sábado, 21 de dezembro de 2019

RESUMO. INFORMATIVO 661 DO STJ. O ÚLTIMO DE 2019

RESUMO. INFORMATIVO 661 DO STJ. O ÚLTIMO DE 2019.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.400.463-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2019, DJe 21/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Relação entre direitos de artista intérprete e de produtor de fonograma. Direitos conexos autônomos. Reprodução sucessiva ou cessão definitiva. Autorização do intérprete. Necessidade.
DESTAQUE
A fixação de uma interpretação em fonograma não é suficiente para absorver o direito prévio do intérprete, tampouco deriva em anuência para sua reprodução sucessiva ou em cessão definitiva de todos os direitos titularizados pelo intérprete e demais titulares de direitos de autor ou conexos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Lei n. 9.610/1998 protege os direitos de artistas, produtores de fonogramas e até mesmo das empresas de radiodifusão. Todavia, a questão que se coloca é saber se também os direitos conexos, considerados entre si, coexistem ou se entre eles há uma espécie de relação aglutinadora, de modo que a autorização de produção do fonograma atribuiria à produtora, e tão somente a ela, a decisão de reprodução subsequente, absorvendo, portanto, o direito conexo da intérprete. De fato, o objeto dos direitos autorais e conexos é a obra imaterial, cuja essência é sua inapropriabilidade pelo autor, pelos titulares de direitos conexos ou mesmo pelos seus consumidores, ou seja, ela não está sujeita ao "domínio exclusivo de um só". Em razão dessa característica intrínseca aos bens autorais, a restrição decorrente de sua proteção legal é dirigida às atividades que se vinculam à utilização e exploração da obra, outorgando a legislação autoral um círculo reservado de atuação como direitos de exclusivo, restrição, não absoluta, que se estende dos direitos de autor aos direitos conexos. Por essa via, cada nova utilização deve ter suas condições aferidas, a fim de se estabelecer se aquela utilização concreta é livre ou se depende de autorização específica, e, nesse caso, em qual círculo de direito exclusivo ela se encaixa, a fim de determinar qual titular deve autorizá-la. Não à toa o legislador, ao estabelecer cada um dos direitos conexos, cuidou de disciplinar em dispositivos distintos quais exercícios se sujeitam à autorização de seu titular, além de definir qual contribuição criativa caracteriza especificamente cada um dos direitos conexos. Assim, o art. 5º, XI, da Lei n. 9.610/1998 define o produtor como a pessoa que "toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado". Note-se que, diferentemente do editor, entretanto, a ele não é atribuído o "direito exclusivo de reprodução da obra" nem o "dever de divulgá-la", situação jurídica assegurada aos editores, "nos limites previstos no contrato de edição" (art. 5º, X, da Lei n. 9.610/1998). O direito da produtora, portanto, recai sobre o fonograma, isto é, sobre a gravação. Porém, conforme acentua a doutrina, ela é uma forma de captura e reprodução da obra artística que não contém em si elementos de criação característicos do direito autoral. Nesse passo, as atividades sujeitas à autorização do produtor foram delimitadas pelo art. 93 da Lei de Direitos Autorais. Por sua vez, o direito de exclusivo do intérprete está delimitado pelo rol não exaustivo do art. 90 da Lei n. 9.610/1998. Daí se extrai que repousa sobre a gravação o direito da produtora, que poderia cedê-la ou transferi-la a quem lhe aprouvesse, de forma exclusiva, conforme assegurado pelo art. 93 da Lei de Direito Autoral. Outrossim, o mesmo fonograma, por conter a interpretação da recorrida, também se sujeita à esfera do direito exclusivo da intérprete, que pode autorizar ou proibir a reprodução, na esteira do art. 90, acima referido. Fica evidente, assim, que os direitos da artista e da produtora não podem ser confundidos. Logo, não é possível presumir que o exercício dos segundos contém ou suprime os primeiros.

PROCESSO
REsp 1.562.184-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Cooperativa. Fundo de Assitência Técnica, Educacional e Social - Fates. Cooperado excluído ou que se retira do quadro social. Partilha da verba do FATES. Impossibilidade.
DESTAQUE
Não se partilha a verba do Fundo de Reserva e Assistência Técnica Educacional e Social - FATES - com o associado excluído ou que se retira do quadro social da cooperativa.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Primeiramente, válido mencionar que a Lei n. 5.764/1971, conhecida como Lei das Cooperativas, em seu artigo 28, inciso II, dispõe acerca da obrigatoriedade do recolhimento do FATES (Fundo de Reserva e Assistência Técnica Educacional e Social), com fins de possibilitar a prestação de assistência aos associados e seus familiares. Por sua vez, o Código Civil de 2002 trata da Sociedade Cooperativa (arts. 1.093 a 1.096), ressalvando, no art. 983, parágrafo único, as disposições especiais relativas a este tipo de sociedade. Importa ressaltar que o Código Civil quedou-se silente no que se refere à verba destinada ao FATES, reforçando a previsão disciplinada pela lei especial apenas quanto ao Fundo de Reserva, como prevê o art. 1.094, inciso VIII, do Código Civil de 2002. Desse modo, a despeito de o art. 1.094, inciso VIII, do Código Civil de 2002 mencionar a indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, "ainda que em caso de dissolução da sociedade", tal previsão, por óbvio, não afasta o tratamento legal conferido pela Lei n. 5.764/1971, que, em seu art. 4º, VIII, confere ao FATES idêntica natureza indisponível. Não há falar, portanto, em revogação tácita da natureza do FATES pelo Código Civil de 2002, que, ao silenciar acerca do mencionado fundo, manteve incólume a regra da indivisibilidade prevista na lei especial. Impõe-se aplicar o princípio da especialidade. Isso porque a regra constante do art. 4º, inciso VIII, da Lei n. 5.764/1971, não colide com o Código Civil, que ressalva a possibilidade de aplicação de disposições concernentes à Lei das Cooperativas em circunstâncias que não divergem do mencionado diploma. Assim, não é plausível que, na apuração de haveres por retirada de cooperado, este perceba cota-parte que compõe o FATES, já que a natureza do fundo não se transmuda ou se transforma pela retirada ou exclusão de associado, que é um direito potestativo e irrestrito, porém, submetido às regras do sistema cooperativista.

PROCESSO
REsp 1.807.483-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 21/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Promessa de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega por culpa da incorporadora. Pretensão de resolução do contrato pelo adquirente. Lucros cessantes. Termo ad quem. Data do trânsito em julgado.
DESTAQUE
No caso de resolução de contrato por atraso na entrega de imóvel além do prazo de tolerância, por culpa da incorporadora, o termo ad quem dos lucros cessantes é a data do trânsito em julgado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A sentença que declara resolvido o contrato, ou que declare abusiva alguma cláusula contratual, retroage seus efeitos até a data da citação, ou a data anterior, como é a regra no âmbito das obrigações contratuais, tendo em vista a natureza declaratória dessa sentença, sem embargo do direito à reparação dos prejuízos decorrentes da mora na obrigação de restituir, conforme as razões de decidir do tema repetitivo 685/STJ. Especificamente para a hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel sob regime de incorporação imobiliária (não regidos pela Lei n. 13.786/2018), esta Corte Superior trilhou entendimento diverso, no julgamento do tema repetitivo 1.002/STJ, no sentido de que a dissolução do vínculo contratual se daria na data do trânsito em julgado na hipótese de culpa do adquirente, em demanda cumulada com pretensão de revisão da cláusula de retenção de parcelas pagas, incidindo a partir de então os juros de mora. No caso, em que o adquirente pleiteia a resolução do contrato por culpa da incorporadora, que atrasou a entrega do imóvel para além do prazo de tolerância, faz-se necessária a aplicação do mesmo entendimento, para manter coerência com as razões de decidir do tema repetitivo 1.002/STJ, pois não há fundamento jurídico que possa justificar a produção de efeitos a partir do trânsito em julgado, no caso de culpa/iniciativa do adquirente, e a partir da citação, no caso de culpa da incorporadora. Assim, o marco temporal da resolução do contrato também deve ser a data do trânsito em julgado, incidindo até então os lucros cessantes, cabendo ressalvar que esse entendimento não se aplica aos contratos regidos pela Lei n. 13.786/2018.

PROCESSO
REsp 1.766.093-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 12/11/2019, DJe 28/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Sociedade cooperativa. Desconsideração da personalidade jurídica. Membro de Conselho Fiscal. Atos de administração. Ausência. Teoria Menor. Inaplicabilidade.
DESTAQUE
A desconsideração da personalidade jurídica, ainda que com fundamento na Teoria Menor, não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem que haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cumpre salientar, inicialmente, que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas, incidindo, assim, o art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor. A Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica é mais ampla e mais benéfica ao consumidor, não se exigindo prova da fraude ou do abuso de direito. Tampouco é necessária a prova da confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. No entanto, a despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins sua de aplicação da Teoria Menor, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da empresa. Nesse contexto, tem-se que o art. 47 da Lei n. 5.764/1971, que instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas, preceitua que "(...) a sociedade será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral". Já a doutrina assim define os limites de atuação dos membros do Conselho Fiscal nas sociedades cooperativas: "A atuação do conselho fiscal e dos seus membros está sujeita a limites precisos. De um lado, é mero fiscal e não pode substituir os administradores da companhia no tocante à melhor forma de conduzir os negócios sociais. Não lhe compete apreciar a economicidade das decisões da diretoria ou conselho de administração nem interferir na conveniência dos negócios realizados. Sua tarefa limita-se aos aspectos da legalidade e regularidade dos atos de gestão. De outro lado, o conselho fiscal tem atuação interna, ou seja, os destinatários de seus atos são os órgãos sociais". Repisa-se, ainda, que a Lei das Sociedades Cooperativas equipara os componentes do Conselho Fiscal aos administradores das sociedades anônimas apenas para efeito de responsabilidade criminal (art. 53), não se aplicando o referido dispositivo, portanto, às relações de natureza civil. Conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade cooperativa, ainda que com fundamento no art. 28, § 5º, do CDC (Teoria Menor), não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem que que haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração.

PROCESSO
REsp 1.810.440-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2019, DJe 21/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO ELEITORAL, DIREITO AUTORAL
TEMA
Paródia. Autorização do titular da obra parodiada. Desnecessidade. Finalidade eleitoral. Irrelevância.
DESTAQUE
É desnecessária a autorização do titular da obra parodiada que não for verdadeira reprodução da obra originária nem lhe implicar descrédito, ainda que a paródia tenha incontroversa finalidade eleitoral.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De início, é de se frisar que a Lei n. 9.610/1998 é precisa ao assegurar proteção às paródias na qualidade de obra autônoma, além de desvinculá-las da necessidade de prévia autorização. As paródias são verdadeiros usos transformativos da obra original, resultando, portanto, em obra nova, ainda que reverenciando a obra parodiada. Por essa razão, para se configurar paródia é imprescindível que a reprodução não se confunda com a obra parodiada, ao mesmo tempo que não a altere de tal forma que inviabilize a identificação pelo público da obra de referência nem implique em seu descrédito, conforme determina o art. 47 da Lei n. 9.610/1998. Saliente-se que, ainda que "quase sempre dotada de comicidade, utilizando-se do deboche e da ironia para entreter" (observação que se extrai do voto do relator para acórdão Min. Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp n. 1.548.849/SP, Quarta Turma, DJe 4/9/2017), a paródia é fruto de uma nova interpretação, ou uma adaptação a um novo contexto, com o intuito de aproximar emissor e destinatário da mensagem comunicada. É certo, portanto, que a mera afirmação de que "não possuía destinação humorística" não é suficiente para afastar a caracterização da paródia, mesmo porque a atividade jurisdicional não se destina à crítica artística. Com efeito, no caso vertente, ficou consignado que a propaganda eleitoral se utilizou de obra anterior, com alterações no trecho da letra explorada, a fim de comunicar ao público mensagem destinada a influenciar sua decisão. Todavia, não se discutiu nenhum conteúdo ofensivo a outros canditatos, tampouco ao titular da música original. Também não se alegou que a alteração da obra tenha resultado em descrédito à primeira. Ressalte-se que a finalidade da paródia, se comercial, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra, é indiferente para a caracterização de sua licitude e liberdade assegurada pela Lei n. 9.610/1998. Assim, tratando-se de referência musical em propaganda eleitoral, é irrelevante que a mesma música já houvesse sido objeto de utilização anterior, ou que a obra audiovisual parodiada a contivesse em sua composição total, desvinculando-se da necessidade de prévia autorização.

PROCESSO
REsp 1.810.447-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 05/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Adiantamento de contratos de câmbio. (ACCs). Encargos. Ausência de regra específica. Sujeição ao processo de soerguimento. Princípio da preservação da empresa.
DESTAQUE
Os encargos derivados de adiantamento de contratos de câmbio se submetem aos efeitos da recuperação judicial da devedora.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A despeito de os arts. 49, § 4º, e 86, II, da Lei n. 11.101/2005 estabelecerem a extraconcursalidade dos créditos referentes a adiantamento de contratos de câmbio, há de se notar que tais normas não dispõem, especificamente, quanto à destinação que deve ser conferida aos encargos incidentes sobre o montante adiantado ao exportador pela instituição financeira. Inexistindo regra expressa a tratar da questão, a hermenêutica aconselha ao julgador que resolva a controvérsia de modo a garantir efetividade aos valores que o legislador privilegiou ao editar o diploma normativo. Como é cediço, o objetivo primordial da recuperação judicial, estampado no nos termos do art. 47 da Lei n. 11.101/2005, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Dessarte, a sujeição dos encargos decorrentes de adiantamento de contratos de câmbio aos efeitos do procedimento recuperacional é a medida que mais se coaduna à finalidade retro mencionada, pois permite que a empresa e seus credores, ao negociar as condições de pagamento, alcancem a melhor saída para a crise.

PROCESSO
REsp 1.829.790-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA
Crédito derivado de garantia cambiária. Recuperação judicial. Aval prestado pela recuperanda antes do soerguimento. Garantia dada a título gratuito ou oneroso. Necessidade de análise.
DESTAQUE
É imprescindível a verificação da natureza onerosa ou gratuita do aval prestado antes do pedido de recuperação judicial por sociedade empresária, para que se determine se a garantia se sujeita ou não ao processo de soerguimento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005 estipula que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial ficam sujeitos a seus efeitos (ainda que não vencidos), excetuados aqueles listados nos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo, dentre os quais não se inclui os créditos derivados de garantia cambiária (aval). Assim, dada a autonomia dessa espécie de garantia e a permissão legal para inclusão no plano dos créditos ainda não vencidos, não haveria motivos para a exclusão do aval. Há que se ponderar, todavia, acerca da disposição constante no art. 5º, I, da Lei n. 11.101/2005, que afasta expressamente da recuperação judicial a exigibilidade das obrigações a título gratuito. Tratando-se de aval prestado por sociedade empresária, não se pode presumir que a garantia cambiária tenha sido concedida como ato de mera liberalidade, devendo-se apurar as circunstâncias que ensejaram sua concessão. É bastante comum que as relações negociais travadas no âmbito empresarial envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum outro ato praticado (ou a ser praticado) pelo avalizado ou por terceiros interessados. Conforme anota respeitável doutrina, ainda que não exista contraprestação direta pelo aval, há situações em que a garantia foi prestada com o objetivo de auferir algum ganho, mesmo que intangível, como ocorre na hipótese de aval prestado em benefício de sociedades do mesmo grupo econômico ou para viabilizar operações junto a parceiros comerciais, hipóteses nas quais não se pode considerar tal obrigação como a título gratuito.

PROCESSO
REsp 1.796.664-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Interdição da entidade de previdência complementar. Cumprimento de sentença. Suspensão.
DESTAQUE
A decretação de intervenção federal em entidade de previdência complementar implica a suspensão do cumprimento de sentença.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A LC n. 109/2001 disciplina regimes especiais de administração da entidade de previdência complementar, como a intervenção (arts. 44 a 46) e a liquidação extrajudicial (arts. 47 a 53). A referida lei prevê, especificamente, que se aplicam "à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial das instituições financeiras, cabendo ao órgão regulador e fiscalizador as funções atribuídas ao Banco Central do Brasil" (art. 62). A Lei n. 6.024/1974, por sua vez, é a que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras e, com efeito, se aplica de maneira subsidiária nas intervenções de entidades de previdência complementar. O supracitado normativo preceitua que, nas hipóteses de intervenção, haverá a suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas, o que redundará, via de consequência, na suspensão do andamento das ações de execução. Destarte, a despeito de a LC n. 109/2001 referir-se expressamente que haverá, nas hipóteses de liquidação extrajudicial, a suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda (art. 49, I), mister reconhecer que tal efeito deve ser estendido, também, às hipóteses de intervenção na entidade.

PROCESSO
REsp 1.631.846-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 05/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR. Acórdão que admite ou inadmite a instauração do incidente. Irrecorribilidade.
DESTAQUE
É irrecorrível o acórdão que admite ou inadmite o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O primeiro fundamento que justifica o não cabimento do recurso especial contra o acórdão que versa sobre a admissibilidade ou não do IRDR está assentado na possibilidade, expressamente prevista pelo art. 976, §3º, do CPC/2015, de ser requerida a instauração de um novo IRDR quando satisfeito o pressuposto que não havia sido inicialmente cumprido, sanando-se o vício existente ao tempo do primeiro requerimento. Isso porque, como destaca a doutrina, "da decisão de inadmissibilidade do incidente não decorre preclusão, podendo voltar a ser suscitado inclusive no mesmo processo". Além disso, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/2015, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR. O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, pois ausente o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa.

PROCESSO
REsp 1.798.939-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2019, DJe 21/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Decisão interlocutória. Exibição de documento. Incidente processual, ação incidental ou mero requerimento no bojo do processo. Agravo de instrumento. Cabimento.
DESTAQUE
O art. 1.015, VI, do CPC/2015 abrange a decisão interlocutória que versa sobre a exibição do documento em incidente processual, em ação incidental ou, ainda, em mero requerimento formulado no bojo do próprio processo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se o art. 1.015, VI, do CPC/2015, diz respeito somente às decisões interlocutórias proferidas no incidente processual e na ação incidental a que se referem os arts. 396 e 404 do CPC/2015 ou se é mais amplo, abrangendo quaisquer decisões que digam respeito à exibição ou posse de documento ou coisa. Não há dúvida de que a decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado contra parte e a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada contra terceiro estão abrangidas pela hipótese de cabimento do art. 1.015, VI, do CPC/2015. Contudo, não se identifica na doutrina que tenha sido examinada a hipótese em que a decisão interlocutória versou sobre a exibição ou a posse de documento ou coisa fora do modelo procedimental delineado pelos arts. 396 e 404 do CPC/15, ou seja, deferindo ou indeferindo a exibição por simples requerimento de expedição de ofício feito pela parte no próprio processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação incidental. Nesse contexto, pouco importa, para fins de cabimento do recurso de agravo de instrumento com base no art. 1.015, VI, do CPC/15, que a decisão que indeferiu o pedido de exibição tenha se dado na resolução de um incidente processual, de uma ação incidental ou de um mero requerimento formulado no próprio processo. Em suma, a regra do art. 1.015, VI, do CPC/2015, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados.

PROCESSO
REsp 1.823.944-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Execução. Ausência de bens penhoráveis. Pleito de insolvência civil no bojo da própria ação executiva. Impossibilidade. CPC/1973.
DESTAQUE
Constatada a ausência de bens penhoráveis, a declaração de insolvência civil dos executados não pode ser feita no bojo da própria ação executiva.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, convém salientar que, nos termos do novo Código de Processo Civil, até que se edite lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecerão reguladas pelas disposições regentes da matéria constantes do CPC/73 (art. 1.052 do CPC/2015). No Código de Processo Civil de 1939, o concurso universal consubstanciava mero incidente no processo de execução singular, ou seja, ao devedor era conferida a faculdade de requerer a conversão na falta de bens penhoráveis suficientes ao pagamento integral do débito exequendo, estabelecendo, assim, uma ampliação no polo ativo do processo executivo. Entretanto, a partir do CPC/1973, transformou-se a execução coletiva em processo autônomo, de forma que a declaração de insolvência deverá dar-se fora do âmbito da execução singular. Se por um lado, nas demais modalidades de execução o fim colimado é apenas o da satisfação do crédito exequendo, por atos de natureza tipicamente executiva, por outro lado, no procedimento da insolvência, o que se objetiva é a defesa do crédito de todos os credores do insolvente, para o que se faz necessário mesclar atividades de conhecimento e de execução e até de acautelamento. O processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo. Outrossim, resta impossível a conversão do feito executivo em insolvência civil, "dada as peculiaridades de cada procedimento e a natureza concursal do último, implicando, eventualmente, até mesmo diferentes competências de foro" (REsp 1.138.109/MG, 4ª Turma, DJe 26/05/2010).

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.845.146-ES, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/11/2019, DJe 29/11/2019
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA
Ação de guarda proposta contra mãe biológica por casal interessado. Ação de destituição do poder familiar proposta pelo Ministério Público julgada procedente. Posterior sentença de procedência da ação de guarda. Apelação da genitora. Legitimidade reconhecida. Manutenção do laço de parentesco.
DESTAQUE
A mãe biológica detém legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, mesmo se já destituída do poder familiar em outra ação proposta pelo Ministério Público e já transitada em julgado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Registra-se, inicialmente, que a circunstância de a mãe biológica ter sido destituída, em outra ação, do poder familiar em relação a seu filho, não autoriza concluir pela falta de legitimidade recursal na ação de guarda, sobretudo porque permanece, para a mãe, devido aos laços naturais, o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar. Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho, através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar. Dessa forma, a ação de destituição do poder familiar ajuizada contra a genitora não eliminou o seu laço de parentesco natural com a criança. Assim, a despeito de a sentença ter feito cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais, faticamente subsiste seu laço sanguíneo, que confere a ela legitimidade e interesse próprio para, em prol da proteção e melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

FAMÍLIA E SUCESSÕES EM RETROSPECTIVA. O ANO DE 2019. ÚLTIMA COLUNA DO MIGALHAS DO ANO

FAMÍLIA E SUCESSÕES EM RETROSPECTIVA. O ANO DE 2019[1]
Flávio Tartuce[2]
Neste meu último texto de 2019, farei uma retrospectiva dos principais acontecimentos do último ano sobre o Direito de Família e das Sucessões no Brasil, tendo como foco principal as alterações legislativas, as principais decisões judiciais superiores e os avanços e trabalhos doutrinários.
Iniciando-se pelas alterações legislativas, o ano começou com a edição da Medida Provisória n. 871, no mês de janeiro, tratando de fraudes previdenciárias e que incluiu uma nova exceção à impenhorabilidade do bem de família, no art. 3º da Lei n. 8.009/1990 (art. 22). Essa exceção dizia respeito à "cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos". De toda sorte, essa tentativa de modificação na lei do Bem de Família era inconstitucional, por tratar de matéria atinente ao processo civil, em clara afronta ao art. 62, § 1º, letra b, da Constituição Federal de 1988. Por essa razão, na conversão da MP na Lei n. 13.846, de 18 de junho de 2019, a previsão não foi encampada.
Sucessivamente, em março de 2019, surgiu a Lei n. 13.811, que alterou o art. 1.520 do Código Civil, proibindo peremptoriamente o casamento da pessoa menor de dezesseis anos, conhecido como casamento infantil. De acordo com a nova redação da norma codificada, "não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código". Não houve a modificação ou revogação de qualquer outro preceito civil, o que gera muitas dúvidas teóricas e práticas, como a nulidade absoluta ou relativa desse casamento, caso seja celebrado. O meu entendimento é pela anulabilidade ou nulidade relativa do ato, permanecendo hígidos os comandos que tratam do tema, caso do art. 1.550, inc. I, da própria codificação privada.
Ainda a respeito da legislação, em 2019 foi ampliada a proteção das mulheres sob violência doméstica. De início, a Lei n. 13.871/2019 incluiu três novos parágrafos no art. 9º da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), prevendo expressamente o direito a ressarcimento de valores à mulher que sofre violência doméstica. Nos termos do seu caput, que permaneceu inalterado, "a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso".
Conforme o novo § 4º do art. 9º, incluído pela Lei n. 13.871/2019, aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços. Nota-se que, ao contrário do art. 186 do Código Civil, o novo dispositivo não menciona a omissão voluntária (dolo), a negligência ou imprudência (culpa), sendo possível sustentar que esse dever de ressarcir o SUS independe da culpa em sentido amplo, ou seja, está relacionado à responsabilidade objetiva.
Também os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas passam a ter os seus custos ressarcidos pelo agressor (art. 9º, § 5º, da Lei Maria da Penha, igualmente incluído pela Lei n. 13.871/2019). Como essas medidas de segurança podem ser citadas as previstas no art. 26 da mesma Lei n. 11.340/2006, cabíveis por atuação do Ministério Público, quais sejam a requisição de força policial, de serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança; bem como o uso de mecanismos para fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares onde a mulher se encontra, como câmeras de segurança, "botão do pânico" a ser por ela acionado em casos de emergência e o uso de tornozeleiras eletrônicas pelo agressor. Os custos de todos esses mecanismos devem ser arcados por este último, de acordo com a nova lei, frise-se.
Por fim, a nova norma estatui que esses ressarcimentos materiais não poderão importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, caso dos filhos, nem configurar atenuante ou ensejar a possibilidade de substituição da pena aplicada ao agressor, seja de natureza penal ou civil (art. 9º, § 6º, da Lei Maria da Penha, incluído pela Lei n. 13.871/2019). As alterações legislativas são salutares, e espera-se um aumento da efetividade na proteção dos direitos das mulheres, atendendo-se inclusive à função pedagógica da responsabilidade civil.
Depois disso, a Lei n. 13.880/2019 alterou o art. 12 da Lei Maria da Penha, estabelecendo, entre as medidas protetivas, a possibilidade de determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. Sucessivamente surgiu a Lei n. 13.894/2019, que trouxe previsões de foro privilegiado para a mulher sob violência doméstica nos casos de ações de divórcio, separação e dissolução da união estável, sem prejuízo de outras previsões. Alterou-se, assim, o art. 53 do Código de Processo Civil e incluiu-se na Lei Maria da Penha o novo art. 14-A, estabelecendo que a ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Excluiu-se essa competência para as pretensões relacionadas à partilha de bens e estabeleceu-se que, iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver. Essa última previsão, alerte-se, havia sido vetada pelo Presidente da República, mas o Congresso Nacional derrubou o veto, em 10 de dezembro de 2019.
Como última norma a ser destacada, originária da Medida Provisória n. 881, a Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019) alterou o tratamento relativo à desconsideração da personalidade jurídica no art. 50 do Código Civil. Confirmou-se a possibilidade de desconsideração inversa ou invertida, como já estava previsto no Código de Processo Civil de 2015, o que tem grande incidência para o Direito de Família e das Sucessões. Ao final e de forma correta, retirou-se o elemento doloso como requisito do desvio de finalidade para a incidência da desconsideração pela teoria maior, o que foi salutar, pois, mantido esse requisito intencional, a aplicação do instituto para o Direito de Família e das Sucessões praticamente despareceria na prática, pelas dificuldades de sua comprovação. Na verdade, o Congresso Nacional trabalhou intensamente e pode melhorar em muito o texto da anterior MP n. 881, em vários de seus aspectos.
Quanto à jurisprudência, duas decisões provisórias do Supremo Tribunal Federal, ainda não encerradas, merecem ser citadas, prenunciando temas para o próximo ano. A primeira delas foi o reconhecimento da repercussão geral a respeito da manutenção ou não do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro. Isso se deu nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.167.478/RJ, em junho de 2019, tendo como Relator o Ministro Luiz Fux. O STF deve analisar, portanto e definitivamente, se o instituto da separação judicial permanece ou não no ordenamento jurídico brasileiro, encerrando essa polêmica que já dura quase dez anos, desde a emergência da Emenda Constitucional n. 66/2010.
O segundo julgamento ainda não encerrado é o relativo ao reconhecimento de efeitos previdenciários das uniões estáveis paralelas ou concomitantes (Tema 529). Em setembro de 2019 iniciou-se a sua análise, em sede do Recurso Extraordinário n. 1.045.273/SE, que analisa a concomitância de uma união estável homoafetiva com uma heteroafetiva. Até aqui prevalece o voto do Ministro Luiz Edson Fachin, exatamente na linha do que sustento, de que são possíveis efeitos previdenciários para atingir companheiros de boa-fé nas uniões estáveis plúrimas. No mesmo sentido julgaram os Ministros Marco Aurélio e Rosa Maria Weber.
Os Ministros Barroso e Cármen Lúcia votaram também pelo reconhecimento desses efeitos, mas sem a necessidade da boa-fé, pois prevalece a equidade que deve guiar o Direito Previdenciário. Por seu turno, os Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam pela impossibilidade de se reconhecer quaisquer efeitos previdenciários nas uniões concomitantes, diante princípio da monogamia, que se aplica plenamente à união estável. Em suma, a votação está em 5 a 3, pelo reconhecimento de efeitos previdenciários nas uniões estáveis concomitantes. Ainda faltam julgar os Ministros Dias Toffoli − que pediu vista −, Luiz Fux e Celso de Mello.
Espero que prevaleça a posição que já forma maioria, especialmente se houver boa-fé objetiva da parte. Deve ficar claro que não se analisa a concomitância de casamento e de concubinato (ou união estável) − o que é objeto de outro processo na Corte, também em repercussão geral (Recurso Extraordinário n. 883.168/SC − Tema 526) −, mas a existência de várias uniões estáveis ao mesmo tempo. Essas duas questões, de grande repercussão para o Direito de Família e também das Sucessões, devem ser igualmente analisadas no próximo ano.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, responsável por uniformizar os temas relativos ao Direito de Família e das Sucessões, destaco as seguintes decisões, sem prejuízo de muitas outras ementas:
− Acórdão que concluiu que não dever ocorrer a reserva da quarta parte do cônjuge, prevista no art. 1.832 do Código Civil, em havendo concorrência híbrida, com filhos comuns e exclusivos do falecido. Nos seus exatos termos, "a interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma. Não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido. Especificamente na hipótese de concorrência híbrida o quinhão hereditário do consorte há de ser igual ao dos descendentes" (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 01/07/2019).
− Decisão em que o Superior Tribunal de Justiça acabou por admitir o chamado testamento criogênico, com o destino do corpo para congelamento e eventual ressuscitação no futuro, em virtude da evolução e aprimoramento da medicina e de outras ciências; sem a necessidade de observância de qualquer formalidade quanto ao ato de última vontade (STJ, REsp 1.693.718/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 04/04/2019).
− Acórdão segundo o qual "as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento que dispõe sobre transmissão causa mortis de bem gravado, haja vista que o ato de disposição somente produz efeitos após a morte do testador, quando então ocorrerá a transmissão da propriedade" (STJ, REsp 1.641.549/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 20/08/2019).
− Julgamento que admitiu a possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. O acórdão traz a interpretação do art. 1.848 do Código Civil de acordo com o princípio da função social da propriedade, de forma correta (STJ, REsp 1.631.278/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 29/03/2019).
− Acórdão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça que acabou por admitir a realização de inventário extrajudicial, mesmo havendo testamento, desde que a sua abertura seja feita anteriormente, no âmbito judicial (STJ, REsp 1.808.767/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 15/08/2019).
− Aresto da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, de outubro de 2019, que considerou que seria possível a adoção faltando apenas três meses para se completar a citada diferença de 16 anos entre o adotante e o adotado. A relativização se deu pela presença de vínculo socioafetivo entre as partes, entendimento que me parece correto (STJ, REsp 1.785.754/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 08/10/2019).
− Julgado que admitiu a possibilidade de a separação de fato afastar a suspensão da prescrição − na verdade a decadência − entre os cônjuges. Nos seus termos, "na linha da doutrina especializada, razões de ordem moral ensejam o impedimento da fluência do curso do prazo prescricional na vigência da sociedade conjugal (art. 197, I, do CC/02), cuja finalidade consistiria na preservação da harmonia e da estabilidade do matrimônio. Tanto a separação judicial (negócio jurídico), como a separação de fato (fato jurídico), comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de pôr termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (elementos objetivos), e revelam a vontade de dar por encerrada a sociedade conjugal (elemento subjetivo). Não subsistindo a finalidade de preservação da entidade familiar e do respectivo patrimônio comum, não há óbice em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal. Por conseguinte, não há empecilho à fluência da prescrição nas relações com tais coloridos jurídicos. Por isso, a pretensão de partilha de bem comum após mais de 30 (trinta) anos da separação de fato e da partilha amigável dos bens comuns do ex-casal está fulminada pela prescrição" (STJ, REsp 1.660.947/TO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 07/11/2019). De todo modo, apesar de trazer premissas corretas, o julgado é passível de crítica, ao menos em parte, pelo fato de envolver não a prescrição, mas a decadência.
Por fim, a respeito das decisões judiciais de relevo, o Conselho Nacional de Justiça melhorou consideravelmente o texto do seu Provimento n. 63 e editou, em agosto de 2019, o Provimento n. 83, tratando do reconhecimento da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade no Cartório de Registro Civil. Entre outras previsões, incluiu-se a necessidade de atuação do Ministério Público, limitou-se tal reconhecimento aos maiores de doze anos, foram incluídos critérios objetivos para a caracterização do vínculo socioafetivo e afastadas todas as dúvidas quanto à possibilidade efetiva de registro extrajudicial da multiparentalidade. Todas as alterações vieram em boa hora, no meu entender.
No âmbito da doutrina, muitas obras foram lançadas a respeito do Direito de Família e das Sucessões. Inicialmente, lançamos o nosso Código Civil Comentado, pela Editora GEN/Forense, estando este autor responsável pelo Direito de Família e o Professor José Fernando Simão pelo Direito das Sucessões. São também coautores os Professores Anderson Schreiber, Marco Aurélio Bezerra de Melo e Mário Luiz Delgado, o último com apurada análise do Direito de Empresa e suas interações com as questões familiares e sucessórias, de forma inédita entre nós. Também merece grande destaque a obra Comentários ao Código Civil. Direito Privado Contemporâneo, pela Editora Saraiva, coordenada pelo Professor Giovanni Ettore Nanni. Escreveram sobre o Direito de Família e das Sucessões os juristas Marcelo Benacchio, Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Francisco José Cahali, com conteúdo a merecer destaque. Por fim, ainda a respeito de obras coletivas, foi lançada a segunda edição do livro Arquitetura do Planejamento Sucessório, pela Editora Fórum e coordenado pela Professora Daniele Chaves Teixeira, muito comentado pelos profissionais da área e considerado a melhor obra sobre o tema no País.
Entre os livros individuais, destaco o lançamento de Sucessão Legítima, pelo Professor Rolf Madaleno, sempre com ótimas ideias e teses de relevo (Editora GEN/Forense). Entre os monográficos, Luciana Brasileiro publicou sua tese de doutorado defendida na UFPE sobre As Famílias Simultâneas e seu Regime Jurídico, pela Fórum. Pela mesma casa editorial, Gustavo Henrique Baptista Andrade escreveu sobre O Direito de Herança e a Liberdade de Testar, fruto de seu estágio pós-doutoral realizado na Alemanha.
Por fim, em anos ímpares ocorrem os Congressos Brasileiros do Instituto Brasileiro de Direito de Família e das Sucessões (IBFAM). E em 2019 o evento foi enorme, majestoso, com mais de 1.500 participantes em Belo Horizonte. A organização foi impecável, abordando as vulnerabilidades no Direito de Família e das Sucessões. Exposições com as mais diversas facetas foram realizadas e, ao final, foram aprovados dez enunciados doutrinários com teses inovadoras para a teoria e para a prática. Entre eles destaco o que prevê a possibilidade de cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma, o que já vem sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça (Enunciado n. 32 do IBDFAM). Merece relevo, ainda, o que preceitua a viabilidade de relativização do princípio da reciprocidade acerca da obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos "nos casos de abandono afetivo e material pelo genitor que pleiteia alimentos, fundada no princípio da solidariedade familiar, que o genitor nunca observou" (Enunciado n. 34).
Como se pode notar, 2019 foi um ano intenso para o Direito de Família e das Sucessões, realidade que se espera para os seguintes. Muitos apontavam que seria um ano de enormes retrocessos, o que não se efetivou, como se retira deste texto, sobretudo diante do trabalho doutrinário e jurisprudencial.
Como palavras finais deste ano, gostaria de agradecer ao Migalhas pela parceria que completa cinco anos e que foi ampliada em 2019. Além desta coluna, laçamos a Migalhas Contratuais, em pareceria com o IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual), presidido por mim, e que tem comissões de estudos sobre a contratualização do Direito de Família e das Sucessões. Pude ainda participar de três eventos promovidos pelo informativo, dois sobre a Lei da Liberdade Econômica e um sobre a Lei dos Distratos. Espero que em 2020 os nossos laços sejam ainda mais fortalecidos. Fica o meu Muito Obrigado ao Miguel e à sua excelente equipe. E o meu agradecimento especial a todos vocês, leitores! Feliz Natal e um Próspero 2020 para todos nós!

[1] Coluna do Migalhas de dezembro de 2019.
[2] Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor do G7 Jurídico. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.