocorre que, para não haver forte redução do grau de diligência ou a assunção de riscos excessivos pelo gestor, o que comprometeria tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa, a apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador. De fato, a garantia securitária do risco não pode induzir a irresponsabilidade. Em outra via, considera-se insider trading qualquer operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público. Por sua vez, informação relevante, segundo doutrina, é aquela que pode "influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores". O dirigente deve observar os deveres de cuidado e de lealdade, buscando sempre o melhor interesse da sociedade anônima, nos limites de seus poderes. Ele, deve "guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários" (dever de sigilo - art. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976). Impende asseverar também que o insider trading é tão prejudicial à dinâmica e à credibilidade do mercado de capitais, que tal figura passou a ser tipo penal com o advento da Lei n. 10.303/2001, que acrescentou o art. 27-D na Lei n. 6.385/1976. Assim, essa prática configura ato doloso do segurado, vedado pela lei civil, e não advém de ato de gestão, ou seja, da prerrogativa do cargo de administrador, mas de ato pessoal, na condição de acionista, a gerar proveitos financeiros próprios, em detrimento dos interesses da companhia. Conclui-se, assim, que o seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária.
PROCESSO
REsp 1.642.318-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 7/2/2017, DJe 13/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Ação de compensação por danos morais. Agressão verbal e física. Injustiça. Criança. Ônus da prova. Dano moral in re ipsa.

DESTAQUE
A conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, configura elemento caracterizador da espécie do dano moral in re ipsa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O ponto nodal da discussão consiste em definir se as alegadas agressões físicas e verbais sofridas por criança resultam, independentemente de comprovação, em danos morais passíveis de compensação. De início, cumpre salientar que o STJ já decidiu que as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02. (REsp 1.037.759-RJ, 3ª Turma, DJe 5/3/2010). Da legislação aplicada à espécie, arts. 186 e 927 do CC/02, extrai-se que aquele que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e deve repará-lo. Na doutrina, a reparabilidade dos danos morais exsurge no plano jurídico a partir da simples violação (ex facto), i.e., existente o evento danoso surge a necessidade de reparação, observados os pressupostos da responsabilidade civil em geral. Uma consequência do afirmado acima seria a prescindibilidade da prova de dano em concreto à subjetividade do indivíduo que pleiteia a indenização. De fato, em diversas circunstâncias, não é realizável a demonstração de prejuízo moral, bastando a simples causação do ato violador e, nesse sentido, fala-se em damnun in re ipsa. Ao analisar a doutrina e a jurisprudência, o que se percebe não é a operação de uma presunção iure et de iure propriamente dita na configuração das situações de dano moral, mas a substituição da prova de prejuízo moral – em muitas situações, incabível – pela sensibilidade ético-social do julgador. Nessa toada, à falta de padrões éticos e morais objetivos ou amplamente aceitos em sociedade, deve o julgador adotar a sensibilidade ético-social do homem comum, nem muito reativa a qualquer estímulo ou tampouco insensível ao sofrimento alheio. Em outra vertente, vale destacar que a Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente introduziram na nossa cultura jurídica uma nova percepção, inspirada pela concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e cuidados especiais. Nesse sentido, os arts. 227 da CF/88 e 17 da Lei n. 8.069/90, asseguram a primazia do interesse das crianças e dos adolescentes, com a proteção integral dos seus direitos. Sob outro viés, a sensibilidade ético-social do homem comum na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor e submissão, sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da espécie do dano moral in re ipsa. Logo, a injustiça da conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente, independe de prova e caracteriza atentado à dignidade dos menores.
PROCESSO
REsp 1.459.555-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 20/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Troca de mercadoria. Prazo em benefício do consumidor. Art. 18, § 1º, do CDC. Observância.

DESTAQUE
É legal a conduta de fornecedor que concede apenas 3 (três) dias para troca de produtos defeituosos, a contar da emissão da nota fiscal, e impõe ao consumidor, após tal prazo, a procura de assistência técnica credenciada pelo fabricante para que realize a análise quanto à existência do vício.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Incialmente, cumpre salientar que não há no CDC norma cogente que confira ao consumidor um direito potestativo de ter o produto trocado antes do prazo legal de 30 (trinta) dias. A troca imediata do produto viciado, portanto, embora prática sempre recomendável, não é imposta ao fornecedor. O prazo de 3 (três) dias para a troca da mercadoria é um plus oferecido pela empresa, um benefício concedido ao consumidor diligente, que, porém, não é obrigatório. Ademaisverifica-se que essa política de troca não exclui a possibilidade de o consumidor realizar a troca, na forma do art. 18 do CDC. Registre-se que o STJ, quando do julgamento do REsp 1.411.136-RS (DJe 10/3/2015), no qual se discutiu acerca da responsabilidade do comerciante quanto à sua obrigação de interceder perante a assistência técnica em favor do consumidor, concluiu que, "disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos”. Ademais, de acordo com a legislação pátria, que deve ser aplicada à espécie, incumbe à empresa fornecedora, observados os prazos do art. 26 do CDC, cumprir o mandamento constante do artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual prescreve que se o vício do produto não for sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias pelo fornecedor, o consumidor poderá exigir, alternativamente e ao seu arbítrio, as seguintes opções: a) substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou c) o abatimento proporcional do preço. A exegese do artigo é clara: constatado o defeito, concede-se primeiro a oportunidade de sanar-se o vício no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sendo certo que a assistência técnica possui melhores condições para buscar a reparação do vício.
PROCESSO
REsp 1.630.702-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 2/02/2017, DJe 10/02/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Recuperação Judicial. Conflito de competência. Juizado Especial Cível. Execução movida contra a recuperanda. Prática de atos de constrição patrimonial. Relação de consumo. Irrelevância.

DESTAQUE
O juízo onde tramita o processo de recuperação judicial é o competente para decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em definir se o juízo onde se processa a recuperação judicial é o competente para processamento e julgamento de ação indenizatória derivada de relação de consumo em fase de cumprimento de sentença. O foco do aplicador do Direito deve estar voltado ao atendimento precípuo das finalidades a que se destina a Lei 11.101/2005, sendo certo que os princípios que orientaram a elaboração e que devem direcionar a interpretação e a aplicação dessa lei objetivam garantir, antes de tudo, o atendimento dos escopos maiores do instituto da recuperação de empresas, tais como a manutenção do ente no sistema de produção e circulação de bens e serviços, o resguardo do direito dos credores e a preservação das relações de trabalho envolvidas, direta ou indiretamente, na atividade. É o que se dessume do texto expresso da norma constante no art. 47 da LFRE. Sobre o tema, o STJ firmou entendimento no sentido de que o destino do patrimônio da sociedade em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele onde tramita o processo de reerguimento, sob pena de violação ao princípio maior da preservação da atividade empresarial. Com efeito, é pacífica a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que a competência para adoção de medidas de constrição e venda de bens integrantes do patrimônio de sociedade em recuperação judicial é do juízo onde tramita o processo respectivo. Consigne-se que até mesmo em processos de execução fiscal – hipóteses nas quais a lei expressamente prevê a continuidade de tramitação, a despeito do deferimento judicial do pedido de soerguimento – o STJ tem posicionamento assentado no sentido de que, embora as ações não se suspendam, compete ao juízo universal dar seguimento a atos que envolvam a expropriação de bens do acervo patrimonial do devedor (AgInt no CC 140.021/MT, Segunda Seção, DJe 22/08/2016). Vale dizer, uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, fica obstada a prática de atos expropriatórios por juízo distinto daquele onde tem curso o processo recuperacional, independentemente da natureza da relação jurídica havida entre as partes. De fato, as especificidades da questão discutida, uma vez que os créditos decorrem de relação de consumo, não autorizam conclusão diversa: após a apuração do montante devido à parte autora, é imprescindível que se processe no Juízo da recuperação a correspondente habilitação, em razão da regra expressa do art. 49 da LFRE e sob pena de malferimento aos princípios e regras que regem o plano de reorganização da empresa recuperanda.

PROCESSO
REsp 1.558.185-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 2/2/2017, DJe 16/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Cumprimento de sentença. Condenação ao pagamento de custas processuais. Honorários periciais. Inclusão. Art. 20, § 2º, do CPC/73.

DESTAQUE
É adequada a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O debate se limita a determinar se o dispositivo de sentença com trânsito em julgado que condena o vencido ao pagamento apenas de custas processuais abrange as despesas referentes aos honorários periciais. A distinção entre despesas e custas processuais, em sede doutrinária, foi bem trabalhada há bastante tempo: “as custas são espécies do gênero "despesas", sendo essas mais amplas (abrangendo, v.g., honorários de advogado) e aquelas mais restritas à retribuição aos serventuários ou aos demais auxiliares da justiça”. Nessa linha de compreensão, o STJ possui precedentes no sentido de que é indevida a inclusão dos honorários periciais em conta de liquidação quando o dispositivo da sentença com trânsito em julgado condena o vencido apenas ao pagamento de custas processuais. Contudo, a interpretação do art. 20, § 2º, do CPC/73 deve ser realizada de maneira sistemática com a própria lógica processual civil moderna, de modo a superar o destemperado apego formalista, em prestígio da solução justa da crise de direito material levada ao Judiciário. Nessa ordem de ideias, “o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito”. Justamente nesse sentido que, na hipótese de o pedido autoral ser julgado improcedente, não se pode imaginar que o réu seja compelido a arcar com custas ou despesas de um processo para cuja formação não deu causa. Surpreender o vencedor da demanda com a obrigação de arcar com os honorários periciais apenas e tão somente porque a sentença condenava o vencido ao pagamento de “custas” e não “despesas” representa medida contrária ao princípio da sucumbência e até mesmo à própria noção da máxima eficiência da tutela jurisdicional justa.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.185.907-CE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 21/2/2017.
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Seguro DPVAT. Invalidez permanente. Indenização. Morte posterior do segurado desvinculada do acidente de trânsito. Direito patrimonial. Sucessores. Legitimidade para cobrança.

DESTAQUE
Os sucessores da vítima têm legitimidade para ajuizar ação de cobrança de pagamento de indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente ocorrida antes da morte daquela.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A discussão trazida no recurso especial consiste em saber se o direito à indenização do seguro DPVAT por invalidez permanente, previsto no mencionado art. 4º, § 3º, da Lei n. 6.194/74, classifica-se como direito personalíssimo, intransferível, ou como direito patrimonial, submetido às regras da sucessão. Da leitura das redações original e atual (após alteração promovida pela Lei n. 11.482/2007) do artigo supracitado depreende-se que, em caso de morte, no regime da lei vigente na época dos fatos, os beneficiários da indenização seriam o cônjuge sobrevivente ou, na sua falta, os herdeiros legais; pela legislação atual, 50% do montante deverá ser destinado ao cônjuge não separado judicialmente, sendo a outra metade dividida entre os herdeiros do segurado (CC 2002, art. 792). Dessa forma, verificado o evento morte decorrente de acidente de trânsito, o direito à indenização do seguro DPVAT não integra o patrimônio do falecido, tratando-se de direito a ser deferido aos beneficiários segundo a ordem legal vigente quando do sinistro (cf. RESP 1.419.814-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 3/8/2015). O caso, todavia, trata de hipótese diversa, em que o óbito da vítima verificou-se somente após 4 anos do acidente causador da invalidez permanente e por causas distintas. O direito à indenização do DPVAT cabia, pois, à própria vítima, seja pela redação originária da Lei n. 6.194/74 (art. 4º, caput, parte final), seja pela redação hoje vigente da mesma lei (§ 3º, do mesmo artigo). Assim, a partir do momento em que configurada a invalidez permanente, o direito à indenização securitária passou a integrar o conjunto do patrimônio da vítima do acidente, que, com a sua morte, constitui-se herança a ser transmitida aos sucessores, que, portanto, têm legitimidade para propor ação de cobrança dessa quantia. Frise-se que a mesma linha de entendimento foi adotada pela 3º Turma do STJ, na oportunidade em que apreciado o REsp 1.335.407-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 23/5/2014.


quarta-feira, 29 de março de 2017

COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE MARÇO. DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E DA MULTIPARENTALIDADE

DA EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E DA MULTIPARENTALIDADE.
Flávio Tartuce[1]
No último dia 15 de março de 2017, o Corregedor-Geral de Justiça e Ministro do STJ João Otávio de Noronha manifestou-se sobre pedido de providências formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, solicitando a regulamentação, junto aos Cartórios de Registro Civil, do registro extrajudicial da parentalidade socioafetiva (pedido de providências n. 0002653-77.2015.2.00.0000, em curso perante o Conselho Nacional de Justiça).
De acordo com a petição do IBDFAM, embora ainda não exista regramento legal sobre o tema, já há o pleno reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva, tendo alguns Estados – caso do Amazonas, Ceará, Pernambuco e Santa Catarina –, regulamentado a questão por meio de provimentos de seus Tribunais de Justiça, que admitem o reconhecimento do vínculo socioafetivo diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de uma prévia ação judicial para tanto.
Após a manifestação das Corregedorias Estaduais e da Associação Nacional dos Registradores Civis, o Ministro Corregedor, em boa hora, determinou a formação de grupo de trabalho, para que seja elaborada norma administrativa sobre o tema. Nos termos do trecho final de sua decisão, “a filiação decorrente de vínculo exclusivamente socioafetivo é questão que encontra amparo na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A jurisprudência dos Tribunais estaduais e superiores já admite como uma realidade a possibilidade de registro da paternidade socioafetiva. Por sua vez, a existência de diversos provimentos editados pelos Tribunais de Justiça dos estados da federação, sem a respectiva orientação geral por parte dessa Corregedoria Nacional de Justiça, pode suscitar dúvidas e ameaçar a segurança jurídica dos atos de reconhecimento de paternidade registrados perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais”. Assim, concluiu que “impõe-se, portanto, a edição de Provimento com vistas a esclarecer e orientar a execução dos serviços extrajudiciais sobre a matéria discutida nestes autos. No entanto, tendo sido instituído por esta Corregedoria Nacional de Justiça grupo de trabalho para o fim de elaboração de normativa mínima aos serviços de notas, protesto e registros públicos (Portarias n. 66, de 26 de novembro de 2014 e n. 65, de 21 de novembro de 2014) – deve a matéria ora analisada ser submetida a sua apreciação da comissão para eventual inclusão da sugestão objeto do presente pedido de providências dentre os temas que deverão ser regulamentados após as conclusões dos trabalhos da aludida equipe. Ante o exposto, encaminhe-se cópia da presente decisão ao grupo de trabalho para que, sendo possível, inclua a proposta provimento para regulamentar o registro civil voluntário da paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais na normativa mínima. Determino a suspensão do presente expediente pelo prazo de 90 (noventa) dias. Transcorrido o prazo, voltem conclusos. Cumpra-se”.
Eis aqui um passo determinante para a extrajudicialização do Direito de Família, salutar caminho já tratado por mim neste canal. Como antes destaquei, o Novo Código de Processo Civil, em vigor no País desde o dia 18 de março de 2016, tem como um dos seus nortes principiológicos a desjudicialização dos conflitos e contendas. Entre as suas normas fundamentais, preceitua o Estatuto Processual emergente que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Além disso, enuncia-se que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC/2015).
O Ministro Noronha cita, para a urgente necessidade de se elaborar o provimento geral, toda a evolução doutrinária e jurisprudencial no reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Como é cediço, a tese remonta ao brilhante artigo de João Baptista Villela, então Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, escrito em 1979, tratando da desbiologização da paternidade. Na essência, o trabalho procura afirmar a premissa segundo a qual vínculo familiar constitui mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico. As palavras do jurista merecem destaque: “a paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo, tem-se a prefigura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a ideia de liberdade” (VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Separada da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, ano XXVII, n. 21 (nova fase), maio 1979).
A premissa afirmada é confirmação de um antigo dito popular, emanado da expressão pai é quem cria. Representa clara valorização do afeto como valor jurídico, no sentido de interação entre as pessoas. Na doutrina nacional, o tema é muito bem tratado, entre outros, por Luiz Edson Fachin, Zeno Veloso, Giselda Hironaka, Paulo Luiz Netto Lôbo, Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, Álvaro Villaça Azevedo, Maria Helena Diniz, José Fernando Simão, Giselle Groeninga, Silvio de Salvo Venosa, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Ricardo Calderón.
Nas tão prestigiadas Jornadas de Direito Civil – citadas na decisão –, foram elaborados enunciados doutrinários que reconhecem a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil, preenchendo o termo “outra origem”, que consta do art. 1.593 do Código Civil Brasileiro. Conforme o Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil (2002), “o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”. Nos termos do Enunciado 108, do mesmo evento, “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também socioafetiva”. Para não se deixar dúvida sobre a existência de parentesco civil em casos tais, o Enunciado 256 da III Jornada (2004), preceitua que “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. Por fim, o Enunciado 339 da IV Jornada(2006), afastando a possibilidade de rompimento do  reconhecimento espontâneo da parentalidade – a denominada adoção à brasileira –, preceitua: “a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”.
No âmbito da jurisprudência, o Ministro Noronha cita vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça, de reconhecimento de efeitos da parentalidade socioafetiva, especialmente na linha do último enunciado doutrinário. Destaca, ainda, o julgado do Supremo Tribunal Federal de setembro de 2016, em repercussão geral, que firmou a seguinte tese sobre o assunto: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”; O último precedente, como tenho destacado, além de colocar a filiação socioafetiva em posição de igualdade frente à filiação biológica, reconheceu amplamente efeitos jurídicos à multiparentalidade, com a possibilidade de vínculos múltiplos, o que também deve ser abrangido pela norma administrativa a ser elaborada.
Diante dessa realidade, indagou e respondeu o Ministro Corregedor: “se a omissão do dever de cuidado é repelida pelo Poder Judiciário e pelo Legislador, porque as relações entre aquele pai que cuida e que exerce de fato a parentalidade, de forma voluntária, não pode ser reconhecida juridicamente pelo sistema? O Poder Judiciário, mais uma vez, não se esquivou da realidade e nem do novo. Definiu que o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana exige que sejam reconhecidos outros modelos familiares diversos da concepção original, acolhendo o vínculo baseado na relação afetiva e no estado de posse de pai e filho. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (Informativo de Jurisprudência n. 840) já decidiu que ‘o espectro legal deve acolher tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável, enunciado expressamente no art. 226, § 7º, CF (...)” (RE 898060/SC, rel. Ministro Luiz Fux, julgamento em 21 e 22-9-2016)”. De fato, é o momento de se dar uma nota final a essa bela canção, concretizando a possibilidade não só do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, como também da multiparentalidade perante os Cartórios de Registro Civil.
Ao final, a decisão acaba por fixar alguns parâmetros que devem ser seguidos pelo grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça. O primeiro deles é que o reconhecimento da paternidade socioafetiva perante o Cartório de Registro Civil requer a submissão a certos requisitos formais. Deve-se exigir mais do que a mera comprovação do estado de posse de filho e da vontade livre e desimpedida daquele que se declara pai ou mãe. O Oficial deve estar atento para a situação fática dos envolvidos, conforma aponta o Ministro Noronha. De acordo com suas palavras, “estranho seria, por exemplo, se o Oficial de Registro Civil e de Pessoas Naturais fosse instado a proceder ao reconhecimento da paternidade socioafetiva de pai menor de idade ou que não possui uma diferença razoável de idade com o filho que pretende acolher como seu ou de irmão em relação a outro. O reconhecimento da paternidade socioafetiva sem que sejam atendidos certos requisitos formais também poderia abrir a possibilidade de que se regularizassem fraudes, sequestros, comércio de crianças (‘adoção pronta’, em especial de crianças de tenra idade), além de concretizar a burla ao cadastro nacional de adoção”.
Nesse contexto, destaca o julgador a possibilidade de se aplicar analogicamente algumas regras existentes para a adoção – apesar de os institutos não se confundirem –, tais como a idade mínima de 18 anos daquele que reconhece o filho socioafetivo, a vedação de reconhecimento por ascendentes e irmãos do reconhecido, a diferença mínima de 16 anos entre as partes envolvidas e o consentimento da mãe e do filho maior de doze anos, o que penso ser dispensável no caso de o reconhecido ser maior de idade. Um outro requisito a ser considerado é que, em caso de falecimento ou circunstância especial que impeça o expresso consentimento da mãe ou do filho, o procedimento deverá seguir o trâmite judicial. Por fim, seria necessária a demonstração inequívoca da existência de relação de pai (ou mãe) e filho, com base na afetividade.
Como se percebe, algumas balizas importantes foram apontadas para que essa urgente norma administrativa seja elaborada, pondo fim a um anseio teórico e prático que já existe há muito tempo. Espero, assim, que até o final deste ano de 2017 a extrajudicialização, não só da parentalidade socioafetiva como também na multiparentalidade, seja finalmente efetivada em nosso País.

[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

terça-feira, 28 de março de 2017

ENTREVISTA PARA A RÁDIO JUSTIÇA. O NOVO CPC E O DIREITO DO CONSUMIDOR

Flávio Tartuce, na Rádio Justiça, trata dos impactos do Novo CPC no Direito do Consumidor
Fonte: Gen Jurídico.
Flávio Tartuce concede entrevista à Rádio Justiça no programa “Defenda seu direito” para tratar dos impactos do Novo Código de Processo Civil nos Direitos do Consumidor. Após um ano da entrada em vigor do Novo Código, ainda existem questões de repercussão que precisam ser analisadas.
Na conferência foram abordados alguns destaques do Novo CPC que influenciaram o Direito do Consumidor, como a possível alteração da súmula 381 do STJ.
Com relação ao Código Processual especificamente, discutiu-se a aplicação das demandas repetitivas e a dificuldade de implementação de algumas novidades, como a priorização da conciliação e arbitragem. Também foi examinada a previsão de, na esfera da competência, utilizar-se o foro do domicílio do consumidor nas demandas internacionais.
Ademais, analisou-se as inovações referente ao ônus da prova trazidas pela novel legislação. Sobre o tema, o autor discorre:
“O CDC, claramente, em situações de vulnerabilidade e hipossuficiência, influenciando o tratamento geral processual no [art.] 373, § 1º, do novo CPC.”
Ouça a entrevista completa aqui!

quinta-feira, 23 de março de 2017

DECISÃO DO TJGO CONDENA DANÇARINA E CASA DE SHOW A INDENIZAREM CLIENTE QUE PERDEU O OLHO AO SER ATINGIDO POR SALTO AGULHA

Dançarina indenizará cliente que perdeu o olho ao ser atingido por salto agulha
Casa de shows responderá solidariamente pelo ocorrido.
Fonte: Migalhas.
Uma dançarina erótica conhecida como Mulher Pimenta foi condenada por deixar um cliente cego ao acertá-lo com seu salto durante um show. Para a 4ª câmara Cível do TJ/GO, ficou demonstrada a relação de consumo e a dançarina, assim como a casa de shows, responderão solidariamente pela falha na prestação de serviço e pela lesão corporal.
O caso
O homem alegou que, durante um show, foi atingido por chute desferido pela dançarina, e que seu salto lhe atingiu no olho esquerdo, causando grave lesão. O homem foi levado ao hospital mas, em razão da gravidade do ferimento, não foi possível reparar a visão do olho atingido. Pelo dano, requereu indenização de R$ 2 milhões.
Em 1ª instância, os réus foram condenados de forma solidária a indenizar o homem em R$ 100 mil por dano moral, R$ 90 mil pelo dano estético, pagar ao autor pensão vitalícia no importe de 1/3 de salário mínimo, e ainda custear a prótese para o olho da vítima. As custas e honorários foram fixados em 10%.
Apelação
Inconformada, a dançarina afirmou que o chute aconteceu por ato reflexo, involuntário, visto que foi tocada por ele em suas partes íntimas. Argumentou também que não se pode confundir o dano estético com a cegueira, e que a prótese corrigiria a aparência ruim do olho machucado. Apontou também que a prótese é oferecida pelo Poder Público, de forma que não deveria ser condenada a arcar com os custos.
Em seu voto, a desembargadora Elizabeth Maria Da Silva destacou, inicialmente, que a relação entre as partes é nitidamente de consumo, sendo a dançarina e os demais responsáveis pelo evento classificados como prestadores de serviço. Desta forma, conforme o art. 14 do CDC, respondem objetivamente por eventuais danos derivados da prestação de serviço, sendo “desnecessária a demonstração de ocorrência de culpa na conduta lesiva praticada pelos prestadores do serviço”.
Ação desproporcional
Ao analisar o caso, a magistrada destacou que a dançarina estava em plataforma em nível superior ao dos demais frequentadores, e que um chute possivelmente acertaria o rosto de quem estivesse ao alcance de seus pés. Também destacou o poder lesivo do “salto agulha” utilizado pela mulher.
"Feitas essas considerações, não é demais ressaltar que a própria natureza do trabalho por ela desempenhado já pressupõe que assédios, como os que recebeu, eram frequentes e esperados, de forma que uma ação desproporcional como a que por ela foi tomada não se mostraria razoável para impelir a agressão que diz ter sofrido à sua intimidade."
Assim, considerou “nítida e cristalina” a caracterização da culpa pela dançarina.
A magistrada também destacou que ficou demonstrado por laudo pericial o dano estético causado no cliente, e que não se pode determinar que o Estado custeie despesas decorrentes de ato ilícito causado por particular.
Condenação
Pelos expostos, a magistrada negou provimento à apelação. Com a manutenção da sentença, o estabelecimento e a dançarina terão de arcar solidariamente com indenização de R$ 190 mil por danos morais e estéticos, além de custear prótese para o olho lesionado e pensão vitalícia no valor de 1/3 do salário mínimo.
· Processo: 440695-52.2012.8.09.0011
Veja o acórdão.