quinta-feira, 20 de março de 2008

INFORMATIVO 348 DO STJ.

HIPOTECA. BEM DE FAMÍLIA. PESSOA JURÍDICA.
Discute-se a possibilidade de penhora de bem de família dado em garantia hipotecária de empréstimo contraído por pessoa jurídica da qual é sócio o titular do bem. O acórdão embargado reformou a decisão do Tribunal de origem, decidindo pela impossibilidade de penhora do imóvel dado em garantia sob o entendimento de que não existe prova de a família ter sido beneficiada com o investimento, conseqüentemente, é inviável presumir-se o fato. Note-se que o Tribunal a quo presumia que a família teria sido beneficiada. Ressalta o Min. Relator que, nesses casos, a jurisprudência deste Superior Tribunal afirma que a imunidade do bem só pode ser afastada quando houver prova de que o gravame foi autorizado em benefício da família. Explica, ainda, o Min. Relator que, sob esse aspecto, não há divergência entre as hipóteses confrontadas no acórdão da Terceira Turma deste Superior Tribunal e o paradigma da Quarta Turma, pois ambos adotam essa jurisprudência, tanto que os arestos apontados como divergentes são colacionados como precedentes pelo Min. Relator do acórdão embargado. Outrossim, em outros pontos, há ausência de similitude fática entre os julgados. Com esse entendimento, a Seção não conheceu dos EREsp. Precedente citado: REsp 302.186-RJ, DJ 21/2/2005. EAg 711.179-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgados em 12/3/2008.
PLANO DE SAÚDE. STENT. DANO MORAL. MAJORAÇÃO.
O recorrente ajuizou ação indenizatória contra sociedade cooperativa de plano de saúde, pleiteando o ressarcimento dos danos morais em razão da recusa daquela em cobrir os custos relacionados à implantação de stent cardíaco. Na espécie não se aplica a Lei n. 9.656/1998, por ser posterior à celebração do contrato, mas sim o CDC que era vigente à época da contratação e cuja aplicação à hipótese não é questionada. A Min. Relatora lembrou que, geralmente nos contratos, o mero inadimplemento não é causa para a ocorrência de danos morais, mas a jurisprudência deste Superior Tribunal vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Em seu recurso adesivo, o recorrente pretende a majoração dos danos morais que foram fixados em cinco mil reais pelo acórdão recorrido. Esclareceu a Min. Relatora que, ao avaliar o transtorno sofrido por pacientes que, submetidos a procedimentos cirúrgicos, têm sua assistência securitária indevidamente negada, este Superior Tribunal tem fixado os danos morais em patamares substancialmente superiores. REsp 986.947-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/3/2008.
DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO. RESTRIÇÃO. CRÉDITO.
É cediço que a jurisprudência deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que a falta de comunicação prévia da inscrição em cadastros de restrição ao crédito, ainda que verdadeira a inadimplência do devedor, gera lesão indenizável, porquanto ele tem o direito legal de ser cientificado a respeito para lhe oportunizar tomar as providências pertinentes. Também é certo que a responsabilidade dessa comunicação pertence exclusivamente ao banco ou à entidade cadastral. Entretanto, ressalta o Min. Relator, no caso dos autos, o autor, ora recorrente, não questiona a existência da dívida, conforme aponta o acórdão recorrido, que também reconheceu a existência de outras anotações em cadastros de restrição ao crédito. Tampouco demonstrou o recorrente, ao longo da ação, haver quitado as dívidas para corroborar a suposição de que a prévia comunicação tenha tido efeito útil. Sendo assim, em tais excepcionais circunstâncias, para o Min. Relator, não há como se possa indenizar o autor por ofensa moral apenas pela falta de notificação. Diante do exposto, a Turma não conheceu do recurso. Precedente citado: REsp 752.135-RS, DJ 5/9/2005. REsp 997.456-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 11/3/2008.
SEGURADORA. TRANSFERÊNCIA. CARRO FURTADO.
Na espécie, o ora agravante, durante a vigência do seguro, teve seu carro furtado e, como não foi recuperado, recebeu a indenização securitária. Mas, após um ano, passou a receber multas de trânsito (300 multas). Note-se que a seguradora não pode fazer a transferência enquanto não localizado o veículo (art. 124, CTB). Então, o ora agravante, ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização de danos morais, em razão dessa situação poder culminar com a cassação de sua carteira de motorista, bem como com a inscrição do seu nome na dívida ativa. A seguradora restou condenada, nas instâncias ordinárias, na obrigação de transferir o veículo, retirar todas as penalidades após o furto, sob pena de multa diária de R$ 500,00 e pagar danos morais no valor de R$ 6.000,00. Dessa decisão, a seguradora interpôs REsp, alegando a impossibilidade de cumprir tal obrigação. O Tribunal a quo negou segmento ao REsp, que está em fase de agravo de instrumento, mas, sendo concedido neste Superior Tribunal, em medida cautelar, efeito suspensivo ao REsp, contra essa decisão foi interposto o presente agravo regimental. Para o Min. Relator, deve ser mantida a decisão agravada que entendeu presentes os requisitos da medida acautelatória, porque, em exame preliminar, verificou-se a plausibilidade dos argumentos da seguradora. Diante do exposto, a Turma negou provimento ao recurso. AgRg na MC 13.242-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 11/3/2008.

terça-feira, 18 de março de 2008

TJ/MG. MAIS UMA DECISÃO CONTRA A PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Número do processo:
1.0480.05.076516-7/002(1)
Relator:
D. VIÇOSO RODRIGUES
Relator do Acordão:
FABIO MAIA VIANI
Data do Julgamento:
19/02/2008
Data da Publicação:
13/03/2008
Inteiro Teor:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES - APELAÇÃO - EFEITO SUSPENSIVO - PENHORA - IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA - DIREITO À MORADIA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E IGUALDADE - IRRENUNCIABILIDADE. A partir da Emenda Constitucional nº. 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador, caso este seja destinado à sua moradia e à de sua família. No processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser considerado, razão pela qual o devedor, principalmente o subsidiário, não pode ser levado à condição de penúria e desabrigo para que o crédito seja satisfeito. Em respeito ao princípio da igualdade, deve ser assegurado tanto ao devedor fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família. Por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social, a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
V.V.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - APELAÇÃO INTERPOSTA CONTRA EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA - ART. 520, V DO CPC - RECEBIMENTO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. O recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução, por se enquadrar na exceção prevista pelo inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, deve ser recebido apenas no efeito devolutivo.
AGRAVO N° 1.0480.05.076516-7/002 - COMARCA DE PATOS DE MINAS - AGRAVANTE(S): MARCOS GOMES DE DEUS E SUA MULHER - AGRAVADO(A)(S): NICEIAS RODRIGUES CORDEIRO E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. FABIO MAIA VIANI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.
Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2008.
DES. D. VIÇOSO RODRIGUES - Relator vencido.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelos agravados, o Dr. Josias Alves.
O SR. DES. D. VIÇOSO RODRIGUES:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por MARCOS GOMES DE DEUS E OUTRA contra decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções da Comarca de Patos de Minas-MG que, nos autos dos EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA ajuizado em desfavor de NICÉIA RODRIGUES CORDEIRO E OUTROS, recebeu a apelação interposta pelos agravantes, em face da sentença que julgou improcedente seus pedidos, apenas no efeito devolutivo, com base no art. 520, inciso V, CPC.
Sustentam, os agravantes, a necessidade de reforma da decisão atacada, ao fundamento de que a regra do art. 520, V, CPC, não é absoluta, haja vista que o art. 558 do mesmo codéx permite que seja conferido efeito suspensivo à apelação, nos casos que possam resultar em lesão grave ou de difícil reparação.
Argumenta que o Juízo a quo determinou o prosseguimento da execução, cujo imóvel penhorado é o único bem do casal agravante, onde inclusive residem, ferindo o direito à moradia .
Dessa forma, pugnam pela reforma da decisão interlocutória para determinar o recebimento do recurso de apelação no efeito suspensivo.
Os agravados foram intimados para apresentarem resposta ao recurso, mas quedaram-se inertes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Primeiramente, ressalto que o objetivo visado pelo ora recorrente é atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento aviado contra sentença proferida em Embargos à Execução de Sentença que foram julgados improcedentes.
O Código de Processo Civil, em seu art. 520, V, dispõe, in verbis:
"A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(...)
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes."
Verifica-se, portanto, que a pretensão almejada pelo ora recorrente colide frontalmente com o texto legal citado, fato que caracteriza a manifesta improcedência do recurso.
Esta é a lição de Luiz Guilherme Marinoni, que leciona:
"Também deve ser considerado manifestamente improcedente o recurso deduzido contra texto expresso de lei ou fato incontroverso."
(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento - 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, p. 626).
Não obstante o art.588, CPC, permitir que se atribua efeito suspensivo à apelação que, por força de lei, tenha apenas efeito devolutivo, faz-se necessário que o agravante demonstre o risco de lesão grave e de difícil reparação, caso o recurso não seja recebido no duplo efeito.
In casu, não vislumbro os requisitos que justifiquem o recebimento da apelação interposta no efeito suspensivo. É que.
Cinge-se a controvérsia na possibilidade de constrição judicial do bem de família de propriedade do fiador de contrato de locação, tendo em vista a exceção esculpida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, acrescentado pela Lei 8.245/91.
Tomando por base o disposto no art. 6º da Constituição da República, com redação determinada pela Emenda n.º 26/2000, entendem os agravantes que as exceções legais à regra da impenhorabilidade do bem de família não podem prevalecer quando confrontadas com direito fundamental, de índole, garantido pelo Texto Constitucional.
Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria, não acolheu o entendimento adotado no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 352.940-4 de relatoria do Ministro Carlos Veloso que defendia a impossibilidade de penhora do bem de família do fiador por afrontar direito fundamental de moradia deste.
O pleno do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário de n.º 407.688-8 entendeu que a garantia do direito de moradia não impede a aplicação das exceções prevista pelo texto do art. 3º da Lei 8.009/90.
Neste sentido:
"EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução.
Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido."
(STF - RE 407.688-8 - Pleno - Rel. Min. Cezar Peluso - Data do Julgamento - 08/02/2006).
Os próprios agravantes afirmam que figuraram como fiadores em contrato de locação de imóvel urbano, razão pela qual a eles não beneficia a regra da impenhorabilidade do bem de família, haja vista a exceção prevista pelo art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
Esclareço que embora já tenha me filiado à tese que admitia a desconstituição de penhora incidente sobre bem de família de propriedade de fiadores em contrato de locação, em razão da modificação de entendimento do STF, órgão jurisdicional responsável pela guarda e interpretação do texto constitucional, curvo-me a nova orientação adotada.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.
Custas pelo agravante.
O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:
VOTO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito ativo, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes contra decisão proferida pelo juiz de direito da Vara de Execuções Criminais, Infância e Juventude e Precatórias da comarca de Patos de Minas (reproduzida à f. 74-TJ), o qual, nos autos dos embargos à execução opostos a execução que lhes movem Nicéia Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação interposta pelos agravantes apenas no efeito devolutivo, com fundamento no art. 520, V do CPC.
Em síntese, os recorrentes alegam que, prosseguindo a execução, o único imóvel no qual reside o casal sofrerá os efeitos da penhora (f. 28-TJ), resultando em ofensa ao direito constitucional de moradia.
Arrematam requerendo a concessão de efeito ativo e, a final, o provimento do agravo para reformar a decisão recorrida, com a atribuição de efeito suspensivo à apelação.
Às f. 92-93-TJ foi deferida a formação do agravo e indeferido o efeito ativo pleiteado.
Conquanto intimados as agravadas não apresentaram contra-razões, consoante se depreende da certidão de f. 96 - TJ.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Compulsando os autos verifica-se que o patrimônio dos agravantes sofreu atos constritivos, em razão de figurarem como fiadores em contrato de locação.
Em razão disso, os agravantes opuseram embargos à execução (f.16-25-TJ), ao argumento de que a penhora é insubsistente, ante a impenhorabilidade do imóvel em questão, vez que constitui bem de família.
O juiz de primeiro grau julgou improcedentes os embargos (f. 47-51-TJ), o que levou à interposição do recurso de apelação pelos recorrentes (f. 52-73-TJ). Com fundamento no art. 520, V do CPC, o magistrado recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo.
Os agravantes pugnam pela aplicação do art. 588, parágrafo único, do CPC, que permite que se atribua efeito suspensivo à apelação em casos que possam resultar lesão grave e de difícil reparação.
O eminente relator deste recurso não aplicou a regra da impenhorabilidade do bem de família no caso dos agravantes, que figuram como fiadores, conforme o art. 3º, VII da Lei nº. 8.009/90.
Manifesto minha divergência, pelas razões seguintes.
Por razões ético-sociais e até mesmo humanitárias, houve por bem o legislador brasileiro prever algumas hipóteses em que, embora disponíveis, certos bens pertencentes ao patrimônio do devedor não são passíveis de penhora.
Assim, a Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora não apenas do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, mas também definiu como impenhoráveis os móveis que guarneçam a residência. Desse modo, desde que não constituam adornos suntuosos, são impenhoráveis os bens necessários à regular utilização da moradia.
Todavia, o mesmo diploma normativo, Lei 8.009/90, retira, no seu art. 3º, a garantia de impenhorabilidade dos citados bens em algumas situações específicas. É o caso dos objetos que garantem obrigação decorrente de fiança prestada em contrato de locação, conforme inciso acrescentado ao art. 3º pela Lei 8.245/91, senão vejamos:
'Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Acrescentado pela Lei nº 8.245, de 18/10/91)'
Com base em tal dispositivo legal, o entendimento que tem prevalecido nos tribunais é de que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da Lei 8.009/90.
Conforme decidiu recentemente o STF, no RE 407688/SP, da relatoria do Ministro Cézar Peluso, o bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação é passível de ser penhorado, ao fundamento de que não existe violação ao direito social à moradia, previsto no art. 6o da CF, porquanto este não se confunde com o direito à propriedade imobiliária. Ademais, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada, porquanto afasta a necessidade de garantias mais onerosas.
Conquanto o próprio STF tenha decidido, conforme já ressaltado, pela aplicação do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, penso que a solução deva se dar em sentido oposto.
Em primeiro lugar, verifica-se que a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF/88, o qual constitui norma ordem pública. Ora, ao proceder de tal maneira, o constituinte nada mais fez do que reconhecer o óbvio: a moradia como direito fundamental da pessoa humana para uma vida digna em sociedade.
Com espeque na alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 26 e no próprio escopo da Lei 8.009/90, resta claro que as exceções previstas no art. 3º dessa lei não podem ser tidas como irrefutáveis, sob pena de dar cabo, em alguns casos, à função social que exerce o bem de família, o que não pode ser admitido. Na esteira de tal entendimento, já se pronunciou o STJ:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso desprovido.
(STJ, 5a Turma, REsp nº 699837/RS, Relator: Ministro Félix Fischer, data do julgamento: 2/8/2005)
Ademais, a prevalecer o entendimento segundo o qual o direito à moradia não se confunde com o direito à propriedade imobiliária, o que se verá é o insensato desalojamento de inúmeras famílias ao singelo argumento de que subsiste o direito à moradia arrendada, como se a ordem econômica excludente sob a qual vivemos não trouxesse agruras bastantes à classe média. Em outras palavras, com efeito, facilita-se a moradia do locatário e subtrai-a do fiador.
Não se olvida que a penhorabilidade do bem de família do fiador, além de afrontar o direito à moradia, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Isso devido ao fato de que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador, sobretudo porque a obrigação do fiador é acessória à do locatário, e, assim, não há justificativa para prever a impenhorabilidade do bem de família em relação a este e vedá-la em relação àquele.
Por derradeiro, insubsistente é o argumento de que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador estimula e facilita o acesso à habitação arrendada. É que, diante tal possibilidade, poucos se aventurarão a prestar fiança, o que dificultará sobremaneira o cumprimento de tal requisito por parte do locatário, que terá a penosa tarefa de conseguir um fiador.
Destarte, entende-se que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 não deve ser aplicada ao caso sob julgamento.
Ultrapassada a questão da impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação, deve-se mencionar que os agravantes demonstraram que o bem que consta no auto de penhora (f. 28-TJ) é a única propriedade do casal, conforme documentos de f. 30-46-TJ.
Dentre tais documentos encontram-se diversas certidões negativas de propriedade de imóveis, sendo que o único registro de propriedade do casal (f. 45-TJ), descreve exatamente o imóvel penhorado.
Caso não seja atribuído efeito suspensivo à apelação interposta pelos recorrentes, o bem de família destes poderá ser alienado o que, sem dúvida, configura perigo de dano grave ou de incerta reparação. Aplicável, portanto, a regrado art. 558, parágrafo único, do CPC.
Com tais fundamentos, DOU PROVIMENTO ao agravo para atribuir efeito suspensivo à apelação interposta nos embargos à execução (autos nº. 1.0480.05.076516-7/001), em razão da presença de perigo de dano grave ou de difícil reparação ao direito de moradia dos recorrentes.
Custas recursais, ao final, pela parte sucumbente.
O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:
VOTO
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por Marcos Gomes de Deus e Altina Boaventura Gomes da decisão que, nos autos dos embargos à execução opostos a Niceias Rodrigues Cordeiro e Miralda Rodrigues Cordeiro, recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo (fl. 74-TJ).
Segundo os agravantes, caso o recurso não seja recebido em ambos os efeitos, o único imóvel de propriedade do casal sofrerá atos expropriatórios.
A persistir a decisão agravada, restará frustrado o direito à moradia.
Pugnam, com o provimento do agravo, pelo recebimento da apelação também no efeito devolutivo.
O eminente desembargador relator deferiu a formação do agravo e indeferiu a tutela antecipada recursal, ao fundamento de que, para a concessão do excepcional efeito suspensivo à apelação, "é imprescindível que o apelante requeira e demonstre, com relevante fundamentação, que, não sendo atribuído tal efeito, poderá sofrer lesão grave e de difícil reparação, o que não ocorreu" (fls. 92-93-TJ).
Conquanto intimadas, as agravadas não apresentaram resposta ao recurso (fl. 96-TJ).
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Os agravantes interpuseram apelação (fls. 52-73-TJ) da sentença que julgou improcedentes os embargos à execução por eles interpostos (fls. 47-51-TJ).
O juiz da causa recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 520, V, do CPC (fl. 74-TJ).
Entretanto, como já explicitado pelo eminente relator, pode o juiz da causa, a requerimento do recorrente, nos casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, conceder efeito suspensivo à apelação (CPC, art. 558, parágrafo único).
Os agravantes requereram expressamente o recebimento da apelação em ambos os efeitos (fls. 53-55-TJ), ao fundamento de que o imóvel penhorado trata-se do único bem do casal e é destinado à sua moradia.
O relator, citando recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, entende que a impenhorabilidade do bem de família não beneficia aos fiadores, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90.
Não comungo, contudo, dessa orientação, pelas razões que passo a expor.
O art. 1º da Lei nº. 8.009/90 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, motivo pelo qual não responderá por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º, incisos I a VI, da referida lei.
Ocorre, porém, que a Lei nº. 8.245, de 18/10/91, acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009, cujo teor é o seguinte:
"Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
Vê-se, assim, que o bem de família do fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.
Em estrita observância a essa norma, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que é possível a penhora de bem de família pertencente ao fiador em contrato locatício nas ações de execução que tiverem início após a vigência do citado dispositivo.
Confira-se: REsp 173601/DF, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, julgado em 8/9/1998, DJ 13/10/1998, p. 207; REsp 645734/DF, Rel. Ministro José Arnaldo Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/10/2004, DJ 29/11/2004, p. 393; REsp 439861/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 20/8/2002, DJ 19/12/2002, p. 495.
E, como bem observou o relator, inclusive o plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688-8/SP, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, em 8/2/2006, manifestou entendimento nesse sentido.
Não obstante, mantenho a orientação adotada por julgamento anterior do tribunal máximo, no qual ficou consignado que o art. 6º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 26/2000, ao estampar o direito à moradia como direito fundamental de segunda geração (direito social), não recepcionou o inciso VII do art. 3º da Lei nº. 8.009/90 (redação dada pela Lei nº. 8.254/91).
Ademais, reconhecer o direito à moradia do locatário e suprir o mesmo direito ao fiador fere o princípio da isonomia.
É o que se constata na ementa transcrita abaixo:
"CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE.
Lei nº. 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora 'por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação': sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000.
Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 352940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Decisão monocrática de 25/4/2005, DJ 9/5/2005, p. 106)
Tal orientação inclusive chegou a ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO.
FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
I - Inadmitem-se as preliminares argüidas em contra-razões à míngua do necessário prequestionamento, porquanto não foram objeto de discussão pelo e. Tribunal a quo (Súmula nº 282 do Pretório Excelso).
II - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000).
Recurso provido."
(REsp 745161/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/8/2005, DJ 26/9/2005, p. 455)
Vale ainda ressaltar que o julgamento do RE 407.688-8/SP pelo plenário do STF, citado pelo nobre relator, não foi unânime, ficando vencidos os Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello.
Por outro lado, se o devedor principal do contrato de locação tem assegurado o direito à impenhorabilidade do bem de família, afigura-se completamente desarrazoado que o fiador - via de regra, devedor subsidiário - seja obrigado a suportar a constrição por uma dívida que sequer se beneficiou.
Assim se manifestou o Ministro Celso de Mello, no julgamento supra citado:
"A 'ratio' subjacente a esse entendimento prende-se ao fato de que o bem de família do devedor principal - que é o locatário - não pode ser penhorado, muito embora o fiador - que se qualifica como garante meramente subsidiário (CC, art. 827) - possa sofrer a penhora de seu único imóvel residencial, daí resultando um paradoxo absolutamente inaceitável, pois, presente tal contexto, falecer-lhe-á a possibilidade de, em regresso, uma vez paga, por ele, a obrigação principal, fazer incidir essa mesma constrição judicial sobre o imóvel residencial eventualmente pertencente ao inquilino."
O certo é que não resta dúvida de que a ressalva trazida pela Lei nº. 8.245/1991 (inciso VII do art. 3º da Lei 8009/90) fere o princípio isonômico, exatamente por tratar desigualmente situações iguais.
Há que se acrescentar ainda que, ao criar o instituto da impenhorabilidade do bem de família, o legislador quis proteger a dignidade da pessoa humana com vistas a impedir situações de penúria e desabrigo.
Nesse sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 28ª ed., p.12), no que tange ao princípio do respeito à dignidade humana:
"É aceito pela melhor doutrina e prevalece na jurisprudência o entendimento de que 'a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade da pessoa humana'. Não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, institui o código a impenhorabilidade de certos bens como alimentos, salários, instrumentos de trabalho, pensões, seguro de vida (art. 649)."
Logo, o art. 3º, inciso VII da lei 8.009/90 não apenas ofende o art. 6º da Carta Magna, como também afronta o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88) e da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).
Confira-se manifestação do Ministro Eros Grau no julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A impenhorabilidade do imóvel residencial instrumenta a proteção do indivíduo e sua família quanto a necessidades materiais, de sorte a prover sua subsistência. Aí, enquanto o instrumento a garantir a subsistência individual e familiar - a dignidade humana, pois - a propriedade consiste em um direito individual e cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo. A essa propriedade, aliás, não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal."
A impenhorabilidade do bem de família do fiador trata-se, aliás, de entendimento já consolidado pelos membros desta câmara, mesmo após o julgamento do RE 407.688-8 pelo pleno do STF realizado em 8/2/2006:
"LOCAÇÃO - FIADOR - PENHORA - BEM DE FAMÍLIA -IMPOSSIBILIDADE.
Porque possibilita ser penhorado o bem familiar do fiador de locação, privilegiando o locador, o inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 afronta o art. 6º da Constituição Federal, que releva a função social da moradia, não o interesse particular."
(AC 2.0000.00.509140-5/000 - Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes - j. em 23/6/2006)
"EXECUÇÃO DE SENTENÇA - EMBARGOS À PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - IMÓVEL RESIDENCIAL -EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8009/90 - NÃO APLICAÇÃO - DIREITO À MORADIA - GARANTIA CONSTITUCIONAL - INSUSBSISTÊNCIA DA PENHORA RECONHECIDA.
É impenhorável o imóvel residencial do casal ou entidade familiar, e, para os efeitos dessa restrição, considera-se como residência "um único imóvel utilizado pelo casal ou entidade familiar para moradia permanente", ainda que de fiador."
(AC nº. 1.0439.06.055886-3/001 - Rel. Des. Unias Silva - j. em 21/8/2007)
"EMBARGOS À EXECUÇÃO - FIANÇA - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA -- ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL - NULIDADE DA PENHORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TUTELA DECLARATÓRIA - FIXAÇÃO DE ACORDO COM O ART. 20, § 4º DO CPC.
- A Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e dos móveis que guarneçam a residência e não constituam adornos suntuosos, estabelecendo, todavia, algumas exceções em seu art. 3º.
- No que se refere à exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90 - penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação -, o que se observa é que tal disposição, além de afrontar o direito à moradia, garantido no art. 6º, caput, da CF/88, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, uma vez que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador.
- Em se tratando de tutela de natureza declaratória, os honorários advocatícios devem ser fixados conforme o § 4º do art. 20 do CPC, levando-se em consideração o grau de zelo do causídico, o tempo da demanda e o local em que tramitou, razão pela qual se deve alterar a fixação levada a efeito pela juíza de primeiro grau."
(AC nº. 1.0024.04.384005-7/001 - Rel. Des. Elpídio Donizetti - j. em 17/4/2007)
"A partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, a moradia foi elevada à condição de direito fundamental, razão pela qual a regra da impenhorabilidade do bem de família foi estendida ao imóvel do fiador. Dessa forma, no processo de execução, o princípio da dignidade humana deve ser respeitado, razão pela qual o devedor não poderá ser levado à condição de penúria e desabrigo para satisfação do crédito.
Nesse diapasão, em respeito ao princípio da igualdade, deve-se assegurar tanto ao fiador quanto ao devedor principal do contrato de locação o direito à impenhorabilidade do bem de família."
(AC nº. 1.0701.06.152278-8/001 - Rel. Des. Fábio Maia Viani - j. em 16/10/2007)
De resto, nem se diga que o fiador, ao assinar o contrato de locação por vontade própria, renuncia ao direito de moradia.
Assim também, mutatis mutandis, já se manifestou esta câmara, quando do julgamento da apelação nº. 1.0118.05.001922-3/001, em que figurei como relator do acórdão, em 4/12/2007:
"Argumenta-se que a hipótese dos autos se amolda às exceções permissivas de constrição de bem de família (Lei 8.009/90, art. 3º, V). O devedor obteve financiamento para fomentar atividade agrícola, oferecendo, em garantia hipotecária, o seu único imóvel residencial. Pessoa livre e capaz para dispor de seus bens, hipotecou, sem qualquer oposição, o imóvel objeto da ação executiva.
Entretanto, por tratar-se de norma de ordem pública, com status de direito social (CF, art. 6º), a impenhorabilidade não poderá ser afastada por renúncia do devedor, em detrimento da família.
O sentido da norma consiste na proteção da entidade familiar e sua dignidade (art. 1º, III, da CF/88), sujeita às intempéries econômicas, mas imune à expropriação da moradia, pretendida pelo credor.
Com já decidiu, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça:
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SÚMULA N. 211-STJ. BEM DE FAMÍLIA. ÚNICO BEM. RENÚNCIA INCABÍVEL. PROTEÇÃO LEGAL. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. 'Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo' - Súmula n. 211-STJ.
II. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia ao privilégio pelo devedor, constituindo princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada, que se tem por viciada ex vi legis.'
(REsp 805713 / DF Recurso Especial 2005/0210993-5; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 16.04.2007).
Em similar sentido:
'Processo civil. Recurso especial. Ação de embargos do devedor à execução. Bem de família. Móveis. Oferta em penhora pelo devedor. Renúncia tácita à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90. Inadmissibilidade. Ônus de sucumbência. Fundamento não atacado.
- Não renuncia à impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8009/90 o devedor que oferta em penhora o bem de família que possui.
- Se a proteção do bem visa atender à família, e não apenas ao devedor, deve-se concluir que este não poderá, por ato processual individual e isolado, renunciar à proteção, outorgada por lei em norma de ordem pública, a toda a entidade familiar.
- É inadmissível o recurso especial na parte em que restou deficientemente fundamentado.'
(REsp 526460 / RS, Recurso Especial 2003/0028652-1 ministra Nancy Andrighi; Segunda Seção; DJ 18.10.2004)
'PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMÓVEL OCUPADO POR EX-COMPANHEIRA E PELO FILHO DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. RENÚNCIA AO FAVOR LEGAL. INVALIDADE. PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. LEI N. 8.009/90.
I. A proteção conferida à entidade familiar pela Lei n. 8.009/90 se estende à situação em que o imóvel constritado se acha ocupado pela ex-companheira e pelo filho do executado, sendo destituída de validade cláusula contratual em que ele abre mão do favor legal, que, por se cuidar de norma de ordem pública, é sempre preponderante.
II. Tampouco importa em renúncia ao benefício a indicação anterior do bem à penhora.'
(REsp 507686 / SP, Recurso Especial 2003/0016693-6; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 22.03.2004)
Andou bem, portanto, a sentença ao desconstituir a penhora incidente sobre o bem de família."
Nesse sentido, aliás, é voto do Ministro Carlos Britto, quando do julgamento do RE nº. 407.688/SP:
"A Constituição usa o substantivo 'moradia' em três oportunidades: a primeira, no artigo 6º, para dizer que a moradia é direito social; a segunda, no inciso IV do artigo 7º, para dizer, em alto e bom som, que a moradia se inclui entre as 'necessidades vitais básicas' do trabalhador e de sua família; e, na terceira vez, a Constituição usa o termo 'moradia' como política pública, inserindo-a no rol das competências materiais concomitantes do Estado, da União, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 23, inciso IX).
A partir dessas qualificações constitucionais, sobretudo aquela que faz da moradia uma necessidade essencial, vital básica do trabalhador e de sua família, entendo que esse direito à moradia se torna indisponível, é não-potestativo, não pode sofrer penhora por efeito de um contrato de fiação. Ele não pode, mediante um contrato de fiação, decair."
Torna-se necessário, no entanto, para usufruir dessa proteção, que a parte executada demonstre que o imóvel sobre o qual recai a constrição é, de fato, bem de família. Somente, dessa forma, é que o devedor fará jus ao benefício garantido constitucionalmente.
No caso dos autos, os agravantes realizaram a devida comprovação por meio dos documentos de fls. 30-46-TJ.
Com essas considerações, tenho como relevante a fundamentação do recurso de apelação, sendo manifesto o perigo de lesão grave e de difícil reparação.
De modo que DOU PROVIMENTO ao agravo para, presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, determinar o recebimento da apelação em ambos os efeitos.
Custas pelos agravados.

quinta-feira, 13 de março de 2008

CONSULTOR JURÍDICO. MARIA DA PENHA É INDENIZADA


Após 7 anos, Maria da Penha é indenizada
Com sete anos de atraso, Maria da Penha Maia Fernandes, que deu o nome à lei que pune com mais rigidez os agressores de mulheres, receberá uma indenização de R$ 60 mil do governo do Ceará.
O anúncio foi feito nesta quarta-feira (12/3). Em 2001, a cearense conseguiu uma vitória na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), que determinou que o Estado do Ceará pagasse uma indenização de US$ 20 mil por não ter punido judicialmente seu ex-marido, que a agredia e que até tentou matá-la.
Após postergar o pagamento, o Estado decidiu finalmente pagá-la, em valores corrigidos.
O agressor só foi à prisão um ano depois da decisão da OEA, em 2002. Ele foi condenado a dez anos de prisão, mas cumpriu menos de um terço da pena e foi colocado em liberdade. Foi por causa da protelação da Justiça em concluir o caso que Maria da Penha procurou a corte internacional.
Segundo Folha de S. Paulo , o pagamento da indenização foi anunciado pelo Estado, por uma mensagem do governador Cid Gomes à Assembléia.
Quinta-feira, 13 de março de 2008

TJ/BA. SERVIÇO ESSECIAL. CORTE DE ÁGUA. INTERESSANTE SENTENÇA DO MAGISTRADO GERIVALDO NEIVA

Leitura na íntegra em nosso site.
Endereço eletrônico: http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/jurisprudencias/sent_corte_ba.doc

Bons estudos!!

Professor Flávio Tartuce

INFORMATIVO 497 DO STF. LEI DE BIOSSEGURANÇA.

ADI e Lei da Biossegurança - 1
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, e estabelece condições para essa utilização. O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente o pedido formulado, no que foi acompanhado pela Min. Ellen Gracie.
ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510)
ADI e Lei da Biossegurança - 2
Salientou, inicialmente, que o artigo impugnado seria um bem concatenado bloco normativo que, sob condições de incidência explícitas, cumulativas e razoáveis, contribuiria para o desenvolvimento de linhas de pesquisa científica das supostas propriedades terapêuticas de células extraídas de embrião humano in vitro. Esclareceu que as células-tronco embrionárias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar todos os tecidos de um indivíduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais em situações de anomalias ou graves incômodos genéticos. Asseverou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), “direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b), “livre exercício dos direitos... individuais” (art. 85, III) e “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado.
ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510)

ADI e Lei da Biossegurança - 3
Reconheceu, por outro lado, que o princípio da dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da legislação infraconstitucional, essa transcendência alcançaria a proteção de tudo que se revelasse como o próprio início e continuidade de um processo que desaguasse no indivíduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei 10.406/2002 (Código Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (Código Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro, da vedação à gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo e do ato de não oferecer risco à saúde do feto, e da criminalização do aborto, ressaltando, que o bem jurídico a tutelar contra o aborto seria um organismo ou entidade pré-natal sempre no interior do corpo feminino. Aduziu que a lei em questão se referiria, por sua vez, a embriões derivados de uma fertilização artificial, obtida fora da relação sexual, e que o emprego das células-tronco embrionárias para os fins a que ela se destina não implicaria aborto.
ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510)

ADI e Lei da Biossegurança - 4
Afirmou que haveria base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluísse a fertilização in vitro, que os artigos 226 e seguintes da Constituição Federal disporiam que o homem e a mulher são as células formadoras da família e que, nesse conjunto normativo, estabelecer-se-ia a figura do planejamento familiar, fruto da livre decisão do casal e fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, § 7º), inexistindo, entretanto, o dever jurídico desse casal de aproveitar todos os embriões eventualmente formados e que se revelassem geneticamente viáveis, porque não imposto por lei (CF, art. 5º, II) e incompatível com o próprio planejamento familiar.
ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510)

ADI e Lei da Biossegurança - 5
Considerou, também, que, se à lei ordinária seria permitido fazer coincidir a morte encefálica com a cessação da vida de uma certa pessoa humana, a justificar a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo ainda fisicamente pulsante para fins de transplante, pesquisa e tratamento (Lei 9.434/97), e se o embrião humano de que trata o art. 5º da Lei da Biossegurança é um ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica, a afirmação de incompatibilidade do último diploma legal com a Constituição haveria de ser afastada. Por fim, acrescentou a esses fundamentos, a rechaçar a inconstitucionalidade do dispositivo em questão, o direito à saúde e à livre expressão da atividade científica. Frisou, no ponto, que o § 4º do art. 199 da CF (“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”) faria parte, não por acaso, da seção normativa dedicada à saúde, direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196), que seria garantida por meio de ações e serviços qualificados como de relevância pública, com o que se teria o mais venturoso dos encontros entre esse direito à saúde e a própria Ciência (CF, art. 5º, IX). Após, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.
ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008. (ADI-3510)

STJ. PONDERAÇÃO. IMAGEM E INTIMIDADE X INFORMAÇÃO.

DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO.
Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00. Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp 717.457-PR, DJ 21/5/2007; REsp 822.914-RS, DJ 19/6/2006; REsp 818.764-ES, DJ 12/3/2007; REsp 295.175-RJ, DJ 2/4/2001, e REsp 213.811-SP, DJ 7/2/2000. REsp 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/2/2008.

PRISÃO NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. O OITAVO VOTO.

Ferramenta de coação
STF indica que vai derrubar prisão de depositário infiel
A prisão do depositário infiel está perto do fim. O Supremo Tribunal Federal caminha para permitir a prisão civil apenas para o devedor de pensão alimentícia. Já são oito votos a favor dessa posição. Os ministros não definiram a questão nesta quarta-feira (12/3) por conta de pedido de vista do ministro Menezes Direito.
O entendimento está sendo firmado em três recursos que julgam se o devedor em alienação fiduciária pode ser equiparado ao depositário infiel. Para este último, há previsão constitucional de prisão civil, assim como para o devedor de pensão alimentícia. No entanto, há tratados internacionais que permitem a prisão civil apenas em caso de inadimplência de pensão alimentícia. Os ministros discutem, agora, qual a hierarquia desses tratados.
Em um voto lido durante quase duas horas, o ministro Celso de Mello, que havia pedido vista na última sessão de julgamento, mudou a sua posição. Ele se posicionou contra a prisão do depositário infiel. Celso de Mello relembrou votos que o ministro Marco Aurélio vem proferindo há tempos contra a prisão do depositário infiel. Qualificou os votos de Marco Aurélio como precursores de uma nova mentalidade que está surgindo no Supremo.
O ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe a prisão civil por dívida, excetuado a do devedor de pensão alimentícia. O mesmo, segundo ele, ocorre com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas, ao qual o Brasil aderiu em 1990. Em seu artigo 11, ele dispõe: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia), com a participação do Brasil, já previa esta proibição, disse o ministro.
Ele observou que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que aconteceu em Viena (Áustria), em 1993, com participação ativa da delegação brasileira, então chefiada pelo ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida.
O ministro lembrou que, naquele evento, ficou bem marcada a interdependência entre democracia e o respeito dos direitos da pessoa humana, tendência que se vem consolidando em todo o mundo. Tanto isso é verdade, segundo ele, que, hoje, os Estados totalitários se confundem com aqueles que desrespeitam os direitos humanos. E o Brasil, ao subscrever a declaração firmada no final da mencionada conferência, abriu a possibilidade de cidadãos brasileiros, que considerarem desrespeitados os seus direitos fundamentais, recorrerem a cortes internacionais, o que já vem ocorrendo.
Celso de Mello invocou o disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece a prevalência dos direitos humanos como princípio nas suas relações internacionais, para defender a tese de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, mesmo os firmados antes do advento da Constituição de 1988, devem ter o mesmo status dos dispositivos inscritos na Constituição Federal. Ele ponderou, no entanto, que tais tratados e convenções não podem contrariar o disposto na Constituição, somente complementá-la.
A Constituição já dispõe, no parágrafo 2º do artigo 5º, que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
O ministro Gilmar Mendes discordou parcialmente desse aspecto do voto de Celso de Mello, para defender a Emenda Constitucional 45/04, da reforma do Judiciário. A emenda acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição para dispor que esse status (a equiparação a dispositivo constitucional) somente será alcançado se o Congresso Nacional ratificar o respectivo tratado ou convenção, por votação em dois turnos, com maioria de dois terços.
Ainda em seu voto, Celso de Mello deixou claro que não atribui aos demais acordos e tratados internacionais, por exemplo, os que versem sobre comércio, status igual àqueles que versem sobre direitos humanos. Para estes, ele defende, sim, a necessidade de ratificação pelo Congresso, nos termos previstos na EC-45.
Cezar Peluso reiterou sua posição sobre o tema. “O que se tem hoje como direito posto é a inadmissibilidade da prisão do depositário, qualquer que seja a qualidade desse depósito”, disse ele, que é relator de um dos processos em julgamento, o Recurso Extraordinário 466.343. “Já não é possível conceber o corpo humano como passível de experimentos normativos no sentido de que se torne objeto de técnicas de coerção para cumprimento de obrigações estritamente de caráter patrimonial”, afirmou. A única ressalva feita por ele foi quanto ao inadimplente de pensão alimentar.
HC 87.585, RE 349.703 e RE 466.343
Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2008

quinta-feira, 6 de março de 2008

STF adia decisão sobre pesquisas com células de embrião
por Maria Fernanda Erdelyi e Aline Pinheiro
Para dois ministros do Supremo Tribunal Federal, as pesquisas com células-tronco embrionárias são constitucionais. A questão não foi definida nesta quarta-feira (5/3) porque o ministro Menezes Direito pediu vista da ação e interrompeu o julgamento. Mas o relator do processo, ministro Carlos Britto, e a ministra Ellen Gracie votaram a favor das pesquisas.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade em julgamento foi proposta há quase três anos pela Procuradoria-Geral da República e contesta o artigo 5º da Lei de Biossegurança — que regulamentou a pesquisa com as células-tronco embrionárias.
Em seu extenso e muito elogiado voto, lido no plenário por mais de uma hora, o ministro Carlos Britto entendeu que não há qualquer empecilho de ordem jurídica para o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas. A presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, adiantou seu voto e acompanhou Britto. O ministro Celso de Mello não chegou a votar, mas, ao elogiar o voto de Britto, deixou transparecer que é a favor das pesquisas.
Voz na tribuna
Durante cerca de cinco horas de julgamento, o STF foi bombardeado pelos mais diversos argumentos sobre o início da vida e sobre o destino dos embriões que já estão congelados. As orientações religiosas não apareceram ou, pelo menos, ficaram muito bem disfarçadas. Prevaleceram os argumentos científicos e jurídicos.
O relator, ministro Carlos Britto, lembrou que o julgamento é histórico. Além de julgar um assunto que interessa a toda sociedade — como ficou demonstrado na ocupação da sala do plenário do tribunal — foi neste caso que o STF fez uma audiência pública pela primeira vez. No dia 20 de abril do ano passado, especialistas e interessados nas pesquisas debateram o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.
As duas correntes — a favor e contra as pesquisas — justificaram sua posição em favor da preservação da vida e dignidade humana. Na Corte, quem falou pela Procuradoria-Geral da República foi o atual titular do cargo, Antônio Fernando de Souza, ainda que a ação tenha sido proposta pelo seu antecessor, Cláudio Fonteles. O argumento principal da PGR é o de que o embrião é um ser humano em fase embrionária. A vida humana começa na fecundação, defendeu Souza.
Ele rebateu um dos argumentos usados por aqueles que defendem a pesquisa: a equivalência com a Lei dos Transplantes. Pela legislação, os órgãos humanos podem ser retirados quando é declarada a morte encefálica. Souza argumentou que esse critério de existência de vida humana não é único, já que o Ministério da Saúde usa outro critério para permitir o transplante de órgão de bebê anencéfalo. Neste caso, tem de ser diagnosticada parada cardíaca irreversível.
Além da PGR, também falou pela inconstitucionalidade das pesquisas o advogado Ives Gandra Martins, representando a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), amicus curiae na ADI. Ele reforçou os argumentos da PGR de que a vida começa na fecundação e afirmou que as pesquisas podem continuar, desde que não usem células-tronco embrionárias. “Há a possibilidade de fazer pesquisa sem transformar o zigoto em cobaia humana.” O advogado também explicou que não cabe ao Supremo decidir qual o destino dos embriões já congelados. A tarefa é do Superior Tribunal de Justiça, disse. Ao Supremo cabe apenas discutir o princípio constitucional da inviolabilidade da vida.
Os defensores das pesquisas falaram por meia hora a mais do que os contrários porque estavam em maior número. Ives Gandra Martins não se ressentiu. Para ele, as teses já foram apresentadas aos ministros por meio de memoriais. Ele afirmou que o direito a vida, assegurado na Constituição Federal, não permite relativização. “A vida começa no zigoto, a vida começa na concepção”, afirmou. “Neste país, destruir o ovo de uma tartaruga é um crime e destruir um embrião não seria?”
O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, defendeu a legalidade das pesquisas. Ele apresentou ao Plenário uma nova problemática que surgiria se fosse reconhecido o direito à vida do embrião. Como o Estado garantiria esse Direito? Obrigaria as mulheres a gerarem todos os embriões congelados? “Reconhecer um Direito que o Estado não é capaz de fazer cumprir é a negativa do Estado.”
Toffoli chamou atenção para a maneira como a legislação do país penaliza o homicídio e o aborto defendendo que a lei não trata o feto como ser humano por não dar condenações equivalentes às duas situações. A pena para homicídio é de 6 a 20 anos de prisão. Para o aborto, de um a quatro anos. “Juridicamente, o feto é diferente de pessoas”, disse. E o embrião nem feto é, completou. “A AGU e presidente Lula esperam pela improcedência da ação.”
Pelo Congresso Nacional, falou o advogado Leonardo Mundim. Ele argumentou que proibir as pesquisas é fechar os olhos, pois estas continuarão acontecendo na clandestinidade. “Não é melhor fiscalizar?”, perguntou. Mundim lembrou o atraso científico que a proibição das pesquisas pode causar no Brasil. “Ou o Brasil produz ciência ou vai ter que importar os medicamentos feitos com células-tronco embrionárias.”
Mundim surgiu também com um argumento inquietante. A ovelha Dolly, primeiro clone animal do planeta, foi desenvolvida a partir de uma célula. Não foi fecundada. Para aqueles que dizem que a vida começa na fecundação, perguntou: “Podemos dizer que a Dolly não viveu?” Leonardo Mundim lembrou que 97% dos embriões ficam esquecidos nas clínicas de fertilização e têm como destino o descarte.
“Não podemos comparar um conjunto de células de uma pessoa que nos relacionamos e tem direitos garantidos pela Constituição. Não posso ver nessa lei uma afronta grave à Constituição”, afirmou o advogado Oscar Vilhena, que falou pela ONG Conectas, também amicus curiae na ação. Ele defendeu que a lei objetiva a maximização do direito à vida daqueles que perderam a expectativa. Apontou, também, que em nenhum momento a Constituição Federal brasileira fala sobre o direito à vida antes do nascimento.
O professor de Direito Constitucional Luís Roberto Barroso, que falou pelo Movimento em Prol da Vida, também amicus curiae, também defendeu as pesquisas. “Não estamos falando de embriões criados para a pesquisa. Estamos falando de embriões que já existem. Não se cria vida para se destruir com pesquisa.” Ele argumentou que negar as pesquisas sacrificaria a ciência e a esperança de salvação das pessoas por nada, já que não mudaria o destino dos embriões inviáveis e congelados. “Não há vida em potencial nesses embriões.”
Pesquisa viável
As mais de 70 páginas do voto do relator, ministro Carlos Britto, foram lidas no plenário por mais de uma hora. O voto foi elogiado pelos colegas. Britto fez uma extensa análise da legislação brasileira para concluir que não há nada que impeça o uso de células-tronco embrionárias. Além disso, citou de Tom Zé a Santo Agostinho, de Diogo Mainardi a Fernando Pessoa.
O ministro ressaltou que a Lei de Biossegruança protege o embrião ao criar condições para que ele seja usado nas pesquisas e ao proibir a sua comercialização. Lembrou que apenas o Código Civil trata dos direitos antes do nascimento. Pela lei civil brasileira, nascituro tem expectativa de diretos após a concepção, mas essa expectativa só se confirma quando o feto nasce com vida, momento em que adquire personalidade civil.
A Constituição Federal se cala sobre o início da vida, disse, mas expressa, em alguns pontos, o que entende sobre o assunto, por exemplo, quando usa a expressão “residente no Brasil”. “Ela não diz residente no útero materno ou em tubo de ensaio.” A Constituição também reserva os direitos dos brasileiros. O ministro explicou que, por brasileiros, se entendem os natos (que nasceram no Brasil) e os naturalizados (por manifesta vontade). O embrião não se enquadra em nenhum dos dois casos.
Ele analisou também a legislação infraconstitucional que diz, por exemplo, que se considera criança até os 12 anos de idade. A conta é feita a partir do primeiro dia de vida fora útero, explicou. Para o ministro, há três fases do ciclo biológico humano: embrião, feto e pessoa humana, etapas de uma mesma metamorfose. “A pessoa humana é o produto final dessa metamorfose. Ela não pode se antecipar”, disse. Carlos Britto considerou que usar o embrião congelado não é interromper o clico de vida de uma pessoa, já que este embrião, sem intervenção humana, não vai se tornar uma pessoa.
Depois da leitura do voto de Britto, o ministro Celso de Mello pediu a palavra para elogiar o colega. “O voto representa a aurora do novo tempo impregnado de esperança para aqueles revestidos de incertezas”, disse. Seus elogios ao entendimento de Britto indicam que, quando votar, deve acompanhar o colega e permitir o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas científicas.
Em seguida, era a vez de Menezes Direito votar, mas ele pediu vista. Seu pedido de vista era esperado. A presidente do STF, ministra Ellen Gracie, pediu então para adiantar seu voto. Diante disso, o ministro Marco Aurélio brincou: “Acaba de confirmar que nos deixará nos próximos dias”, disse ele sobre as notícias de que Ellen Gracie se aposentará ao deixar a presidência do Corte.
A ministra votou com o ministro Carlos Britto. “Embrião não se enquadra na condição de nascituro”, disse.
Desapontamento na corte
Antes mesmo de o julgamento ser interrompido, a sombra de um possível pedido de vista e o adiamento por tempo indeterminado da definição já rondava o Plenário do STF. Ainda que não haja, por enquanto, nada que impeça as pesquisas com as células embrionárias, a geneticista Mayana Zatz afirma que a indefinição vai adiar muitas pesquisas em razão das dúvidas que a ação suscita sobre sua legitimidade.
O autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo, hoje subprocurador-geral da República Claudio Fonteles, viu o pedido de vista com naturalidade. “O tema é complexo. É o maior julgamento do STF nos últimos anos. Um pedido de vista é perfeitamente compreensível.” Ele ressaltou que o julgamento não tem nada de religioso. “Nosso país está ensinando o mundo em debater quando começa a vida.”
Para o constitucionalista Luís Roberto Barroso, o pedido de vista não significa estratégia política para adiar a questão. “O Supremo tem repercussão política, mas é um tribunal jurídico.” A vista é, em sua opinião, uma maneira da corte se preparar, de forma mais intensa, para rebater argumentos jurídicos.
O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, deixou o plenário do Supremo otimista. “Tivemos três votos institucionalmente importantes: o do relator, ministro, da presidente e do decano da corte”. O decano, ministro Celso de Mello, não chegou a votar, mas rasgou elogios ao voto do relator e deixou clara a posição a favor das pesquisas.
Votação concorrida
Para o julgamento desta quarta-feira (5/3), o Supremo Tribunal Federal articulou todo um esquema de segurança e estrutura para receber pessoas de todo país. Apenas no plenário do tribunal foram colocados 19 seguranças. Uma unidade móvel de atendimento médico também foi colocada à disposição na área externa do plenário. Nem no julgamento que acolheu a denúncia do suposto esquema de compra de votos no Congresso, o mensalão, o STF recebeu tantas pessoas.
A estimativa da segurança do Supremo é de que 900 pessoas foram ao tribunal para acompanhar o julgamento. A presidente da Corte, Ellen Gracie, decidiu abrir pequenas exceções para cadeirantes e seus acompanhantes, de entrar no Plenário sem a exigência de terno e gravata, necessários e indispensáveis no dia-a-dia do tribunal. O Plenário, com 375 lugares, ficou lotado. Próximo às duas portas de entrada para o julgamento, uma aglomeração de pessoas acompanhava a votação por meio de dois telões fixados na parede, dois metros acima do chão.
Do lado de fora do prédio, a imprensa se amontoou por inúmeras vezes para ouvir, gravar e questionar as vozes que defendiam e se opunham à liberação das pesquisas. Luís Roberto Barroso e Ives Gandra Martins, professores de Direito Constitucional; o subprocurador-geral da República Cláudio Fonteles, autor da ação no STF; e Mayana Zatz, geneticista e pesquisadora da USP, repetiram incansáveis suas teses em frente às câmeras de televisão. No segundo andar do prédio, foi montado um terceiro telão e uma pequena redação para acomodar a imprensa.

quarta-feira, 5 de março de 2008

ESCOLA PAULISTA DE DIREITO - EPD.
CURSO DE ATUALIZAÇÃO EM DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES.

Datas, horários e Inscrição
Turma Exclusiva
(Segunda-Feira, Terça-Feira, Quarta-Feira, Quinta-Feira)
24/03/2008 a 03/04/2008 - 19h as 22h

Inscrições: www.epdireito.com.br.
Investimento:
Profissionais: R$ 331,55 (Trezentos e trinta e um reais e cinquenta e cinco centavos) - em até 2 parcelas
Alunos e Ex-alunos EPD: R$ 296,40 (Duzentos e noventa e seis reais e quarenta centavos) - em até 2 parcelas
Estudantes: R$ 310,65 (Trezentos e dez reias e sessenta e cinco centavos) - em até 2 parcelas
Objetivo
Atualização no Direito de Família e das Sucessões, após 5 anos da entrada em vigor do Código Civil.
Público
Advogados, Magistrados, Procuradores, Membros do Ministério Público em Geral e Estudiosos do Direito de Família.
O curso Atualização em Direiro de Família e das Sucessões é realizado com o apoio do IBDFAM e que concederemos 10% de desconto aos associados do Instituto.
Coordenação Acadêmica
FLÁVIO TARTUCE.
Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP- Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP
Professor convidado em escolas de magistratura e em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas
Diretor Cultural do IBDFAM/SP
Advogado em São Paulo
Autor de diversas obras jurídicas
Corpo Docente
GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIROANAKA.
Livre-Docente e Doutora pela USP
Professora Associada ao Departamento de Direito Civil da USP
Coordenadora Pedagógica e da área de Direito Civil da Escola Paulista de Direito - EPD Fundadora e Diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

EUCLIDES BENEDITO DE OLIVEIRA
Doutor em Direito Civil pela USP.
Presidente do IBDFAM/SP
Consultor Jurídico e Advogado.
ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA
Doutora e Mestre em Direito Civil pela USP.
Professora da EPD.
Diretora Nacional do IBDFAM.
Advogada.
CHRISTIANO CASSETTARI
Mestre em Direito Civil pela PUC/SP.
Diretor Cultural do IBDFAM/SP.

FLÁVIO TARTUCE.
JOSÉ FERNANDO SIMÃO
Doutor e Mestre em Direito Civil pela USP.
Professor da Escola Paulista de Direito.
Advogado.
ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO
Mestre em Direito Civil pela PUC/SP.
Desembargador do TJ/SP.
CLÁUDIA STEIN VIEIRA.
Mestre em Direito Civil pela USP.
Professora da EPD.
Advogada.
Carga Horária
24 aulas / horas
Programa
Conteúdo Programático
- Panorama geral do Direito de Família Brasileiro. A jurisprudência dos tribunais 5 anos após a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro
- A separação judicial e o divórcio no Código Civil de 2002. A separação e o divórcio extrajudiciais (Lei n. 11.441/2007)
- Regime de bens no Código Civil de 2002.
- Sucessão legítima no Código Civil de 2002. Questões controvertidas.
- A mediação familiar como forma de solução das controvérsias.
- Alimentos. Questões materiais e processuais
- A união estável no Código Civil De 2002. A união homoafetiva. Panorama jurisprudencial.
- Inventário e partilha. O inventário extrajudicial (Lei n. 11.441/2007).
Obs.: A Escola Paulista de Direito - EPD reserva-se o direito de alterar local, datas, horários ou cancelar os cursos, de acordo com o número de interessados. Em caso de imprevisto com o docente, este será substituído sem prejuízos ao programa.
“O conteúdo programático foi elaborado pela coordenação científica da Escola Paulista de Direito – EPD. Todos os direitos reservados”.

TJ/SP. APLICAÇÃO DO ART. 473, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC.

CONTRATO – Rescisão – Cláusula contratual que permite a rescisão unilateral e imotivada do contrato mediante aviso prévio de 30 dias – Tutela antecipada pleiteada a fim de que fique suspensa a rescisão do contrato até sentença final (trânsito em julgado) – Inadmissibilidade, eis que, desse modo, esse prazo pode se estender por vários anos - Alegação de que tal cláusula viola a boa-fé objetiva e desrespeita a função social do contrato – Tese que merece acolhida em face da nova concepção da relação jurídica contratual operada com o Novo Código Civil – Existência de prova inequívoca de que a contratante fez investimentos consideráveis em função da relação contratual operada em função da relação contratual até então existente – Prazo de rescisão que, assim, se mostra desarrazoado – Possibilidade de dilatação – Artigo 473, parágrafo único, do Novo Código Civil, aplicável ao caso – Inexistência de prova, por ora, do volume de investimentos feitos pela contratante – Dilação que assim se defere até prolação da sentença de primeiro grau, ficando, a critério do juízo “a quo” estendê-lo, ou não, diante dos argumentos da parte contrária, ainda não citada, e da prova realizada – Deferimento parcial da tutela pleiteada – Recurso provido em parte (Agravo de Instrumento n. 7.148.853-4 – São Paulo - 12ª Câmara de Direito Privado - Relator: Rui Cascaldi – 13.06.07 - V.U. - Voto n.11.706) qsg

segunda-feira, 3 de março de 2008

MAIS RECENTE ARTIGO DE MARIA BERENICE DIAS.

Bem feito! Quem manda ser mulher?

Maria Berenice Dias
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
www.mariaberenice.com.br
A Constituição Federal reconhece a família como a base da sociedade, assegurando-lhe especial proteção. Faz expressa referência ao casamento, à união estável e às famílias formadas por só um dos pais e seus filhos. A legislação infraconstitucional, de forma exaustiva, regulamenta o casamento, concede tratamento discriminatório à união estável, mas esqueceu de regulamentar as unidades monoparentais. Esta injustificável omissão, no entanto, não autoriza que se tenham estas famílias como inexistentes. Nem essas e nem outras. Basta dar uma mirada na sociedade dos dias de hoje para concluir que a família é mesmo plural. E, ao final, doutrina teve que se render e acabou reconhecendo que as entidades familiares vão além do rol constitucionalizado. Há toda uma nova construção do conceito de família, dando ênfase à solidariedade familiar e ao co mpromisso ético dos vínculos de afeto.
A visão excessivamente sacralizada da família tenta identificar a monogamia como um princípio, quando se trata de mero elemento estruturante da sociedade ocidental de origem judaico-cristã. Até bem pouco tempo só era reconhecida a família constituída pelos "sagrados" laços do matrimônio. Daí o repúdio às uniões extramatrimoniais. Rotuladas de "sociedade de fato", eram alijadas do direito das famílias.
A tentativa de perpetuar a família fez o casamento indissolúvel e, mesmo depois do divórcio, ainda o Estado resiste em dissolvê-lo. Impõe prazos e tenta punir culpados. O interesse na preservação da família matrimonializada é tão grande que até 2005 o adultério era crime. A bigamia ainda é. O Estado se imiscui de tal maneira na intimidade do casal que impõe o dever de fidelidade (Cód. Civil, art. 1.566, I). Considera o adultério como justa causa para a separação (Cód. Civil, art. 1.573, I), e o reconhecimento da culpa do infiel faz com que ele perca o nome de casado (Cód. Civil, art. 1.578). Alimentos, só recebe o quanto baste para sobreviver (Cód. Civil, art. 1.704, parágrafo único).
A lei tenta de todas as formas obrigar a manutenção de um único vínculo familiar, mas a sociedade sempre tolerou a infidelidade masculina. Os homens são os grandes privilegiados, pois nunca foram responsabilizados por suas travessuras sexuais. Tanto é assim que durante muito tempo os "filhos adulterinos" não podiam ser reconhecidos. As uniões extramatrimoniais até a pouco não geravam quaisquer ônus ou encargos. E ter "outra" é motivo de orgulho e da inveja dos amigos.
Em contrapartida, as mulheres sempre foram punidas. A infidelidade feminina autorizava o homem a "lavar a honra da família", o que livrou muitos maridos traídos da cadeia. Como os "filhos ilegítimos" não tinham direito à identidade, eram só "filhos da mãe", assumindo ela a responsabilidade exclusiva pela sua criação e manutenção. Também a resistência em abrigar o concubinato no âmbito do direito das famílias gerou legiões de mulheres famintas, pois não lhes era assegurado nem alimentos e nem direitos sucessórios. Como sociedades de fato, dividiam-se lucros e não os frutos de uma sociedade de afeto.
Esta mania de punir a mulher como forma de assegurar ao homem o livre exercício da sexualidade ainda persiste. De maneira simplista os vínculos familiares que se constituem de modo concomitante ao casamento são condenados à invisibilidade. Contam com a conivência do judiciário. Com isso, as uniões paralelas - uma façanha exclusivamente masculina - continuam sendo incentivadas. Os nomes são vários: concubinato adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, e até concubinagem. Mas a conseqüência é uma só: a punição da mulher. A ela é atribuída a responsabilidade pelo adultério masculino. Tanto que, somente na hipótese de ela alegar que desconhecia a condição de casado do companheiro é que tem chance de receber parte do que conseguir provar que ajudou a amealhar. Caso confesse que sabia que o homem não lhe era fiel, é impiedosamente condenada a nada receber. O fundamento: não infringir o dogma da monoga mia.
Assim, tanto a lei como a justiça continuam cúmplices do homem. Bem feito! Quem manda ser mulher?