terça-feira, 22 de abril de 2014
segunda-feira, 21 de abril de 2014
ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. O NASCITURO ÓRFÃO.
O
Nascituro órfão
Designa-se como nascituro aquele que concebido,
há de nascer, e que em vida-intra-uterina tem sua existência já tutelada (a
exemplo dos alimentos gravídicos), bem como os seus direitos postos a salvo,
desde a concepção; tudo conforme a leitura concepcionista do artigo 2º do
Código Civil, embora sua personalidade civil comece do nascimento com vida.
Significa, assim, o ser já concebido e gestado, aguardando no ventre materno o
evento maior, o de exsurgir para a vida terrestre com sua vida como pessoa. Aquele
que ainda não nasceu e haverá, por certo, de nascer com vida.
Há quem sustente que o nascituro também será o
ente concebido e ainda não gestado, ou mais precisamente, o que está em vida
extra-uterina, conceituado como embrião pré-implantatório, resultado de
técnicas de reprodução medicamente assistida, ou seja, aquele de concepção “in
vitro” e crioconservado, em nitrogênio líquido. Significa, assim, que nascituro
será também o embrião, como tem sustentado, modernamente, juristas do elevado porte
de Silmara Juny Chinelato (autora da clássica obra “Tutela Civil do Nascituro”,
1999) e Flávio Tartuce (2007). De tal ordem, presente a figura do artigo 1.597,
inciso IV, do Código Civil, ou seja, a do embrião excedentário, havido a
qualquer tempo.
Pois bem: nessa ordem de ideias, dominante na
doutrina moderna a teoria concepcionista, tendo o nascituro seus direitos
reconhecidos desde a concepção, pontua-se, para o propósito do tema, a figura
do nascituro órfão, certo que essa situação insere-se em três realidades
assentadas por fatos da ciência ou da própria vida:
(i) o havido por concepção artificial homóloga
“post mortem”, por técnicas de inseminação do sêmen (artigo 1.597, III, Código
Civil);
(ii) o havido por ulterior implantação, como
embrião excedentário, quando já falecido o genitor (artigo 1.597, III, Código
Civil);
(iii) o nascituro que durante a gestação, tem a
perda superveniente do genitor, (por causas diversas), não o conhecendo ao
nascer.
O tema tem sido enfrentado pela doutrina, designadamente
quanto às duas primeiras hipóteses, quando induvidosa e admitida a paternidade
póstuma, a teor dos reportados incisos do artigo 1.597 do Código Civil. A Resolução
nº 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, dispõe a respeito, ao
dizer não constituir ilícito ético a reprodução assistida “post mortem”, “desde
que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material
biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.
A fecundação “post mortem” tem tratamentos
diferenciado nas diversas legislações, bastando referir que a proíbem as leis
da Suécia (1985) da Alemanha (1990) e de Portugal (Lei 32, de 26.06.2006, art.
22, 1. e 2.), certo ainda que (i) a lei portuguesa admite, porém, lícita a
transferência “post mortem” de embrião, diante de projeto parental definido por
escrito antes da morte do pai (idem, art. 22, 3) e (ii) a lei da Espanha,
embora admita, impõe prazo máximo da inseminação “post mortem”, de doze meses
após a morte do marido (Lei nº 35/1988, art. 9º).
Afinal, a inseminação
“post mortem”, tem dois paradigmas emblemáticos: (i) O mitológico - quando encontra Isis reconstituindo os
restos mortais de Osíris, para fecundar a si mesma e; (ii) o humanista – quando, por exemplo, do
esforço afetivo de uma mulher enlutada, na corrida contra o tempo, para recolher,
em no máximo trinta e seis horas, o sêmen de seu noivo Johhny Quintana, morto
por ataque cardíaco. Ela, Gisela
Marrero, obteve da corte do Bronx (NY, EUA), a autorização para a coleta.
Desde quando Corine
Parplalaix reivindicou junto à corte de
Creteil (França), o sêmen de seu marido falecido, Alain, e por ela autorizada à
inseminação (08/1984), iniciaram-se nos âmbitos ético e jurídico, as inquietantes
peculiaridades dos seus efeitos, com debates a respeito. O principal deles, sem
dúvida, é o da criança ser gerada em situação de orfandade.
Na terceira hipótese, a
orfandade, mais das vezes, porém, é situação imposta em decorrência de culpa de
terceiro, quando por acidentes de trabalho ou por atos de uma criminalidade não
controlada, adequadamente, pelo Estado. Essa orfandade é a mais cruel e
dramática, porquanto as anteriores decorrem, como observado, de projetos
parentais que, via de consequência, asseguram a vida a quem poderia não ter
vindo ao mundo.
No ponto, assinala-se que “maior a agonia de
perder um pai, é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter
recebido um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou
contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida” (STJ
– REsp. nº 931556, j. em 17.06.2008). Nessa toada, tem sido de há muito
admitido, pelos tribunais nacionais, que o nascituro tem direitos a danos
morais, pela morte do pai - consagrando-se a teoria concepcionista,
- e sem distinção de valor indenizatório em relação aos filhos já nascidos.
Agora, na mesma latitude, em acórdão de
03 de abril corrente, a 2ª Seção do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal
acaba por findar séria controvérsia jurisprudencial ao reconhecer que uma criança,
hoje com sete anos, deva receber uma indenização de 20 mil euros por danos
morais e mais 45 mil euros pela perda de alimentos, causados pela morte do pai
que nunca chegou a conhecer. O julgado reformou decisão do Tribunal de Relação
do Porto.
“Repugna ao mais elementar sentido
de justiça – e viola o direito constitucional da igualdade – que dois irmãos,
que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado
pela circunstância de um deles já ter nascido à data do falecimento do pai
(tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal
acontecimento fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro,
respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes
da morte do seu pai”, subscreve o Relator Álvaro Rodrigues (Proc. 436/07.6TBVRI.P1S1). A decisão invocou o art. 26º da Constituição Portuguesa, para dar uma
interpretação não limitativa ou discriminativa ao art. 496º do Código Civil, superando,
destarte, o art. 66º, II do mesmo estatuto civil. (Web: http://www.stj.pt/jurisprudencia/basedados).
Diante de indicadores sociais de
mulheres grávidas que perderam os seus maridos, por mortes provocadas pela
insegurança pública do Estado, impotente em preservar a vida do cidadão comum, segue-se,
então, considerar, que os nascituros órfãos serão havidos filhos do Estado. Com essa condição, merecedores de indenização
civil, pela perda do pai e ao direito a uma vida digna, como a vida deve ser em
sua dignidade existencial, indistintamente, a cada um.
JONES
FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é
desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de
Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de
direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras
Jurídicas (APLJ).
sábado, 12 de abril de 2014
SEMANA JURÍDICA. FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS (FMU).
Curso de Direito da FMU realiza Semana Jurídica
Evento acontecerá nos Campi Liberdade e Itaim Bibi e contará com a participação de importantes juristas
Fonte: http://portal.fisp.br/noticias/3687/curso-de-direito-da-fmu-realiza-semana-juridica.aspx.
Entre os dias 14 e 16 de abril, o curso de Direito do Complexo Educacional FMU promoverá “Semana Jurídica” que discutirá importantes temáticas da área. O evento contará com a participação de alunos, professores e especialistas do setor jurídico que apresentarão assuntos como a reforma do Código Penal, o sistema prisional, os aspectos jurídicos das missões de paz, o direito à educação, assédio moral nas relações de trabalho, entre outros relevantes aspectos da ciência jurídica.
A Semana acontecerá no auditório da Casa Metropolitana do Direito no Campus Liberdade, localizado na Avenida Liberdade, 749, e no auditório Roberto Campos do Campus Itaim Bibi, na Rua Iguatemi, 306.
Confira a programação completa:
Semana Jurídica
Auditório Roberto Campos – Campus Itaim Bibi
Manhã – 10h
14/04 - “A reforma do Código Penal e os direitos dos refugiados” – Prof. Dr. Manuel Nabais da Furriela, coordenador do curso de Relações Internacionais e docente do curso de Direito da FMU.
15/04 – “Assédio moral nas relações do trabalho” – Dra. Elisa Jacques , advogada.
16/04 – “Aspectos polêmicos do agravo de instrumento no Código de Processo Civil Atual, bem como no CPC Projetado” – Profa. Dra. Cristiane Druve Tavares Fagundes – advogada e docente dos cursos de Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual.
Noite – 19h
14/04 – “Direitos Fundamentais e Controle Judicial das Políticas Públicas” – Dra. Julia Maria Plenamente Silva, procuradora do Estado de São Paulo e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP.
15/04 – “Aspectos jurídicos das missões internacionais de paz” – Dra. Priscila Liane Fett Faganello, advogada e pesquisadora do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina.
16/04 – “O desafio do direito constitucional no século XXI” – Prof. Dr. Paulo Hamilton Siqueira Junior, advogado e docente dos cursos de Mestrado e Graduação em Direito da FMU.
Local: Rua Iguatemi, 306
Casa Metropolitana do Direito – Campus Liberdade
Manhã
14/04 – às 10h – “Novos Desafios do Direito de Família Brasileiro” – Dr. Flávio Tartuce
15/04 – às 10h – “Lei Anticorrupção, Lavagem de Dinheiro e ‘Criminal Compliance’” – Dr. Claudio José Langroiva Pereira
16/04 – às 10h – “Princípios Constitucionais do Direito Penal” – Deputado Fernando Capez
Noite
14/04
às 19h – “Direito à Educação na sociedade contemporânea: a formação do cidadão” – Dr. Lauro Luis Gomes Ribeiro
às 21h – “A autonomia privada de contratação: introdução ao direito civil constitucional” – Dr. Fábio Vieira Figueiredo
15/04
às 19h – “Judicialização dos Direitos Fundamentais” – Dra. Rosana Chiavassa
às 21h – “Sistema Prisional - Aspectos Relevantes” – Dr. Augusto Eduardo de Souza Rossini
16/04
às 19h – “Danos Morais nas relações de Trabalho” – Dr. Rogério Martir
às 21h – “Mesa redonda de debates: Temas atuais do Direito Tributário” – Dr. Edson Miranda
Local: Auditório da Casa Metropolitana do Direito – Avenida Liberdade, 749
ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. FAMÍLIAS MÚTUAS.
Famílias
mútuas
A troca de bebês em maternidades, nascidos em
mesmo dia, decorrente da ineficiência da administração hospitalar, tem
provocado que famílias assumam como filhos os que são de outras, tendo-os,
todavia, como verdadeiros filhos, ao fim e ao cabo da convivência familiar
prolongada, em manifesta parentalidade socioafetiva.
As primeiras repercussões fáticas são danosas,
quando a não semelhança física com os pais, permite “inconvenientes
desconfianças” do cônjuge varão, que levam, em alguns casos, à separação
judicial, ou à compreensão social do “filho de criação”; culminando, outrossim,
com a realização de exames genéticos para a verificação da paternidade e, ao
depois, a procura e identificação do filho biológico trocado.
As soluções subsequentes são a destroca dos
filhos (em medida do possível) a retificação dos registros civis pessoais (com
mudança dos prenomes) e as indenizações por danos morais (de caráter
compensatório); quando, em bom rigor, as sequelas psicológicas são profundas, os
fatos da vida se tornaram inexoráveis pelos danos existenciais causados, valendo,
anotar, por essencial, os vínculos socioafetivos que jamais se desfazem.
A propósito, notável julgado da 1ª Câmara de
Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde relator o
desembargador Erik de Sousa Dantas Simões, juiz decisor de primeiro grau o
magistrado Glacidelson Antonio da Silva (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca
de Garanhuns; sentença em DJe. nº 123/2011, de 07.07.2011, pp. 1.182-1.185) e
patrono dos autores o advogado Ivonaldo de Albuquerque Porto, confirmou a
responsabilização civil estatal por troca de bebês, com o significativo de que
ambas as famílias e os menores impúberes ajuizando, em conjunto, a ação
indenizatória, permaneceram aqueles em companhia dos seus pais registrais,
civis e sociafetivos, por inarredável situação consolidada de amor
paterno-filial entre eles. (TJPE - DJe. nº 45/2014, de 10.03.2014, pp.
167-168).
“Bem que fartos em amor, como natural, puderam
ter em J.R.B.S.J., a satisfação de tê-lo amado como filho e continuarão a
ama-lo como tal”, disseram os primeiros pais na petição inicial da ação
proposta, o mesmo repetindo os segundos, em relação a L.F. de S.
Os bebês nasceram no mesmo dia (30.05.1998), no
mesmo hospital, com uma diferença de apenas oito minutos, trocados na primeira
hora, e somente sete anos depois (25.04.2005), tiveram, por exame genético,
suas verdadeiras origens biológicas reveladas.
As decisões recíprocas dos pais afetivos, uns e
outros, de mantê-los no lar original de cada um, onde foram criados e amados, ao
tempo que exaltam a paternidade e maternidade socioafetivas fazem, em ato
instante, uma cumplicidade inevitável com o destino deles, mormente quando, na
hipótese, tudo evidencia uma desigualdade econômica das famílias envolvidas.
Essa singularidade mais enaltece o triunfo do amor, cuja prevalência tem
seguido precedentes dignificantes:
(i) o caso “Stanley e Jobson”, em Cruzeiro do
Sul, no Acre, quando somente quinze anos depois (05.2013) foi descoberta
a troca, mantiveram-se os jovens com suas genitoras afetivas, decidindo ambas
as famílias estabelecer encontros para a dinâmica de convivência entre os
filhos e as mães biológicas Maria Lúcia Bezerra e Ana Cláudia Ramos; (ii) o caso “Franciele e Danielle”, em Foz do
Iguaçu, no Paraná, quando trocadas em maternidade (23.10.1995), o que somente
constatado sete depois, decidiram também as famílias em não desfazer a troca, morarem
próximas, tornando-se duas famílias unidas.
Em situações que tais, recolhem-se esses fatos
da vida como elementos indutores ao surgimento determinante do que ora se
denomina de “famílias mútuas”. Famílias mútuas serão aquelas, portanto, que se
apresentam formadas por mães e pais que assumindo, efetivamente, a
socioafetividade parental de seus filhos, que lhes foram remetidos pelo
destino, desde o berço trocado, não deixam, todavia, de proteger o vinculo
biológico com os seus filhos consanguíneos em poder de outra família, cuja
permanência ali se oferece como ditame da mesma socioafetividade preordenada.
Há um outro dignificante exemplo, no caso russo
da família Belyaeva, quando sua filha Anya foi trocada por Irina, filha de uma
família muçulmana, a do tadjique Naimat Iskanderov, tendo o tribunal de
Kopeisk, nos montes Urais, condenado o hospital a uma indenização de U$ 100 mil
(2011). As duas famílias, independente de tradições, costumes e religião
diferentes, decidiram utilizar a indenização para possibilitar residências
próximas ou até uma moradia multifamiliar, para as crianças crescerem juntas
com todos os pais.
Anota-se que a troca de bebês em maternidades,
notadamente públicas, tem sido um fenômeno crescente, não obstante medidas de
segurança, normas internas ou municipais e a tímida tipificação penal referida
pelo art. 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no atinente à correta
identificação do neonato e da parturiente, por ocasião do parto. Os julgamentos
dos tribunais brasileiros, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, têm sido
frequentes, a assinalar a responsabilização civil por ilicitudes dessa espécie.
No caso mais recente, anota-se com louvor que,
para além da condenação do Estado de Pernambuco à indenização no valor de R$
300 mil por danos morais para todos os autores (pais e filhos), foi acrescida a
obrigação de o Estado fornecer tratamento psicológico a todos eles, pelo prazo
de dois anos.
No ponto, tenha-se por refletir da impostergável
construção jurídica do instituto do “pensionamento por dano existencial”, de
prazo determinado ou permanente, em moldura jurídica equipotente à do
“pensionamento por morte”, do art. 948, I, do Código Civil; ou seja, uma “pensão
civil por dano” destinada a suprir não apenas as despesas necessárias de
tratamento psicológico de suporte às situações de adequação supervenientes ao
ilícito mas, sobremodo, as despesas advenientes e dirigidas à uma dinâmica de
convivência dos pais com os filhos biológicos que permaneçam na família socioafetiva
preestabelecida.
De efeito, há que se incluir na doutrina e na
jurisprudência, o abrigo jurídico mais apropriado a reger as situações de vida onde
as famílias mútuas, surgidas pela prevalência do afeto, edificam presença
eloquente de dignidade. São exemplos de multiparentalidade, no entrelace de
fatos, que a ordem jurídica, por certo, também haverá de, sem submissão a
dogmas, necessariamente contemplar. Quando separadas por troca, em Rio Verde
(Goiás), há vinte e seis anos atrás, as gêmeas Kátia Sousa e Juliana Flausina,
descobriram-se irmãs, em ocasião que foram trabalhar na mesma loja de sapatos,
o destino orienta que o direito deve compreender melhor a vida.
JONES
FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é
desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura
de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil
e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
sexta-feira, 11 de abril de 2014
RESUMO. INFORMATIVO 537 DO STJ.
DIREITO CIVIL.
TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA DE OBRIGAÇÃO POSITIVA, LÍQUIDA E COM TERMO
CERTO. Em ação monitória para a
cobrança de débito decorrente de obrigação positiva, líquida e com termo certo,
deve-se reconhecer que os juros de mora incidem desde o inadimplemento da
obrigação se não houver estipulação contratual ou legislação específica em
sentido diverso. De início,
os juros moratórios são os que, nas obrigações pecuniárias, compensam a mora,
para ressarcir o credor do dano sofrido em razão da impontualidade do
adimplemento. Por isso, sua disciplina legal está inexoravelmente ligada à
própria configuração da mora. É importante destacar que, por se tratar de
direito disponível, as partes podem convencionar o percentual dos juros de mora
e o seu termo inicial, hipótese em que se fala em juros de mora contratual.
Quando, porém, não há previsão contratual quanto a juros, ainda assim o devedor
estará obrigado ao pagamento de juros moratórios, mas na forma prevista em lei
(juros legais). Quanto ao aspecto legal, o CC estabelece, como regra geral, que
a simples estipulação contratual de prazo para o cumprimento da obrigação já
dispensa, uma vez descumprido esse prazo, qualquer ato do credor para
constituir o devedor em mora. Aplica-se, assim, o disposto no art. 397 do CC,
reconhecendo-se a mora a partir do inadimplemento no vencimento (dies
interpellat pro homine) e, por força de consequência, os juros de mora
devem incidir também a partir dessa data. Assim, nos casos de responsabilidade
contratual, não se pode afirmar que os juros de mora devem sempre correr a
partir da citação, porque nem sempre a mora terá sido constituída pela citação.
O art. 405 do CC (“contam-se os juros de mora desde a citação inicial"),
muitas vezes empregado com o objetivo de fixar o termo inicial dos juros
moratórios em qualquer hipótese de responsabilidade contratual, não se presta a
tal finalidade. Geograficamente localizado em Capítulo sob a rubrica "Das
Perdas e Danos", esse artigo disciplinaria apenas os juros de mora que se
vinculam à obrigação de pagar perdas e danos. Ora, as perdas e danos, de
ordinário, são fixadas apenas por decisão judicial. Nesse caso, a fixação do
termo inicial dos juros moratórios na data da citação se harmoniza com a regra implícita
no art. 397, caput, de que nas obrigações que não desfrutam de certeza
e liquidez, a mora é ex persona, ou seja, constitui-se mediante
interpelação do credor. Precedentes citados: REsp 1.257.846-RS, Terceira Turma,
DJe 30/4/2012; e REsp 762.799-RS, Quarta Turma, DJe 23/9/2010. EREsp
1.250.382-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 2/4/2014.
DIREITO CIVIL.
UTILIZAÇÃO DA TABELA DO CNSP NA DEFINIÇÃO DO VALOR DE INDENIZAÇÃO PAGA PELO
SEGURO DPVAT. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Em
caso de invalidez permanente parcial de beneficiário de Seguro DPVAT, é válida
a utilização de tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) para se
estabelecer proporcionalidade entre a indenização a ser paga e o grau da
invalidez, na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008; o que não impede o
magistrado de, diante das peculiaridades do caso concreto, fixar indenização
segundo outros critérios. Inicialmente,
cumpre afirmar o entendimento – consolidado, inclusive, na Súmula 474 do STJ –
de que, em caso de invalidez permanente parcial do beneficiário, a indenização
do seguro DPVAT será paga de forma proporcional ao grau da invalidez (e não
integral). De fato, o art. 3º, “b”, da Lei 6.194/1974 – que dispõe sobre o
DPVAT – estabelecia, até a entrada em vigor da Lei 11.482/2007, um teto de
quarenta salários mínimos para a indenização por invalidez permanente parcial,
mas não definia a forma de cálculo dessa indenização proporcional nesse caso,
havendo, no art. 12 da Lei 6.194/1974, apenas remissão genérica à existência de
normas do CNSP. Nessa conjuntura, houve controvérsia na jurisprudência em
relação à possiblidade de utilização de normas do CNSP, já que as tabelas do
CNSP não possuem status de lei ordinária. Posteriormente, a Lei
8.441/1992 incluiu o § 5º no art. 5º da Lei 6.194/1974, de modo que, a partir
de então, a proporcionalidade da indenização seria calculada “de acordo com os
percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente suplementada”
e, “nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do trabalho e da
classificação internacional das doenças”. Ocorre que, como essas tabelas também
não estavam previstas em lei, a alteração legislativa não foi suficiente para
encerrar a controvérsia estabelecida na jurisprudência. Apenas em 16/12/2008,
entrou em vigor a MP 451/2008 (posteriormente convertida na Lei 11.945/2009),
que inseriu no texto da Lei 6.194/1974, em anexo, uma tabela acerca do cálculo
da indenização em análise. Além disso, incluiu-se no art. 3º da Lei 6.194/1974
o § 1º, segundo o qual “No caso da cobertura de que trata o inciso II do caput
deste artigo [ou seja, no caso de invalidez permanente parcial], deverão
ser enquadradas na tabela anexa a esta Lei as lesões diretamente decorrentes de
acidente e que não sejam suscetíveis de amenização proporcionada por qualquer
medida terapêutica [...]”. Dessa forma, com a inclusão da aludida tabela na
própria Lei 6.194/1974, encerrou-se a polêmica acerca dos critérios para o
cálculo da indenização proporcional em relação aos acidentes de trânsito
ocorridos posteriormente à entrada em vigor da MP 451/2008 (posteriormente
convertida na Lei 11.945/2009). Entretanto, no tocante aos acidentes de
trânsito ocorridos anteriormente à MP 451/2008, persistiu a controvérsia
jurisprudencial. Nesse contexto, no tocante à possibilidade de utilização de
tabela do CNSP para se estabelecer proporcionalidade entre a indenização a ser
paga pelo seguro e o grau da invalidez na hipótese de sinistro anterior a
16/12/2008 (data da entrada em vigor da Medida Provisória 451/2008), observa-se
que a declaração de invalidade da tabela não é a melhor solução para a
controvérsia, pois a ausência de percentuais previamente estabelecidos para o
cálculo da indenização causaria grande insegurança jurídica, uma vez que o
valor da indenização passaria a depender exclusivamente de um juízo subjetivo do
magistrado. Além disso, os valores estabelecidos pela tabela para a indenização
proporcional pautam-se por um critério de razoabilidade em conformidade com a
gravidade das lesões corporais sofridas pela vítima do acidente de trânsito. De
mais a mais, o CNSP, em razão do art. 7º do Decreto-Lei 73/1966 – segundo o
qual “Compete privativamente ao Governo Federal formular a política de seguros
privados, legislar sobre suas normas gerais e fiscalizar as operações no
mercado nacional” –, ainda detém competência normativa, que, aliás, foi
recepcionada pela CF/1988. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC:
“Validade da utilização de tabela do CNSP para se estabelecer a
proporcionalidade da indenização ao grau de invalidez, na hipótese de sinistro
anterior a 16/12/2008, data da entrada em vigor da Medida Provisória 451/08”.
Precedentes citados: REsp 1.101.572-RS, Terceira Turma, DJe 25/11/2010; e AgRg
no REsp 1.298.551-MS, Quarta Turma, DJe 6/3/2012. REsp
1.303.038-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/3/2014.
DIREITO
EMPRESARIAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CONTRATOS DE CRÉDITO RURAL. RECURSO
REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ). A legislação sobre
cédulas de crédito rural admite o pacto de capitalização de juros em
periodicidade inferior à semestral. Diante da pacificação do tema, publicou-se a Súmula 93 do STJ, segundo
a qual “a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial
admite o pacto de capitalização de juros". Assim, nas cédulas de crédito
rural, industrial e comercial, a capitalização semestral dos juros possui
autorização ex lege, não dependendo de pactuação expressa, a qual, por
sua vez, é necessária para a incidência de juros em intervalo inferior ao
semestral. Essa disciplina não foi alterada pela MP 1.963-17, de 31/3/2000. Com
efeito, há muito é pacífico no STJ o entendimento de que, na autorização
contida no art. 5º do Decreto-Lei 167⁄1967, inclui-se a permissão para a
capitalização dos juros nas cédulas de crédito rural, ainda que em
periodicidade mensal, desde que pactuada no contrato (“as importâncias
fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário
Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no
vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do
título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determinada por aquele
Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar tais encargos
na conta vinculada a operação”). A autorização legal está presente desde a
concepção do título de crédito rural pela norma específica, que no particular
prevalece sobre o art. 4º do Decreto 22.626⁄1933 (Lei de Usura), e não sofreu
qualquer influência com a edição da MP 1.963-17⁄2000 (2.170-36⁄2001). REsp 1.333.977-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
26/2/2014.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. DANO MORAL DECORRENTE DA PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. A
aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo
estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e
segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral. A
lei consumerista protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco sua
segurança e, por conseguinte, sua saúde, integridade física, psíquica, etc.
Segundo o art. 8º do CDC, “os produtos e serviços colocados no mercado de
consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores”. Tem-se,
assim, a existência de um dever legal, imposto ao fornecedor, de evitar que a
saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco. Vale dizer, o CDC
tutela o dano ainda em sua potencialidade, buscando prevenir sua ocorrência
efetiva (o art. 8º diz “não acarretarão riscos”, não diz necessariamente
“danos”). Desse dever imposto pela lei, decorre a responsabilidade do
fornecedor de “reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de
[...] fabricação [...] de seus produtos” (art. 12 do CDC). Ainda segundo o art.
12, § 1º, II, do CDC, “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança
que dele legitimamente se espera [...], levando-se em consideração [...] o uso
e os riscos” razoavelmente esperados. Em outras palavras, há defeito – e,
portanto, fato do produto – quando oferecido risco dele não esperado, segundo o
senso comum e sua própria finalidade. Assim, na hipótese em análise,
caracterizado está o defeito do produto (art. 12 do CDC), o qual expõe o
consumidor a risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara
infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
Diante disso, o dano indenizável decorre do risco a que fora exposto o
consumidor. Ainda que, na espécie, a potencialidade lesiva do dano não se equipare
à hipótese de ingestão do produto contaminado (diferença que necessariamente
repercutirá no valor da indenização), é certo que, mesmo reduzida, também se
faz presente na hipótese de não ter havido ingestão do produto contaminado.
Ademais, a priorização do ser humano pelo ordenamento jurídico nacional exige
que todo o Direito deva convergir para sua máxima tutela e proteção. Desse
modo, exige-se o pronto repúdio a quaisquer violações dirigidas à dignidade da
pessoa, bem como a responsabilidade civil quando já perpetrados os danos morais
ou extrapatrimoniais. Nessa linha de raciocínio, tem-se que a proteção da
segurança e da saúde do consumidor tem, inegavelmente, cunho constitucional e
de direito fundamental, na medida em que esses valores decorrem da especial
proteção conferida à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Cabe
ressaltar que o dano moral não mais se restringe à dor, à tristeza e ao
sofrimento, estendendo sua tutela a todos os bens personalíssimos. Em outras
palavras, não é a dor, ainda que se tome esse termo no sentido mais amplo, mas
sua origem advinda de um dano injusto que comprova a existência de um prejuízo
moral ou imaterial indenizável. Logo, uma vez verificada a ocorrência de
defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do art. 18 do CDC à
espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), é
dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao
consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança a risco concreto e da
ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da
dignidade da pessoa humana. REsp 1.424.304-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
11/3/2014.
DIREITO DO
CONSUMIDOR. PRAZO DE PRESCRIÇÃO EM CASO DE DANO PESSOAL DECORRENTE DE DANO
AMBIENTAL. Conta-se da data do conhecimento do dano e de sua autoria –
e não da data em que expedida simples notificação pública a respeito da
existência do dano ecológico – o prazo prescricional da pretensão indenizatória
de quem sofreu danos pessoais decorrentes de contaminação de solo e de lençol
freático ocasionada por produtos utilizados no tratamento de madeira destinada
à fabricação de postes de luz. Apesar
da natural ênfase conferida aos vários aspectos do dano ambiental, trata-se,
também, de um acidente de consumo, que se enquadra simultaneamente nos arts. 12
(fato do produto) e 14 do CDC (fato do serviço). Com efeito, os postes de luz
constituem um insumo fundamental para a distribuição de energia elétrica aos
seus consumidores, sendo que a contaminação ambiental decorreu exatamente dos
produtos utilizados no tratamento desses postes. Se o dano sofrido pelos
consumidores finais tivesse sido um choque provocado por uma descarga elétrica,
não haveria dúvida acerca da incidência do CDC. Ocorre que a regra do art. 17
do CDC, ampliando o conceito básico de consumidor do art. 2º, determina a
aplicação do microssistema normativo do consumidor a todas as vítimas do evento
danoso, protegendo os chamados bystandars, que são as vítimas
inocentes de acidentes de consumo. Esse fato, de um lado, constitui fato do
produto (art. 12), em face das substâncias químicas utilizadas, e, de outro
lado, apresenta-se também como fato do serviço (art. 14), pois o tratamento dos
postes de luz liga-se ao serviço de distribuição de energia elétrica.
Consequentemente, a prescrição é regulada pela norma do art. 27 do CDC, que
estabelece um prazo de cinco anos, flexibilizando o seu termo inicial.
Precedente citado: REsp 1.346.489-RS, Terceira Turma, DJe 26/8/2013. AgRg
no REsp
1.365.277-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/2/2014.
DIREITO CIVIL.
DISPENSABILIDADE DA EMISSÃO DA APÓLICE PARA O APERFEIÇOAMENTO DO CONTRATO DE
SEGURO. A seguradora de veículos não pode, sob a justificativa de não
ter sido emitida a apólice de seguro, negar-se a indenizar sinistro ocorrido
após a contratação do seguro junto à corretora de seguros se não houve recusa
da proposta pela seguradora em um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois
e exclusivamente em razão do sinistro. Isso porque o seguro é contrato consensual e
aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente da
emissão da apólice, que é ato unilateral da seguradora, de sorte que a
existência da relação contratual não poderia ficar a mercê exclusivamente da
vontade de um dos contratantes, sob pena de se ter uma conduta puramente
potestativa, o que é vedado pelo art. 122 do CC. Ademais, o art. 758 do CC não
confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato
de seguro, tampouco eleva esse documento ao degrau de prova tarifada ou única
capaz de atestar a celebração da avença. Além disso, é fato notório que o
contrato de seguro é celebrado, na prática, entre corretora e segurado, de modo
que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta,
apenas a recusa ou emite a apólice do seguro, enviando-a ao contratante
juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. A propósito dessa praxe,
a própria SUSEP disciplinou que a ausência de manifestação por parte da
seguradora, no prazo de quinze dias, configura aceitação tácita da cobertura do
risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular SUSEP
251/2004. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual,
inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de
ser aplicado o art. 432 do CC, segundo o qual, “se o negócio for daqueles em
que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado,
reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”. Na mesma
linha, o art. 111 do CC preceitua que “o silêncio importa anuência, quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de
vontade expressa”. Assim, na hipótese ora analisada, tendo o sinistro ocorrido
efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, se em um prazo
razoável não houver recusa da seguradora, há de se considerar aceita a proposta
e plenamente aperfeiçoado o contrato. De fato, é ofensivo à boa-fé contratual a
inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la
somente depois da notícia de ocorrência do sinistro. REsp
1.306.364-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/3/2014.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO CIVIL DE ADVOGADO. O advogado que tenha contra
si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia tem
direito a ser recolhido em prisão domiciliar na falta de sala de Estado Maior,
mesmo que Delegacia de Polícia possa acomodá-lo sozinho em cela separada. Na esfera penal, a jurisprudência é uníssona quanto a
ser garantida ao advogado a permanência em sala de Estado Maior e, na falta
dessa, o regime domiciliar. Se, quando é malferido um bem tutelado pelo direito
penal, permite-se ao advogado acusado o recolhimento em sala de Estado Maior, a
lógica adotada no ordenamento jurídico impõe seja estendido igual direito ao
advogado que infringe uma norma civil, porquanto, na linha do regramento
lógico, "quem pode o mais, pode o menos". Ainda que as prisões tenham
finalidades distintas, não se mostra razoável negar esse direito a infrator de
obrigação cível, por mais relevante que seja, uma vez que, na escala de bens
tutelados pelo Estado, os abrangidos pela lei penal são os mais relevantes à
sociedade. Em última análise, trata-se de direito a regime adequado de
cumprimento de mandado de segregação. Discute-se, pois, um corolário do direito
de locomoção integrante do núcleo imutável da Constituição, tema materialmente
constitucional a impor, portanto, interpretação que não restrinja o alcance da
norma. Assim, se o legislador, ao disciplinar os direitos do advogado, entendeu
incluir no rol o de "não ser recolhido preso, antes de sentença transitada
em julgado, senão em sala de Estado Maior com instalações e comodidades
condignas, assim reconhecidas pela OAB, e na sua falta, em prisão
domiciliar" (art. 7º, V, da Lei 8.906/1994), não cabe ao Poder
Judiciário restringi-lo somente aos processos penais. Uma "cela", por
sua própria estrutura física, não pode ser equiparada a "Sala de Estado
Maior" (STF, Rcl 4.535-ES, Tribunal Pleno, DJe 15/6/2007), e a prisão
domiciliar não deve ser entendida como colocação em liberdade, ainda que, na
prática, se possa verificar equiparação. Eventual deficiência no controle do
confinamento pelo Poder Público não pode servir de fundamento para afastar
a aplicação de qualquer direito, submetendo-se o titular a regime mais severo
de privação da liberdade por conta da omissão estatal. HC
271.256-MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/2/2014.
quinta-feira, 10 de abril de 2014
ABANDONO AFETIVO. STJ NÃO JULGA O MÉRITO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial contra decisão da Terceira Turma que concedeu indenização de dano moral a uma filha, por ter sido vítima de abandono afetivo por parte do pai.
Com isso, fica mantida a decisão anterior no caso, que admitiu a compensação à filha, no valor de R$ 200 mil, em razão do abandono afetivo.
O valor foi fixado em 2012, quando a Terceira Turma, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade de ser concedida a indenização. Naquele julgamento, a Turma diferenciou a obrigação jurídica de cuidar, como dever de proteção, de uma inexistente obrigação de amar.
A Turma apenas ajustou o valor da condenação que havia sido imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), baixando a compensação de R$ 400 mil para R$ 200 mil.
Divergência
Como em 2005 a Quarta Turma do STJ, que também julga matérias de direito de família, havia negado o cabimento desse tipo de indenização, o pai apresentou embargos de divergência no recurso especial.
Esse tipo de recurso serve para uniformizar o entendimento do tribunal sobre uma mesma tese jurídica, de forma a ser aplicado o mesmo direito ao mesmo fato. Por isso, o julgamento dos embargos é de responsabilidade do colegiado que reúne os membros das duas Turmas especializadas no tema – no caso, a Segunda Seção.
Porém, ao analisar as decisões supostamente conflitantes, a maioria dos ministros da Seção entendeu que elas não podem ser comparadas.
Conforme os ministros, a decisão da Terceira Turma ressalvou expressamente a peculiaridade do caso julgado pelo TJSP, de forma que o precedente não serve para debate de uma tese jurídica mais geral.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ
terça-feira, 8 de abril de 2014
Artigo do Ministro Luis Felipe Salomão sobre abandono afetivo.
STJ vai uniformizar jurisprudência sobre abandono afetivo
Por Luiz Felipe Salomão. Ministro do Superior Tribunal de
Justiça.
Fonte: Site Consultor Jurídico. 8 de abril de 2014.
Abandono afetivo é termo
hoje encontrado com relativa frequência no âmbito forense e nos mais variados
manuais de direito de família.
Em resumo, consiste
na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste
familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir,
desafiando soluções de terapeutas e especialistas.
O que é
relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do
ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora,
essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em
face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida
relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente.
O Superior Tribunal
de Justiça terá a inédita oportunidade de uniformizar o entendimento acerca do
tema por ocasião do julgamento dos EREsp 1.159.242/SP, de relatoria do eminente
ministro Marco Buzzi, previsto para esta quarta-feira (9/4), na 2ª Seção -
Direito Privado.
A primeira vez em
que a corte deliberou sobre o tema foi no julgamento do REsp 757.411/MG,
relatado pelo ministro Fernando Gonçalves. O caso foi julgado pela 4ª Turma, no
dia 29 de novembro de 2005, tendo aquele Colegiado, por maioria de votos,
sufragado a tese de ser incabível a indenização por abandono afetivo.
O voto condutor
apoiou-se em dois fundamentos: a) a consequência jurídica do abandono e do
descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação é a destituição do
poder familiar (artigo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente e artigo 1.638,
inciso II, do Código Civil), não havendo espaço para a compensação pecuniária
pela desafeição; b) a condenação ao pagamento de indenização, na contramão dos
mais nobres propósitos imagináveis, consubstanciaria exatamente o sepultamento
da mínima chance de aproximação entre pai e filho, seja no presente ou futuro.
Essa tese foi
reafirmada por ocasião do julgamento do REsp 514.350/SP, relatado pelo ministro
Aldir Passarinho Junior, na 4ª Turma, em 28 de abril de 2009.
Porém, no primeiro
semestre de 2012, a 3ª Turma abraçou entendimento contrário, tendo sido
acolhida a possibilidade de indenização do abandono afetivo (REsp 1.159.242/SP,
relatado pela ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 24 de abril de
2012). A ilustrada relatora, no que foi acompanhada pela maioria dos demais
integrantes do colegiado, consignou que o chamado abandono afetivo constitui
descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia,
presente, implicitamente, no artigo 227 da Constituição Federal, omissão que
caracteriza ato ilícito passível de compensação pecuniária. Utilizando-se de
fundamentos psicanalíticos, a eminente relatora afirmou a tese de que tal
sofrimento imposto a prole deve ser compensado financeiramente.
Diante do dissídio
jurisprudencial entre as 3ª e 4ª Turma do mesmo Tribunal, a Segunda Seção do
STJ apreciará os embargos de divergência (EREsp 1.159.242/SP).
O julgamento é
importante e realça o papel do Tribunal da Cidadania, no sentido de uniformizar
a jurisprudência nacional como último intérprete da lei federal.
Certamente, ambas
as posições têm seus pontos virtuosos e merecem detida reflexão.
A professora Maria
Berenice Dias foi no cerne da questão: “os grande desafio dos dias de hoje é
descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita
inseri-las em um conceito mais amplo de família. Esse ponto de identificação é
encontrado no vínculo afetivo”.
A posição quanto a
não indenização tangencia pontos sensíveis acerca do tema, notadamente a
indesejável intervenção do Estado na família e a desjudicialização das relações
sociais.
Em outras palavras,
o direito de família deve observar uma principiologia de intervenção mínima
neste campo — pois envolvem bens especialmente protegidos pela Constituição,
como a intimidade e a vida privada —, erguidos como elementos constitutivos do
refúgio impenetrável da pessoa e que, por isso mesmo, podem ser opostos à coletividade
e ao próprio Estado.
Finalmente, a
migração para os tribunais de temas antes circunscritos ao ambiente familiar
merece mesmo reflexão não somente de juristas, mas de terapeutas e cientistas
sociais, como forma de análise da família no contexto do novo milênio.
Assim, realizada
essa breve abordagem acerca das posições contrária e favorável da
indenizabilidade do abandono afetivo, é mesmo hora propícia para que o Superior
Tribunal de Justiça uniformize a jurisprudência sobre esse delicado tema.
De toda sorte,
independentemente da conclusão a ser obtida no julgamento dos EREsp
1.159.242/SP, o debate ora estabelecido parece, de fato, confirmar que a
chamada “modernidade líquida”, segundo Bauman, promove uma progressiva
eliminação da "divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do 'privado' e
do 'público' no que se refere à vida humana”.
sexta-feira, 4 de abril de 2014
ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. NOVO CPC E FAMÍLIA.
Novo
CPC e Família.
O
projeto do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Câmara dos Deputados (26.03.2014),
apresenta importantes inovações para a eficiência da jurisdição e a efetividade
dos julgados e,
designadamente, também propõe significativos avanços para a área de
família.
Anota-se,
porém, que malgrado a supressão, no texto senatorial, sobre as ações de
separação judicial (litigiosas ou não), por identidade lógico-constitucional
com a Emenda Constitucional nº 66, quando conforme a melhor doutrina fez
extinguir aquelas, o projeto analisado pela Câmara dos Deputados agora reedita
a existência das referidas ações, ao tratá-las no art. 746.
Antes de mais, importa dizer que o novo
CPC traduz, com eficiência, os anseios de modernidade do processo civil de
família, onde:
(i) todos os esforços de desfecho devem ser
empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor
do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e
conciliação. No ponto, consagra-se a necessária interdisciplinaridade,
acentuada nas ações de família (artigo 709); (ii) o Ministério Público somente
intervirá quando houver interesse de incapaz (art. 713); (iii) o juiz decisor
atuará sempre com dicção voltada a proferir a garantia e efetividade de
direitos fundamentais.
Para além disso cumpre referir, com boa
nota, outras significativas mudanças que o Código de Processo Civil projetado
apresenta para o direito de família e sua operacionalidade, a exemplo:
(i) assinatura digital dos juízes, a
ensejar uma maior ação de presença para decisões-instantes, onde quer o
magistrado se encontre; (ii) Livros específicos destinados à Parte Geral do
Código de Processo Civil, tal como sucede com o moderno Código Civil; (iii)
capítulo, no Livro I da Parte Geral, que trata dos Princípios e das Garantias
Fundamentais do Processo Civil, permitindo, de tal diretiva, um permanente elo
e consequente diálogo de fontes entre os direitos e garantias individuais
elencados na Constituição de 1988 e a aplicação deles no processo civil; (iv) a
disciplina do instituto da Tutela da Evidência, para os fins de medidas
satisfativas que visam a antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da
tutela pretendida, tal como sucede com a atual Tutela da Urgência, também disciplinada;
(v) um procedimento estabelecido em lei, pela primeira vez, para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, cabível em todas as fases
processuais, importando seus reflexos para a desconsideração inversa com
atenção ao patrimônio dos cônjuges e efetiva defesa protetiva da meação; (vi)
uma maior dinâmica sucumbencial, quando os honorários advocatícios passam a ser
devidos também em pedidos contrapostos, no cumprimento de sentença, na execução
resistida ou não, e nos recursos interpostos, de forma cumulativa; (vii) o
emprego da conhecida técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova,
amplamente consagrada pela doutrina e moderna jurisprudência do STJ.
Pois bem. Na seara do direito de
família processual, o novo Código de Processo Civil tem seu projeto indicando
novos avanços, convindo assinalar, dentre outros, os seguintes:
Procedimento especial – Cria-se, por imprescindível, um
procedimento especial para as ações de família, que contém algumas
especificidades importantes. Exemplo marcante é o da citação desacompanhada de
cópia da petição inicial (art. 710 § 1º), tudo a conferir maior possibilidade
de êxito na mediação e conciliação do conflito familiar, em audiência própria.
No entanto, fica a ressalva de ser assegurado ao réu o direito de examinar o
conteúdo da inicial a qualquer tempo. O procedimento especial para as ações de
família está referido pelos artigos 708 a 714 do projeto.
Alienação Parental - Pela primeira vez, aparecerá no
Código de Processo Civil a referência à alienação parental. No art. 714 do
projeto, é previsto que quando a causa envolver a discussão sobre fatos
relacionados a abuso ou alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do
incapaz, deverá fazê-lo acompanhado por especialista.
Considere-se, todavia, que melhor seria
para efeito de disciplina da arguição, que esta fosse resolvida como incidente
do processo, a ser dirimido com um procedimento mais amplo e eficiente, a tanto
ensejar providencias específicas; salvo quando a invocação se constituir,
efetivamente, como causa de pedir, em face da pretensão deduzida em juízo. De todo modo,
registra-se que os processos de família envolvendo imputação de alienação
parental, merecem tratamento específico, nomeadamente pela gravidade do tema. O
mesmo pode-se afirmar para as ações de destituição do poder familiar, que estão
a exigir um procedimento especial próprio,.
Mediação – A disciplina da conciliação e da
mediação (artigos 166 a
176 do novo CPC) aperfeiçoa os institutos, buscando, através deles, empreender
mecanismos mais eficazes para a resolução consensual de conflitos. O projeto
estabelece os princípios que regem a mediação e a conciliação, observando os
parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, para a formação dos
conciliadores e mediadores (Resolução nº 125). Com efeito, o juiz, a
requerimento das partes, poderá determinar a suspensão do processo enquanto os
litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento
multidisciplinar (art. 709, § único). Assinala-se, ainda, que a audiência de
mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam
necessárias para viabilizar a solução processual, sem prejuízo de providências
jurisdicionais para evitar o perecimento do direito (art. 711).
Atendimento multidisciplinar – A figura do atendimento
multidisciplinar dos litigantes, envolvendo profissionais de outras áreas de
conhecimento como psicólogos, psicoterapeutas, pedagogos e assistentes sociais,
aparece pioneira no CPC projetado, no
efeito de servir à hipótese de suspensão do processo, enquanto os litigantes a
ele se submetam. Assim, importa urgente que os juízes de família estabeleçam
paradigmas para o atendimento multidisciplinar, sempre que este novo instituto
jurídico, em direito de família processual, seja necessário ou conveniente.
Parte convivente – Dentre os requisitos da petição inicial
(art. 320) está prevista a necessidade de indicação da existência ou não de
união estável por quem demanda ou por quem seja demandado (inciso II), quando
se refere à qualificação das partes. Afinal, cuidará o novo CPC, de admitir,
por via de consequência, a união estável como um estado civil, como temos de há
muito sustentado.
Efetividade - O aperfeiçoamento de mecanismos
para a efetividade dos julgados é uma expressão marcante da política judiciária
trazida pelo projeto do novo Código de Processo Civil. A tanto, introduz-se
dispositivo que prevê a possibilidade de ser levada a protesto a sentença
judicial transitada em julgado (art. 531), “servindo como um ótimo meio para
forçar ou estimular o pagamento de valores decorrentes de condenação judicial
transitada em julgado”. Demais disso,
registra-se o novo regramento da hipoteca judiciária, com as previsões
expressas do direito de preferência e o regime de responsabilidade civil em favor
de quem a hipoteca é constituída.
No mais,
“altera-se a redação de alguns dispositivos para deixar claro que podem ser
executadas as sentenças que preveem o direito a uma prestação, não se
restringindo apenas à sentença condenatória”.
Alimentos e Execução - O projeto do CPC adota, em linhas
gerais, o sistema da execução de prestação alimentícia que já havia sido
previsto pelo Estatuto das Famílias, proposta legislativa do IBDFAM. Além dos
mecanismos de prisão civil, a possibilidade de protesto de dívidas alimentares
no caso de inadimplência do devedor. Esgotado o prazo de cumprimento
voluntário, o devedor poderá ter o nome inscrito nos sistemas de bases de dados
de proteção ao crédito. Vejamos, então:
A regra do
novo artigo 542 do CPC projetado, para efeito do cumprimento da sentença que
reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos ou da decisão que
fixar alimentos, para além de determinar, a requerimento do credor exequente,
que seja o devedor executado, intimado pessoalmente a pagar o débito em três
dias, dispõe no sentido que o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial,
aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 531. Ou seja, a dívida
alimentar impaga será levada, necessariamente, a protesto, figurando a sentença
ou a decisão judicial como títulos executivos, nesse fim, ao tempo em que
executada a dívida. A seu turno, o reportado artigo 531 do projeto agora
aprovado pela Câmara estabelece que “a decisão judicial transitada em julgado
poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo
para pagamento voluntário previsto no artigo 537” (ou seja, o que quinze
dias).
Esse novo
modelo que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, a
par de se constituir em uma das mais expressivas inovações do CPC, tem
precedente em importantes instrumentos normativos já disponibilizados na
justiça brasileira.
Não custa
lembrar o pioneiro Provimento nº 03/2008, de 11.09.2008, do Conselho da
Magistratura de Pernambuco (DOPJ de 17.09.2008), dispondo sobre o protesto de
decisões irrecorríveis acerca de alimentos provisórios ou provisionais ou de
sentença transitada em julgado, em sede de ação de alimentos.
De nossa
iniciativa, quando presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o
provimento editado considerou, então, que o instituto do protesto, contemplado
na Lei federal nº 9.492, de 10.09.1997, em albergando títulos e documentos de
dívida (art. 1º), alcançava, por corolário lógico, todas as situações jurídicas
originadas em documentos que representem dívida liquida e certa. Segue-se, daí,
entender que, “o protesto, sob o prisma do binômio celeridade/efetividade,
materializa medida viável e satisfatória ao forçoso cumprimento de decisões
judiciais”, no âmbito das dívidas alimentares.
O provimento
assinalou que a “obrigação alimentar constitui um instrumento de viabilização
da vida com dignidade, conquanto objetiva assegurar meios essenciais de
subsistência aos seus beneficiários, enquanto impossibilitados de promove-los
por si próprios”; assegurando, de efeito, o protesto das decisões judiciais
determinantes do pagamento de alimentos.
Nesse
conduto, o novo texto processual vem, agora, ratificar, a necessidade de
medidas de maior efetividade às decisões judiciais, apresentando-se o instituto
do protesto como novo instrumento de eficiência da jurisdição, no sentido de
uma prestação de justiça útil e efetiva.
Em resumo, o
pronunciamento judicial, quanto à dívida alimentar existente e impaga, no
tocante a reconhecer o inadimplemento imotivado, será levado agora, a protesto,
por determinação do juiz (art. 542, CPC projetado), sem prejuízo de, em tempo
instante, ser decretada a prisão civil, pelo prazo de um a três meses, em
regime fechado.
Como observado, o novo CPC permitirá um mais
eficiente processo civil de família. Afinal, como é consabido, em
ações de famílias, a resolução do processo implica, igualmente, em solucionar e
resolver pessoas. Justiça seja feita.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – o
autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
coordena a Comissão de Magistratura de Família.
Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara
Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a
Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Artigo de José Fernando Simão. A sucessão dos irmãos bilaterais e unilaterais: inconstitucionalidade?
Fonte: Jornal Carta Forense. Edição de abril.
A sucessão dos irmãos bilaterais e unilaterais: inconstitucionalidade?
José Fernando Simão.
Foi
da iniciativa do amigo Flávio Tartuce a criação de um grupo virtual de
civilistas da chamada geração X para debates a respeito de direito civil. A
ideia é lançarmos dúvidas, questões tormentosas, e por meio de rico debate
jurídico verificarmos as opiniões dos participantes do grupo.
Mario
Delgado, professor de Direito das Sucessões da Faculdade de Direito da Fundação
Armando Álvares Penteado, lançou a seguinte questão posta por um aluno em sala
de aula: “o art. 1841, ao distinguir a cota hereditária dos irmãos germanos e
unilaterais implicaria violação reflexa ao princípio constitucional da
igualdade?” A frase do aluno foi a seguinte: “meu irmão por parte de pai é tão
irmão quanto os outros”.
A
questão que se coloca decorre da regra sucessória pela qual o irmão unilateral
(só de pai ou só de mãe) herda a metade do que herda o irmão bilateral.
“Art.
1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos
unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”.
A
sucessão do colateral só ocorre, por lei, se o falecido não deixou
descendentes, ascendentes, nem cônjuge sobrevivente. Imaginemos o seguinte o
exemplo. João, solteiro, falece sem pais, nem filhos e deixa como herdeiros
seus dois irmãos. José é filho de seu pai e de sua mãe, logo é irmão germano ou
bilateral. Maria, filha do segundo casamento de seu pai, é irmã unilateral,
pois sua mãe não é a mesma de João.
Pelo
art. 1841, a herança seria dividida da seguinte forma: 1/3 para Maria e 2/3
para José, pois o irmão unilateral recebe a metade do que recebe o bilateral.
Note-se
que o Código Civil, assim como fazia o Código Civil de 1916, atribui maior
quinhão ao irmão bilateral e menor quinhão ao unilateral. O debate proposto por
Mario Delgado é o seguinte: esta regra seria inconstitucional em razão da
igualdade dos filhos prevista na Constituição? Haveria violação reflexa?
De
início, cabe anotar quer dispõe a Constituição Federal, art. 227, parágrafo 6º,
o seguinte:
§
6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
Assim,
se João tem dois filhos, por serem filho, independentemente da origem, terão os
mesmos direitos, inclusive os sucessórios. Não se pode admitir, como fazia o
Código Civil de 1916, que com relação ao filho adotivo, havia redução do
quinhão sucessório. Assim vejamos a seguinte disposição do revogado Código
Civil:
“Art.
1.605. Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os
legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos.
§
2o Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos,
supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a
cada um destes”.
É
regra como essa, atualmente considerada de todo odiosa, pois a adoção imita a
vida, que se impede com a igualdade constitucional entre os filhos.
Agora,
em relação ao problema colocado, teríamos inconstitucionalidade, na relação
fraterna, ou seja entre irmãos, em diferenciar o irmão bilateral do unilateral?
A
Constituição não cuidou do assunto e nem pretendia fazê-lo. Se o falecido não
deixou filhos, a sucessão não será na classe dos descendentes (art. 1829, I) e,
por óbvio, o dispositivo constitucional não terá nenhuma aplicação. A sucessão
na classe do colateral não recebe tratamento constitucional (art. 1829, IV) e,
portanto, a desigualdade preconizada pelo Código Civil é absolutamente possível
e não é eivada de vícios.
Aliás,
a regra tem aplicação histórica secular. No Direito romano Justinianeu, em 539
d.C., estabeleceu-se regra pela qual os irmãos germanos excluíam da sucessão os
irmãos unilaterais (Novela LXXXIV), conforme leciona José Carlos Moreira Alves
(Direito romano, p. 482).
Em
igual sentido, a Novela CXVIII, que coloca os irmãos germanos em situação
privilegiada: só são chamados a suceder os irmãos unilaterais, na ausência de
irmãos germanos (Warnkoenig, p.221)
Assim,
a questão não passa pela constitucionalidade do dispositivo que, evidentemente,
é constitucional e deve ser integralmente aplicado pelos juízes.
A
questão, em verdade, passa por um viés filosófico: deveria a lei ser alterada
para reconhecer a igualdade dos irmãos bilaterais e unilaterais em matéria
sucessória? O conceito atual de família permite concluir que a regra histórica
secular perdeu sua razão de ser?
Essa
questão é ainda mais tormentosa. A sucessão legítima presume a vontade do
falecido que, se tivesse feito testamento teria sua vontade cumprida. Os
irmãos, na qualidade de colaterais, são herdeiros facultativos, logo, sem
direito à legítima. O irmão falecido, se quisesse igualar os quinhões poderia
fazê-lo por meio de testamento.
Surge,
então, uma outra observação: no Brasil não há o habito de testar, logo, caberia
a lei presumir de maneira adequada a vontade do falecido. E agora vem o maior
desafio: pode-se afirmar com segurança que efetivamente a família brasileira do
Século XXI, formada por irmãos bilaterais e unilaterais, efetivamente os
considera iguais em termos afetivos?
No
modelo tradicional, o pai que se divorcia e se casa novamente se afastava de
sua família. Logo, os filhos do primeiro casamento pouco ou nenhum contato
tinha com os filhos do segundo casamento (seus irmãos unilaterais). Será que
hoje o irmão unilateral recebe o mesmo carinho afeto que o unilateral para
presumir um equívoco da lei? A resposta é uma só: não se sabe seguramente.
Qualquer afirmação nesse sentido é puro “achismo” e padece de base efetiva.
Parece-me
que a regra sucessória da desigualdade entre irmãos é tão pacificamente aceita
pela sociedade brasileira que não existem projetos para a sua alteração, nem
vontade política ou social para tanto. De resto, sobra a vontade da doutrina em
criar problemas onde estes realmente não existem.
O
STJ tem entendimento pacífico que a regra do art. 1.841 tem aplicação no
direito brasileiro:
“O
Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de
irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo
pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da
mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1
para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos
bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6
para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA,
Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo:
Atlas, 2007. p. 138). No caso dos autos, considerando-se a existência de um
irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na
linha dos ensinamento acima colacionados, atribuir peso 2 ao primeiro e às
últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2/5 da herança (40%) e
a cada uma desta últimas 1/5 da herança (20%).” RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 -
MG (2010/0128448-2), RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 30/9/2013.
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