Na incorporação de imóveis,
a quem compete o pagamento da comissão do corretor de imóveis? Qual o prazo
prescricional?
Marco Aurélio Bezerra de Melo. Mestre em Direito pela Universidade
Estácio de Sá. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil e do Consumidor da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
A corretagem caracteriza-se
pelo dever assumido pelo corretor de atuar de forma diligente e leal a fim de
promover a aproximação de um terceiro ao contrato proposto pelo dono do negócio
que o contratou exatamente para esse fim.
Diferencia-se da mediação, porque o mediador se apresenta
como alguém equidistante às partes, com imparcialidade e que busca fomentar a
contratação sem que intervenha em favor de nenhum dos parceiros contratuais.
No direito brasileiro, a atuação do corretor é
inegavelmente parcial, isto é, o profissional atua em favor de quem o
contratou, na exata dicção do artigo 722 do Código Civil: “pelo contrato de
corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação
de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a
segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.”.
Dessa forma, estamos convencidos do acerto da doutrina[1] e
jurisprudência majoritária que caminha no sentido de entender que na corretagem
propriamente dita quem tem o dever de remunerar o corretor é a pessoa que o
contratou e logrou tirar proveito do trabalho técnico-profissional empreendido.
Seja para realizar a venda, a compra, a locação ou qualquer outro contrato,
curial que aquele que incumbe o corretor desse serviço, tem o dever, em regra,
de proceder à remuneração.
Afinal de contas, lógico se mostra que aquele que
contratou qualquer tipo de serviço, remunere quem o realizou. Arnaldo Rizzardo[2] alinha
o seu pensamento dessa forma para a final concluir que “a comissão constitui
obrigação a cargo de quem incumbe a realização da corretagem.”.
Como não há lei proibindo cláusula que preveja de modo
diverso a quem compete remunerar o corretor, temos que em uma relação regida
pelo direito comum e estando os contratantes em posição de igualdade, a
disposição contratual reputar-se-á válida, desde que expressa. Assim, podem as
partes adotar o critério do rateio da comissão como consta no artigo 1755 do
Código Civil italiano e no antigo artigo 64 do Código Comercial. Pode ficar
estabelecido, outrossim, que a remuneração competirá ao terceiro que contratar
com o dono do negócio, assim como nada obsta que em uma compra e venda de
imóvel com as partes postas em pé de igualdade, o comprador assuma o pagamento
de pagar os impostos em atraso que incidem sobre a coisa (Ex. IPTU), mesmo
antes da tradição. Tudo em conformidade com o caro princípio da autonomia
privada e seu corolário lógico da obrigatoriedade.
Entrementes, não vemos como possível essa estipulação
contratual em contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor[3] ou
até mesmo em relação negocial não regida pela lei consumerista, mas que a
pessoa que não contratou o corretor assuma a obrigação de pagar o corretor em
um contrato de adesão por força do que dispõe o artigo 424 do Código Civil:
“nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”.
No primeiro caso, a grande aplicação prática dessa
questão gira em torno da cobrança de corretagem cobrada pelo incorporador de imóveis
do consumidor por ocasião da aquisição de uma unidade autônoma. Aqui,
parece-nos que a abusividade salta aos olhos[4], pois ao consumidor não pode ser
repassado um custo típico do fornecedor, isto é, ligado a uma de suas
atividades empresariais preponderantes: a
comercialização de imóveis postos à venda nos stands da própria sociedade
empresária do ramo imobiliário.
Dentre as disposições negociais que acompanham a cobrança
da comissão de corretagem, encontra-se a igualmente polêmica Taxa de Serviço de
Assistência Técnico-Imobiliária (SATI), cobrada indevidamente do consumidor,
sob o argumento de que este tira proveito contratual de uma assessoria
apresentada pelo fornecedor a fim de que tenha acesso a questões contábeis e
jurídicas relevantes na compra do imóvel.
Não raro, há um claro déficit de informação, pois não há
transparência com relação ao que o consumidor está pagando, uma vez que a
cobrança da corretagem se encontra inserida no contrato sem o devido destaque
no meio de outras questões que dizem respeito ao imóvel que se está adquirindo.
Nesse caso, parece bastante clara a vulneração do artigo 6º, III, da lei
8078/90[5] que
estabelece o direito básico do consumidor à informação que deverá ser clara e
precisa para que o consumidor saiba com exatidão os seus direitos e seus
deveres, não se surpreendendo com uns e outros. A ineficácia de cláusula em que
não se oportuniza ao consumidor o conhecimento prévio de seu conteúdo decorre
da aplicação imediata do artigo 46 da citada legislação protetiva[6].
O pagamento indevido da comissão de corretagem pelo
consumidor possibilitará o pleito de repetição do indébito em dobro da quantia
efetivamente paga (art. 42, p. único, lei 8078/90[7]), a ser proposta em face da incorporadora
vendedora da unidade autônoma, uma vez que o pagamento de tal verba a ela interessa
e compete.
O prazo prescricional será de dez anos a contar do
desembolso financeiro indevido (art. 205, CC[8]), uma vez que inexiste prazo específico
menor para a prescrição da pretensão ressarcitória nascida do referido direito
patrimonial.
Questão mais difícil será a de definir a possibilidade da
cobrança da comissão de corretagem por parte do consumidor na hipótese em que
não existir déficit informacional. A cláusula será válida se constar no
contrato escrito, com a devida transparência e destaque?
A questão é polêmica, desafiando dois entendimentos.
O desembargador Werson Rego[9] estabelece
balizas bem delineadas em que a cobrança se mostra válida. Ei-las: “A
transferência do pagamento da comissão de corretagem, devida pela
incorporadora, ao adquirente não se revela abusiva, diante da comprovação de
satisfação dos seguintes pressupostos de validade da estipulação: a) ciência
prévia e clareza em tal estipulação; b) pagamento efetuado em nome do vendedor
e; c) dedução do valor da comissão de corretagem do preço da unidade
imobiliária contratada.”. A ausência de qualquer um dos requisitos
apontados ensejaria, portanto, a repetição do indébito em dobro, na forma
preconizada pelo artigo 42, p. único, do Código de Defesa do Consumidor.
Em que pese a judiciosidade do raciocínio, ousamos
discordar. A nosso viso, a vulnerabilidade do consumidor reconhecida pela
Constituição Federal (art. 5º, XXXII e 170, V) e pela lei 8078/90 (art. 4º, I)
conduz a que ao fornecedor não seja lícito repassar ao destinatário final de
sua atividade produtiva de algo que é do seu exclusivo interesse empresarial
que vem a ser a venda das unidades autônomas após a regular incorporação.
Outra vulneração clara aos princípios e regras
consumeristas está no fato de o consumidor pagar por um serviço que não foi
prestado a ele, situação essa que torna a cláusula nula por estabelecer uma
obrigação iníqua, abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e,
ainda, ofensiva da boa fé objetiva, na forma do inciso IV, do artigo 51 do
Código de Defesa do Consumidor.
Nessa relação desigual entre fornecedor e consumidor,
unidos que se encontram na celebração de um contrato de adesão, a liberdade
contratual produzirá o nefasto efeito de retirar dos ombros do fornecedor uma
despesa umbilicalmente vinculada à sua atividade empresarial e colocá-la sobre
os ombros do consumidor, parte mais fraca da relação, sendo meramente formal
eventual cláusula que diga que o valor pago pela corretagem será excluído do
valor final do imóvel. Transparente será a fixação do preço da unidade autônoma
e sobre tal valor incidir a comissão de corretagem paga por aquele que se
coloca no mercado de consumo como vendedor de imóveis.
Ademais, o esclarecimento inserto na disposição
contratual é de pouca, senão nenhuma relevância para o consumidor, uma vez que
quando este se dirige ao mercado para compra de um imóvel na qualidade de
destinatário final do produto, o fornecedor já escolheu o corretor que,
obviamente, irá prestar os seus serviços em favor dele, com parcialidade e de
modo oneroso.
Salienta, com propriedade, Héctor Valverde Santana[10], que “não há igualdade das partes na
relação de consumo, mas efetiva dominação do fornecedor (construtora ou
incorporadora) quanto à imposição das condições negociais. Exige-se um padrão
de honestidade, lealdade, transparência e probidade das partes, circunstância
que conduz à conclusão de que é abusiva a cláusula que transfere ao consumidor
a obrigação de pagamento de comissão de corretagem, porquanto não há um
correspondente serviço que lhe fora prestado.”.
Nos tribunais estaduais,[11] o
posicionamento pela abusividade da cobrança tem prevalecido, mas diante dos
posicionamentos sustentáveis sob o ponto de vista jurídico e econômico, mas
absolutamente antagônicos, a questão se encontra hoje afetada ao regime dos
recursos repetitivos junto ao Superior Tribunal de Justiça[12] para
unificar as seguintes questões: validade da cláusula, legitimidade passiva para
a repetição do indébito e prazo prescricional.
[3] Héctor
Valverde Santana. Pagamento de Comissão de Corretagem na Compra e Venda de Imóvel: Obrigação
do Fornecedor. in Revista de Direito do Consumidor, Vol. 91, 2014, p. 141/165.
[4] No mesmo sentido: Flávio Tartuce. Teoria Geral dos
Contratos e Contratos em Espécie. 11ª ed. 2016, p. 620.
[5] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III – a informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
[6] Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não
obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar
conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
[7] Art. 42. … omissis … Parágrafo
único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do
indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de
correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
[9] TJRJ, 25ª Câmara Cível do Consumidor, Apelação nº 0161824-09.2013.8.19.0001, julg. em 18/01/2016.
[11] Apelação Cível. Rito Sumário. Promessa de Compra e Venda.
Empreendimento Imobiliário. Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por
Danos Morais. Comissão de Corretagem e Taxa de Serviço de Assistência
Técnico-Imobiliária (SATI). Relação de consumo. Responsabilidade objetiva.
Arts. 2º, 3º e 14 do CDC. Disposições contratuais que devem ser examinadas à
luz dos ditames consumeristas, observando-se, principalmente, o princípio da
boa-fé objetiva, bem como os princípios da transparência e da informação na interpretação
do contrato, previstos no artigo 6º, do CDC. Assim, ainda que o artigo 724 do
Código Civil contenha previsão no sentido de que o pagamento da comissão de
corretagem pode ser objeto de ajuste entre as partes, quando se trata de imóvel
vendido na planta relativo a empreendimento de monta, como é o caso dos autos,
o entendimento jurisprudencial tem se encaminhado no sentido de reputar abusiva
a cobrança de comissão de corretagem, mesmo que prevista contratualmente. Isto
porque, em tais hipóteses, não há a figura da intermediação e aproximação
inerentes ao contrato de corretagem, já que o consumidor procura o stand de
vendas para efetuar a aquisição do imóvel por sua própria opção, sem ter sido
encaminhado por profissional. Aplicação do art. 51, IV, do CDC. Do mesmo modo,
indevida a cobrança da aludida Taxa “SATI”, eis que engloba serviços que são
inerentes ao risco do empreendimento imobiliário, os quais devem ser arcados
pela empreendedora. Consumidor que se vê compelido a arcar com tais custos, sob
pena de ver inviabilizado o fechamento do negócio. Restituição dos valores que
deve se dar de forma simples. Danos morais não configurados. Provimento parcial
do recurso. (TJRJ, 27ª Câmara Cível do Consumidor, Apelação nº 0002026-39.2014.8.19.0207, Rel. Des. Mônica Feldman de Mattos,
julg. em 22/07/2015).
Direito do consumidor e
civil. Recurso de apelação. Ação declaratória de nulidade de cláusulas
contratuais c/c obrigação de fazer e indenização. Prazo indeterminado para
conclusão da obra e entrega das chaves. Cláusula nula de pleno direito.
Comissão de corretagem. Devolução ao promissário adquirente. Ausência de prova
robusta do pagamento de aluguéis. Dano moral configurado. Recurso conhecido e
provido em parte. 1. A cláusula que prevê a entrega do imóvel em julho/2011,
ou, alternativamente, 18 (dezoito) meses após a assinatura do contrato de
financiamento perante o agente financeiro, é ambígua e até mesmo contraditória,
na medida em que estabelece datas distintas para o cumprimento da mesma
obrigação contratual, devendo ser declarada nula de pleno direito. 2.
Se houve contratação de empresa de corretagem, esta se deu pela promitente
vendedora, para atuar em seu stand de vendas, devendo, pois, ser por ela
custeadas as comissões que porventura decorram da venda de suas unidades
autônomas. 3. O dever de ressarcir os aluguéis pagos durante o período
de atraso da obra só serão devidos quando demonstrados e comprovados de forma
robusta, o que não ocorreu na espécie. Capítulo reformado. 4. O dano moral
corresponde à frustração da legítima expectativa da parte autora quanto à
entrega do imóvel na data aprazada, em desconformidade aos ditames da boa- fé
objetiva e do princípio da confiança, sendo evidente que os fatos narrados
ultrapassaram a barreira do mero aborrecimento e do simples descumprimento
contratual, atingindo, como restou alegado, o foro íntimo do promissário
comprador. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJCE, 3ª CC, Apelação
Cível nº 0907806-02.2012.8.06.0001, Des. Washington Luis Bezerra de Araújo,
julg. em 13/07/2015).
Civil e Processual Civil
– Apelação Cível – Ilegitimidade Passiva ad causam –
Prescrição – Promessa de Compra e Venda – Imóvel – Taxa de Corretagem –
Abusividade Contratual – Recurso Desprovido. 1. As condições da ação devem ser
aferidas in status assertionis (teoria da asserção), à luz das
alegações constantes da petição inicial. 2. Recentemente, o Colendo Superior
Tribunal de Justiça reafirmou a tese sufragada em julgamento submetido ao rito
dos recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil), de que nas
hipóteses em que se esteja diante de pretensão de ressarcimento de valores
decorrentes de cobrança indevida, aplica-se o prazo decenal previsto no art.
205, do Código Civil. 3. Configura prática abusiva a cobrança de
comissão ou taxa de corretagem relativamente a contratos de promessa de compra
e venda de imóveis novos na hipótese do adquirente (consumidor) se dirigir
diretamente ao stand de venda da própria incorporadora, ou construtora, e
entabular o negócio jurídico. (TJES, 1ª CC, Apelação Cível nº
0002458-31.2014.8.08.0024, Rel. Des. Annibal de Rezende Lima, julg. em
15/12/2015).
Informativo nº 571/2015.
Direito do Consumidor e Processual Civil. Tema 939. Recurso Especial afetado à
Segunda Seção como representativo das seguintes controvérsias:“legitimidade
passiva da incorporadora (promitente vendedora) para responder pela restituição
da comissão de corretagem e da taxa de serviço de assessoria
técnico-imobiliária (SATI), sob o fundamento da abusividade da transferência
desses encargos ao consumidor”. (REsp 1.551.968-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
27/10/2015).
Recursos Repetitivos –
Decisões de Afetação.
Informativo nº 568/2015.
Direito do Consumidor. Tema 938. Recurso Especial afetado à Segunda Seção como
representativo das seguintes controvérsias: – “prescrição da pretensão
de restituição das parcelas pagas a título de comissão de corretagem e
de assessoria imobiliária, sob o fundamento da abusividade da transferência
desses encargos ao consumidor”;
“validade da cláusula contratual que transfere ao
consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de
assessoria técnico-imobiliária (SATI)”. (REsp 1.551.956-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
8/9/2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário