PAN-PSICODELISMO INFANTILIZADO
Gerivaldo Alves Neiva *
Ouvi isso pela primeira vez do professor Lucas Barroso. Bem, na verdade, ele disse que tinha ouvido a frase de uma grande jurista brasileira, que não vem ao caso citar o nome, pois nem sei se ela disse mesmo o que Lucas disse que ela disse. Mas que Lucas disse, disse!
Para não ficar parecendo fuxico, vamos esclarecer melhor. Era um aula sobre responsabilidade civil, em um curso na UFBa., quando teve início uma discussão sobre o problema da responsabilidade na sociedade contemporânea, da alegação da “indústria do dano moral” e outros assuntos parecidos. O professor Lucas Barroso participou do debate relatando que a dita grande jurista brasileira estaria preocupada com os rumos da discussão sobre a responsabilidade civil no Brasil, pois estaria sendo levada – a discussão - a extremos irresponsáveis na forma de um “pan-psicodelismo infantilizado”! Pronto. Está explicado.
Claro que não fiquei calado. Argumentei que a cidade de Salvador, por exemplo, contava com apenas dois Juizados de Defesa do Consumidor, com audiências marcadas a perder de vista; que os consumidores já estavam naquela de “não vai dar em nada” e os comerciantes, bancos e empresas já estava naquela de “pode reclamar seus direitos na justiça”, ou seja, uns não acreditando no Judiciário e outros acreditando na morosidade misturada com a impunidade; e mais: que na sociedade industrializada, a responsabilidade pelo dano estava tão diluída que havia necessidade urgente de teorizar, inventar e escrever sobre o assunto, pois como diz Fachin: “quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata e quem contrata não contrata mais apenas o que contrata”. Qual o problema, então, de se teorizar sobre as novas faces do dano, do nexo de causalidade e da responsabilidade?
A discussão se prolongou, mas não houve consenso. Eu, de minha vez, fiquei com a frase na cabeça por um bom tempo. Achei bonita a expressão: pan-psicodelismo infantilizado! Lembrava aquela música antiga de Sérgio Brito: “tá todo mundo louco, oba!” Ou então a música do Pink Floyd, The Who, Mutantes... Aliás, segundo a Wikipédia, psicodélico é “uma manifestação da mente que produz efeitos profundos sobre a experiência consciente. O termo "psicodelia" origina-se da composição das palavras gregas psiké (ψυχή - alma) e delos(δήλος - manifestação). A experiência psicodélica é caracterizada pela percepção de aspectos da mente anteriormente desconhecidos ou pela exuberância criativa livre de obstáculos”.
Gostei mais da última parte: “exuberância criativa livre de obstáculos”! Ora, quer dizer então que criar com exuberância e livre de obstáculos seria o pan-psicodelismo infantil temido pela ilustre jurista? Pode ser. No Direito é perigoso criar. A mudança é muito lenta. Tal qual o Vaticano. Então, sendo assim, quem cria e desafia os conceitos vigentes é psicodélico e infantil. De outro lado, quem se agarra aos dogmas, aos conceitos milenares sobre o Direito e sobre a Justiça é normal! Ou são loucos também? Não sei. Não sei mais quem é normal, quem é louco ou quem é psicodélico nesta história... Aliás, o próprio Lucas tem um certo “ar de doido” como se diz aqui no sertão...
Algum tempo se passou e eu não alcancei ainda a maturidade ou a lucidez da normalidade. Talvez seja a idade. Comigo acontece assim: quanto mais velho, mais irresponsável. Atualmente, fico pensando coisas como “é proibido proibir!”, “hay gobierno? soy contra”! Acho que é por causa também da proximidade da aposentadoria. O certo é que tenho piorado muito. Perdi quase toda a cerimônia para dizer o que penso. Outro dia, por exemplo, participei de uma solenidade aqui na Comarca e disse que o trânsito na cidade estava em “esculhambação.” As demais “autoridades” presentes me olharam incrédulos: “o homi ta doido”!
O problema é que não consigo entender, por exemplo, quando recebo minha fatura do cartão de crédito e leio que a taxa de juros é de 10,68% ao mês; quando veja na TV o comercial de um tipo de iogurte que garante, prometendo até devolver o dinheiro, fazer o intestino das mulheres funcionar; quando vejo as celebridades fazendo propaganda, todos com aparência saudável, de cigarros e bebidas e no dia seguinte estampam uma camiseta “pela paz”; quando vejo a publicidade dos bancos sempre com pessoas felizes, sem filas e um gerente sorridente e atencioso... Enfim, o mundo do consumo é vendido como algo absolutamente normal, ético e legal. Para eles, os problemas são fruto do psicodelismo de alguns. Como dizia o velho Raul: “quando acabar, o maluco sou eu”!
Na verdade, eu prefiro o psicodelismo fraternal de Jesus Cristo ao bradar que o Reino dos Céus seria dos famintos e sedentos de Justiça; prefiro o sonho psicodélico de Martin Luther King de viver em uma sociedade sem discriminação de qualquer natureza; prefiro o psicodelismo e a cumplicidade com Che Guevara, tremendo juntos de indignação perante as injustiças do mundo; prefiro ser psicodélico e infantil como tantos outros que lutaram pela igualdade e pela liberdade... Deus me livre, por fim, da normalidade e da lucidez dos que defendem o atual estado das coisas. Deus me livre dos dogmatismos e da “segurança jurídica” que só protege os ricos e poderosos. No mais, dá-me, Senhor, aquilo vos resta e, sobretudo, a cada dia me cubra mais do pan-psicodelismo infantilizado. Amém!
Conceição do Coité, 16 de maio de 2009
* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.
Para não ficar parecendo fuxico, vamos esclarecer melhor. Era um aula sobre responsabilidade civil, em um curso na UFBa., quando teve início uma discussão sobre o problema da responsabilidade na sociedade contemporânea, da alegação da “indústria do dano moral” e outros assuntos parecidos. O professor Lucas Barroso participou do debate relatando que a dita grande jurista brasileira estaria preocupada com os rumos da discussão sobre a responsabilidade civil no Brasil, pois estaria sendo levada – a discussão - a extremos irresponsáveis na forma de um “pan-psicodelismo infantilizado”! Pronto. Está explicado.
Claro que não fiquei calado. Argumentei que a cidade de Salvador, por exemplo, contava com apenas dois Juizados de Defesa do Consumidor, com audiências marcadas a perder de vista; que os consumidores já estavam naquela de “não vai dar em nada” e os comerciantes, bancos e empresas já estava naquela de “pode reclamar seus direitos na justiça”, ou seja, uns não acreditando no Judiciário e outros acreditando na morosidade misturada com a impunidade; e mais: que na sociedade industrializada, a responsabilidade pelo dano estava tão diluída que havia necessidade urgente de teorizar, inventar e escrever sobre o assunto, pois como diz Fachin: “quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata e quem contrata não contrata mais apenas o que contrata”. Qual o problema, então, de se teorizar sobre as novas faces do dano, do nexo de causalidade e da responsabilidade?
A discussão se prolongou, mas não houve consenso. Eu, de minha vez, fiquei com a frase na cabeça por um bom tempo. Achei bonita a expressão: pan-psicodelismo infantilizado! Lembrava aquela música antiga de Sérgio Brito: “tá todo mundo louco, oba!” Ou então a música do Pink Floyd, The Who, Mutantes... Aliás, segundo a Wikipédia, psicodélico é “uma manifestação da mente que produz efeitos profundos sobre a experiência consciente. O termo "psicodelia" origina-se da composição das palavras gregas psiké (ψυχή - alma) e delos(δήλος - manifestação). A experiência psicodélica é caracterizada pela percepção de aspectos da mente anteriormente desconhecidos ou pela exuberância criativa livre de obstáculos”.
Gostei mais da última parte: “exuberância criativa livre de obstáculos”! Ora, quer dizer então que criar com exuberância e livre de obstáculos seria o pan-psicodelismo infantil temido pela ilustre jurista? Pode ser. No Direito é perigoso criar. A mudança é muito lenta. Tal qual o Vaticano. Então, sendo assim, quem cria e desafia os conceitos vigentes é psicodélico e infantil. De outro lado, quem se agarra aos dogmas, aos conceitos milenares sobre o Direito e sobre a Justiça é normal! Ou são loucos também? Não sei. Não sei mais quem é normal, quem é louco ou quem é psicodélico nesta história... Aliás, o próprio Lucas tem um certo “ar de doido” como se diz aqui no sertão...
Algum tempo se passou e eu não alcancei ainda a maturidade ou a lucidez da normalidade. Talvez seja a idade. Comigo acontece assim: quanto mais velho, mais irresponsável. Atualmente, fico pensando coisas como “é proibido proibir!”, “hay gobierno? soy contra”! Acho que é por causa também da proximidade da aposentadoria. O certo é que tenho piorado muito. Perdi quase toda a cerimônia para dizer o que penso. Outro dia, por exemplo, participei de uma solenidade aqui na Comarca e disse que o trânsito na cidade estava em “esculhambação.” As demais “autoridades” presentes me olharam incrédulos: “o homi ta doido”!
O problema é que não consigo entender, por exemplo, quando recebo minha fatura do cartão de crédito e leio que a taxa de juros é de 10,68% ao mês; quando veja na TV o comercial de um tipo de iogurte que garante, prometendo até devolver o dinheiro, fazer o intestino das mulheres funcionar; quando vejo as celebridades fazendo propaganda, todos com aparência saudável, de cigarros e bebidas e no dia seguinte estampam uma camiseta “pela paz”; quando vejo a publicidade dos bancos sempre com pessoas felizes, sem filas e um gerente sorridente e atencioso... Enfim, o mundo do consumo é vendido como algo absolutamente normal, ético e legal. Para eles, os problemas são fruto do psicodelismo de alguns. Como dizia o velho Raul: “quando acabar, o maluco sou eu”!
Na verdade, eu prefiro o psicodelismo fraternal de Jesus Cristo ao bradar que o Reino dos Céus seria dos famintos e sedentos de Justiça; prefiro o sonho psicodélico de Martin Luther King de viver em uma sociedade sem discriminação de qualquer natureza; prefiro o psicodelismo e a cumplicidade com Che Guevara, tremendo juntos de indignação perante as injustiças do mundo; prefiro ser psicodélico e infantil como tantos outros que lutaram pela igualdade e pela liberdade... Deus me livre, por fim, da normalidade e da lucidez dos que defendem o atual estado das coisas. Deus me livre dos dogmatismos e da “segurança jurídica” que só protege os ricos e poderosos. No mais, dá-me, Senhor, aquilo vos resta e, sobretudo, a cada dia me cubra mais do pan-psicodelismo infantilizado. Amém!
Conceição do Coité, 16 de maio de 2009
* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.
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