quinta-feira, 30 de junho de 2016

RESUMO. INFORMATIVO 584 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 584 DO STJ.
DIREITO EMPRESARIAL. CHEQUE PRÉ-DATADO E O SEU PRAZO DE APRESENTAÇÃO PARA PAGAMENTO. RECURSO REPETITIVO. TEMA 945.A pactuação da pós-datação de cheque, para que seja hábil a ampliar o prazo de apresentação à instituição financeira sacada, deve espelhar a data de emissão estampada no campo específico da cártula. Sendo o cheque ordem de pagamento à vista imposta ao sacado (a instituição bancária ou instituição financeira que lhe seja equiparada) - imposição que não admite aceite, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a letra de câmbio -, o seu pagamento, pelo sacado, deverá ser obrigatoriamente efetuado (verificada a existência de fundos disponíveis), ainda que a cártula tenha sido apresentada "antes do dia indicado como data de emissão" (art. 32, parágrafo único, Lei n. 7.357/1985 - Lei do Cheque). No tocante à apresentação realizada após a data constante do campo referente à data de emissão da cártula, convém pontuar que "O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior" (art. 33, caput). Nesse contexto, não se pode ignorar o costume relativo à emissão de cheque pós-datado. O mencionado parágrafo único do art. 32, inclusive, ressalva a possibilidade de o banco sacado pagar o cheque "antes do dia indicado como data de emissão", caso seja apresentado. É dizer: admite plenamente a hipótese de o cheque conter data de emissão posterior àquela em que foi, efetivamente, emitido. Nessa conjuntura, o ordenamento jurídico confere segurança e eficácia à pós-datação regular (efetivada no campo referente à data de emissão). Por sua vez, mesmo a pós-datação extracartular (isto é, a pós-datação ocorrida em campo diverso do campo específico, referente à data de emissão, como ocorre, por exemplo, com a cláusula "bom para") tem existência jurídica, na medida em que a Lei não nega validade a essa pactuação, que, inclusive, terá consequência de natureza obrigacional para os pactuantes (tanto é assim que a Súmula n. 370 do STJ orienta que enseja dano moral a apresentação antecipada de cheque). Contudo, esta pactuação extracartular, que ocorre fora do campo da data de emissão, é ineficaz em relação à contagem do prazo de apresentação e, por conseguinte, não tem o condão de operar o efeito de ampliar o prazo de apresentação do cheque. Daí a conclusão de que somente a pós-datação regular, efetuada no campo da data de emissão do cheque, é hábil a ampliar o prazo de apresentação da cártula a que se refere o art. 33, caput, da Lei do Cheque. REsp 1.423.464-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/4/2016, DJe 27/5/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. PROTESTO CAMBIÁRIO DE CHEQUE APÓS O PRAZO DE APRESENTAÇÃO COM A INDICAÇÃO APENAS DO EMITENTE NO APONTAMENTO. RECURSO REPETITIVO. TEMA 945. Sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque com a indicação do emitente como devedor. De fato, a Segunda Seção do STJ, em recurso especial representativo da controvérsia (REsp 1.340.236-SP, DJe 26/10/2015), definiu que "A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível". Nesse sentido, a interpretação mais adequada do art. 1º da Lei n. 9.492/1997 - segundo o qual o "Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida" - é a de que o termo "dívida" exprime débito, consistente em obrigação pecuniária, líquida, certa e que é ou se tornou exigível. Realmente, o art. 48 da Lei do Cheque dispõe que "O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no lugar de pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação". Todavia, este artigo, ao remeter ao art. 47 do mesmo Diploma, limita-se à questão da possibilidade de cobrança dos eventuais devedores indiretos (coobrigados), mas não do devedor principal (emitente). Nesse contexto, a Terceira Turma do STJ já asseverou que "A exigência de realização do protesto antes de expirado o prazo de apresentação do cheque é dirigida apenas ao protesto obrigatório à propositura da execução do título, nos termos dos arts. 47 e 48 da Lei n. 7.357/85" (REsp 1.297.797-MG, DJe 27/2/2015). Por sua vez, "O protesto do cheque [com apontamento do nome do devedor principal: o emitente] é facultativo e, como o título tem por característica intrínseca a inafastável relação entre o emitente e a instituição financeira sacada, é indispensável a prévia apresentação da cártula, não só para que se possa proceder à execução do título, mas também para cogitar do protesto (art. 47 da Lei do Cheque). Evidentemente, é também vedado o apontamento de cheques quando tiverem sido devolvidos pelo banco sacado por motivo de furto, roubo ou extravio das folhas ou talonários - contanto que não tenham circulado por meio de endosso, nem estejam garantidos por aval, pois nessas hipóteses far-se-á o protesto sem fazer constar os dados do emitente da cártula. (...) Tomadas essas cautelas, caracterizando o cheque levado a protesto título executivo extrajudicial, dotado de inequívoca certeza e exigibilidade, não se concebe possam os credores de boa-fé verem-se tolhidos quanto ao seu lídimo direito de resguardarem-se quanto à prescrição, tanto no que tange ao devedor principal quanto a coobrigados; visto que, conforme disposto no art. 202, III, do Código Civil de 2002, o protesto cambial interrompe o prazo prescricional para ajuizamento de ação cambial de execução, ficando, com a vigência do novel Diploma, superada a Súmula 153/STF [a qual afirmada que o protesto cambiário não interrompia a prescrição]" (REsp 1.124.709-TO, Quarta Turma, DJe 1º/7/2013). Ante o exposto, caracterizado o cheque levado a protesto verdadeiro título executivo extrajudicial, dotado de inequívoca certeza e exigibilidade, será possível o protesto cambiário com indicação, no apontamento, apenas do devedor principal (emitente), ainda que após o prazo de apresentação, mas dentro do período para ajuizamento de ação cambial de execução. Precedente citado: REsp 1.231.856-PR, Quarta Turma, DJe 8/3/2016. REsp 1.423.464-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/4/2016, DJe 27/5/2016.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. Se a antecipação da tutela anteriormente concedida a assistido de plano de previdência complementar fechada houver sido revogada em decorrência de sentença de improcedência do seu pedido, independentemente de culpa ou má-fé, será possível à entidade previdenciária - administradora do plano de benefícios que tenha suportado os prejuízos da tutela antecipada - efetuar descontos mensais no percentual de 10% sobre o montante total de cada prestação do benefício suplementar que vier a ser recebida pelo assistido, até que ocorra a integral compensação, com atualização monetária, da verba que fora antecipada, ainda que não tenha havido prévio pedido ou reconhecimento judicial da restituição. De fato, a sistemática adotada pelos dispositivos da legislação processual civil que visam combater o dano processual - relacionados à tutela antecipada, à tutela cautelar e à execução provisória - inspira-se, conforme entendimento doutrinário, em princípios diversos daqueles que norteiam as demais disposições processuais, as quais buscam reprimir as condutas maliciosas e temerárias das partes no trato com o processo, o chamado improbus litigator. Cuida-se de responsabilidade processual objetiva, bastando a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, I e II, e 811 do CPC/1973 (correspondentes aos arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do CPC/2015). Desse modo, os danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia de indagação acerca da culpa da parte ou de questionamento sobre a existência ou não de má-fé. Nesse contexto, em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença. Por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. Com mais razão, essa obrigação também independe de pedido reconvencional ou de ação própria para o acertamento da responsabilidade da parte acerca do dano causado pela execução da medida. Aliás, o art. 302, parágrafo único, do CPC/2015 estabelece que, independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a tutela de urgência causar à parte adversa, devendo a indenização ser "liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível". Realmente, toda sentença é apta a produzir efeitos principais (condenar, declarar, constituir, por exemplo), que decorrem da demanda e da pretensão apresentada pelo autor, e, também, efeitos secundários, que independem da vontade das partes ou do próprio juízo. Nessa conjuntura, a sentença de improcedência, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos. Com efeito, a responsabilidade objetiva pelo dano processual causado por tutela antecipada posteriormente revogada decorre da inexistência do direito anteriormente acautelado, responsabilidade que independe de reconhecimento judicial prévio ou de pedido do lesado. Além do mais, o CC positivou princípio de sobredireito regente das relações jurídicas privadas, qual seja, a boa-fé objetiva (art. 422), o qual constitui cláusula geral, dirigida precipuamente ao julgador, afigurando-se como instrumentalizadora do sistema, a emprestar a este um aspecto móbil apto a mitigar a rigidez da norma posta, legalmente ou contratualmente. Quanto à possibilidade de a entidade previdenciária - administradora do plano de benefícios que tenha suportado os prejuízos da tutela antecipada - efetuar descontos mensais no percentual de 10% sobre o montante total de cada prestação suplementar, considerando não haver norma que trate especificamente do caso, deve-se, por analogia, buscar, no ordenamento, uma norma que diga respeito à situação assemelhada. Embora as previdências privada e pública submetam-se a regimes jurídicos diversos, com regramentos específicos, tanto de nível constitucional, quanto infraconstitucional, o regramento da previdência estatutária, eventualmente, pode servir como instrumento de auxílio à resolução de questões relativas à previdência privada complementar (REsp 814.465-MS, Quarta Turma, DJe 24/5/2011). No tocante à previdência oficial, a Primeira Seção do STJ (REsp 1.384.418-SC, DJe 30/8/2013) entendeu que, conquanto o recebimento de valores por meio de antecipação dos efeitos da tutela não caracterize, do ponto de vista subjetivo, má-fé por parte do beneficiário da decisão, quanto ao aspecto objetivo, é inviável falar que pode o titular do direito precário pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio, cabendo ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado, por simetria, o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112/1990). Este entendimento, ademais, consolidou-se no julgamento do REsp Repetitivo 1.401.560-MT (Primeira Seção, DJe 13/10/2015). Dessa forma, a par de ser solução equitativa, a evitar o enriquecimento sem causa, cuida-se também, no caso aqui analisado, de aplicação de analogia em vista do disposto no art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112/1990, aplicável aos servidores públicos. Além disso, não bastasse a similitude das hipóteses (devolução dos valores recebidos, a título de antecipação de tutela, por servidor público e/ou segurado do INSS) - a bem justificar a manifesta conveniência da aplicação da analogia -, enquanto a previdência oficial é regime que opera com verba do orçamento da União para garantir sua solvência (a teor do art. 195, caput, da CF, a seguridade social será financiada por toda a sociedade) os planos de benefícios de previdência complementar, por disposições contidas nos arts. 20, 21 e 48 da LC n. 109/2001, podem, até mesmo, vir a ser liquidados extrajudicialmente, em caso de insolvência, e eventual resultado deficitário ou superavitário dos planos é, respectivamente, suportado ou revertido em proveito dos participantes e assistidos. Ora, não se pode perder de vista que as entidades fechadas de previdência complementar, por força de lei, são organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, havendo um claro mutualismo com a coletividade integrante dos planos de benefícios administrados por essas entidades, de modo que todo eventual excedente é revertido em favor dos participantes e assistidos do plano. O art. 34, I, da LC n. 109/2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência privada "apenas" administram os planos (inclusive, portanto, o fundo formado, que não lhes pertence). Nesse contexto, o entendimento firmado aqui - de que pode ser observado o aludido percentual de 10% para a devolução, por assistido de plano de previdência complementar, de valores recebidos a título de antecipação de tutela posteriormente revogada - já foi adotado pela Terceira Turma do STJ (REsp 1.555.853-RS, DJe 16/11/2015). REsp 1.548.749-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/4/2016, DJe 6/6/2016.
DIREITO AGRÁRIO E CIVIL. PRAZO MÍNIMO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL PARA A CRIAÇÃO DE GADO BOVINO. É de cinco anos o prazo mínimo para a duração de contrato de arrendamento rural em que ocorra pecuária de gado bovino, independentemente da maior ou menor escala da atividade exploratória ou da extensão da área a que se refira o contrato. O arrendamento rural e a parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativista são os principais contratos agrários voltados a regular a posse ou o uso temporário da terra, na forma do art. 92 da Lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra). A regulamentação desses institutos veio com a edição do Decreto n. 59.566/1966, em que consta expressamente o arrendamento rural como o contrato agrário por meio do qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes dele, incluindo ou não outros bens, benfeitorias ou facilidades com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel (art. 3º). A CF estabelece que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), revelando-se, pois, como instrumento de promoção da política de desenvolvimento urbano e rural (arts. 182 e 186). Para concretizar referida função social, deve-se buscar o adequado aproveitamento de seus recursos, a preservação do meio ambiente e o bem-estar socioeconômico dos agentes produtores que atuam diretamente na exploração e uso da terra. Dessa forma, mesmo diante da natureza privada do contrato agrário, é patente sua utilização também como instrumento de concretização da função social da propriedade rural, conforme idealizado pelo Estado, razão pela qual esse negócio jurídico está sujeito a inúmeras repercussões do direito público. Uma delas diz respeito à proteção, em contrato de arrendamento, da parte economicamente mais frágil (isto é, o arrendatário), conforme dispõe o art. 13 do Decreto n. 59.566/1966. Nesse contexto, citado decreto dispôs sobre o prazo mínimo (5 anos) a ser observado nos contratos de arrendamento rural que tenham por objeto atividade "de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal" (alínea a do inciso II do art. 13 do aludido decreto). Constitui a exegese teleológica das normas agraristas realizar o enquadramento de determinada atividade pecuária como de grande porte por meio da consideração do porte dos animais (gado vacum, bufalino, equino e asinino). Isso porque, para a criação, reprodução, engorda do gado vacum, por exemplo, necessita-se de tempo razoável, que se origina da espécie do animal, não da sua maior ou menor escala de atividade exploratória. Ademais, há orientação doutrinária de que a criação de gado bovino é suficiente para caracterizar a pecuária como de grande porte, sendo necessário maior prazo do contrato de arrendamento rural em razão dos ciclos exigidos de criação, reprodução, engorda e abate. Por conseguinte, é contrário à proteção ao exercício da atividade do arrendatário o entendimento segundo o qual se exija demonstração do volume de gastos e receitas da atividade pecuária para que, com a aferição da exata proporção do empreendimento, possa-se reconhecer a atividade pecuária como de grande porte. Assim sendo, adotando-se o entendimento de que o porte do rebanho é suficiente para caracterizar se a atividade pecuária exercida é de pequeno, médio ou grande porte, tem-se que a atividade pecuária relacionada a criação de gado bovino deve ser reconhecida como de "grande porte" para fins de incidência do art. 13, II, a, do Decreto n. 59.566/1966, que determina o prazo contratual mínimo de cinco anos. REsp 1.336.293-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/5/2016, DJe 1/6/2016.

DIREITO CIVIL. PERÍODO DE LEGALIDADE DA COBRANÇA DE TARIFA DE RENOVAÇÃO DE CADASTRO (TRC). É válida cláusula contratual que prevê a cobrança da tarifa de renovação de cadastro (TRC) em contrato bancário celebrado ainda no período de vigência da Circular n. 3.371/2007 do BACEN (isto é, antes da vigência da Circular n. 3.466/2009 do BACEN, que passou a impossibilitar a cobrança da TRC). Quando do julgamento dos Recursos Especiais 1.251.331-RS e 1.255.573-RS, realizados sob o regime do art. 543-C do CPC (DJe 24/10/2013), a Segunda Seção do STJ, a propósito do exame da legalidade das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), firmou raciocínio jurídico a respeito da cobrança de tarifas bancárias que serve de norte para o deslinde da questão aqui analisada. Naquela oportunidade, conclui-se que, "Ao tempo da Resolução CMN 2.303/1996, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições financeiras era essencialmente não intervencionista, vale dizer, 'a regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela instituição'". Além disso, assentou-se que, "Com o início da vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pelo Banco Central do Brasil". No que diz respeito à possibilidade de cobrança da tarifa de renovação de cadastro (TRC), ressalta-se que, de acordo com a redação do art. 3º da Resolução n. 3.518/2007 do CMN - complementada pela Circular n. 3.371/2007 do BACEN -, "Os serviços prioritários para pessoas físicas, assim considerados aqueles relacionados às contas de depósitos, transferências de recursos, operações de crédito e cadastro, serão definidos pelo Banco Central do Brasil, que estabelecerá a padronização de nomes e canais de entrega, e identificados por siglas e a descrição dos respectivos fatos geradores" (caput) e "A cobrança de tarifas de pessoas físicas pela prestação, no País, de serviços prioritários fica limitada às hipóteses previstas no caput" (parágrafo único). Por sua vez, na Tabela I anexa à referida Circular n. 3.371/2007 do BACEN, constam como passíveis de cobrança a "1.1 Confecção de cadastro para início de relacionamento (que deve ter como sigla no extrato: CADASTRO)" e a "Renovação de cadastro (que deve constar no extrato como: RENOVAÇÃO CADASTRO)". Dessa maneira, seguindo-se o raciocínio jurídico empreendido no julgamento dos mencionados recursos repetitivos, deve-se reconhecer legítima a cobrança da tarifa de renovação de cadastro (TRC), tendo em vista a existência de previsão específica nas normas editadas pelas autoridades regulamentadoras. Deve-se destacar, entretanto, que, com o advento da Circular n. 3.466 do BACEN, de 11/9/2009, vigente a partir de 14/9/2009, a cobrança desta tarifa (a TRC) foi expressamente revogada, conforme disposto no art. 1º deste ato normativo: "Fica vedada, a partir da data de vigência desta circular, a cobrança da tarifa de 'Renovação de cadastro', código 1.2, pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, e excluída sua menção das Tabelas I e II anexas à Circular nº 3.371, de 6 de dezembro de 2007." REsp 1.303.646-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/5/2016, DJe 23/5/2016.
DIREITO CIVIL E URBANÍSTICO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA E ÁREA DE IMÓVEL INFERIOR AO "MÓDULO URBANO". Não obsta o pedido declaratório de usucapião especial urbana o fato de a área do imóvel ser inferior à correspondente ao "módulo urbano" (a área mínima a ser observada no parcelamento de solo urbano por determinação infraconstitucional). Isso porque o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da CF, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do CC, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349-RS, Tribunal Pleno, DJe 5/8/2015). REsp 1.360.017-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016, DJe 27/5/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRÉVIA INTIMAÇÃO NA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Em execução de título extrajudicial, o credor deve ser intimado para opor fato impeditivo à incidência da prescrição intercorrente antes de sua decretação de ofício. Prestigiando a segurança jurídica e o reconhecimento antigo e reiterado de que as pretensões executivas prescrevem no mesmo prazo da ação, nos termos da Súmula n. 150 do STF, albergou-se na Terceira Turma do STJ possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente, utilizando-se como parâmetro legal a incidência analógica do art. 40, §§ 4º e 5º, da Lei n. 6.830/80 - Lei de Execução Fiscal (LEF). Essa mesma solução foi concretizada no novo CPC, em que se passou a prever expressamente regra paralela ao art. 40 da LEF, nos seguintes termos: "Art. 921. Suspende-se a execução: (...) § 4º. Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente. § 5º. O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo." Todavia, ressalte-se que em ambos os textos legais - tanto na LEF como no novo CPC - prestigiou-se a abertura de prévio contraditório, não para que a parte dê andamento ao processo, mas para possibilitar-lhe a apresentação de defesa quanto à eventual ocorrência de fatos impeditivos da prescrição. E em razão dessa exigência legal de respeito ao prévio contraditório, cumpre enfatizar que, quanto à aplicação do instituto no âmbito da execução fiscal, o STJ, por intermédio de sua Primeira Seção, assentou o entendimento de que é indispensável a prévia intimação da Fazenda Pública, credora naquelas demandas, para os fins de reconhecimento da prescrição intercorrente (EREsp 699.016/PE, Primeira Seção, DJe 17/3/2008; RMS 39.241/SP, Segunda Turma, DJe 19/6/2013). Nessa ordem de ideias, a viabilização do contraditório, ampliada pelo art. 10 do novo CPC - que impõe sua observância mesmo para a decisão de matérias conhecíveis de ofício -, concretiza a atuação leal do Poder Judiciário, corolária da boa-fé processual hoje expressamente prevista no art. 5º do novo CPC e imposta a todos aqueles que atuem no processo. Ao mesmo tempo, conforme doutrina, mantém-se a limitação da exposição do devedor aos efeitos da litispendência, harmonizando-se a prescrição intercorrente ao direito fundamental à razoável duração do processo. REsp 1.589.753-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/5/2016, DJe 31/5/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. DEVER DE ASSISTÊNCIA AO NEONATO DURANTE OS TRINTA PRIMEIROS DIAS APÓS O SEU NASCIMENTO. Quando o contrato de plano de saúde incluir atendimento obstétrico, a operadora tem o dever de prestar assistência ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto (art. 12, III, "a", da Lei n. 9.656/1998), independentemente de a operadora ter autorizado a efetivação da cobertura, ter ou não custeado o parto, tampouco de inscrição do neonato como dependente nos trinta dias seguintes ao nascimento.Inicialmente, o art. 12 da Lei n. 9.656/1998 prevê as modalidades de planos de saúde, na nomenclatura da lei, os segmentos, e, nessa extensão, os serviços mínimos compreendidos em cada uma das quatro modalidades estabelecidas. Na trilha do mecanismo desenvolvido pela citada lei, as operadoras de planos e seguros necessariamente oferecerão um serviço mínimo base, conforme descrito no art. 10 do citado diploma legal, e, a partir desse padrão (plano-referência), novos serviços poderão ser somados, agora tendo como referência as especificações das modalidades ou segmentações. Conclui-se, portanto, que é facultativa a inclusão de atendimento obstétrico na contratação do plano-referência (art. 12, III, a, da Lei n. 9.656/1998), quando, então, deverá ser respeitada, dentre outras, a seguinte exigência mínima: "a) cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto;" Ainda, somada a essa cobertura, a lei assegura a possibilidade de inscrição do recém-nascido no plano ou seguro, como dependente, dispensado, inclusive o cumprimento dos períodos de carência e, aqui sim, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento (art. 12, III, b). Como visto, a disposição da alínea a do inciso III do art.12 é absolutamente clara ao afirmar que a modalidade de plano que incluir atendimento obstétrico deve garantir, no mínimo, cobertura assistencial ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto, sem vincular essa prestação à prévia inscrição do recém-nascido no plano. Na verdade, a inscrição dentro dos trinta dias após o parto é condição, apenas, para que o filho se torne dependente do titular, pai ou mãe, sem a exigência das carências típicas, regulamentação, inclusive, a cargo da alínea b do mesmo inciso. Com efeito, o sentido da norma sob análise pode ser alcançado a partir de sua própria literalidade. Ademais, é importante não perder de vista que as previsões da Lei n. 9.656/1998 devem ser interpretadas a partir dos princípios gerais e contratuais do CDC. Desse modo, o evento que garante e impõe a assistência ao recém-nascido - nos termos da lei - é a opção do filiado consumidor pela contratação de plano com atendimento obstétrico, e não o fato de o parto do recém-nascido ter sido custeado pela operadora do plano. Inclusive, conforme entendimento doutrinário, há a necessidade de se compreender a cobertura ao recém-nascido em maior extensão e, nessa linha, defende que a lei merece reparos, apontando-os: "(...) pode ocorrer que o recém-nascido permaneça em tratamento por mais de trinta dias após o parto. Nos termos em que foi redigida, a norma permite que as operadoras transfiram a responsabilidade pelo custo do tratamento do recém-nascido para os pais ou responsável ultrapassado o prazo de trinta dias, quando não deve ser assim. Portanto, deve-se entender que a cobertura assistencial estende-se ao recém-nascido durante os primeiros trinta dias após o parto ou enquanto durar o tratamento, se iniciado durante os primeiros trinta dias." REsp 1.269.757-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/5/2016, DJe 31/5/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. TEMA 954. Recurso especial afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "a) Ocorrência de dano moral indenizável, em virtude da cobrança de serviços não contratados ou (má) prestação de serviços de telefonia e internet, bem como, se configurado o dano, seria aplicável o reconhecimento "in re ipsa" ou a necessidade de comprovação nos autos; b) prazo prescricional incidente em caso de pretensão à repetição de valores supostamente pagos a maior ou indevidamente cobrados em se tratando de serviços não contratados ou (má) prestação de serviços de telefonia e internet - se decenal (artigo 205 do Código Civil), trienal (artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil) ou outro prazo; c) repetição de indébito simples ou em dobro e, se em dobro, se prescinde, ou não, da comprovação da má-fé do credor (artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor) ou da sua culpa (imprudência, negligência e imperícia); e d) abrangência da repetição de indébito - se limitada aos pagamentos documentalmente comprovados pela parte autora na fase instrutória ou passível de o quantum ser apurado em sede de liquidação de sentença, mediante determinação à parte ré de apresentação de documentos". REsp 1.525.174-RS, Min. Luis Felipe Salomão, DJe 7/6/2016.


quarta-feira, 29 de junho de 2016

SOCIEDADE DE FATO NA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. COLUNA DO MIGALHAS DE JUNHO.

SOCIEDADE DE FATO NA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS  




Flávio Tartuce[1]



Fui consultado recentemente sobre hipótese fática interessante, que dizia respeito à possibilidade ou não de se reconhecer a existência de uma sociedade de fato dentro do regime da separação convencional de bens. Em outras palavras, mesmo tendo os cônjuges optado pelo regime da separação de bens, por força de pacto antenupcial, seria viável, juridicamente, que alguns bens fossem partilhados, pela prova e efetiva de uma sociedade de fato?  
Nunca é demais esclarecer, como já fizemos neste canal, que o regime da separação convencional de bens, no Brasil, pode ter duas origens: a lei ou a vontade das partes. No primeiro caso, há o regime da separação legal ou obrigatória de bens, estabelecido nas hipóteses descritas no art. 1.641 do Código Civil Brasileiro, a saber: a) se presente uma das causas suspensivas do casamento, descritas no art. 1.523 do Código Civil[2]; b) em situações envolvendo cônjuges com idade superior a setenta anos; e c) para os que dependem de suprimento judicial para casar, caso dos menores de 16 anos (art. 1.520 do Código Civil). O regime da separação convencional de bens, por seu turno, é aquele que decorre da autonomia privada dos cônjuges, escolhido por meio de um pacto antenupcial, conforme autoriza o art. 1.640 da codificação material brasileira.
Nas hipóteses envolvendo o regime da separação legal ou obrigatória de bens, como também neste canal antes pontuamos, a jurisprudência brasileira reconhece claramente a possibilidade de existência de uma sociedade de fato, diante da previsão da Súmula 377 do Supremo Tribunal de Justiça brasileiro, do ano de 1964, com a seguinte redação: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Reafirme-se que depois de muito debate, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, prevalece nas Cortes brasileiras a conclusão de incidência dessa súmula, sem a necessidade de prova do esforço comum para que exista a partilha. Assim concluindo, por exemplo, repise-se: “a partilha dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, erigida sob a forma de separação legal de bens, não exige a comprovação ou demonstração de comunhão de esforços na formação desse patrimônio, a qual é presumida, à luz do entendimento cristalizado na Súmula n. 377/STF. Precedentes do STJ” (AgRg no REsp 1008684/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 02/05/2012).
Quanto ao regime da separação convencional de bens, o tema sobre a viabilidade ou não de uma sociedade de fato é de grande debate nas Cortes Superiores brasileiras, existindo decisões nos dois sentidos no mesmo Superior Tribunal de Justiça. Entendendo pela não comunicação de bens, com um voto vencido: “A cláusula do pacto antenupcial que exclui a comunicação dos aquestos impede o reconhecimento de uma sociedade de fato entre marido e mulher para o efeito de dividir os bens adquiridos depois do casamento. Precedentes” (STJ, REsp 404.088/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 28/05/2007, p. 320).
Porém, em sentido contrário, colaciona-se: “O regime jurídico da separação de bens voluntariamente estabelecido é imutável e deve ser observado, admitindo-se, todavia, excepcionalmente, a participação patrimonial de um cônjuge sobre bem do outro, se efetivamente demonstrada, de modo concreto, a aquisição patrimonial pelo esforço comum, caso dos autos, em que uma das fazendas foi comprada mediante permuta com cabeças de gado que pertenciam ao casal” (STJ, REsp 286.514/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJ 22/10/2007, p. 276).
Como se constata, os julgamentos que admitem a divisão de alguns bens entendem que essa é possível desde que seja provado o efetivo esforço patrimonial comum, ao contrário da interpretação que tem sido dada à Súmula 377 do STF, para o regime da separação legal de bens. Assim, se seguida a última interpretação, que conta com o meu apoio, o cônjuge deve provar que o bem foi adquirido por sua contribuição patrimonial concreta e efetiva, ônus que lhe cabe.
Prevalecendo a última solução, os bens e rendimentos que devem compor a sociedade de fato são aqueles que foram adquiridos pelo esforço de ambos os cônjuges, cabendo a prova por quem alega o direito no caso concreto. Não há uma simples meação, pois a solução se dá no campo do Direito das Obrigações, especialmente com a regra que veda o enriquecimento sem causa prevista no art. 884 do Código Civil: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”. Reafirme-se, pois esse é um ponto fundamental, que cabe ao cônjuge que pretende a divisão o ônus de provar quais bens e rendimentos foram adquiridos com a sua ajuda efetiva.
Os bens que compõem esta sociedade de fato devem ser divididos de acordo com os esforços e contribuições patrimoniais de cada um dos cônjuges. A título de ilustração, se um imóvel foi adquirido com 70% de contribuição de uma parte e 30% de contribuição da outra, assim deve ser partilhado. Frise-se que não se trata propriamente de uma meação, regida pelo Direito de Família, mas de divisão de acordo com o que cada uma das partes efetivamente auxiliou na aquisição onerosa.
Outras regras e princípios servem como amparo para a conclusão seguida. Além da vedação do enriquecimento sem causa podem ser mencionadas as disposições relacionadas à sociedade em comum. Conforme o art. 986 do Código Civil, “enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples”. Em complemento, estabelece o art. 988 da mesma Lei Geral Privada que “os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum”. Mais uma vez, deve ser firmada a premissa segundo a qual essa titularidade depende de prova de contribuição ou esforço para a aquisição dos bens.
Em complemento, a existência de uma sociedade de fato no regime da separação convencional de bens também decorre do princípio da boa-fé, retirado do art. 113 do Código Civil Brasileiro, aplicável ao pacto antenupcial, in verbis: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Penso que um cônjuge que nega a divisão de bens adquiridos pela outra parte viola a cláusula geral de boa-fé objetiva, especialmente a confiança depositada pelo outro (Treu und Glauben).
Por fim, serve como argumento a proteção do direito de propriedade do cônjuge, sendo esse direito reconhecido pela Constituição Federal Brasileira como um direito e garantia fundamental, conforma previsão constante do seu art. 5º, inciso XXII. Nesse contexto de proteção do direito de propriedade, deve ser reconhecida a existência de um condomínio de fato entre os cônjuges, nos termos do que estabelece os arts. 1.314 a 1.322 do Código Civil Brasileiro.
Negar a partilha dos bens adquiridos pelo esforço patrimonial de um dos cônjuges, mesmo no regime da separação convencional de bens, viola o mandamento superior, que protege o direito subjetivo em questão. Concluindo, existem muitos argumentos jurídicos para sustentar a possibilidade de existência de uma sociedade de fato dentro do regime da separação convencional de bens.




[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu da EPD, sendo coordenador dos últimos. Diretor do IBDFAM – Nacional e IBDFAM/SP. Advogado e consultor jurídico.
[2] “Art. 1.523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.” 

domingo, 26 de junho de 2016

AS UNIÕES SEPTUAGENÁRIAS E A SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS POR PACTO ANTENUPCIAL COM SUPERAÇÃO DA SÚMULA 377 DO STF. ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES

As uniões septuagenárias e a separação absoluta de bens por pacto antenupcial com superação da Súmula 377 do STF.

Jones Figueirêdo Alves

01. Quando a cláusula geral de “comunhão plena de vida”, como norma-principio, remete as relações conjugais a seus valores éticos e afetivos (artigo 1.511 do Código Civil), sob o pressuposto lógico de o casamento estabelecê-la, com base na igualdade dos direitos e deveres dos cônjuges, não há confundir a comunhão em ordem constituída como fato e valor de fenômeno familiar, com a da disciplina patrimonial dos bens do casal.

Os regimes de bens contemplam o casal apenas formado por unidades econômicas próprias, onde as suas especificidades determinantes não influem ou demarcam aquela outra comunhão, a da plenitude de vida em comum, como cláusula diretiva existencial.

Em outras palavras: enquanto a cláusula de comunhão de vida representa um conceito ético e operativo, contribuindo para o aperfeiçoamento das relações familiares, a tanto que a impossibilidade da comunhão será causa motivadora para a dissolução do vínculo conjugal (art. 1.573, CC), retenha-se, antes de mais, que os nubentes, no processo de habilitação ao casamento, poderão optar, para efeito de comunhão ou não dos bens entre os cônjuges, por qualquer dos regimes que o Código Civil regula (art. 1640, parágrafo único, CC), fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas opções diferenciadas ao do regime básico de comunhão parcial, previsto pelo art. 1.640, CC.

A questão ganha agora maior relevo jurídico a saber de três premissas de base:

(i) Os nubentes referidos pelo artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, com a redação dada pela Lei n 12.344/2010, ou seja, as pessoas maiores de setenta anos, obrigam-se ao regime de separação legal de bens.

(ii)  O mencionado regime tem o seu conteúdo interpretado desde a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (de 1964), até a jurisprudência mais recente, no sentido de “no regime de separação obrigatória, comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, sendo presumido o esforço comum” (STJ – 3ª Turma, AgRg no AREsp. nº 650.390-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 27.10.2015, DJe de 03.11.2015); importando concluir, portanto, apresentar-se esse regime equipotente ao próprio regime de comunhão parcial de bens (artigo 1.658 do Código Civil).

(iii) Recente Provimento nº 08/2016, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco, de 30.05.2016 (DJe. de 01.06.2016, pp. 68-69), de nossa autoria, enquanto Corregedor Geral de Justiça estadual, dispõe sobre o afastamento da reportada Súmula 377 do STF, quando se determina: a) “no regime de separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, por meio de pacto antenupcial” e; b) “o oficial do registro esclarecerá sobre os exatos limites dos efeitos do regime de separação obrigatória de bens, onde comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento” (Artigo 1º).

É que, iniludivelmente, o regime patrimonial da separação obrigatória de bens imposto aos nubentes de maior faixa etária, por expressa disposição do legislador, não inibe ou afasta o interesse dos consortes pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento sob o regime de separação legal; razão pela qual, obrigados a este regime, cumpre-lhes, assim querendo, certificar, por convenção de interesse mútuo, sobre a hipótese de “separação absoluta” dos bens futuros, que se contém no regime de separação convencional de bens.

Anote-se que, quando preferido este regime, através de pacto antenupcial, o casamento não repercute na esfera patrimonial dos consortes, implicando dizer que os cônjuges preservam o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também, diferentemente do art. 276 do Código Civil/1916, “estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real” (artigo 1.687 do Código Civil/2002).

Em tais latitudes, como se observa, o regime de separação convencional e voluntária, apresenta uma separação absoluta ou total de bens, o que não é alcançada, expressamente, pelos que são submetidos ao regime de separação legal ou obrigatória. No caso, estes últimos nubentes estariam desprovidos da capacidade de convencionar pela separação plena e absoluta, aparentemente reservada aos nubentes com idade inferior aos setenta anos.

02. Eis então que surge o problema:
(i) septuagenários que casam sob o regime impositivo da separação obrigatória, supõem sempre que esse regime em razão da faixa etária superior tem a sua extensão também destinada aos bens futuros, grassando diversas controvérsias diante da aplicação da Súmula 377 do STF que os mantém, nesse ponto, sob um regime similar ao da comunhão parcial. É uma lógica de fórmula individualista, onde a cada um pertence o que é seu, com o isolamento total do patrimônio de ambos os cônjuges, sintetizado pela suposta decorrência da imposição legal da separação dos bens, o que, a rigor, não ganha conformidade diante da reportada Súmula.
(ii) O entendimento pretoriano, a seu turno, busca relativizar a separação absoluta, admitindo que os bens futuros se comuniquem, dentro da constância do casamento, em prol das finalidades da união pelo casamento e em prestigio da presunção do esforço comum ali dispendido.

O tema ganhou nova atualidade com artigo de Zeno Veloso “Casal quer afastar a Súmula 377”, publicado em maio passado, no jornal “O Liberal”, de Belém do Pará, onde o consagrado civilista coloca, a estilete, a questão:

“Há cerca de um ano João Carlos e Matilde estão namorando. Ele é divorciado, ela é viúva. João fez 71 anos de idade e Matilde tem 60 anos. Resolveram casar-se e procuraram um cartório de registro civil para promover o processo de habilitação. Queriam que o regime de bens do casamento fosse o da separação convencional, pelo qual cada cônjuge é proprietário dos bens que estão no seu nome, tantos dos que já tenha adquirido antes, como dos que vier a adquirir, a qualquer título, na constância da sociedade conjugal, não havendo, assim sendo, comunicação de bens com o outro cônjuge.
Mas o funcionário do cartório explicou que, dado o fato de João Carlos ter mais de 70 anos, o regime do casamento tinha de ser o obrigatório, da separação de bens, conforme o art. 1.641, inciso II, do Código Civil (...).
(...) João Carlos é investidor, atua no mercado imobiliário, adquire bens imóveis, frequentemente, para revendê-los. E Matilde é corretora, de vez em quando compra um bem com a mesma finalidade. Seria um desastre econômico, para ambos, que os bens que fossem adquiridos por cada um depois de seu casamento se comunicassem, isto é, fossem de ambos os cônjuges, por força da Súmula 377/STF. No final das contas, o regime da separação obrigatória, temperado pela referida Súmula, funciona, na prática, como o regime da comunhão parcial de bens.
Foi, então, que me procuraram, pedindo meu parecer. Querem lavrar uma escritura - pacto antenupcial, mencionando que vão casar-se, e o casamento seguirá o regime obrigatório da separação de bens, por força do art. 1.641, inciso II, do Código Civil. Até aí, nada de novo: só estão repetindo o que a lei já diz. Todavia, não querem que, em nenhuma hipótese, haja comunicação de bens, mantendo-se a separação de bens de forma absoluta, em todos e quaisquer casos, sem limitação ou ressalva alguma, excluindo, portanto, expressamente, a aplicação da Súmula 377 do STF. Já dei ao casal a minha opinião: não acho que o enunciado da Súmula seja matéria de ordem pública, represente direito indisponível, e tenha de ser seguida a qualquer custo, irremediavelmente”.

E arremata, indagando:
“Mas há um grupo de jovens e competentes professores brasileiros, que integram a Confraria de Civilistas Contemporâneos, formada por mais de 30 mestres (Tartuce, Mário Delgado, Simão, Toscano, Catalan, Pablo Malheiros, Stolze, para citar alguns), a quem peço um parecer sobre o tema acima exposto. Afinal, podem ou não os nubentes, atingidos pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, afastar, por escritura pública, a incidência da Súmula 377?

03. Pois bem. A doutrina publicada a seguir, na primazia de artigo de Flávio Tartuce (25.05.16), tem oferecido uma resposta positiva. E, decisivamente, o Provimento nº 08/2016, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco, de 30.05.2016, soma-se a esse entendimento, cumprindo o papel proativo de orientação, a dizer mais que a própria Súmula 377 não implica efeito legislador, a tanto possa obstar convenção em contrário.

O instrumento normativo veiculado pela CGJ-PE, tem seus fundamentos (“considerandos”) bem pontuados, a exemplo:

(i) que ‘é possível, por convenção dos nubentes e em escritura pública, o afastamento da aplicação da Súmula 377 do STF, “por não ser o seu conteúdo de ordem pública mas, sim, de matéria afeita à disponibilidade de direitos” (ZENO VELOSO)”;
(ii) que “enquanto a imposição do regime de separação obrigatória de bens, para os nubentes maiores de setenta anos, é norma de ordem pública (artigo 1.641, II, do Código Civil), não podendo ser afastada por pacto antenupcial que contravenha a disposição de lei (art. 1.655 do Código Civil); poderão eles, todavia, por convenção, ampliar os efeitos do referido regime de separação obrigatória, “passando esse a ser uma verdadeira separação absoluta, onde nada se comunica” (JOSÉ FERNANDO SIMÃO)”;
(iii) que “podem os nubentes, atingidos pelo artigo 1.641, inciso II do Código Civil, afastar por escritura pública, a incidência da Súmula 377 do STF, estipulando nesse ponto e na forma do que dispõe o artigo 1.639, caput, do Código Civil, quanto aos seus bens futuros o que melhor lhes aprouver (MÁRIO LUIZ DELGADO)”; e
(iv) que “o afastamento da Súmula 377 do STF, constitui um correto exercício de autonomia privada, admitido pelo nosso Direito, que conduz a um eficaz mecanismo de planejamento familiar, perfeitamente exercitável por força de ato público, no caso de um pacto antenupcial (artigo 1.653 do Código Civil)”, conforme a melhor doutrina pontificada por FLÁVIO TARTUCE”.

Finalmente um Provimento que, em prestígio da doutrina e dos melhores doutrinadores, a tanto fazendo-lhes menções nominais, torna-se editado para melhor servir como instrumento efetivo e eficiente a esse tema de tamanha relevância jurídica, cooperando para a melhor compreensão dos nubentes, a uma livre escolha, com a opção pela separação total dos bens, mediante o afastamento da Súmula por pacto antenupcial. No ponto, bem de ver que é dever do oficial do registro esclarecer os nubentes sobre os diversos regimes de bens (artigo 1.528 do Código Civil).

No mais, o normativo também deixa evidenciado, no atinente ao regime de bens, o entendimento prevalecente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o regime aplicável à união estável entre septuagenários é o da separação obrigatória (REsp. nº 646.259-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). E em ser assim, dispõe o Provimento que “observar-se-á o regime da separação obrigatória de bens somente nas hipóteses em que na data do termo inicial da existência da união estável, um ou ambos os conviventes contavam com mais de setenta anos, constando, caso haja interesse, o afastamento da incidência da Súmula 377 do STF. (Artigo 2º)”.

Realmente. "(...) a não extensão do regime da separação obrigatória de bens, (..), à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário" (STJ – REsp. nº 1.090.722).

04. Com efeito, o estatuto patrimonial dos cônjuges deve atender ao que eles, livremente, possam estipular quanto aos seus bens e no caso das uniões septuagenárias, mesmo com as limitações impostas, cumpre-lhes estabelecer os exatos limites (irrestritos ou não) da separação dos bens.

Afinal, uma instituição familiar enquanto arrimada na comunhão plena de vida, cuja existência substancial constitui, a toda evidência, o dever-ser do direito de família, independe dos reflexos da atipicidade ou tipicidade dos regimes de bens.

Comunhão perfeita e plena de vida, por integração de afetos, destinada a formar a comunidade do casal, independe, por óbvio, da comunhão perfeita ou imperfeita dos bens. Convincentemente, as uniões septuagenárias instigam e reclamam essa premissa.

Na melhor expressão de Carbonnier, “para os espíritos avançados, a separação de bens; para aqueles que tem predisposições matemáticas, o regime de participação nos adquiridos; para os sentimentais, a cláusula de mão comum...(...)”.


O autor é Mestre em Ciências Jurídicas e Especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa (FDUL); Desembargador Decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).




sexta-feira, 17 de junho de 2016

RESUMO. INFORMATIVO 583 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 583 DO STJ.

SÚMULA N. 572. O Banco do Brasil, na condição de gestor do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar previamente o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco legitimidade passiva para as ações de reparação de danos fundadas na ausência de prévia comunicação.

DIREITO DO CONSUMIDOR. HIPÓTESE EM QUE A INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES NÃO ENSEJA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC/1973 E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 922. A inscrição indevida comandada pelo credor em cadastro de proteção ao crédito, quando preexistente legítima inscrição, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento. A Súmula n. 385 do STJ prevê que "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento". O fundamento dos precedentes da referida súmula - "quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido por mais uma inscrição do nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito" (REsp 1.002.985-RS, Segunda Seção, DJe 27/8/2008) -, embora extraídos de ações voltadas contra cadastros restritivos, aplica-se também às ações dirigidas contra supostos credores que efetivaram inscrições irregulares. Ressalte-se, todavia, que isso não quer dizer que o credor não possa responder por algum outro tipo de excesso. A anotação irregular, já havendo outras inscrições legítimas contemporâneas, não enseja, por si só, dano moral. Mas o dano moral pode ter por causa de pedir outras atitudes do suposto credor, independentemente da coexistência de anotações regulares, como a insistência em uma cobrança eventualmente vexatória e indevida, ou o desleixo de cancelar, assim que ciente do erro, a anotação indevida. Portanto, na linha do entendimento consagrado na Súmula n. 385, o mero equívoco em uma das diversas inscrições não gera dano moral indenizável, mas apenas o dever de suprimir a inscrição indevida. REsp 1.386.424-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 27/4/2016, DJe 16/5/2016.

DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA EM RECONHECIMENTO PÓSTUMO DE PATERNIDADE. Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de herança, objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do CC, é ação a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que dispõe o art. 189 do CC, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro. REsp 1.475.759-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016, DJe 20/5/2016.

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA PELO VALOR DO AUTOMÓVEL NO MOMENTO DO SINISTRO. É abusiva a cláusula de contrato de seguro de automóvel que, na ocorrência de perda total do veículo, estabelece a data do efetivo pagamento (liquidação do sinistro) como parâmetro do cálculo da indenização securitária a ser paga conforme o valor médio de mercado do bem, em vez da data do sinistro. De início, cabe ressaltar que o Código Civil de 2002 adotou, para os seguros de dano, o princípio indenitário, de modo que a indenização securitária deve corresponder ao valor real dos bens perdidos, destruídos ou danificados que o segurado possuía logo antes da ocorrência do sinistro. Isso porque o seguro não é um contrato lucrativo, mas de indenização, devendo ser afastado, por um lado, o enriquecimento injusto do segurado e, por outro, o estado de prejuízo. Dessa forma, nos termos do art. 781 do CC, a indenização no contrato de seguro possui alguns parâmetros e limites, não podendo ultrapassar o valor do bem (ou interesse segurado) no momento do sinistro nem podendo exceder o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo mora do segurador. Nesse contexto, a Quarta Turma do STJ já decidiu pela legalidade da "cláusula dos contratos de seguro que preveja que a seguradora de veículos, nos casos de perda total ou de furto do bem, indenize o segurado pelo valor de mercado na data do sinistro" (REsp 1.189.213-GO, DJe 27/6/2011). Nesse sentido, a Terceira Turma deste Tribunal (REsp 1.473.828-RJ, Terceira Turma, DJe 5/11/2015) também firmou o entendimento de que o princípio indenizatório deve ser aplicado no contrato de seguro de dano, asseverando que a indenização deve corresponder ao valor do efetivo prejuízo experimentado pelo segurado no momento do sinistro, mesmo em caso de perda total dos bens garantidos. Assim, é abusiva a cláusula contratual do seguro de automóvel que impõe o cálculo da indenização securitária com base no valor médio de mercado do bem vigente na data de liquidação do sinistro, pois onera desproporcionalmente o segurado, colocando-o em situação de desvantagem exagerada, indo de encontro ao princípio indenitário, visto que, como cediço, os veículos automotores sofrem, com o passar do tempo, depreciação econômica, e quanto maior o lapso entre o sinistro e o dia do efetivo pagamento, menor será a recomposição do patrimônio garantido. Trata-se, pois, de disposição unilateral e benéfica somente à seguradora, a qual poderá também atrasar o dia do pagamento, ante os trâmites internos e burocráticos de apuração do sinistro. De fato, a regulação do sinistro e seus prazos (arts. 1º, § 2º, da Lei n. 5.488/1968 e 21, § 1º, da Circular/SUSEP n. 145/2000) não devem interferir no dia inicial para o cálculo do valor indenizatório, pois apenas se referem à análise do processo de sinistro quanto à sua cobertura pela apólice contratada bem como à adequação da documentação necessária. Desse modo, a cláusula do contrato de seguro de automóvel a qual adota, na ocorrência de perda total, o valor médio de mercado do veículo como parâmetro para a apuração da indenização securitária deve observar a tabela vigente na data do sinistro, e não a data do efetivo pagamento (liquidação do sinistro). REsp 1.546.163-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016, DJe 16/5/2016.

DIREITO CIVIL. LIMITES DAS OBRIGAÇÕES DO LOCADOR DE IMÓVEL COMERCIAL. Na hipótese de locação de imóvel comercial, salvo disposição contratual em sentido contrário, a obrigação do locador restringe-se tão somente à higidez e à compatibilidade do imóvel ao uso comercial e não abrange a adaptação do bem às peculiaridades da atividade a ser explorada pelo locatário ou mesmo o dever de diligenciar perante os órgãos públicos para obter alvará de funcionamento ou qualquer outra licença necessária ao desenvolvimento do negócio. A extensão do dever do locador em entregar imóvel compatível com a destinação é aferida considerando-se o objetivo do uso, ou seja, a depender da modalidade de locação, se residencial, para temporada ou comercial (art. 22, I, da Lei n. 8.245/1991). Compete ao locatário a análise das características particulares que o bem deve apresentar para a instalação do empreendimento, bem como verificar se o imóvel e sua documentação estão regularizados e aptos à instalação pretendida, pois é o locatário quem detém o essencial conhecimento a respeito da atividade que será desenvolvida. Em outras palavras, é obrigação do locatário examinar previamente a aptidão do bem conforme o negócio a ser realizado, inclusive os documentos do imóvel para viabilizar a obtenção de licenças, que são imprescindíveis ao exercício de qualquer atividade comercial. Na hipótese de locação comercial, salvo disposição contratual em sentido contrário, o comando legal não impõe ao locador o encargo de adaptar o imóvel às peculiaridades da atividade a ser explorada, ou mesmo diligenciar junto aos órgãos públicos para obter alvará de funcionamento ou qualquer outra licença necessária ao desenvolvimento do negócio. Aliás, a permissão para o exercício de atividades industriais e comerciais é ônus que recai sobre aqueles que almejam desempenhar tais atividades, pois é fato estranho à relação locatícia e implicaria desestímulo à locação comercial. Por outro lado, os deveres anexos à boa-fé, especialmente os deveres de informação, cooperação, lealdade e probidade, exigíveis das partes na execução dos contratos, impõem ao locador uma conduta colaborativa, no sentido de fornecer ao locatário os documentos e as informações necessárias à implementação da atividade no imóvel objeto da locação. Ademais, à luz do disposto no art. 22, I, da Lei n. 8.245/1991, o impedimento de exploração do imóvel locado por falta de regularidade do bem perante os órgãos públicos não está inserida na esfera de obrigações do locador, ou seja, é fato imputável exclusivamente ao locatário. REsp 1.317.731-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/4/2016, DJe 11/5/2016.

DIREITO CIVIL. EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE NÃO TEM DIREITO DE PREFERÊNCIA PREVISTO NO ESTATUTO DA TERRA. O direito de preferência para a aquisição do imóvel arrendado, previsto no art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra, não é aplicável à empresa rural de grande porte (arrendatária rural). O Estatuto da Terra não impôs nenhuma restrição quanto à pessoa do arrendatário, para o exercício do direito de preferência, de modo que, ao menos numa interpretação literal, nada obstaria a que uma grande empresa rural viesse a exercer o direito de preempção. Porém, o Decreto n. 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra, estabeleceu que os benefícios nele previstos seriam restritos àqueles que explorem atividade rural direta e pessoalmente, como o típico homem do campo (art. 38), fazendo uso eficiente e correto da terra, contando essencialmente com a força de trabalho de sua família (art. 8º). Analisando-se o Estatuto da Terra como um microssistema normativo, percebe-se que seus princípios orientadores são, essencialmente, a função social da propriedade e a justiça social (arts. 1º e 2º da Lei n. 4.504/1964). Portanto, cabe interpretar o direito de preferência à luz desses dois princípios. Sob o prisma da função social da propriedade, a terra é vista como um meio de produção que deve ser mantido em grau satisfatório de produtividade, observadas as normas ambientais e trabalhistas. No caso do arrendamento, o arrendatário tem total interesse em manter a terra produtiva, pois seria antieconômico pagar aluguel e deixar a terra ociosa. Desse modo, o exercício do direito de preferência pelo arrendatário possibilitaria a continuidade da atividade produtiva, atendendo-se, assim, ao princípio da função social da propriedade. Observe-se que essa conclusão independe do porte econômico do arrendatário, pois o foco é produtividade da terra, respeitadas as normas ambientais e trabalhistas. Entretanto, os princípios da função social da propriedade e da justiça social nem sempre andam juntos. O princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos dos grandes grupos econômicos e dos grandes proprietários, para que seja dado acesso à terra ao homem do campo e à sua família. Preconiza, também, a proteção do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário. A falta ou a ineficiência de uma política agrária faz com que rurícolas migrem para as grandes cidades, onde, não raras vezes, são submetidos a condições de vida degradantes, como temos testemunhado em nosso país, ao longo de décadas de êxodo rural contínuo. Assim, não é por outra razão que o Estatuto Terra assegura a todo agricultor o direito de "permanecer na terra que cultive", bem como estabelece que é dever do Poder Público "promover e criar condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra" (art. 2º, §§ 2º e 3º). Nessa ordem de ideias, o direito de preferência previsto no Estatuto da Terra atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é um homem do campo, pois possibilita que esse permaneça na terra, passando à condição de proprietário. Por outro lado, quando o arrendatário é uma grande empresa, desenvolvendo o chamado agronegócio, o princípio da justiça social deixa de ter aplicabilidade, pois ausente a vulnerabilidade social que lhe é pressuposto. Tem-se na hipótese em análise, portanto, uma situação em que, embora o princípio da função social seja aplicável, não o é o princípio da justiça social, restando saber se o direito de preferência, assim como os demais direitos previstos no Estatuto da Terra, pode ser extraído apenas do princípio da função social da propriedade. Deveras, o cumprimento da função social da propriedade não parece ser fundamento suficiente para que as normas do direito privado, fundadas na autonomia da vontade, sejam substituídas pelas regras do Estatuto da Terra, marcadas por um acentuado dirigismo contratual. Ademais, a função social da propriedade é princípio do qual emanam, principalmente, deveres, não direitos, de modo que esse princípio não é fonte do direito de preferência. Assim, andou bem o regulamento do Estatuto da Terra ao limitar os benefícios nele previstos a quem explore a terra direta e pessoalmente, como verdadeiro homem do campo, contando essencialmente com a força de trabalho de sua família (art. 8º c/c art. 38 do Decreto n. 59.566/1966). Nesse sentido, há precedentes do STJ que admitem o direito de preferência para a compra do imóvel rural ao agricultor familiar (REsp 1.103.241-RS, Terceira Turma, DJe 16/10/2009; REsp 36.227-MG, Quarta Turma, DJ 13/12/1993). Logo, quando a arrendatária é uma empresa rural de grande porte, não lhe é aplicável o Estatuto da Terra, incidindo o Código Civil, que não prevê direito de preferência no contrato de locação de coisas, cabendo às partes pactuarem uma cláusula com esse teor. Observe-se que o entendimento contrário, pelo reconhecimento do direito de preferência, permitiria que grandes empresas rurais exercessem seu direito contra terceiros adquirentes, ainda que estes sejam homens do campo, invertendo-se, assim, a lógica do microssistema normativo do Estatuto da Terra. Sob outro ângulo, ao se afastar a aplicabilidade do Estatuto da Terra, prestigia-se o princípio da autonomia privada, que, embora mitigado pela expansão do dirigismo contratual, ainda é o princípio basilar do direito privado, não podendo ser desconsiderado pelo intérprete. Ademais, a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público. A doutrina chega a reconhecer a vigência, neste campo do direito, do princípio da "plena vinculação dos contratantes ao contrato", ou seja, uma especial força obrigatória dos efeitos do contrato (pacta sunt servanda), em grau superior ao do Direito Civil, cujo afastamento somente poderia ocorrer em hipóteses excepcionais. Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a livre iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado. Com efeito, o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. Neste contexto, embora não se esteja propriamente diante de um contrato empresarial, quando se tem uma grande empresa pretendendo se valer de um microssistema protetivo para furtar-se à força obrigatória do contrato ao qual se obrigou, é perfeitamente cabível a aplicação do princípio da autonomia privada ao caso na perspectiva do seu consectário lógico que é a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda). REsp 1.447.082-TO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/5/2016, DJe 13/5/2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE BUSCA. Não há dano moral quando o provedor de busca, mesmo após cientificado pelo consumidor, exibe associação indevida entre o argumento de pesquisa (o nome desse consumidor) e o resultado de busca (o sítio eletrônico cujo conteúdo nocivo ao consumidor já tenha sido corrigido pelo responsável da página eletrônica). Antes mesmo da entrada em vigor da Lei n. 12.965/2014 - Marco Civil da Internet -, o STJ tem sido chamada a enfrentar a questão da responsabilidade civil e seus limites, em razão de danos causados por meio da web. No enfrentamento da questão, diante do vácuo legislativo específico, trouxe-se à baila questões jurídicas que envolviam, além da aplicação da legislação civil e consumerista, a essência dos serviços prestados, a fim de se aferir o grau de participação na causação do dano, como elemento para delimitação do liame subjetivo da responsabilidade. Com efeito, tanto essa metodologia utilizada nos julgamentos do STJ quanto as próprias conclusões reiteradamente alcançadas, alinham-se ao consenso que vem sendo paulatinamente construído em âmbito global, no sentido de se limitar a responsabilidade civil dos provedores de aplicações pelos danos eventualmente causados, consenso do qual se tem extraído o princípio de que "onde há controle haverá responsabilidade, mas na falta desse controle o fornecedor não é responsável". Noutros termos, identificando-se uma atividade de mero transporte de informações, não tendo o provedor qualquer decisão quanto ao conteúdo da informação ou à seleção dos destinatários do referido conteúdo, afastada estará sua eventual responsabilização. Os provedores de pesquisa são reconhecidos pela doutrina e jurisprudência como espécies de provedores de conteúdo, os quais, por sua vez, inserem-se no conjunto mais amplo dos provedores de aplicações, conjunto este atualmente reconhecido pela novel Lei do Marco Civil da Internet. Nesse cenário, por silogismo, esses provedores não se sujeitariam à responsabilização, porquanto se evidencia a ausência absoluta de controle quanto ao conteúdo danoso divulgado. Nesse sentido é o entendimento albergado reiteradamente pelo STJ, no qual se sublinha a limitação do serviço oferecido à mera exibição de índices e links para acesso ao conteúdo publicado e disponível na rede mundial (REsp 1.316.921-RJ, Terceira Turma, DJe 29/6/2012). Note-se que, constitui novo contexto fático (até o momento não enfrentado pelo STJ) a hipótese em que o conteúdo nocivo é prontamente corrigido -independentemente de ação judicial e ordem judicial - na página em que divulgado originariamente, mas o índice de provedor de busca permanece exibindo o link como se na página indicada ainda houvesse o conteúdo retirado. Diante desse novo contexto fático, convém revisitar a essência do serviço prestado, a fim de aferir a existência de eventual falha, bem como sua correspondente aptidão para configurar, ou não, um acidente de consumo, a impor a responsabilização direta do fornecedor. Como assentado em julgados anteriores do STJ, os sítios de busca consistem na disponibilização de ferramenta para que "o usuário realize pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada" (REsp 1.316.921-RJ, Terceira Turma, DJe 29/6/2012). Para tanto, forma-se uma espécie de índice do conteúdo disponível na internet, qualquer que seja esse conteúdo, facilitando o acesso às informações disponíveis, livre de qualquer filtragem ou censura prévia. No intuito de agregar velocidade ao sistema de pesquisas e reduzir o tempo de resposta, alcançando resultados mais relevantes e úteis aos usuários, a base de dados trabalha em uma crescente, sempre adicionando novos resultados e novos conteúdos. Desse modo, não se pode afirmar peremptoriamente que os resultados um dia existentes serão necessariamente excluídos. Isso porque, de fato, algumas páginas serão varridas novamente - segundo uma periodicidade que variará de acordo com um sistema exclusivo de ranking das páginas, que toma em consideração a quantidade de vezes que ela é mencionada na rede por outros usuários e o volume de consultas e acessos -, porém, outras páginas, por sua ínfima relevância no meio virtual, serão ignoradas em novas varreduras, mantendo-se íntegro o resultado atrelado na base de dados do provedor de busca aos argumentos de pesquisa inseridos pelos internautas. Essa ausência de atualização constante não pode ser compreendida como uma falha do sistema de busca ou como uma atividade, por si só, geradora de dano, suscetível de imputar ao provedor de pesquisa a responsabilidade civil. Com efeito, o resultado apontado em decorrência da ausência de atualização automática não é o conteúdo ofensivo em si, mas a mera indicação do link de uma página. Ao acessar a página por meio do link, todavia, o conteúdo exibido é exatamente aquele existente na página já atualizada e, portanto, livre do conteúdo ofensivo e do potencial danoso. Por essa linha de raciocínio, deve-se concluir, primeiramente, que não há dano moral imputável ao provedor de busca, que apenas estampa um resultado já programado em seu banco de dados para determinados critérios de pesquisa, resultado este restrito ao link de uma página que, uma vez acessado, não dará acesso ao conteúdo ofensivo em si porque já retirado. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016, DJe 19/5/2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE O ARGUMENTO E O RESULTADO DE PESQUISA EM PROVEDOR DE BUSCA. O provedor de busca cientificado pelo consumidor sobre vínculo virtual equivocado entre o argumento de pesquisa (nome de consumidor) e o resultado de busca (sítio eletrônico) é obrigado a desfazer a referida indexação, ainda que esta não tenha nenhum potencial ofensivo. Para além do afastamento da responsabilidade civil pelos danos eventualmente sofridos, o STJ reconheceu a impossibilidade de se obrigar provedor de busca a excluir dos resultados de pesquisa determinados termos os quais conduziriam à exibição do conteúdo danoso. Essa conclusão foi extraída a partir da premissa de que, retirado o conteúdo nocivo da rede, automaticamente estaria excluído o resultado da busca (REsp 1.316.921-RJ, Terceira Turma, DJe 29/6/2012). Na prática, contudo, essa premissa tem se mostrado irreal. Note-se que, constitui novo contexto fático (até o momento não enfrentado pelo STJ) a hipótese em que o conteúdo nocivo é prontamente corrigido - independentemente de ação judicial e ordem judicial - na página em que divulgado originariamente, mas o índice de provedor de busca permanece exibindo o link como se na página indicada ainda houvesse o conteúdo retirado. Diante desse novo contexto fático, convém revisitar a essência do serviço prestado, a fim de aferir a existência de eventual falha, bem como sua correspondente aptidão para configurar, ou não, um acidente de consumo, a impor a responsabilização direta do fornecedor. Como assentado em julgados anteriores do STJ, os sítios de busca consistem na disponibilização de ferramenta para que "o usuário realize pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente naweb, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada" (REsp 1.316.921-RJ, Terceira Turma, DJe 29/6/2012). Para tanto, forma-se uma espécie de índice do conteúdo disponível na internet, qualquer que seja esse conteúdo, facilitando o acesso às informações disponíveis, livre de qualquer filtragem ou censura prévia. No intuito de agregar velocidade ao sistema de pesquisas e reduzir o tempo de resposta, alcançando resultados mais relevantes e úteis aos usuários, a base de dados trabalha em uma crescente, sempre adicionando novos resultados e novos conteúdos. Desse modo, não se pode afirmar peremptoriamente que os resultados um dia existentes serão necessariamente excluídos. Isso porque, de fato, algumas páginas serão varridas novamente - segundo uma periodicidade que variará de acordo com um sistema exclusivo de ranking das páginas, que toma em consideração a quantidade de vezes que ela é mencionada na rede por outros usuários e o volume de consultas e acessos -, porém, outras páginas, por sua ínfima relevância no meio virtual, serão ignoradas em novas varreduras, mantendo-se íntegro o resultado atrelado na base de dados do provedor de pesquisa aos argumentos de pesquisa inseridos pelos internautas. Por essa linha de raciocínio, impõe-se concluir que, ao espelhar um resultado, que um dia esteve disponível mas não se encontra publicado na rede mundial na data da busca, a ferramenta de pesquisa apresenta-se falha em seu funcionamento, não correspondendo adequadamente ao fim a que se destina. Frisa-se que a falha não está relacionada estritamente à esfera individual do consumidor cujo nome estava vinculado indevidamente ao sítio eletrônico, mas, de forma objetiva, à exibição de resultado que já não corresponde, não guarda nenhuma pertinência, ao argumento objeto de busca. Nesse diapasão, não se pode olvidar a cediça incidência do CDC aos serviços prestados por meio da internet. Desse modo, ainda que se trate de fornecimento de serviços sem contraprestação financeira direta do consumidor, o fornecedor do serviço virtual não se exime da entrega da prestação em conformidade com a legítima expectativa consumerista, atraindo por analogia a incidência do art. 20 do CDC. Nos termos do referido art. 20 e seu § 2º, estabelece o CDC o dever de os fornecedores em mercado de consumo entregarem serviços que se mostrem adequados aos fins que razoavelmente deles se esperam, cominando, no caso de descumprimento, a obrigação de: i) reexecutar o serviço; ii) restituir a quantia paga; ou iii) abater proporcionalmente o preço, conforme opção a ser exercida pelo consumidor. Não se ignora que as regras do CDC, pensadas no início dos anos 1990, têm redação por vezes imperfeitas para a compreensão imediata de questões da dinâmica era digital, no entanto, sua interpretação teleológica fornece instrumentos suficientes para sua adequada aplicação. Desse modo, tratando-se de serviço gratuito não cabe mesmo as opções previstas nos incisos II e III do caput do art. 20 do CDC, mas se mantêm hígidos tanto a obrigação de entregar serviço adequado à sua finalidade como o dever de reexecução para correção das falhas existentes. Nessa trilha, a compreensão de que um provedor de pesquisa deve corrigir sua base de dados e adequá-la aos resultados de busca atuais, fazendo cessar a vinculação do nome do consumidor à página por ele indicada, é medida que concretiza diretamente aquele seu dever, enquanto fornecedora do serviço de busca, de entregar respostas adequadas ao critério pesquisado. Claro que no ambiente intensamente dinâmico, falhas e incorreções podem porventura ser identificadas, entretanto, não há espaço para a inércia do empresário em corrigir uma clara falha de seu serviço, quando cientificada pelo consumidor, em especial, diante da fácil constatação de que o vínculo original não mais se sustenta e a mera reindexação é manifestamente suficiente para essa correção. No cenário global, também é esse o entendimento que vem despontando como solução razoável em torno dos mecanismos de busca disponíveis na internet: os resultados de busca devem ser passíveis de correções e adequações, de forma a se preservar o direito individual daqueles atingidos pela disponibilização da informação. Nesse sentido, houve decisão do Tribunal de Justiça europeu, em maio de 2014, reconhecendo a obrigação de um provedor de busca de apagar dos resultados de pesquisa - enquanto materialização do direito ao esquecimento - os dados de um cidadão espanhol que, embora verdadeiros, foram considerados irrelevantes para o livre acesso público à informação (C-131/12), bem como a consequente responsabilização civil em caso de descumprimento da decisão judicial. Com efeito, desde o referido precedente da Corte europeia, tem-se admitido em solo europeu a obrigação de pronta correção ou exclusão de dados pessoais, sempre que, sob o crivo da Justiça, se verificar a incorreção, irrelevância, desnecessidade ou excesso na informação existente em meio virtual, inclusive quanto aos dados mantidos no banco de provedor de pesquisa. Ressalte-se, ademais, que esse entendimento também não conflita com o atual Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) que, em seu art. 19, igualmente, admite a responsabilização do provedor de aplicações na hipótese de descumprimento de decisão judicial. Diante dessas considerações, a inércia quanto à correção da falha do serviço entregue à comunidade consumidora da internet não tem respaldo legal e merece repúdio e correção pelo Poder Judiciário. REsp 1.582.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/5/2016, DJe 19/5/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE ENTRE A MORTE DO INTERDITANDO E A AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS AJUIZADA POR ELE. A morte do interditando no curso de ação de interdição não implica, por si só, a extinção do processo sem resolução de mérito da ação de prestação de contas por ele ajuizada mediante seu curador provisório, tendo o espólio legitimidade para prosseguir com a ação de prestação de contas. O poder de representação do curador decorre da falta de capacidade postulatória do curatelado, e não da falta de sua capacidade de direito, que são coisas distintas. A restrição imposta à capacidade de exercício tem por escopo a proteção da pessoa, não sua discriminação ou estigma, de sorte que, ainda que a pessoa seja representada ou assistida, conforme sua incapacidade - total ou relativa -, o direito é do curatelado ou tutelado, e não de seu representante ou assistente, respectivamente. É certo que a morte do interditando no curso da ação de interdição acarreta a extinção do processo sem resolução de mérito, visto tratar-se de ação de natureza personalíssima. Isso não quer dizer, contudo, que a ação de prestação de contas ajuizada pelo interditando mediante representação do curador provisório perca objeto e deva ser extinta sem resolução de mérito. Assim, a extinção da ação de interdição em nada prejudica o curso da ação de prestação de contas, pois o direito titularizado pelo interditando passa, com sua morte, a ser do seu espólio. Ademais, conquanto a ação de prestação de contas seja também uma demanda de natureza personalíssima, apenas o é em relação à parte requerida. Portanto, correto o entendimento de ser válida a substituição processual no polo ativo da ação de prestação de contas pelo espólio do interditando, a teor do art. 43 do CPC/1973, inexistindo, nessa medida, ofensa ao art. 267, IV e IX, do referido diploma legal. REsp 1.444.677-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/5/2016, DJe 9/5/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. FORMA PREFERENCIAL DE PAGAMENTO AO CREDOR. A adjudicação do bem penhorado deve ser assegurada ao legitimado que oferecer preço não inferior ao da avaliação. Com a edição da Lei n. 11.382/2006, que alterou alguns artigos do CPC/1973, a adjudicação (art. 647, I) passou a ser a forma preferencial de satisfação do direito do credor, tornando secundárias as tradicionais formas de expropriação previstas no art. 647 do referido código. Igualmente, o novo CPC também prevê a adjudicação como forma preferencial de satisfação do direito do credor. Conforme preceitua doutrina especializada, a adjudicação pode ser conceituada como "o ato executivo expropriatório, por meio do qual o juiz, em nome do Estado, transfere o bem penhorado para o exequente ou a outras pessoas a quem a lei confere preferência na aquisição". REsp 1.505.399-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/4/2016, DJe 12/5/2016.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MOMENTO PARA REQUERIMENTO DA ADJUDICAÇÃO. A adjudicação poderá ser requerida após resolvidas as questões relativas à avaliação do bem penhorado e antes de realizada a hasta pública. O limite temporal para requerimento da adjudicação, embora não esteja claro na legislação, consoante doutrina, parece ser o início da hasta pública. Com efeito, a norma prevista no art. 686 do CPC/1973 limita-se a prever que "Não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado, será expedido o edital de hasta pública (...)". Nesse contexto, doutrina entende que "a falta de previsão legal deste momento conclusivo recomenda que o juiz consulte o credor, depois da penhora e da avaliação dos bens, sobre seu interesse na adjudicação. Não havendo manifestação em prazo razoável, segue-se para a alienação em hasta pública". Assim, os legitimados têm direito a realizar a adjudicação do bem a qualquer momento, após resolvidas as questões relativas à avaliação do bem e antes de realizada a hasta pública. Ressalte-se que diante da importância conferida à adjudicação no sistema atual, segundo doutrina, "ainda que expedidos os editais de hasta pública, nada impede a adjudicação pelo exequente ou por qualquer um dos legitimados do art. 685-A, § 2º, do CPC", situação em que o adjudicante ficará obrigado a arcar com as despesas decorrentes de atos que se tornaram desnecessários em razão da sua opção tardia, sendo aplicável o art. 29 do CPC/1973. Esse entendimento visa a assegurar a menor onerosidade da execução, princípio consagrado no sistema processual brasileiro com objetivo de proteger a boa-fé e impedir o abuso de direito do credor que, dispondo de diversos meios igualmente eficazes, escolha meio executivo mais danoso ao executado. REsp 1.505.399-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/4/2016, DJe 12/5/2016.

DIREITO CIVIL. TEMA 938. Recurso especial afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI)." REsp 1.599.510-SP, REsp 1.599.511-SP, REsp 1.599.618-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 16/5/2016; e REsp 1.602.800-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 31/5/2016.

DIREITO CIVIL. TEMA 953. Recurso especial afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "possibilidade de cobrança de capitalização anual de juros independentemente de expressa pactuação entre as partes." REsp 1.388.972-SC eREsp 1.593.858-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18/5/2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR. TEMA 952. Recurso especial afetado à Segunda Seção como representativo da seguinte controvérsia: "validade da cláusula contratual de plano de saúde que prevê o aumento da mensalidade conforme a mudança de faixa etária do usuário." REsp 1.568.244-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 18/5/2016.