segunda-feira, 30 de abril de 2018

ENUNCIADOS APROVADOS NA VIII JORNADA DE DIREITO CIVIL. DIVULGAÇÃO NÃO OFICIAL.

ENUNCIADOS APROVADOS NA VIII JORNADA DE DIREITO CIVIL
PARTE GERAL
“A liberdade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro”.
“Os efeitos patrimoniais da presunção de morte posterior à declaração de ausência são aplicáveis aos casos do art. 7º, de modo que, se o presumivelmente morto reaparecer nos dez anos seguintes à abertura da sucessão, receberá igualmente os bens existentes no estado em que se acharem”.
“As associações civis podem sofrer transformação, fusão, incorporação ou cisão”.
“Os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes”.
“O abuso do direito impede a produção de efeitos do ato abusivo de exercício, na extensão necessária a evitar sua manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes, à função econômica ou social do direito exercido”.
OBRIGAÇÕES
“O devedor não é terceiro para fins de aplicação do art. 288, do Código Civil, bastando a notificação prevista no art. 290 para que a cessão de crédito seja eficaz perante ele”.
“A interpelação extrajudicial de que trata o parágrafo único do art. 397, do Código Civil, admite meios eletrônicos como e-mail ou aplicativos de conversa “online”, desde que demonstrada a ciência inequívoca do interpelado, salvo disposição em contrário no contrato”.
“A obrigação de restituir o lucro da intervenção, entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio, fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa”.

CONTRATOS
“Os contratos coligados devem ser interpretados a partir do exame do conjunto das cláusulas contratuais, de forma a privilegiar a finalidade negocial que lhes é comum”.
“Para a análise do que seja bem de pequeno valor, nos termos do que consta do art. 541, parágrafo único do Código Civil, deve-se levar em conta o patrimônio do doador”.
RESPONSABILIDADE CIVIL
“A indenização não inclui os prejuízos agravados, nem os que poderiam ser evitados ou reduzidos mediante esforço razoável da vítima. Os custos da mitigação devem ser considerados no cálculo da indenização”.
“Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945, do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do ‘quantum’ da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que, (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um”.
“Como instrumentos de gestão de riscos na prática negocial paritária, é lícita a estipulação de cláusula que exclui a reparação por perdas e danos decorrentes do inadimplemento (cláusula excludente do dever de indenizar) e de cláusula que fixa valor máximo de indenização (cláusula limitativa do dever de indenizar)”.
COISAS
“Ainda que sejam muitos os condôminos, não há direito de preferência na venda da fração ideal de um bem entre dois co-proprietários, pois a regra prevista no art. 504, parágrafo único, visa somente a resolver eventual concorrência entre condôminos na alienação da fração a estranhos ao condomínio”.
“A anulação do registro, prevista no art. 1.247 do Código Civil não autoriza a exclusão dos atos invalidados do teor da matrícula”.
“A incorporação imobiliária que tenha por objeto o condomínio de lotes poderá ser submetida ao regime do patrimônio de afetação, na forma da lei especial”.
“Não afronta o art. 1.428, do Código Civil, em relações paritárias, o pacto marciano, cláusula contratual que autoriza que o credor se torne proprietário da coisa objeto da garantia mediante aferição de seu justo valor e restituição do supérfluo (valor do bem em garantia que excede o da dívida).
“O direito real de laje é passível de usucapião”.
“Os patrimônios de afetação não se submetem aos efeitos de recuperação judicial da sociedade instituidora e prosseguirão sua atividade com autonomia e incomunicáveis em relação ao seu patrimônio geral, aos demais patrimônios de afetação por ela constituídos e ao plano de recuperação até que extintos, nos termos da legislação respectiva, quando seu resultado patrimonial, positivo ou negativo, será incorporado ao patrimônio geral da sociedade instituidora”.
FAMÍLIA
“Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna o filho terá direito a participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos”.
“É possível ao viúvo ou companheiro sobrevivente o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma – por meio da maternidade de substituição –, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira”.
“É lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime de separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF”.
“O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar”.
“O impedimento para o exercício da tutela do inciso IV, do art. 1.735 do Código Civil pode ser mitigado para atender ao princípio do melhor interesse da criança”.
“Admite-se a possibilidade de outorga ao curador de poderes de representação para alguns atos da vida civil, inclusive de natureza existencial, e serão especificados na sentença, desde que comprovadamente necessários para proteção do curatelado em sua dignidade”.
“A ordem de preferência de nomeação de curador do art. 1.775, do Código Civil deve ser observada quando atender ao melhor interesse do curatelado, considerando suas vontades e preferências, nos termos do art. 755, II, §1º, do CPC”.
“A opção pela tomada de decisão apoiada é de legitimidade exclusiva da pessoa com deficiência. A pessoa que requer o apoio pode manifestar antecipadamente sua vontade de que um ou ambos os apoiadores se tornem, em caso de curatela, seus curadores”.
“A tomada de decisão apoiada não é cabível se a situação da pessoa exigir aplicação de curatela”.
SUCESSÕES
“A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790, do Código Civil, não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável”.
“Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente, com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores”.
“O rompimento do testamento (art. 1.973) se refere exclusivamente às disposições de caráter patrimonial, mantendo-se válidas e eficazes as de caráter extrapatrimonial, como o reconhecimento de filho e o perdão ao indigno”.
“Os arts. 2.003 e 2.004, do Código Civil e o art. 639, do CPC/2015 devem ser interpretados de modo a garantir a igualdade das legítimas e a coerência do ordenamento. O bem doado em adiantamento de legítima será colacionado de acordo com seu valor atual na data da abertura da sucessão se ainda integrar o patrimônio do donatário. Se o donatário já não mais possuir o bem doado, este será colacionado pelo valor do tempo de sua alienação, atualizado monetariamente”.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

ANOTAÇÕES AO PROVIMENTO 63 DO CNJ. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. COLUNA DO MIGALHAS DO MÊS DE ABRIL DE 2018

ANOTAÇÕES AO PROVIMENTO 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PRIMEIRA PARTE[1]
Flávio Tartuce[2]
Um dos temas de Direito de Família que mais se transformou nos últimos anos em nosso País foi o parentesco, notadamente diante do impacto gerado pelo reconhecimento de duas novas modalidades de parentesco civil. A primeira delas é relacionada à técnica de reprodução assistida heteróloga, com material genético de terceiro. A segunda modalidade é a parentalidade socioafetiva, fundada na posse de estado de filhos. Os dois institutos situam-se na expressão "outra origem", mencionada pelo art. 1.593 do Código Civil, como geradoras de vínculo parental que não seja a consanguinidade.
Sobre esse reconhecimento, no âmbito doutrinário, merecem destaque os enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil, eventos que têm o papel fundamental de evidenciar as grandes teses do Direito Privado Brasileiro e estabelecer saudáveis diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. Nos próximos dias 26 e 27 de abril de 2018, vale destacar, ocorrerá a oitava edição do evento, agora com a participação efetiva de Ministros do Superior Tribunal de Justiça em todas as comissões.
O Enunciado n. 103 da I Jornada de Direito Civil, realizada em 2002, estabelece que “o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”. Da mesma Jornada, há o complementar Enunciado n. 108 CJF, segundo o qual “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”. Em continuidade, sem prejuízo de outros enunciados de eventos posteriores, na III Jornada de Direito Civil, do ano de 2004, aprovou-se o Enunciado n. 256, a fim de deixar bem claro o enquadramento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil, o que não pode ser negado: “a posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.
Além do reconhecimento doutrinário – que tem origem nos trabalhos de João Baptista Villela e Luiz Edson Fachin –, essas novas modalidades de parentesco ganharam grande prestígio no âmbito jurisprudencial. Como ápice dessa importância, destaque-se decisão do Supremo Tribunal Federal do ano de 2016, em que se abordou repercussão geral sobre o tema da parentalidade socioafetiva. Conforme a tese firmada, “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (Recurso Extraordinário 898.060/SC, com repercussão geral, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no seu Informativo n. 840).
Não se pode negar que uma das grandes contribuições do aresto foi consolidar a posição jurídica de que a socioafetividade é forma de parentesco civil. Nesse sentido, destaque-se o seguinte trecho do voto do Ministro Relator Luiz Fux:
A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais; (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele que utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio) (Recurso Extraordinário 898.060/SC).
O julgado aponta que a parentalidade socioafetiva é fundada na posse de estado de filho, tendo como parâmetros os critérios desenvolvidos desde o Direito Romano: nome, tratamento e reputação, a tríade nominatiotractatioreputatio. Além do reconhecimento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco, outros três aspectos do decisum merecem destaque.
O primeiro deles é o reconhecimento expresso, o que foi feito por vários Ministros, de ser a afetividade um valor jurídico e um princípio inerente à ordem civil-constitucional brasileira. O segundo aspecto diz respeito ao fato de estar a parentalidade socioafetiva – cujo fundamento legal é o art. 1.593 do CC/2002, frise-se –, em situação de igualdade com a paternidade biológica. Em outras palavras, não há hierarquia entre uma ou outra modalidade de filiação, o que representa um razoável e desejável equilíbrio. O terceiro é último aspecto do acórdão superior é a vitória da multiparentalidade ou pluriparentalidade, que passou a ser admitida pelo Direito Brasileiro, mesmo que contra a vontade do pai biológico. Ficou claro, pelo julgamento, que o reconhecimento do vínculo concomitante é para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios. Como tenho sustentado, emergem grandes desafios dessa afirmação, mas é tarefa da doutrina, da jurisprudência e dos aplicadores do Direito resolver os problemas que surgem, de acordo com os casos concretos colocados a julgamento pelo Poder Judiciário.
Pois bem, com a emergência dessa nova posição superior e em mais uma sadia tentativa de extrajudicialização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 20 de novembro de 2017, o Provimento n. 63, visando à atuação dos Cartórios em tais searas. Nos "considerandos" da norma administrativa já há menção à decisão do STF aqui aludida. Os objetivos desse preceito são: a)instituir modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito a serem adotados pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais; b) dispor sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A”, no cartório do registro civil e c) tratar do registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. Neste primeiro texto de uma série, vamos tratar do último assunto, qual seja a reprodução assistida, sendo certo que o Provimento n. 63 revoga e substitui o Provimento n. 52 do mesmo CNJ, de março de 2016.
Passando a essa análise, o art. 16 do Provimento n. 63 estabelece que o assento de nascimento de filho havido por técnicas de reprodução assistida será inscrito no Livro "A", independentemente de prévia autorização judicial e observada a legislação em vigor no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, munidos da documentação exigida pela própria norma. Nos termos do mesmo comando, se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer ao ato de registro. No caso de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna. Aqui, não houve qualquer alteração em face da norma administrativa anterior.
O art. 17 do novo provimento elenca a documentação básica exigida para os fins de registro e de emissão da certidão de nascimento. Assim, são indispensáveis para o ato: a) declaração de nascido vivo (DNV); b) declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários; c) certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.
Neste comando houve um grande avanço, uma vez que o art. 2º, inc. II, do Provimento n. 52 quebrava o sigilo do doador do material genético, o que poderia gerar sérios problemas de comprometimento da técnica heteróloga, em especial diante da tese oriunda da recente decisão do STF. Esse problema já era apontado em obras de minha autoria, em especial no Volume 5 da coleção de Direito Civil e no Manual de Direito Civil. Volume Único; bem como de outros autores. Conjugando-se a quebra do sigilo constante da norma administrativa anterior com a tese final do julgamento do STF, seria possível supor que o filho poderia pedir o vínculo de filiação com o doador do material genético, o que inviabilizaria o uso da técnica, por receio dos doadores. Por bem, a Corregedoria-Geral de Justiça afastou a regra anterior.
Seguindo, o mesmo art. 17 do Provimento n. 63 preceitua que, na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero (gestatrix), esclarecendo a questão da filiação (§ 1º). Esse esclarecimento diz respeito ao fato de que o vínculo de filiação deve ser estabelecido em relação à mulher que planejou a técnica de reprodução assistida (R.A.), muitas vezes a fornecedora do material genético (genetrix).
Novamente, aqui não há mais menção – como estava no § 1º do art. 2º do Provimento n. 52 – de identificação do doador dos gametas ou mesmo da exigência de aprovação prévia, por instrumento público, do cônjuge ou convivente do doador ou doadora, autorizando previamente a realização do procedimento de reprodução assistida. Não só essa identificação como também a autorização, repise-se, poderia comprometer a própria existência da reprodução assistida heteróloga, uma vez que, com a decisão do STF aplicada à espécie, seria possível supor, mesmo que por engano, que o filho poderia pretender a filiação com o doador do material genético, com quem tem vínculo biológico.
Sem qualquer modificação, o § 2º do art. 17 do Provimento n. 63 do CNJ estatui que, nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos antes mencionados, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular e com firma reconhecida. A norma visa atender a necessidade de autorização prévia do cônjuge ou companheiro para que incidam as presunções de vínculo de filiação previstas nos incisos III, IV e V do art. 1.597 do Código Civil. Ademais, houve uma reafirmação administrativa a respeito da reprodução assistida post mortem, como também reconhece o Conselho Federal de Medicina por meio de suas normas éticas.
Continua previsto, na nova norma administrativa, que o conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida (art. 17, § 3º, do Provimento n. 63 do CNJ). Afasta-se, assim e expressamente, a aplicação da tese do julgamento do STF em repercussão geral para as técnicas de R.A. Essa previsão já constava na norma administrativa anterior (art. 2º, § 4º, do Provimento n. 52 do CNJ). Porém, as menções às quebras de sigilo do doador do material genético poderiam ensejar interpretações em sentido contrário ao seu conteúdo.
Continua sendo vedada aos oficiais registradores a recusa ao registro de nascimento e à emissão da respectiva certidão de filhos havidos por técnica de reprodução assistida. Essa eventual recusa deverá ser comunicada ao juiz corregedor competente nos termos da legislação local, para as providências disciplinares cabíveis. Todos os documentos antes mencionados deverão permanecer arquivados no ofício em que foi lavrado o registro civil. Tudo isso está previsto no art. 18 do Provimento n. 63, equivalendo ao art. 3º do Provimento n. 52, sem qualquer alteração.
Por fim, como deveria ocorrer e para que não pairem dúvidas, foi introduzida menção expressa à gratuidade dos atos de registro, conforme o art. 19 do Provimento n. 63 do CNJ.
Como se pode perceber, quanto à reprodução assistida, louvável foi o trabalho efetuado pela Corregedoria-Geral de Justiça, atualizando a normatização administrativa perante a recente decisão do STF sobre o tema da filiação socioafetiva, o que repercute para a reprodução assistida. No próximo texto, veremos quais foram as normas introduzidas diretamente a respeito da parentalidade socioafetiva e a multiparentalidade, o que não constava do anterior Provimento n. 52 do próprio CNJ, ora atualizado.

[1] Coluna do Migalhas de abril de 2018.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensuda EPD. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

ACONTECE EM SÃO PAULO. XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO CONSUMIDOR. BRASILCON


domingo, 22 de abril de 2018

VIII JORNADA DE DIREITO CIVIL. 26 E 27 DE ABRIL DE 2018. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, BRASÍLIA.

VIII Jornada de Direito Civil

Quando 26/04/2018 e 27/04/2018
Onde Auditório do Conselho da Justiça Federal - Brasília/DF
Período do evento: 26 e 27 de abril de 2018
Local: Conselho da Justiça Federal - Brasília/DF
Realização:
Conselho da Justiça Federal.
Apoio:
Superior Tribunal de Justiça.
Escola Nacional de Formação de Magistrados.
Carga horária: 4 horas-aula - público em geral
Carga horária: 12 horas-aula - comissão de trabalho da Jornada
Público-alvo: Ministros dos tribunais superiores, magistrados federais e estaduais, procuradores, promotores de justiça, advogados da União, defensores públicos, advogados, professores universitários e especialistas convidados.

Objetivos gerais
Delinear posições interpretativas sobre o Código Civil vigente, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, a partir do debate entre especialistas e professores.
Produzir novos enunciados a serem publicados e divulgados sob a responsabilidade do Centro de Estudos Judiciários e supervisão da Coordenação Científica, bem como propostas de reforma legislativa.

COORDENADORIA:
Geral:
Ministro Raul Araújo - Corregedor-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários
Científica:
Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior – Superior Tribunal de Justiça
Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino – Superior Tribunal de Justiça
Professor Roberto Rosas
Secretário-executivo geral:
Bruno Leonardo Câmara Carrá, Juiz Federal em auxílio à Corregedoria-Geral da Justiça Federal
ESTRUTURA BÁSICA DO PROGRAMA
26 de abril
Manhã - 9h às 12h
9h Abertura
10h Conferências solenes
Direito fundamental e expressão religiosa: entre a liberdade, o preconceito e a sanção
Edson Fachin, Ministro Supremo Tribunal Federal
Os efeitos do Direito Romano sobre o Código Civil Brasileiro
Detlef Liebs, Professor Dr. Da Universidade Albert-Ludwigs, Friburgo - Alemanha
A compra e venda não somente um contrato: da indissociabilidade do direito obrigacional e real
Jakob Fortunat Stagl, Professor Dr. Da Universidade do Chile, Santiago - Chile
26 de abril - tarde
14h às 19h - Comissão de trabalho
Parte Geral:
Presidente: Ministro Mauro Campbell Marques, STJ
Coordenador-científico: Rogério de Meneses Fialho Moreira, Desembargador Federal do TRF 5ª Região
Secretário-executivo: André Granja, Juiz Federal da Seção Judiciária de Alagoas
Obrigações
Presidente: Ministro Antonio Carlos Ferreira, STJ
Coordenadores-científicos: Fábio Ulhôa Coelho e Flávio Tartuce
Secretário-executivo: Mairan Gonçalves Maia Júnior, Desembargador Federal do TRF 3ª Região
Contratos
Presidente: Ministro Villas Bôas Cueva, STJ
Coordenador-científico: Lázaro Guimarães, Desembargador Federal do TRF 5a Região e Otávio Luiz Rodrigues Júnior
Secretário-executivo: Rommel Barroso da Frota, Procurador-Geral do Estado do Ceará
Responsabilidade Civil
Presidente: Ministra Isabel Gallotti, STJ
Coordenador-científico: Adalberto de Souza Pasqualotto
Secretário-executivo: Guilherme Calmon, Desembargador Federal do TRF 2ª Região
Direito das Coisas
Presidente: Ministro Luis Felipe Salomão, STJ
Coordenador-científico: Gustavo José Mendes Tepedino
Secretário-executivo: Rodrigo Xavier Leonardo
Família e Sucessões
Presidente: Ministra Nancy Andrighi, STJ
Coordenadora-científica: Ana de Oliveira Frazão
Secretário-executivo: Atalá Correa, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Proposta de Reforma Legislativa (esta comissão atuará em conjunto com as demais)
Presidente: Ministro Cesar Asfor Rocha, STJ
Coordenadora-científico: Judith Martins-Costa
Secretária-executivo: Maria Claudia Mércio Cachapuz, Juíza de Direito do TJ/RS
27 de abril de 2018
9h às 13h30
9h - PLENÁRIA

sábado, 21 de abril de 2018

RESUMO. INFORMATIVO 622 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 622 DO STJ.
Súmula N. 609
A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. Segunda Seção, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018.

SÚMULA N. 608
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. Segunda Seção, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018.
ORTE ESPECIAL
PROCESSO
Pet 9.815-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 29/11/2017, DJe 15/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Benefício de gratuidade de justiça. Estrangeiro não residente no território nacional. Art. 2º da Lei n. 1.060/1950. Revogado pelo CPC/2015.
DESTAQUE
A gratuidade da justiça passou a poder ser concedida a estrangeiro não residente no Brasil após a entrada em vigor do CPC/2015.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Código de Processo Civil de 2015 dispõe, no caput do art. 98, que tanto a pessoa natural brasileira quanto a estrangeira, quando não dispuserem de recursos suficientes para arcar com os custos do processo, têm direito de pleitear a gratuidade de justiça, independentemente de terem residência no território nacional. Tal norma veio a revogar, explicitamente, o art. 2º da Lei n. 1.060/1950 (art. 1.072 do CPC/2015), o qual preconizava que apenas as pessoas físicas nacionais e estrangeiras residentes no país teriam a prerrogativa de gozar do referido benefício. No mesmo sentido, o art. 26, II, do CPC/2015 determina que, para fins de cooperação jurídica internacional, será observada a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos. Contudo, nos casos em que a assistência judiciária gratuita foi pleiteada e deferida ainda sob a vigência da Lei n. 1.060/1950 e do antigo Código de Ritos, o benefício de gratuidade de justiça não pode ser deferido a estrangeiro não residente considerando que, nos termos do art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
REsp 1.569.627-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por maioria, julgado em 22/02/2018, DJe 02/04/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de seguro de vida em grupo. Caráter temporário. Ausência de formação de reserva matemática. Regime financeiro de repartição simples. Cláusula de não renovação. Ausência de abusividade.
DESTAQUE
Nos contratos de seguro de vida em grupo não há direito à renovação da apólice sem a concordância da seguradora ou à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no contrato.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se tem a seguradora o direito potestativo de optar pela não renovação de contrato de seguro de vida em grupo, diante de cláusula contratual que faculta tal direito a ambas as partes. Inicialmente cumpre salientar que, no julgamento do REsp 880.605/RN, DJe 17/9/2012, a Segunda Seção desta Corte Superior firmou a orientação de que a prerrogativa de não renovação dos contratos de seguro de vida em grupo, concedida a ambas as partes contratantes, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Decidiu-se, nesse julgado, que a cláusula que permite a não renovação do contrato coletivo de seguro de vida encontra-se em perfeita harmonia com o princípio do mutualismo inerente a essa espécie de contrato e encontra amparo na distinção entre as modalidades individual e coletiva dessa espécie de avença, observados os respectivos regimes financeiros a que estão submetidos. Isso porque, apenas nos contratos individuais, desde que vitalícios ou plurianuais, há a formação de provisão matemática de benefícios a conceder, calculada atuariamente no início do contrato, a qual possibilita a manutenção nivelada do prêmio, que permanece inalterado mesmo com o envelhecimento do segurado e o aumento do risco. Por outro lado, em caso de resolução dessa espécie de contrato no curso de sua vigência, cabe a restituição da reserva já formada aplicando-se a regra estabelecida no art. 796, parágrafo único, do CC/2002, de modo a evitar o enriquecimento sem causa do segurador. Nos contratos de seguro coletivos, de vigência transitória, por natureza, o regime financeiro é o de repartição simples. Os prêmios arrecadados do grupo de segurados ao longo do período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos naquele período. Não se trata de contrato de capitalização. Findo o prazo do contrato, pouco importa quantas vezes tenha sido renovado, não há reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, não há direito à renovação da apólice sem a concordância da seguradora e nem à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no contrato. Assim, mesmo que o segurado tenha se mantido vinculado à apólice coletiva por décadas, não se formou uma poupança, pecúlio ou plano de previdência, que lhe garantiria, ou a seus beneficiários, segurança na velhice. Suas contribuições (prêmio), ano a ano, esgotaram-se na cobertura dos sinistros do grupo no período, realizadas, como já enfatizado, pelo sistema de repartição simples. Com efeito, a cláusula de não renovação do seguro de vida, quando faculdade conferida a ambas as partes do contrato, mediante prévia notificação, independe de comprovação do desequilíbrio atuarial-financeiro, constituindo verdadeiro direito potestativo.

PROCESSO
IUJur no CC 144.433-GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 14/03/2018, DJe 22/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Incidente de uniformização de jurisprudência. CPC/1973. Ausência de previsão no CPC/2015. Divergência entre Turmas de Seções diversas. Afetação do feito à Corte Especial. Art. 16 do RISTJ.
DESTAQUE
Em se tratando de incidente de uniformização de jurisprudência suscitado no STJ durante a vigência do CPC/1973, para resolver divergência entre Turmas componentes de Seções diversas, torna-se conveniente a afetação do feito à Corte Especial, nos termos do art. 16 do RISTJ.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que o incidente de uniformização de jurisprudência suscitado durante a vigência do CPC/1973, em tese, poderia ser admitido, observando-se, quanto ao seu cabimento, as regras então dispostas pela lei adjetiva civil anterior. Todavia, em juízo de ponderação quanto à conveniência em se instaurar um procedimento que não mais guarda previsão no CPC/2015, afigura-se possível aventar a adoção de outras providências, que, a um só tempo, atendam à postulação e ao direito da parte de prevenir/encerrar a divergência jurisprudencial aventada. No que tange à possibilidade de se instaurar, de ofício, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto nos artigos 976 e seguintes do CPC/2015, verifica-se que os dispositivos legais que regem o novel instituto são destinados, exclusivamente, aos Tribunais estaduais e regionais. Veja-se que o art. 982 do CPC/2015 preceitua, que admitido o incidente, "o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na Região, conforme o caso". Naturalmente, se a intenção do legislador fosse instituir tal instituto também para os Tribunais Superiores, não haveria a delimitação espacial de tal comando. Ademais, o Regimento Interno do STJ, adaptado às alterações promovidas pelo § 3º, do art. 982, do CPC/2015, não prevê o procedimento de IRDR, mas tão somente o rito para suspender todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente (art. 271-A). Nessa linha, evidencia-se que o STJ não tem competência originária para instaurar IRDR, mas sim competência recursal. Saliente-se, ainda, que, no âmbito do STJ, a via adequada para a resolução de questões repetitivas dá-se por meio do julgamento do recurso especial repetitivo, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015. No que tange à adoção do Incidente de Assunção de Competência (IAC), previsto no art. 947 do CPC/2015, verifica-se que esse possui procedimento próprio. Como se constata do referido artigo, o incidente de assunção de competência, para além do propósito de pacificar questão de grande repercussão social (sem repetição em múltiplos processos), também se presta a prevenir ou dissipar divergência entre turmas do Tribunal acerca de relevante questão de direito, o que atenderia ao propósito ora perseguido. Entretanto, tal providência teria que advir, necessariamente, da própria Corte Especial, afinal somente tem atribuição de assumir/avocar a competência de determinado Órgão fracionário o Órgão julgador de maior abrangência. Cabe, assim, à Seção, por iniciativa e deliberação de seus membros, instaurar o IAC quando há divergência entre as suas Turmas integrantes. Por sua vez, em se tratando de dissenso entre Turmas componentes de Seções diversas, como se dá no caso, somente a Corte Especial, por iniciativa e deliberação dos membros que ali possuem assento, poderia instaurar o Incidente de Assunção de Competência. Sobressai, nesse contexto, a necessidade de se observar a atribuição regimental conferida às Seções e às Turmas de afetar os feitos de sua competência à Corte Especial "quando convier pronunciamento desta" ou "em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergência entre as Seções", em estrito cumprimento ao disposto no art. 16 do RISTJ.
PROCESSO
REsp 1.480.810-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 20/03/2018, DJe 26/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Inventário. Exame de questões de alta indagação. Juízo universal. Não exclusividade. Ação autônoma. Possibilidade. Celeridade processual. Art. 984 do CPC/1973.
DESTAQUE
É cabível o ajuizamento de ação autônoma perante o juízo cível quando se constatar, desde logo, a necessidade de dilação probatória incompatível com o rito especial do inventário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Discute-se a possibilidade de, havendo questão de alta indagação no inventário, a parte, ao antever tal questão, ajuizar desde logo uma ação autônoma em relação ao inventário ou se a remessa das partes às vias ordinárias para apuração dos fatos de maior complexidade é uma tarefa exclusiva do magistrado. Inicialmente, verifica-se que é induvidoso na ação de prestação de contas que a apuração relacionada à dilapidação do patrimônio é uma questão de alta indagação, assim compreendida como aquela que depende de ampla dilação probatória incompatível com o rito especial do inventário. Nesse contexto, o fato de a parte, ao vislumbrar desde logo a necessidade de uma atividade instrutória diferenciada e ampla, manejar uma ação autônoma em juízo distinto do inventário, não acarreta nulidade de nenhuma espécie, tratando-se, ao revés, de medida que atende aos princípios da celeridade e da economia processual. A esse respeito, verifica-se em primeiro lugar que o art. 984 do CPC/1973 não proíbe a parte de buscar, pelas vias ordinárias, o acolhimento de pretensão incompatível com o rito do inventário. De fato, apenas está dito no referido dispositivo legal que, se a parte deduzir uma pretensão que envolva uma questão de alta indagação no juízo do inventário, deverá o magistrado remetê-la às vias ordinárias. Não está dito, todavia, que está excluída a possibilidade de a parte deduzir a sua pretensão de modo autônomo, inclusive porque o juízo cível também deve examinar a sua própria competência, sendo-lhe lícito, por exemplo, reconhecer que a questão a ele submetida não era de alta indagação e que, em razão disso, a competência era do juízo universal do inventário. Entendimento contrário a este fere os princípios da razoável duração do processo, da celeridade, da economia processual e, na hipótese, também da inafastabilidade da jurisdição em sua perspectiva substancial, diante da comprovada necessidade de obtenção de tutela jurisdicional provisória que sustasse os atos de dilapidação de bens, motivo pelo qual não há que se falar em violação aos arts. 87, 113 e 984, todos do CPC/1973.
PROCESSO
REsp 1.623.098-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 13/03/2018, DJe 23/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de prestação de contas. Demanda ajuizada pelo filho em desfavor da mãe. Condição de administradora de seus bens por ocasião de sua menoridade. Art. 1.689, I e II do CC/2002. Causa de pedir fundada em abuso de direito. Pedido juridicamente possível. Caráter excepcional.
DESTAQUE
A ação de prestação de contas ajuizada pelo filho em desfavor dos pais é possível quando a causa de pedir estiver relacionada com suposto abuso do direito ao usufruto legal e à administração dos bens dos filhos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida consiste em saber se, à luz do CPC/1973, o pedido formulado por filho, a fim de exigir prestação de contas de seus pais, na condição de administradores de seus bens por ocasião de sua menoridade, é juridicamente possível. Inicialmente cumpre salientar que o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido tem caráter excepcional, a fim de não inviabilizar o acesso à Justiça, tanto que o Código de Processo Civil de 2015 não elencou mais a "possibilidade jurídica do pedido" como condição da ação, passando o referido requisito a integrar questão de mérito. Nos termos do art. 1.689 do Código Civil, extrai-se que o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. Por esse motivo, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar, porquanto há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Ocorre que esse munus deve ser exercido sempre visando atender ao princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal. Em outras palavras, o fato de os pais serem usufrutuários e administradores dos bens dos filhos menores, em razão do poder familiar, não lhes confere liberdade total para utilizar, como quiserem, o patrimônio de seus filhos, o qual, a rigor, não lhes pertence. Assim, partindo-se da premissa de que o poder dos pais, em relação ao usufruto e administração dos bens de filhos menores, não é absoluto, deve-se permitir, em caráter excepcional, o ajuizamento da ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício desse poder.
PROCESSO
REsp 1.550.260-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 12/12/2017, DJe 20/03/2018
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Cláusula compromissória. Competência. Juízo arbitral. Aplicação do princípio kompetenz-kompetenz. Afastamento do juízo estatal.
DESTAQUE
A previsão contratual de convenção de arbitragem enseja o reconhecimento da competência do Juízo arbitral para decidir com primazia sobre o Poder Judiciário as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente cumpre salientar que à luz dos artigos 1º, 3º e 4º da Lei n. 9.307/1996, as pessoas capazes de contratar podem submeter a solução dos litígios que eventualmente surjam ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, fazendo inserir cláusula compromissória ou compromisso arbitral. Em assim o fazendo, a competência do juízo arbitral precede, em regra, à atuação jurisdicional do Estado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A sentença arbitral produz entre as partes envolvidas os mesmos efeitos da sentença judicial e, se condenatória, constitui título executivo. Além disso, tão somente após a sua superveniência é possível a atuação do Poder Judiciário para anulá-la, nos termos dos artigos 31, 32 e 33 da Lei n. 9.307/1996. Como é sabido, o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário, a realiza, e só incide por livre e mútua concessão entre as partes. Evidentemente, o árbitro, ao assumir sua função, age como juiz de fato e de direito da causa, tanto que a sua decisão não se submete a recurso ou a homologação judicial (artigo 18 da Lei n. 9.307/1996). Consigne-se, além disso, que vige, na jurisdição privada, o princípio basilar do kompetenz-kompetenz, consagrado nos artigos 8º e 20 da Lei de Arbitragem, que estabelece ser o próprio árbitro quem decide, em prioridade com relação ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória. A partir dessa premissa, o juízo arbitral se revela o competente para analisar sua própria competência para a solução da controvérsia. Negar aplicação à convenção de arbitragem significa, em última análise, violar o princípio da autonomia da vontade das partes e a presunção de idoneidade da própria arbitragem, gerando insegurança jurídica.