sexta-feira, 29 de maio de 2009

RESUMO INFORMATIVO 395 DO STJ.

FRAUDE. EXECUÇÃO. PENHORA. REGISTRO.
A Turma, ao renovar o julgamento, reafirmou, por maioria, o entendimento de que, para dar-se fraude à execução (art. 593 do CPC) quando não registrada a penhora do imóvel, cabe ao credor o ônus de provar que o terceiro adquirente tinha ciência de que havia a constrição ou demanda contra o vendedor capaz de levá-lo à insolvência. Firmou-se, também, que, a despeito de a sentença produzir efeitos em relação a terceiros, a imutabilidade proporcionada pela coisa julgada limita-se às partes, pois é facultada ao terceiro a discussão posterior acerca da sentença que eventualmente seja prejudicial a seus interesses. Os votos vencidos, capitaneados pela Min. Nancy Andrighi, entendiam, conforme precedente da Turma, que, nessa situação, cabe sim ao terceiro adquirente a prova mencionada, pois é a pessoa que a presunção desfavorece quem suporta o ônus de provar o contrário, anotado ser relativa essa presunção. Na linha desses votos vencidos, o adquirente deve acautelar-se, efetuando, no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do imóvel e da residência do alienante, não apenas em razão da exigência prevista no art. 1º da Lei n. 7.433/1985, mas, também, de que só se considera de boa-fé o comprador que adotou mínimas cautelas para a segurança jurídica de sua aquisição. Precedentes citados: AgRg no EREsp 719.949-RS, DJ 8/11/2007; AgRg no REsp 944.728-DF, DJ 18/10/2007, e REsp 111.899-RJ, DJ 8/11/1999. REsp 804.044-GO, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Massami Uyeda, julgado em 19/5/2009.
PROMESSA. COMPRA. VENDA. PROVA. PAGAMENTO.
O falecido marido da recorrida firmou, nos idos de 1949, promessa de compra e venda de um imóvel com o extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), atualmente sucedido pelo INSS. Para tanto, havia a previsão de as prestações serem descontadas durante 20 anos. Porém, após o transcurso desse prazo e com a morte do promitente comprador (em 1975), a recorrida, que recebeu a titularidade dos direitos relativos ao imóvel em partilha homologada judicialmente, buscou que fosse lavrada em seu favor a escritura definitiva do imóvel, o que lhe foi negado pelo INSS. Daí o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória. O INSS, por sua vez, insiste que é ônus da recorrida fazer a prova direta da quitação das 240 parcelas acordadas no compromisso. Nesse panorama, constata-se que o recurso especial traz a este Superior Tribunal apenas matérias de natureza jurídico-litigiosa eminentemente de Direito Privado, o que determina a competência das Turmas integrantes da Segunda Seção do STJ para o processo e julgamento do especial (art. 9º, § 2º, I e II, do RISTJ), a despeito de o INSS figurar como recorrente. Quanto ao mais, a comprovação do pagamento das referidas prestações exsurge diante de todos os fatos incontroversos nos autos, tais como: a morte do promitente comprador após o prazo de pagamento das prestações; a forma do pagamento, consistente no desconto mensal em folha de pagamento; o atesto dado pelo banco promotor dos descontos de que não há pendências e o reconhecimento pelo INSS de que não possui arquivado qualquer documento relativo à avença. Vê-se, também, que o INSS não acusou a existência de qualquer débito nem produziu provas a infirmar os fortes indícios constantes da inicial. Assim, tais fatos, alegados e provados nos autos, são suficientes a demonstrar o fato constitutivo do direito da autora, não se podendo falar em violação do art. 333, I e II, do CPC ou mesmo em inversão do ônus da prova. Com esse entendimento, a Turma negou provimento ao especial, confirmando a procedência da ação de adjudicação compulsória. REsp 1.095.427-MG, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 19/5/2009.
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA.
A Turma, por maioria, não conheceu o recurso ao entendimento de que, tratando-se de uma concessionária prestadora de serviço público de energia elétrica que aufere lucros, na condição de empresa que exerce uma atividade privada, cabe-lhe a atribuição de culpa por negligência na manutenção de linhas da sua rede elétrica, devendo, assim, assumir a responsabilidade pelos danos morais e materiais sofridos por empregado vitimado por uma descarga elétrica quando prestava serviço de eletricista em residência particular, ocasionando-lhe incapacitação para o exercício de atividade laborativa. No caso, afastou-se a teoria da responsabilidade subjetiva, tal como entendia o Min. Relator que dava provimento ao recurso. REsp 896.568-CE, Rel. originário Min. Fernando Gonçalves, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/5/2009.
ESPÓLIO. ÔNUS. COMUNICAÇÃO. AQUESTOS.
A Turma acolheu os embargos de declaração para explicitar a questão sobre a comunicação ou não de aquestos, bens mantidos fora do espólio, provocada pela agravante originária, filha do primeiro casamento do de cujus. Destarte, cabe à ora embargante, que deseja ver bens trazidos para o inventário de seu genitor, o ônus da ação e o da prova de que foram adquiridos com o esforço comum do casal. No caso, como tais bens foram adquiridos em nome apenas da segunda esposa, a presunção é que a ela pertencem. Daí, compete à embargante e não ao espólio da segunda mulher de seu pai a desconstituição de tal situação. EDcl no REsp 123.633-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgados em 19/5/2009 (ver Informativo n. 387).
SEGURO. SAÚDE. RESTRIÇÃO. VALOR.
Trata-se de ação declaratória cumulada com indenizatória proposta por espólio de segurado que objetiva afastar as cláusulas tidas como abusivas em contrato de seguro de saúde. Narram os autos que a seguradora não cobriu parte das despesas de internação após a alta do segurado que sofreu crise de hipertensão, sendo transferido para outro hospital em estado comatoso com diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC). A ação julgada procedente no juízo de 1º grau foi parcialmente reformada no Tribunal a quo, que considerou hígida a aplicação do valor limitador de despesas (apenas 2.895 Ufesp) previsto no contrato. Os herdeiros, no REsp, insurgem-se contra essa decisão. Nesta instância especial, ressalta o Min. Relator que, como não há recurso da seguradora, a controvérsia não diz mais respeito ao enquadramento da moléstia do segurado no contrato, isso porque ambas as instâncias ordinárias concluíram não haver nos autos precisão quanto ao diagnóstico que o levou à crise hipertensiva e à sua transferência de internação, daí porque não podia a seguradora escusar-se da cobertura. Observa, ainda, que a hipótese dos autos não é aquela já consolidada na Súm. n. 302-STJ (considera abusiva a cláusula contratual que limita o tempo de internação hospitalar do segurado). Destaca que a restrição de valor imposta na cláusula é mais abusiva do que a hipótese sumulada, embora comporte o mesmo tratamento ou até mais severo, uma vez que não seria lógico, nem jurídico, nem médico-científico determinar-se o tempo e a necessidade de recuperação do paciente contratualmente. Por isso, alertou o Min. Relator que o preceito do art. 13 do DL n. 73/1966 veda a cláusula de seguro que subtraia a sua eficácia e a validade além das situações previstas em lei (CDC). Por fim, trouxe trecho da sentença com relação à cláusula do limite de cobertura, apontando que, embora o segurado idoso (acima dos sessenta e cinco anos) tenha maiores custos, com uma sobretaxa de 15%, conforme previsto na apólice, o limite da cobertura não foi aumentado, o que indica um desequilíbrio entre a prestação do idoso e o teto da seguradora; assim, o segurado idoso paga mais por representar risco maior, mas o limite é único para todas as idades, o que representa um desvantagem exagerada a esse consumidor, tal como se deu nos autos. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença de primeiro grau. REsp 326.147-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado 21/5/2009.
RECUSA. MÃE. EXAME. DNA. MENOR.
A controvérsia resume-se em definir se a recusa da mãe em submeter o filho menor a exame de DNA em ação declaratória de anulação de registro civil cumulada com negatória de paternidade é capaz de gerar presunção de que o autor não é o pai e suprimir a prova de DNA. Quanto a isso, o Min. Fernando Gonçalves, em seu voto vista (vencedor), entendeu que, no caso dos autos, o erro do registro está suficientemente demonstrado em diversos indicativos colhidos pelas instâncias ordinárias, analisados juntamente com o exame de DNA acostado nos autos, realizado por conta própria, donde consta que o autor não é o pai do menor, destacado pelo parecer do MP que esse mesmo exame foi realizado por instituição de credibilidade reconhecida. Anota que tudo isso foi somado à conduta do recorrente, que sempre cumpriu as determinações judiciais de realização do exame em busca da verdade real, à declaração das testemunhas arroladas, afirmando que o casal, muito jovem, coabitou por curto período, suficiente para dar supedâneo à tese de malferimento do art. 232 do CC/2002. Assinalou a insistente recusa da mãe, que, por quatro vezes, sem justificativa plausível, deixou de comparecer às determinações judiciais de primeiro e segundo graus para fazer o exame. Questionou qual seria a prova a cargo do recorrente que alcançaria o qualificativo de prova cabal, insuspeita e insuscetível de questionamento, na dicção do juízo de primeiro grau, para afastar a veracidade do registro ou a presunção de paternidade, se nem mesmo a prova de adultério ou a confissão materna são aceitas para esse fim. Portanto, salvo a comprovação de eventual esterilidade, só restaria ao recorrente o exame de DNA. Assim, firmou que, nessas circunstâncias, o suposto pai torna-se refém do interesse da mãe da criança. Considerou, ainda, que, no caso dos autos, quando a ação foi ajuizada, a criança contava com dois anos de idade, sem ter convivido com o recorrente sob o mesmo teto por mais de um ano; assim, a princípio, não há vínculo de filiação afetiva. Por outro lado, afirma que a manutenção de vínculo de paternidade impede a criança de conhecer seu verdadeiro estado de filiação, direito personalíssimo nos termos do art. 27 do ECA. Diante do exposto, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido negatório de paternidade, anulando o registro do recorrido quanto ao pai e os respectivos ascendentes declarados. O Min. Relator originário (vencido), baseando-se na doutrina e em precedentes do STF e deste Superior Tribunal, não conhecia do recurso, defendendo a tese de que seria impossível coagir o filho a fazer exame de DNA, inclusive aludiu a recente precedente do STJ no sentido da possibilidade de o juiz indeferir a realização de exame de DNA. Também considerou aquele julgamento que, mesmo se o juiz o permitisse e o resultado fosse desfavorável ao pai, ele não poderia desconstituir a filiação, fixada voluntariamente ou por meio de casamento, pois esse argumento não tem força de afastar a importância que deve ser dada ao interesse do filho. Precedentes citados: REsp 1.022.763-RS, DJ 3/2/2009; REsp 878.954-RS, DJ 28/5/2007; REsp 139.590-SP, DJ 3/2/2003; REsp 194.866-RS, DJ 14/6/1999, e REsp 146.548-GO, DJ 5/3/2001. REsp 786.312-RJ, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Fernando Gonçalves, julgado em 21/5/2009.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

LANÇAMENTO. VOLUMES 1 E 2 DA COLEÇÃO DE DIREITO CIVIL





Prezados Amigos e Amigas,
Informamos o lançamento das novas edições dos Volumes 1 e 2 da nossa coleção de Direito Civil, pela Editora GEN/Método.
Trata-se da 5ª Edição do Volume 1 (LICC e Parte Geral) e da 4ª Edição do Volume 2 (Direito das
Obrigações e a Responsabilidade Civil).
As obras vêm com nova roupagem, para atingir efetivamente os cursos de graduação e pós-graduação.
Foram incluídos novos posicionamentos doutrinários, julgados recentes e questões das últimas provas e concursos públicos.
Também há novas reflexões, como é costume em cada edição dos nossos trabalhos.
As obras já podem ser encontradas nas melhores livrarias.
Desejamos boa leitura a todos.
Abraços,
Professor Flávio Tartuce

NOSSAS AULAS NO YOUTUBE.

Prezados e Prezadas,

As nossas aulas no PROGRAMA SABER DIREITO da TV JUSTIÇA já estão disponíveis no Youtube.
Há um canal específico no programa em www.youtube.com.br/saberdireito.
Para acessar mais facilmente nossas aulas, ver: http://www.youtube.com/watch?v=SEWCrPJW20M&feature=channel.
Boas aulas para todos.
Abraços do Professor Flávio Tartuce

domingo, 24 de maio de 2009

DIREITO CONTRATUAL. TEMAS ATUAIS. NOVA TIRAGEM


Prezados Amigos e Amigas,


Informamos a nova tiragem da obra DIREITO CONTRATUAL. TEMAS ATUAIS, coordenada por nós e pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, pela Editora GEN/Método.


Seguem os temas e os autores.


Abraços a todos,


Flávio Tartuce


1. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual

Roxana Cardoso Brasileiro Borges

2. O princípio da autonomia privada e o direito contratual brasileiro

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce

3. A função social do contrato

Nelson Rosenvald

4. Implicações práticas da boa-fé objetiva

Gustavo Rene Nicolau

5. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial

Anderson Schreiber

6. Princípio da conservação dos contratos

Eduardo Luiz Bussatta

7. Equivalência material: o equilíbrio do contrato como um dos princípios sociais

Rodrigo Toscano de Brito

8. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais e suas mitigações

Rodrigo Mazzei

9. Contratos e direitos da personalidade

Vaneska Donato de Araujo

10. Elementos do abuso de direito e sua aplicação aos contratos

Wilson Jesus Pereira

11. As operações econômicas em mercado e a realidade da liberdade contratual

Felipe Raminelli Leonardi

12. A onerosidade excessiva como fundamento da revisão ou da resolução do contrato no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

André Borges de Carvalho Barros

13. Aspectos práticos da responsabilidade civil contratual: uma análise da aplicação dos enunciados da iv Jornada do Conselho da Justiça Federal sobre a função social da cláusula penal

Christiano Cassettari

14. Reflexões sobre o cumprimento inexato da obrigação no direito contratual

Marcos Jorge Catalan

15. Vícios redibitórios e vícios do produto: confrontações entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor Fernando Gaburri

16. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o contrato preliminar

Fábio de Oliveira Azevedo

17. Do contrato com pessoa a declarar

Lucas Abreu Barroso

18. A cessão da posição contratual

Luciano Dequech

19. Redes contratuais e contratos coligados

Luciano de Camargo Penteado

20. Resolução pela frustração do fim do contrato

Marcos Hoppenstedt Ruzzi

21. Reflexões sobre o direito de arrependimento no direito português e no direito brasileiro. Análise comparativa

Alexandre Junqueira Gomide

22. A aplicabilidade da exceptio non adimpleti contractus aos contratos administrativos

Pablo Malheiros da Cunha Frota

23. Anotações quanto à compra e venda. Análise dos dispositivos da nova codificação privada

Maria Clara Osuna Diaz Falavigna

24. Publicidade registral nas relações contratuais

Leonardo Brandelli

25. Contrato de incorporação imobiliária. Notas à Lei 4.591/1964

Luciana Possi

26. O contrato de separação e divórcio consensuais em face da Lei 11.441/2007

Inacio de Carvalho Neto

27. Da evicção - aspectos materiais e processuais

Alexandre Freitas Câmara

28. Pretensão do réu de manter o contrato com modificação de suas cláusulas diante de pedido do autor de resolução por onerosidade excessiva - pedido contraposto previsto pela lei material (art. 479, cc)

Daniel Amorim Assumpção Neves

29. Intervenção de terceiros e contrato de seguro: novas perspectivas em face da atual codificação civil

Fernanda Tartuce

quinta-feira, 21 de maio de 2009

MAIS UM ARTIGO DE CRÍTICA À SÚMULA 381 DO STJ.

Prezados Amigos e Amigas,

De fato, a recente Súmula 381 do STJ que veda o conhecimento de ofício das cláusulas abusivas bancárias tem gerado grande polêmica.
Na nossa leitura a súmula representa clara afronta aos arts. 1º e 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Para as devidas reflexões, recomendamos a leitura do recente artigo dos magistrados e professores baianos Pablo Stolze e Salomão Viana.
Boa Leitura!
Abraços a todos,
Professor Flávio Tartuce

RESUMO. INFORMATIVO 394 DO STJ.

PROVA. USO. COSTUME. TESTEMUNHAS.
Trata-se de ação de cobrança interposta por empresa de transporte na qual se pleiteia, entre outros pedidos, o pagamento das despesas de sobre-estadia pagas aos motoristas de caminhão pelo tempo excedente da permanência para descarga no porto de entrega. A autora requereu prova testemunhal para demonstrar a existência do costume comercial no qual caberia ao contratante do transporte responder pelas custas oriundas da referida sobre-estadia. Assim, a questão, no caso, resume-se em saber se é cabível a demonstração do alegado costume comercial por meio de prova testemunhal. A Turma entendeu que a tese da recorrente, de exigir-se sempre a existência de um assentamento dos usos e práticas mercantis e, consequentemente, prova documental, como condição para a defesa de direito, com base no uso mercantil, ignora o lento processo de desenvolvimento social de norma consuetudinária que é a ela inerente. O costume comercial estará assentado antes que surja uma oportunidade para que seja invocado em juízo, pois seu uso nasce na prática comercial, para depois se popularizar nas praças comerciais para, então, chegar ao ponto de merecer registro pela junta comercial, hoje o órgão competente para proceder ao assentamento dos usos e práticas comerciais (art. 8º, VI, da Lei n. 8.934/1994), e não a autoridade portuária, como sustenta a recorrente ré. Quanto ao art. 337 do CPC, salienta, ainda, o voto condutor que, quando o uso comercial ainda não foi invocado anteriormente em juízo, deverá ser provado por quaisquer meios idôneos admitidos em direito, inclusive por depoimentos tomados de comerciantes de conceito e experimentados no negócio. No caso, o acórdão recorrido determinou que se ouvissem os representantes comerciais das duas partes. O que a recorrida autora busca é tão somente provar a existência de um costume. Se efetivamente provado, não restará definida, automaticamente, a responsabilidade do recorrente réu. Deverá o juiz verificar sua incidência no caso concreto, a partir da conformação de todos os elementos necessários para a subsunção do fato à norma. Com relação ao conflito entre o referido costume e uma norma genérica (art. 159 do CC/1916), incide o verbete n. 284 da Súmula do STF. Logo, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento. REsp 877.074-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/5/2009.
MP. INTERVENÇÃO. PREJUÍZO. INCAPAZ.
É nula a sentença homologatória de acordo celebrado em audiência quando o representante do MP justificou antecipadamente sua ausência e dela resultou a redução de prestação alimentícia em prejuízo evidente da menor, pois cabe ao MP velar pelo interesse de incapaz. Logo, a Turma concluiu pela anulação do processo a partir da audiência em que prolatada a referida sentença, determinando que se atue nos moldes do devido processo legal, com a necessária intervenção do Ministério Público nos atos processuais. Precedentes citados: REsp 88.021-SP, DJ 27/10/1997, e REsp 299.153-SP, DJ 13/8/2001. REsp 1.058.689-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/5/2009.
PROVA. CONTRIBUIÇÃO. AQUISIÇÃO. IMÓVEL. CONCUBINATO.
Trata-se de ação de reconhecimento de sociedade de fato com pedido de anulação de doação c/c partilha de bem imóvel, o qual a ora recorrente sustenta ser o único adquirido por meio de esforço comum, na constância do concubinato e com a peculiaridade de o então concubino, juntamente com a mulher com quem era casado na época, ter transferido o referido imóvel à sua filha e herdeira, permanecendo, apenas, como usufrutuário do bem, quando da posterior celebração do casamento com a concubina. O Tribunal a quo, lastreado no conjunto fático-probatório constante dos autos, concluiu que a ora recorrente não contribuiu, nem mesmo de forma indireta, para a aquisição do imóvel que se pretende partilhar. Assim, a Turma não conheceu do recurso, pois, na instância especial, não é cabível o reexame das provas, incidindo o verbete n. 7 da Súmula do STJ. REsp 1.044.072-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/5/2009.
DEMARCATÓRIA. CARTA DE SESMARIA. POSSE. PROPRIEDADE.
Trata-se de ação demarcatória na qual os autores, ora recorrentes, na qualidade de sucessores, pleiteiam a demarcação e imissão na posse de área de sesmaria concedida segundo a legislação anterior ao regime da Lei n. 601/1850. A sentença lançada nos autos em 1959 deixou clara a inexistência de posse anterior sobre a área, com base na qual se poderia, eventualmente, implementar a aquisição da propriedade decorrente de carta de sesmaria. Sem a posse, não havia como adquirir propriedade naquelas condições. E sem propriedade dos antecessores, não havia propriedade a transmitir aos recorrentes. Sem esta, não há direito à ação demarcatória nos termos do art. 422 do CPC/1939 e, atualmente, do art. 950 do CPC/1973. Pela tradição histórica da actio finium regundorum (ação de demarcação de confins), necessária é a exigência de prova documental da propriedade com histórico das transmissões até os promoventes, prova, aliás, que sempre foi exigida tanto sob a legislação atual como sob a legislação anterior. Nos autos, não está demonstrado o domínio dos antecessores, sendo insuficiente a configurá-lo o direito de sesmeiro, especialmente quando desacompanhado da posse, integrativa da própria sesmaria. O recebimento de sesmaria jamais se equiparou, por si só, à propriedade no Direito brasileiro. Sempre teve reconhecimento como justo título para a posse que, se longeva, podia e pode amparar pretensão de usucapião, mas nunca tendo constituído, por si só, título de propriedade apto à transcrição no registro de imóveis, como é a essência dos títulos de propriedade. Os autores tiveram titulação que vem do sistema de carta de sesmaria, mas não tiveram a posse sobre a área em causa, tanto que a pleiteiam na presente ação demarcatória. Na petição inicial, não fazem menção à posse anterior, nem expuseram circunstâncias fáticas em que ela possa ser vista em favor deles, não tiveram jamais título transcrito anteriormente à propositura da demarcatória, de modo que falta requisito essencial à pretensão demarcatória. As provas testemunhal e pericial jamais poderiam suprir a falta de título de propriedade, não havendo como deduzir propriedade da antiga carta de sesmaria, que legitimaria a posse, que os antecessores dos autores, contudo, nunca tiveram ou perderam, tanto que, na inicial, pretendem a imissão. Assim, a Turma não conheceu do recurso quanto à letra c do art. 105 da CF/1988 e negou provimento quanto à letra a do mesmo artigo. REsp 926.755-MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 12/5/2009.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

ARTIGO DE GERIVALDO NEIVA. PAN-PSICODELISMO INFANTILIZADO

PAN-PSICODELISMO INFANTILIZADO
Gerivaldo Alves Neiva *
Ouvi isso pela primeira vez do professor Lucas Barroso. Bem, na verdade, ele disse que tinha ouvido a frase de uma grande jurista brasileira, que não vem ao caso citar o nome, pois nem sei se ela disse mesmo o que Lucas disse que ela disse. Mas que Lucas disse, disse!
Para não ficar parecendo fuxico, vamos esclarecer melhor. Era um aula sobre responsabilidade civil, em um curso na UFBa., quando teve início uma discussão sobre o problema da responsabilidade na sociedade contemporânea, da alegação da “indústria do dano moral” e outros assuntos parecidos. O professor Lucas Barroso participou do debate relatando que a dita grande jurista brasileira estaria preocupada com os rumos da discussão sobre a responsabilidade civil no Brasil, pois estaria sendo levada – a discussão - a extremos irresponsáveis na forma de um “pan-psicodelismo infantilizado”! Pronto. Está explicado.
Claro que não fiquei calado. Argumentei que a cidade de Salvador, por exemplo, contava com apenas dois Juizados de Defesa do Consumidor, com audiências marcadas a perder de vista; que os consumidores já estavam naquela de “não vai dar em nada” e os comerciantes, bancos e empresas já estava naquela de “pode reclamar seus direitos na justiça”, ou seja, uns não acreditando no Judiciário e outros acreditando na morosidade misturada com a impunidade; e mais: que na sociedade industrializada, a responsabilidade pelo dano estava tão diluída que havia necessidade urgente de teorizar, inventar e escrever sobre o assunto, pois como diz Fachin: “quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata e quem contrata não contrata mais apenas o que contrata”. Qual o problema, então, de se teorizar sobre as novas faces do dano, do nexo de causalidade e da responsabilidade?
A discussão se prolongou, mas não houve consenso. Eu, de minha vez, fiquei com a frase na cabeça por um bom tempo. Achei bonita a expressão: pan-psicodelismo infantilizado! Lembrava aquela música antiga de Sérgio Brito: “tá todo mundo louco, oba!” Ou então a música do Pink Floyd, The Who, Mutantes... Aliás, segundo a Wikipédia, psicodélico é “uma manifestação da mente que produz efeitos profundos sobre a experiência consciente. O termo "psicodelia" origina-se da composição das palavras gregas psiké (ψυχή - alma) e delos(δήλος - manifestação). A experiência psicodélica é caracterizada pela percepção de aspectos da mente anteriormente desconhecidos ou pela exuberância criativa livre de obstáculos”.
Gostei mais da última parte: “exuberância criativa livre de obstáculos”! Ora, quer dizer então que criar com exuberância e livre de obstáculos seria o pan-psicodelismo infantil temido pela ilustre jurista? Pode ser. No Direito é perigoso criar. A mudança é muito lenta. Tal qual o Vaticano. Então, sendo assim, quem cria e desafia os conceitos vigentes é psicodélico e infantil. De outro lado, quem se agarra aos dogmas, aos conceitos milenares sobre o Direito e sobre a Justiça é normal! Ou são loucos também? Não sei. Não sei mais quem é normal, quem é louco ou quem é psicodélico nesta história... Aliás, o próprio Lucas tem um certo “ar de doido” como se diz aqui no sertão...
Algum tempo se passou e eu não alcancei ainda a maturidade ou a lucidez da normalidade. Talvez seja a idade. Comigo acontece assim: quanto mais velho, mais irresponsável. Atualmente, fico pensando coisas como “é proibido proibir!”, “hay gobierno? soy contra”! Acho que é por causa também da proximidade da aposentadoria. O certo é que tenho piorado muito. Perdi quase toda a cerimônia para dizer o que penso. Outro dia, por exemplo, participei de uma solenidade aqui na Comarca e disse que o trânsito na cidade estava em “esculhambação.” As demais “autoridades” presentes me olharam incrédulos: “o homi ta doido”!
O problema é que não consigo entender, por exemplo, quando recebo minha fatura do cartão de crédito e leio que a taxa de juros é de 10,68% ao mês; quando veja na TV o comercial de um tipo de iogurte que garante, prometendo até devolver o dinheiro, fazer o intestino das mulheres funcionar; quando vejo as celebridades fazendo propaganda, todos com aparência saudável, de cigarros e bebidas e no dia seguinte estampam uma camiseta “pela paz”; quando vejo a publicidade dos bancos sempre com pessoas felizes, sem filas e um gerente sorridente e atencioso... Enfim, o mundo do consumo é vendido como algo absolutamente normal, ético e legal. Para eles, os problemas são fruto do psicodelismo de alguns. Como dizia o velho Raul: “quando acabar, o maluco sou eu”!
Na verdade, eu prefiro o psicodelismo fraternal de Jesus Cristo ao bradar que o Reino dos Céus seria dos famintos e sedentos de Justiça; prefiro o sonho psicodélico de Martin Luther King de viver em uma sociedade sem discriminação de qualquer natureza; prefiro o psicodelismo e a cumplicidade com Che Guevara, tremendo juntos de indignação perante as injustiças do mundo; prefiro ser psicodélico e infantil como tantos outros que lutaram pela igualdade e pela liberdade... Deus me livre, por fim, da normalidade e da lucidez dos que defendem o atual estado das coisas. Deus me livre dos dogmatismos e da “segurança jurídica” que só protege os ricos e poderosos. No mais, dá-me, Senhor, aquilo vos resta e, sobretudo, a cada dia me cubra mais do pan-psicodelismo infantilizado. Amém!
Conceição do Coité, 16 de maio de 2009
* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

RESUMO. INFORMATIVO 393 DO STJ.

DANO MORAL. PRISÃO DISCIPLINAR INDEVIDA.
Trata-se de ação indenizatória contra a União em que se obteve indenização por danos morais em decorrência de prisão disciplinar indevida (três dias de prisão disciplinar anulada pela Administração Militar). A Turma não conheceu do recurso, mantendo, assim, o acórdão recorrido que, na análise soberana do contexto fático-probatório dos autos, entendeu condenar a União no valor correspondente a doze meses de vencimento do autor, bem como no pagamento de honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da condenação. Assim a Turma reiterou o entendimento de que a verba honorária e o valor da indenização dos danos morais somente são revistos no âmbito do STJ quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, o que não se verifica no caso. Aplica-se o verbete n. 7 da Súmula-STJ. REsp 1.060.740-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, em 5/5/2009.
DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. OVERBOOKING.
Provido em parte o recurso apenas para reduzir o valor dos danos morais cumulados com juros e correção monetária fixados pelo Tribunal a quo, em razão da reprovável prática de overbooking na venda de bilhetes aéreos, superior à capacidade de assentos disponíveis na aeronave pela transportadora ré que, ademais, infringiu as mais simples normas de segurança, sem sofrer maiores consequências, ao acomodar o passageiro recorrido na cabine de pilotos, durante duas horas de vôo. No caso, inexistindo recurso especial da parte adversa quanto ao índice a ser aplicado (art. 406 do CC/2002), mantidos os juros de mora, tal como fixados na origem, em 0, 5% ao mês até a entrada em vigor do atual Código Civil, e a partir da vigência deste, o de 1% ao mês, a contar da citação. Precedentes citados: REsp 628.828-RJ, DJ 4/10/2004, e REsp 773.486-SP, DJ 17/10/2005. REsp 750.128-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 5/5/2009.

UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO. POSSE. COMODATO. INFORMALIDADE.
Provido apenas em parte o recurso ao entendimento de que, ainda que fosse reconhecida a alegada união estável em ação autônoma, para dirimir uma ação possessória, inexiste vinculação entre ambas as ações, conforme o § 2º do art. 1.210 do CC/2002; a questão da posse é independente da solução do litígio familiar. Desse modo, visto que o problema possessório é inerente à própria situação de condomínio do bem sobre o qual não há consenso entre os cotitulares quanto ao seu aproveitamento, o reconhecimento da união estável, que no caso não logrou êxito por incabível seu conhecimento nesta instância, melhor sorte não assiste à recorrente. Ademais, diante de tal situação de conflito, este Superior Tribunal estabelece compensações a coproprietário alijado da posse, evidenciado que somente um deles pode exercê-la plenamente. No caso, cabe o pagamento de aluguéis pela recorrente enquanto perdurar o condomínio e exercer a posse única, malgrado as complexas relações mantidas na informalidade (comodato verbal), que exigiram análise particularizada dos elementos de cognição existentes. Precedentes citados: REsp 570.723-RJ, DJ 20/8/2007, e REsp 673.118-RS, DJ 6/12/2004. REsp 1.097.837-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/5/2009.

CARTÃO. CRÉDITO. CANCELAMENTO INDEVIDO.
Provido em parte o recurso ao entendimento de terem sido violados os arts. 14 e 25, § 1º, do CDC, 3º e 267, VI, do CPC, mormente quanto à ilegitimidade passiva de uma das recorrentes na ação de indenização por danos materiais e morais movida contra a administradora e a empresa de cartões de crédito, por irregularidade na inclusão do número do cartão da cliente recorrida em "boletim de cancelamento", sem que tenha sido revidado em nenhum momento pelas recorrentes. Afora outros argumentos prejudicados, irrelevante para o julgamento da lide a invocação do art. 333, II, do CPC, já que os fatos narrados pela autora constituíram prova suficiente da inclusão indevida e, ainda que esporádicos os transtornos sofridos, não afastam reparação devida, pois, sob a égide do CDC, a responsabilidade do fornecedor, por se fundamentar no risco, prescinde da análise de culpa. REsp 866.359-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/5/2009.

BANCO. FORNECIMENTO. EXTRATOS.
O correntista pode acionar judicialmente o banco com objetivo de prestação de contas (Súm. n. 259-STJ) desde que indique a relação jurídica entre eles e especifique o período que entende necessário esclarecer. Assim, também detém interesse de agir para ajuizar ação de exibição de documentos, a fim de que a instituição financeira forneça extratos de caderneta de poupança para promover execução individual de sentença proferida em ação civil pública que reconheceu aos poupadores que mantinham cadernetas de poupança nos períodos de maio a julho/1987 e de dezembro/1988 a fevereiro/1989 o direito de receber as diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários derivados dos Planos Econômicos Bresser e Verão. Ressalta o Min. Relator que a obrigação de o banco exibir os documentos decorre de lei, de integração contratual compulsória, não podendo ser objeto de recusa nem de condicionantes, em razão do princípio da boa fé objetiva. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso do correntista, restabelecendo a sentença que julgou procedente o pedido, determinando que, independentemente do trânsito em julgado e antes da lavratura do acórdão, comunique-se a imediata entrega da documentação retida. Vencida em parte a Min. Nancy Andrighi e o Min. Vasco Della Gustina (desembargador convocado do TJ-RS), que aplicavam a multa do art. 18 do CPC ao banco. REsp 1.105.747-PR, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 7/5/2009.

Quarta Turma
INVENTÁRIO. SEPARAÇÃO DE FATO. UNIÃO ESTÁVEL.
A manutenção do indesejável condomínio patrimonial entre os cônjuges após a separação de fato, além de não ser de bom senso, é incompatível com a orientação do novo Código Civil, pois, em seu art. 1.723, § 1º, é reconhecida a possibilidade de união estável estabelecida nesse mesmo período (sob regime da comunhão parcial de bens, à falta de contrato escrito, conforme dispõe o art. 1.725 do CC/2002). Então, no regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar tão logo se dê a ruptura da vida em comum, respeitado, é claro, o direito à meação do patrimônio adquirido na constância da vida conjugal. Dessa forma, na hipótese, a recorrida não faz jus à meação de bens havidos por seu marido na qualidade de herdeiro do irmão, visto que se encontrava separada de fato há mais de seis anos quando transmitida a herança (tempo suficiente ao divórcio direto, conforme o art. 40 da Lei n. 6.515/1977), quanto mais diante do fato de o irmão do falecido ter estabelecido, nesse período, união estável com outra pessoa: é evidente a incompatibilidade de manutenção dos dois regimes. Reconhecer a possibilidade de comunicação seria corroborar o enriquecimento sem causa, porquanto esse patrimônio foi adquirido individualmente pelo irmão do falecido, sem a colaboração da recorrida. Anote-se, por último, que, em regra, não se deve reter o recurso especial oriundo de decisão interlocutória proferida em inventário, porque esse procedimento encerra-se sem que haja, propriamente, uma decisão final de mérito, o que inviabiliza a reiteração futura de razões recursais. Precedentes citados: MC 4.014-BA, DJ 5/11/2001; REsp 226.288-PA, DJ 30/10/2000; REsp 140.694-DF, DJ 15/12/1997; REsp 32.218-SP, DJ 3/9/2001; REsp 127.077-ES, DJ 10/11/1997, e REsp 60.820-RJ, DJ 14/8/1995. REsp 555.771-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/5/2009.

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. MEDICAMENTO.
Cuida-se de ação de indenização por dano moral ajuizada pelo beneficiário titular de plano de saúde contra caixa de assistência a funcionários de instituição bancária, porque ela se negara a fornecer medicamento à sua regular dependente no referido plano (sua esposa), remédio fornecido após por força de liminar em cautelar. Isso posto, não há como negar a existência de legitimidade ativa ad causam, porquanto se trata de pleito indenizatório em nome próprio, postulado por quem, em princípio, sofreu os dissabores e se sente indignado por causa da negativa da cobertura. Se assim não fosse, também teria legitimidade o autor tal como aquele indiretamente atingido pelo possível aviltamento moral. Porém, nesse contexto, o exagerado valor da indenização, de R$ 100.000,00, justifica a intervenção deste Superior Tribunal para reduzi-lo ao equivalente a dez salários mínimos. Precedentes citados: REsp 530.602-MA, DJ 17/11/2003; REsp 986.947-RN, DJe 26/3/2008, e REsp 356.026-MA, DJ 1º/7/2004. REsp 801.181-MA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 5/5/2009.

SOCIEDADE. EXCLUSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
Nove sócios compunham a sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Eles, em assembléia, deliberaram, à unanimidade, extingui-la, em razão de várias dívidas e problemas financeiros, inclusive determinando a venda dos imóveis pertencentes à pessoa jurídica. Porém, antes de concretizada a extinção, um dos sócios, utilizando-se de procurações outorgadas por quatro deles para aquela determinada finalidade, promoveu uma alteração social para, sob o fundamento da perda da affectio societatis, excluí-los da sociedade, transferindo suas quotas sociais a outros (que antes não a integravam), mediante o pagamento do que achou devido, assim formando um novo quadro social. Diante disso, o Min. Fernando Gonçalves (relator originário) deu provimento ao especial ao fundamento de que, conforme a jurisprudência e a doutrina, aquela perda justifica a exclusão de sócios pela decisão da maioria, mesmo que inexista previsão contratual nesse sentido, aduzindo que, na hipótese, não se discutia apuração de haveres. Sucede que o Min. Aldir Passarinho Junior divergiu ao entender que é possível tal dissolução parcial de sociedade, mas não como foi efetivada no caso, em claro desvirtuamento do mandato concedido, inteiramente à margem do que era o consenso e o acordo entre os sócios, sem que houvesse oportunidade de defesa do direito dos minoritários. Destacou, tal qual o acórdão recorrido, haver a necessidade de respeitar-se o devido processo legal, além do fato de que a controvérsia guarda forte contexto fático contratual. Ao prosseguir-se o julgamento, após seguidos votos vistas, esse último entendimento foi acolhido pelos demais integrantes da Turma, que concluiu por não conhecer do recurso. Precedentes citados do STF: RE 76.710-AM, DJ 28/6/1974; do STJ: REsp 33.670-SP, DJ 27/9/1993; REsp 66.530-SP, DJ 2/2/1998, e REsp 813.430-SC, DJ 20/8/2007. REsp 683.126-DF, Rel. originário Min. Fernando Gonçalves, Rel. para acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 5/5/2009.

RECURSO ADESIVO. SUCUMBÊNCIA PARCIAL.
A autora postulou indenizações de danos materiais e morais fundadas no indevido protesto de título, mas não especificou o quantum, deixando ao juízo a tarefa de arbitrá-lo. Ele, por sua vez, julgou procedente em parte a ação, acolhendo a indenização por danos morais, mas negando a de danos materiais. Sucede que a autora não apelou da sentença no referente ao valor fixado a título de indenização por dano moral, preferiu manifestar seu inconformismo quanto a isso em recurso adesivo à apelação da ré, o que foi admitido pelo Tribunal a quo. Nesse contexto, discute-se o cabimento do recurso adesivo, enquanto a autora saiu-se vencedora naquele particular, pois obteve a condenação da ré a indenizá-la pelo dano moral, e o art. 500 do CPC prevê tal recurso quando autor e réu forem vencidos. É certo que, nessa hipótese de o autor relegar ao juízo a fixação da indenização, a jurisprudência deste Superior Tribunal tem acolhido a possibilidade de ele apelar quando insatisfeito com o valor, porém, no caso, não houve apelação, mas sim recurso adesivo. A pretensão da autora em relação a danos morais, tal como consta da inicial, formulada sem parâmetros (nem sequer um mínimo), foi deferida, daí que não se poderia, a princípio, tê-la como vencida, a afastar o cabimento do recurso adesivo. Contudo, a leitura do art. 500 do CPC leva à conclusão de que a questão de a parte ser vencida ou vencedora para fins de admissão daquele recurso não deve ser aferida em cada pedido isoladamente, mas sim considerada na ação como um todo. Daí que, se a autora ficou vencida em outro tópico, tal como se deu no caso (danos materiais), está aberta a via do recurso adesivo, mesmo que a irresignação esteja voltada para a outra pretensão (danos morais), que não preclui para efeito desse recurso. Assim, mostra-se acertado o acórdão recorrido em admitir o recurso adesivo, todavia há que lhe corrigir a fixação do valor da indenização, que deve ser reduzida a R$ 10.000,00, em respeito aos parâmetros fixados na Turma. O entendimento acima exposto foi adotado pelo Min. Aldir Passarinho Junior, o relator, seguido pelo Min. Fernando Gonçalves, porém o Min. João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão acompanharam-no na conclusão de conhecer parcialmente do recurso e lhe dar parcial provimento, mas com ressalvas quanto à fundamentação. Precedentes citados: REsp 330.256-MG, DJ 30/9/2002; REsp 313.586-RJ, DJ 20/5/2002, e REsp 535.125-PR, DJ 23/8/2004. REsp 543.133-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 5/5/2009.

AÇÃO DEMARCATÓRIA. TÍTULO DOMINIAL. LIMITES.
A ação de demarcação é cabível mesmo que haja definição dos limites divisórios, quando ainda existir dúvida acerca de sua correção e, principalmente, discordância entre o título dominial e a própria realidade. Dessarte, essa ação pode ser utilizada para eventual estabelecimento de novos limites se há divergência entre a verdadeira linha de confrontação dos imóveis e os correspondentes limites fixados no título (art. 946, I, do CPC c/c art. 1.297 do CC/2002). Seria impossível intentar ação reivindicatória diante da imprecisão da linha, pois, para tanto, faz-se necessária a perfeita individualização da coisa reivindicada. Precedentes citados: REsp 60.110-GO, DJ 2/10/1995, e REsp 3.193-PR, DJ 9/10/1990. REsp 759.018-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/5/2009.

AÇÃO NEGATÓRIA. PATERNIDADE. PRESCRIÇÃO.
Trata-se, originariamente, de ação negatória de paternidade que foi extinta em primeiro grau pelo reconhecimento da prescrição, decisão reformada pelo TJ em grau de apelação. No REsp, alega-se ofensa do art. 178, § 3,º do CC/1916. Diante disso, a Turma reiterou o entendimento de que a ação negatória de paternidade não se sujeita mais à regra de prescrição, podendo o pai, a qualquer tempo, debater seu estado de pai como corolário lógico e por simetria com a regra do art. 27 do ECA, o que veio posteriormente a também constituir regra expressa no Código Civil atual, em seu art. 1.601. Assim, não se conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp 146.548-GO, DJ 5/3/2001; REsp 278.845-MG, DJ 28/5/2001, e REsp 155.681-PR, DJ 4/11/2002. REsp 576.185-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 7/5/2009.

domingo, 17 de maio de 2009

TJ/RS. MATERNIDADE DUPLA.

Juiz autoriza gêmeos porto-alegrenses a terem duas psicanalistas gaúchas como mães

(15.05.09)

Exclusivo

O nascimento de duas crianças gêmeas que têm como mães duas mulheres e nenhum registro quanto à paternidade não é primazia da ciência do Estado de São Paulo, nem o caso pioneiro está sendo discutido pela primeira vez na Justiça daquele Estado.

A Justiça do RS autorizou pioneiramente em dezembro do ano passado a alteração do registro de nascimento de um menino e uma menina que, claro, tinham sido concebidos em decorrência da união de óvulos e espermatozóides. Com a revolução provocada pela engenharia genética, a
concepção não mais decorre, necessariamente, via contato sexual entre um homem e uma mulher.

O caso chegou esta semana ao conhecimento do Espaço Vital depois de situação semelhante ocorrida em São Paulo. O diferencial - em relação ao caso da capitall paulista - é que ali, embora as mulheres se assumam como companheiras e mães das crianças, o registro civil dos gêmeos foi feito, por enquanto, em nome apenas de uma das mulheres.
(Proc. nº 10802177836)

Para entender o caso gaúcho:

* Duas professoras universitárias e psicanalistas, cada uma com menos de 30 anos de idade, moradoras em Porto Alegre, ajuizaram um procedimento de jurisdição voluntária, pedindo a declaração de união estável homoafetiva combinada com alteração de registros de nascimento
de um menino e uma menina.

* As duas mulheres vivem em união homoafetiva há cerca de onze anos, tendo formalizado, em 3 de janeiro de 2006, declaração de convivência, oportunidade em que também realizaram uma cerimônia, seguida de uma festa para amigos e familiares, "a fim de selar a duradoura
convivência e assegurar um mínimo de proteção legal".

* Depois as duas firmaram, ainda, escritura pública de declaração da união, salientando que "ela se reveste de todas as características de uma união estável".

* As duas planejaram a concepção de filho, sobrevindo o nascimento de um casal de gêmeos, filhos biológicos de apenas uma delas, que engravidou por meio de inseminação artificial, tudo com a colaboração da outra professora, a quem coube custear as despesas e providenciar a documentação necessária ao procedimento.

* Em razão dos entraves para a inserção do nome de ambas as requerentes no registro civil das crianças, as mullheres acabaram por adotar solução provisória de inserir como terceiro nome das crianças o sobrenome da que não foi a mãe biológica. Buscando, ambas, constarem
nas certidões de nascimento como mães dos gêmeos, ingressaram em Juízo.

* A representante do Ministério Público opinou pela extinção do feito diante da carência de ação, por impossibilidade jurídica dos pedidos.

* Na sentença, o juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, externa a sua opinião de que "inúmeras pessoas, por motivos ainda não suficientemente esclarecidos pela ciência, sentem atração sexual por pessoas do mesmo sexo, e muitas vezes acabam criando laços afetivos e formando uma verdadeira
entidade familiar, pautada pela intenção de construir uma vida em comum, com os mesmos atributos de continuidade, assistência mútua e fidelidade, de que se reveste a união estável".

* A sentença que já transitou em julgado - sem recurso do Ministério Público - rejeitou a preliminar de carência de ação, julgando procedentes os pedidos formulados pelas duas mulheres, "para o fim de declarar a existência de união homoafetiva entre ambas, constituída como uma entidade familiar desde 3 de setembro de 2004". Assim, foi
deferida a alteração dos registros de nascimento de J.A. e M.C., para ser incluída, também como mãe, o nome da mulher que não foi a gestante. Também foram incluídos os ascendentes como avós maternos das crianças.

O que diz a advogada
A advogada Ana Rita do Nascimento Jerusalinsky, que foi a signatária da ação judicial, disse ao Espaço Vital que considera "importante a divulgação de procedência da ação, a fim de estimular a regularização judicial em casos semelhantes".

O pioneirismo da Justiça gaúcha deu decisão diferente à solução judicial, até agora, do caso semelhante que tramita em São Paulo. Ali, foi negada a antecipação de tutela que buscava aurtorização judicial para o registro, em nome de duas mulheres, como mães de crianças gêmeas que nasceram, em abril, em condições semelhantes ao caso
familiar de Porto Alegre.

"Devo reconhecer que o juiz do feito, em Porto Alegre, foi ousado e corajoso, contrariando extenso parecer do Ministério Público" - assinala a advogada Maria Rita.

Em seu trabalho jurídico, ela salientou que "na relação parental a mãe biológica exerce a função materna e a outra exerce a função paterna, pois - como psicanalistas que são - entendem tal ser fundamental para a constituição do sujeito psíquico: os filhos necessitam do exercício, sobre si, da função paterna e da função materna, sendo indiferente que
essas funções sejam exercidas por uma única pessoa, ou, distintamente, por pessoas do mesmo sexo ou por um casal heterossexual, desde que efetivamente exercidas".

fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=14729 (em
16Mai2009 às 01:11)
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sábado, 9 de maio de 2009

PROGRAMA SABER DIREITO. TV JUSTIÇA. PRÓXIMA SEMANA.




Programa Saber Direito.
TV JUSTIÇA


Professor ministra curso sobre a parte geral do Código Civil

Nesta semana, o professor Flávio Tartuce dá um curso sobre a parte geral do código civil. Dentre os temas abordados estão as principais questões relacionadas com a pessoa natural, os pontos relativos aos direitos da personalidade. E alguns tópicos sobre dano moral da pessoa jurídica, além de uma análise voltada aos três princípios do Código Civil de 2002: eticidade, socialidade e operabilidade.
Alguns pontos são destacados pelo professor: "A desconsideração da personalidade jurídica é um tema de grande importância prática das grandes teorias adotadas tanto pelo Código Civil quanto pelo Código de Defesa do Consumidor, são duas teorias com tratamentos distintos", ressalta.
E por fim, os conceitos de prescrição e decadência, com tratamento diferenciado no Código Civil de 2002 para facilitar a compreensão do aluno. Tartuce apresenta uma fórmula para identificar se o prazo é prescricional ou decadencial.
Quem quiser participar das gravações do programa, basta entrar em contato pelo e-mail: saberdireito@stf.jus.br.

As aulas são exibidas de segunda a sexta-feira, às 7h da manhã, com reapresentação às 23h30.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

RESUMO. INFORMATIVO 392 DO STJ.

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSFUSÃO. SANGUE. HIV.
Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais em decorrência de ato ilícito que consistiu na ausência de controle de qualidade do sangue utilizado em transfusão que contaminou com o vírus HIV e levou a óbito o filho dos autores. O Tribunal a quo asseverou estar comprovado o nexo de causalidade para a responsabilidade objetiva dos réus: a União, o estado membro, os serviços de hemoterapia, o município e o hospital, condenados solidariamente. Todos recorrem, no entanto observa o Min. Relator que o acórdão recorrido fundou-se em interpretação de matéria eminentemente constitucional quanto à configuração da responsabilidade civil (art. 37, § 6º, da CF/1988), o que impede o exame da questão na via especial por este Superior Tribunal, além de que descabe nesse recurso o exame de situações fáticas (Súm. n. 7-STJ). O REsp limitou-se a transcrever ementas dos arestos sem identificar as circunstâncias fáticas das demandas, ou seja, proceder ao devido confronto analítico dos julgados recorrido e paradigmas, ainda não indicou a lei federal violada. Nesse contexto, a Turma conheceu, parcialmente, do recurso do hospital e, nessa parte, negou-lhe provimento e não conheceu dos recursos da União, dos serviços de hemoterapia e do município. REsp 1.033.844-SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28/4/2009.
CINEMA. CLASSIFICAÇÃO. MENOR. COMPANHIA. PAI.
Trata a questão de definir a legalidade da conduta de sociedade empresária que explora atividade de cinema e que retirou, de dentro da sala de exibição, um menor e seu pai que pretendiam assistir a filme não indicado para a idade daquele. Para a Min. Relatora, os fatos que deram ensejo à presente controvérsia ocorreram durante a vigência da Portaria n. 796/2000 do Ministério da Justiça. A referida portaria apenas enquadrava os espetáculos em cinco faixas distintas, a saber: livres ou inadequados para menores de 12 anos, inadequados para menores de 14 anos, inadequados para menores de 16 anos e inadequados para menores de 18 anos. Ademais, regulava o procedimento de classificação, impondo normas específicas para a sua divulgação. Não se tem notícia, por outro lado, de que a autoridade judiciária local tenha exercido o poder disciplinar estabelecido no art. 149 do ECA. Por isso, deve-se reconhecer que a regulamentação estatal era genérica até então, não estabelecendo solução para a hipótese dos autos. Do texto daquela portaria, não se extrai qualquer norma que indicasse a flexibilização da classificação a pedido dos pais e/ou responsáveis. Diante desse contexto, havia motivos para crer que a classificação era impositiva, pois o art. 255 do ECA estabelecia sanções administrativas severas a quem exibisse filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo. A sanção poderia variar de 20 a 100 salários mínimos e, na reincidência, poderia resultar na suspensão do espetáculo ou no fechamento do estabelecimento por até quinze dias. Não se afigura razoável exigir que a recorrente, à época, interpretasse o art. 255 do ECA, sopesando os princípios próprios desse microssistema jurídico, para concluir que poderia eximir-se de sanção administrativa porque crianças e adolescentes estivessem em exibições impróprias, mas acompanhados de seus pais ou responsáveis. Se a recorrente tivesse se aventurado em estabelecer conduta menos rigorosa do que aquela que parecia decorrer do art. 255 do ECA, teria corrido o risco de admitir, em suas salas, crianças acompanhadas de pais até mesmo quando a classificação indicasse restrição para menores de 18 anos. A superveniência da Portaria n. 1.100/2006 é realmente esclarecedora da hipótese. Ela revela que o recorrido estava errado na sua avaliação inicial, pois supunha que o pai teria a última palavra sobre o acesso de filhos menores a espetáculos públicos. Há limites para seu poder de flexibilizar a classificação indicativa e, mesmo que queira, não poderá acompanhar seu filho em espetáculo que exige idade mínima de 18 anos. Por tudo isso, a conduta da recorrente, diante de um cenário de lacuna regulamentar, revelou prudência e atenção ao princípio da prevenção especial, tomando as cautelas necessárias para evitar potenciais danos a crianças e adolescentes. Na pior das hipóteses, deve-se reconhecer que é absolutamente escusável o erro sobre o dever que lhe era imposto por lei e sobre a interpretação do art. 255 do ECA. Se a recorrente tinha razões para acreditar que estava sujeita a severas sanções, era justo que ela impedisse a entrada dos recorridos em suas salas de cinema. Para a Min. Relatora, não há maior relevância no fato de os recorridos terem entrado na sala de cinema, para, após, serem de lá retirados. Nada indica que a retirada tenha-se dado de forma grosseira, violenta ou abusiva. Conforme demonstrado, a conduta mostra-se justificável diante do cenário legal que à época existia. O acórdão afastou-se da interpretação que deveria ser dada, na hipótese, aos arts. 188, I, do CC/2002, 255 e 258 do ECA. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. REsp 1.072.035-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/4/2009.
PROMESSA. COMPRA. VENDA. VALORES PAGOS. DEVOLUÇÃO.
A recorrente argumenta não haver qualquer ilegalidade na cláusula inserta em contrato de promessa de compra e venda de imóvel que prevê, para o caso de inadimplemento contratual, a retenção de 30% dos valores até então pagos pela recorrida promitente compradora. Afirma, outrossim, que a legalidade da referida cláusula tem respaldo, ainda, na possibilidade de a parte que não deu causa à rescisão da avença reter o montante dado a título de arras. Porém, o Min. Relator destacou que a Segunda Seção deste Superior Tribunal já decidiu que o promitente comprador, por motivo de dificuldade financeira, pode ajuizar ação de rescisão contratual, objetivando, também, reaver o reembolso dos valores vertidos. As arras, quando confirmatórias, constituem um pacto anexo cuja finalidade é a entrega de algum bem (em geral, determinada soma em dinheiro), para assegurar ou confirmar a obrigação principal assumida e, de igual modo, para garantir o exercício do direito de desistência. Por ocasião da rescisão contratual, o valor dado a título de sinal (arras) deve ser restituído ao reus debendi, sob pena de enriquecimento ilícito. O art. 53 do CDC não revogou o disposto no art. 1.097 do CC/1916 (atual art. 418 do CC/2002), ao contrário, apenas positivou, na ordem jurídica, o princípio consubstanciado na vedação do enriquecimento ilícito. Portanto, não é de admitir-se a retenção total do sinal dado ao promitente vendedor. Assim, segundo a exegese do art. 418 do CC/2002 c/c o art. 53 do CDC, o percentual a ser devolvido tem como base de cálculo todo o montante vertido pelo promitente comprador, nele se incluindo as parcelas propriamente ditas e as arras. É inviável alterar o percentual da retenção quando, das peculiaridades do caso concreto, tal montante afigura-se razoavelmente fixado. In casu, o imóvel objeto da avença sequer foi ocupado, porquanto o bem não foi ao menos entregue. Desse modo, na espécie, não há que se admitir a majoração do percentual nos termos em que fixados pelas instâncias ordinárias, de 10% sobre todos os valores pagos. Precedentes citados: EREsp 59.870-SP, DJ 9/12/2002; REsp 355.818-MG, DJ 13/10/2003; REsp 476.775-MG, DJ 4/8/2003, e REsp 896.246-RJ, DJ 15/10/2007. REsp 1.056.704-MA, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 28/4/2009.
DIREITO. VISITAS. NEGATÓRIA. PATERNIDADE.
A recorrente pretende excluir o direito de visitas antes deferido ao pai de sua filha, por força do alegado conflito de interesses provocado pelo próprio genitor, ao ajuizar, em concomitância, ações que, no seu entendimento, manifestam absoluta incompatibilidade: a primeira, negatória de paternidade; a segunda, de modificação de direito de visitas, com o objetivo de ampliar o tempo de permanência do pai com a menor. O recorrido aduz que os laços afetivos entre ele e a filha são muito fortes e, ainda que fosse constatada a ausência de vínculo biológico, jamais seria rompido o vínculo afetivo que nutre com a criança, atestando que, logo após a ruptura da união estável mantida com a mãe da menor, ajuizou ação de oferta de alimentos, pois sempre se preocupou com o bem-estar de sua filha. Por fim, fez prova de que requereu a desistência da ação negatória de paternidade, insistindo pela manutenção de seu direito de visita. A questão consiste em definir se há incompatibilidade no ajuizamento, simultâneo e pela mesma parte, de ação negatória de paternidade e de modificação do direito de visitas, essa com o objetivo de ampliação do tempo de permanência do pai com a filha menor. A peculiaridade é que o processo em questão tem origem em medida cautelar incidental requerida nos autos de ação de modificação de direito de visitas, correndo a negatória de paternidade em autos diversos. Para a Min. Relatora, pelo que se extrai do acórdão recorrido, cuida-se de um pai que possui interesse de estar presente na vida da filha e visitá-la o tanto quanto lhe for permitido e determinado pelo juízo na regulamentação de visitas. Há o fator real de intenso conflito entre os genitores que procuram de todas as formas dificultar a vida um do outro; deve-se poupar a filha, para que não seja também atingida pela irreflexão comum àqueles que, ao perderem a vida em comum, perdem também a coerência de suas próprias vidas, sem necessidade de concentrar na criança mais um foco da discórdia. Os direitos da criança devem ser amplamente assegurados (art. 19 do ECA). É inerente ao poder familiar, que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, tê-los em sua companhia nos termos do art. 1.634, II, do CC/2002, ainda que essa companhia tenha que ser regulada pelo direito de visitas explicitado no art. 1.589 do CC/2002, considerada a restrição contida no art. 1.632 daquele mesmo código, quando colhido o casal pela separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável. Sem que se tenha notícia de que o poder familiar do recorrido em relação à filha tenha sido de alguma forma suspenso ou extinto, assiste-lhe o direito de visitar a filha nos termos em que fixadas as visitas em juízo. Também a desistência da ação negatória em outro processo não tem o condão de produzir efeitos processuais nestes autos. O genitor vem cumprindo com suas obrigações paternas, demonstrando intensa preocupação e cuidado com o bem-estar da filha, não há porque restringir o salutar contato da filha com o pai. Com redobrada atenção ao princípio do maior interesse da criança, deve ser mantido o acórdão impugnado, uma vez que o genitor em nada violou o art. 267, § 4º, do CPC. A aludida incompatibilidade entre as ações ajuizadas pelo recorrido, acaso determinado o prosseguimento da ação negatória de paternidade em que se formulou o pedido de desistência, deveria subsidiar o juiz daquele processo, que, sabidamente, deve estar atento, para além da existência ou não de vícios de consentimento no ato do reconhecimento espontâneo da paternidade, à presença de vínculo de afeto a unir a criança ao pai que expõe sua dúvida perante o Judiciário. Não há como decidir pela procedência de uma negatória de paternidade quando presente a relação de afeto, salutar e condicionante maior da existência da paternidade socioafetiva. REsp 1.032.875-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/4/2009.
RESCISÃO. PROMESSA. COMPRA E VENDA. MORA. PROMISSÁRIO.
No caso, a desistência dos recorrentes adquirentes de imóvel ocorreu após a entrega da unidade, fazendo uso dela por considerável tempo. Assim, a Turma, seguindo orientação da Segunda Seção, determinou o direito de retenção pelos recorridos do valor de 25% do que foi pago pelo recorrente, descontados os valores de tributos, condomínio e consectários porventura vencidos e não pagos no período da ocupação ilegítima, bem como do valor locatício do imóvel, desde o momento em que descumprida a obrigação até o dia da reintegração de posse, tudo a ser apurado em liquidação. As benfeitorias já foram pagas pelos recorridos. Assim, a Turma conheceu em parte do recurso e lhe deu parcial provimento. Precedente citado: REsp 474.388-SP, DJ 8/10/2008. REsp 331.923-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 28/4/2009.
ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.
Trata-se de ação de investigação de paternidade em que o ora recorrente teve o reconhecimento da filiação, mas o Tribunal a quo excluiu os danos morais resultantes do abandono moral e afetivo obtidos no primeiro grau. A Turma entendeu que não pode o Judiciário compelir alguém a um relacionamento afetivo e nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Assim, por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do CC/1916 (pressupõe prática de ato ilícito), não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação. Logo a Turma não conheceu do recurso especial. Precedente citado: REsp 757.411-MG, DJ 27/3/2006. REsp 514.350-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 28/4/2009.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

INFORMATIVO 544 DO STF. LEI DE IMPRENSA. FINALIZAÇÃO DO JULGAMENTO

ADPF e Lei de Imprensa - 8
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em argüição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa — v. Informativos 496, 518 e 541.
Prevaleceu o voto do Min. Carlos Britto, relator, que entendeu, em síntese, que a Constituição Federal se posicionou diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, fixar a precedência das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu as quais não poderiam sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, inclusive de emendas constitucionais, sendo reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de qualquer dos órgãos de comunicação social ou de imprensa. Afirmou que isso estaria conciliado, de forma contemporânea, com a proibição do anonimato, o sigilo da fonte e o livre exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão; a posteriori, com o direito de resposta e a reparação pecuniária por eventuais danos à honra e à imagem de terceiros, sem prejuízo, ainda, do uso de ação penal também ocasionalmente cabível, nunca, entretanto, em situação de maior rigor do que a aplicável em relação aos indivíduos em geral.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 30.4.2009. (ADPF-130)
ADPF e Lei de Imprensa - 9
Além disso, para o relator, não haveria espaço constitucional para a movimentação interferente do Estado em qualquer das matérias essencialmente de imprensa, salientando ele que a lei em questão, sobre disciplinar tais matérias, misturada ou englobadamente com matérias circundantes ou periféricas e até sancionatórias, o teria feito sob estruturação formal estatutária, o que seria absolutamente desarmônico com a Constituição de 1988, a resultar no juízo da não-recepção pela nova ordem constitucional. Observou, por fim, que a Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num longo período autoritário, o qual compreendido entre 31.3.64 e o início do ano de 1985 e conhecido como “anos de chumbo” ou “regime de exceção”, regime esse patentemente inconciliável com os ares da democracia resgatada e proclamada na atual Carta Magna. Essa impossibilidade de conciliação, sobre ser do tipo material ou de substância, contaminaria grande parte, senão a totalidade, da Lei de Imprensa, quanto ao seu ardiloso ou subliminar entrelace de comandos, a serviço da lógica matreira de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; e quanto ao seu spiritus rectus ou fio condutor do propósito último de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder. Vencidos, em parte, os Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que julgavam o pedido improcedente quanto aos artigos 1º, § 1º; 2º, caput; 14; 16, I, 20, 21 e 22, todos da lei impugnada, e o Min. Gilmar Mendes, Presidente, que o julgava improcedente quanto aos artigos 29 a 36 da referida lei. Vencido, integralmente, o Min. Marco Aurélio, que julgava o pleito improcedente.ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 30.4.2009. (ADPF-130)

terça-feira, 5 de maio de 2009

SÚMULA 381 DO STJ. ARTIGO DE GERIVALDO NEIVA

A SÚMULA 381 DO STJ: um ato falho?

Gerivaldo Alves Neiva *

Uma das mais recentes súmulas do STJ dispõe que é vedado ao julgador conhecer de ofício da abusividade de cláusulas em contratos bancários. (Súmula 381: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”).
Concretamente, a súmula poderia ser interpretada assim: um banco e um correntista celebram um contrato bancário repleto de cláusulas abusivas, mas o correntista, ao levar o caso à apreciação do judiciário, precisa elencar e requerer a revisão de todas as cláusulas que considera abusivas, pois o Juiz não pode conhecê-las de ofício, embora possa até ter ciência da existência delas.
Não sei nada de psicanálise, mas consegui entender muito bem o conceito de “ato falho” com Roberto Carlos, na letra da música “Detalhes”, ao recomendar: “não vai dizer meu nome sem querer à pessoa errada”.
No caso da Súmula 381, penso que o STJ cometeu um tremendo “ato falho” ao partir do princípio de que nos contratos bancários existem cláusulas abusivas, mas não podem ser conhecidas de ofício pelo julgador. Falando em psicanálise, para a redação da Súmula, Freud talvez recomendasse algo assim: “em caso da existência de cláusulas abusivas...” ou então “existindo cláusulas abusivas nos contratos...”. Seria muito mais sutil!
Ora, da forma em que foi editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por outras vias, está querendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos contratos, mas o Juiz simplesmente não pode conhecê-las de ofício. Banco manda, Juiz obedece! Com o diz o jargão de uma comediante da televisão: cláusula abusiva? Pooooooode!!
Nesta lógica absurda, considerando que as cláusulas abusivas são sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os bancos e indiferentes com seus clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão será favorável ao banco, e não podem agir, mesmo sabendo que sua ação poderá corrigir uma ilegalidade.
Deixando de lado esta análise psicanalítica barata, se o próprio STJ em sua Súmula parte do princípio de que existem cláusulas abusivas nos contratos bancários, o que vamos fazer agora com o artigo 1º, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a natureza de “ordem pública e social” para as normas de proteção e defesa do consumidor? O que vamos fazer, também, com o artigo 51, do mesmo Código, que estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade?
Por fim, o que o STJ vai fazer com sua própria jurisprudência de poucos meses atrás que entendia exatamente o contrário:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ART. 6°, "E", DA LEI Nº 4.380/64. LIMITAÇÃO DOS JUROS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. ARTS. 1º E 51 DO CDC.
1. A matéria relativa à suposta negativa de vigência ao art. 5º da Medida Provisória 2.179-36 e contrariedade do art. 4º do Decreto 22.626/33 não foi prequestionada, o que impede o conhecimento do recurso nesse aspecto. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. O art. 6°, "e", da Lei nº 4.380/64 não estabeleceu taxa máxima de juros para o Sistema Financeiro de Habitação, mas, apenas, uma condição para que fosse aplicado o art. 5° do mesmo diploma legal.
Precedentes.
3. Não haverá julgamento extra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre matérias de ordem pública, entre as quais se incluem as cláusulas contratuais consideradas abusivas (arts. 1º e 51 do CDC). Precedente.
4. Recurso especial provido em parte.
REsp 1013562 / SC - 2007/0289849 – 0 – Relator: Ministro CASTRO MEIRA - Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento: 07/10/2008 - Data da Publicação/Fonte: DJe 05/11/2008.

Existe outra música de Roberto Carlos, em que o “Rei” critica o progresso e apela para o bom senso, que soa muito bem nesta hora: “Eu não posso aceitar certas coisas que eu não entendo”.

Conceição do Coité, 05 de maio de 2009

* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.
www.gerivaldoneiva.blogspot.com
gerivaldo_neiva@yahoo.com.br

MAIS RECENTE ARTIGO DE MARIA BERENICE DIAS.

Milagre da ciência
Maria Berenice Dias
Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
Nasceram Ana Luiza e Eduardo.
Filhos de quem?
De um milagre da ciência!
Claro que foram concebidos em decorrência da união de óvulos e espermatozóides. Mas, com a revolução provocada pela engenharia genética, a concepção não mais decorre, necessariamente, via contato sexual entre um homem e uma mulher.
Quando a ciência aprendeu a fazer a fertilização de um óvulo em laboratório e conseguiu implantá-lo no ventre feminino, ocasionou a maior revolução que o mundo teve a oportunidade de presenciar.
Agora o sonho de ter filhos e de constituir família está ao alcance de qualquer um. Ninguém precisa ter par, manter relações sexuais, ser fértil para tornar-se pai ou mãe.
Os métodos se sofisticaram e o Estado não teve outro jeito senão acompanhar esta evolução. Tanto é assim que o Conselho Federal de Medicina adotou normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida (Resolução 1.358/92).
O Código Civil não conseguiu ignorar esses avanços e, ao estabelecer presunções de paternidade, faz referência a elas, ainda que de forma bastante limitada (CC 1.597, III a V).
Para quem não sabe, a concepção chama-se homóloga quando o material genético utilizado no procedimento de fertilização é do marido. Por presunção, ele é o genitor. Já na concepção heteróloga, é feito uso de esperma de doador.
Havendo a concordância do marido, ele é considerado o pai.
Essas normatizações, no entanto, não são suficientes para atender aos avanços da ciência. Assim, quando surge situação não prevista no ordenamento jurídico, o Poder Judiciário é convo cado a decidir. Como se vive em um Estado Democrático de Direito, as decisões dos juízes não podem se afastar dos comandos constitucionais. A lacuna da lei não significa ausência de direito, e a Justiça precisa decidir de conformidade com os mandamentos constitucionais. Os primeiros princípios elencados são o da cidadania e o da dignidade da pessoa humana (CF 1º, II e III). Entre os objetivos fundamentais encontra-se o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF 3º, VI).
Mas há um punhado de postulados outros que precisam ser atendidos. A Constituição considera a família a base da sociedade, outorgando-lhe especial atenção (CF 226). Também admite o planejamento familiar tendo como base os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (CF 226, § 7º). Fora isso, é assegurado a crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar (CF 227).
Com o alargamento do conceito de família não mais se pode admitir presunções de paternidade exclusivamente no casamento. A união estável adquiriu o status de família, e as uniões de pessoas do mesmo sexo passaram a ser reconhecidas como entidade familiar pela jurisprudência. As famílias, todas elas, embalam o sonho de ter filhos e não há como limitar o uso das técnicas reprodutivas aos cônjuges ou a quem vive em união estável. Também as famílias homoafetivas precisam ter acesso à filiação, ainda que, enquanto casal, não consigam procriar.
Como não é possível negar o uso dos meios reprodutivos em face da orientação sexual de quem quer ter filhos, os homossexuais passaram a se socorrer da concepção medicamente assistida. Foi exercitando este direito que Adriana e Munira resolveram realizar o sonho de aumentar sua família. Munira doou os óvulos que, fertil izados em laboratório, foram implantados no útero de Adriana que acabou de lar à luz a um casal de gêmeos: Ana Luiza e Eduardo.
Mais uma vez a pergunta. Quem é a mãe? Não cabe outra resposta: ambas são as genitoras. O só fato de ter Adriana carregado os filhos no seu ventre, não a autoriza a registrá-lo somente em seu nome. Aliás, a Justiça já vem admitindo que, em caso de gestação por substituição, o registro seja feito em nome de quem forneceu o material genético. De outro lado, nada justifica impedir que no registro de nascimento conste também o nome de Munira. O exame de DNA comprova ser ela a mãe biológica.
Esta é a única solução. Proceder ao registro em nome de ambas, pois as duas são mães, não só por uma ser a mãe gestacional e a outra a mãe biológica. Indiscutivelmente, são elas as mães, porque juntas planejaram tê-los e juntas não mediram esforços pa ra que o sonho comum se realizasse.
Diante desta realidade, que se tornou possível graça aos avanços da ciência, outra não poderá ser a resposta da Justiça, senão determinar que o registro retrate a verdade. Negar a Eduardo e Ana Luiza o direito de serem reconhecidos como filhos de Adriana e Munira é afrontar o direito à identidade, é desrespeitar o princípio da dignidade humana, é negar-lhes o direito à convivência familiar. Afinal, crianças e adolescentes merecem, com prioridade absoluta, especial proteção do Estado. Para isso indispensável que as duas exerçam o poder familiar e assumam juntas todos os encargos decorrentes desse poder-dever, entre eles, o de criá-los, educá-los e tê-los em sua companhia (CC 1.634). Enfim, é de ambas o compromisso de torná-los cidadãos que se orgulhem de terem nascido em um país que sabe respeitar a dignidade de cada brasileiro.