quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

NOVO SITE DO AMIGO PABLO STOLZE GAGLIANO


Prezados Amigos Blogueiros,


Gostaria de convidá-los a visitar o novo site do Grande Amigo e Irmão Professor Pablo Stolze Gagliano.

O novo endereço é http://www.pablostolze.com.br/.


Tenho certeza que o site será de muita utilidade para todos.

Abraços e Feliz 2008!!!

Professor Flávio Tartuce

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

FELIZ NATAL!!!

Prezados Amigos e Amigas,
Gostaria de desejar a todos um Feliz Natal, com muito amor e muita luz.
E que a noite de hoje sirva de preparação para que no ano de 2008 sejamos guiados pelas Grandes Virtudes: a polidez, a fidelidade, a prudência, a temperança, a coragem, a justiça, a generosidade, a compaixão, a misericórdia, a gratidão, a humildade, a simplicidade, a tolerância, a pureza, a doçura, a boa-fé, o humor... o amor (COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado de grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2007).
Saúde! Sucesso! Felicidade!
Professor Flávio Tartuce

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

INFORMATIVO 340 DO STJ. O ÚLTIMO DE 2007...

AR. PACTO COMISSÓRIO. SIMULAÇÃO. Trata-se de ação rescisória que, no entender do autor, está afeta a erros de julgamento devido ao fato de o acórdão rescindendo se haver apoiado na sistemática do anteprojeto do Código Civil para concluir pela inaplicabilidade do art. 104 do CC/1916 e o reconhecimento do pacto comissório sem que a matéria tenha sido objeto de instrução processual. Aduz, ainda, afronta à Súm n. 400-STF. O acórdão rescindendo, da relatoria do Min. Eduardo Ribeiro, reconheceu que, havendo pacto comissório disfarçado por simulação, não se pode deixar de proclamar a nulidade, não pelo vício da simulação, mas em virtude de aquela avença não ser tolerada pelo direito. Agora, o autor da rescisória é sucessor causa mortis da parte sucumbente no processo rescindendo e, nessa qualidade, é parte legítima para a propositura da ação. Superada essa preliminar, destaca ainda o Min. Relator que deve ser apreciada a alegação de ausência de requisito de admissibilidade do recurso, pois, apesar de o Tribunal a quo ter dado interpretação razoável ao disposto no art. 104 do CC/1916, o acórdão rescindendo incursiona na análise do mérito recursal, o que o autor afirma afrontar a Súm. n. 400-STF. O Min. Relator esclarece que a invocação de ofensa à súmula não autoriza ação rescisória, uma vez que não equivale a uma lei e a referência ao anteprojeto foi como reforço de argumentação. Ultrapassados esses questionamentos iniciais, na hipótese dos autos, não foram comprovadas pelo autor as alegações de artifícios e simulação do réu capazes de ludibriar o julgador, não sendo suficientes meras alegações. Também, segundo o Min. Relator, não merece trânsito a alegação de erro de fato quanto ao pacto comissório. Na hipótese, a ocorrência ou não do pacto comissório foi debatida em todo o processo principal, sendo o ponto de divergência entre as partes. Diante do exposto, a Segunda Seção julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários. AR 366-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgada em 28/11/2007.
REVISÃO. INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. HIPÓTESES. Trata-se de ação de exoneração com pedido de revisão de alimentos em que os autores recorrentes alegam alteração da situação econômica das partes. Eles estariam em dificuldades financeiras enquanto o recorrido é pensionista da Previ e empresário do ramo de importações e exportações. A Turma entendeu que há somente duas hipóteses para que se altere o valor da prestação de alimentos decorrentes de ato ilícito, no caso, acidente de trânsito. Uma o decréscimo das condições econômicas da vítima, dentre elas a eventual defasagem da indenização fixada. A outra, a capacidade de pagamento do devedor. Se houver melhora, poderá a vítima requerer revisão para mais, até atingir a integralidade do dano material futuro; se houver piora, o próprio devedor pedirá a revisão para menor em atenção ao princípio da dignidade humana e à faculdade outorgada no art. 602, § 3º, do CPC (atual art. 475-Q, § 3º, do CPC). O fato de a vítima, mediante seus esforços e após enfrentar as adversidades e limitações físicas, reverter sua situação desfavorável não pode premiar o causador do dano irreversível. REsp 913.431-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/11/2007.

EFICÁCIA CAUTELAR. ALIMENTOS PROVISIONAIS. Uma vez não proposta a ação principal de alimentos no prazo de 30 dias (art. 806 do CPC) perde a eficácia a cautelar de alimentos (alimentos provisionais) nos termos do art. 808 do CPC. Precedente citado: EREsp 327.438-DF, DJ 14/8/2006. REsp 436.763-SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 27/11/2007.

ANTICONCEPCIONAL. PLACEBO. DANO MORAL. CONSUMIDOR. Cuidou-se de ação civil pública intentada pelo estado-membro e pelo órgão estadual de defesa do consumidor contra laboratório farmacêutico, objetivando o pagamento de danos morais causados à coletividade, visto que colocara, no mercado, anticoncepcional produzido sem o princípio ativo (placebo), do que decorreu a gravidez de várias consumidoras desse medicamento. Neste Superior Tribunal, a Turma, ao prosseguir o julgamento, não conheceu do recurso. Dentre outros temas, entendeu haver a responsabilidade do laboratório como fornecedor, pois a simples suposição de que houvera a participação de terceiros no derramamento do medicamento ineficaz no mercado é relevada pela constatação da prova carreada aos autos de que o laboratório produziu e deu essencial colaboração para que fosse consumido e de que houve dano aos consumidores, o que afasta a cogitação de aplicar-se a excludente de responsabilidade objetiva (art. 12, § 3º, I, do CDC). Sua responsabilidade exsurge, sobretudo, do fato de ter produzido manufatura perigosa sem adotar medidas eficazes para garantir que tal produto fosse afastado de circulação. O Min. Castro Filho, em seu voto vista, adentra a questão da legitimidade do órgão de defesa para a proteção dos interesses individuais homogêneos, apesar de a Min. Relatora haver aplicado a Súm. n. 284-STF, a impedir o exame da questão. REsp 866.636-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/11/2007.
INSCRIÇÃO. NOME. BANCO DE DADOS. AUSÊNCIA. COMUNICAÇÃO. A recorrente alega que, nos termos do art. 43, § 2º, do CDC, não comprovou a ré a prévia comunicação da negativação no banco de dados a que estava obrigada, motivo pelo qual estaria configurado o dano moral. O Min. Relator esclareceu que, constatada a irregularidade, a mencionada negativação deve ser comunicada à inscrita, o que não aconteceu. Porém a autora não questionou, quando da inicial, a existência da dívida. Não bastasse isso, o acórdão recorrido também reconhece a existência de várias outras anotações negativas. Também, a autora não demonstrou, ao longo da ação, haver quitado a dívida, o que corrobora a suposição de que a prévia comunicação sobre sua existência teria tido algum efeito útil. Em tais excepcionais circunstâncias, não vê o Min. Relator como se possa indenizar a autora por ofensa moral, apenas pela falta de notificação. Destarte, bastante que se determine o cancelamento da inscrição até que haja a comunicação formal à devedora sobre aquela, mas dano moral nessa situação não é de ser reconhecido à autora. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e lhe deu parcial provimento para improver o pleito de indenização por dano moral, determinando, contudo, o cancelamento dos registros requeridos pela empresa até que haja o cumprimento da formalidade da comunicação. Precedente citado: REsp 752.135-RS, DJ 5/9/2005. REsp 986.913-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

AÇÃO. INDENIZAÇÃO. DIREITO DE ACRESCER. Cuida-se de ação de indenização movida pela viúva e filhas de vítima de acidente fatal de trânsito resultante da colisão da moto do de cujus com um veículo de propriedade da empresa recorrida. O primeiro ponto refere-se ao valor do dano moral, visto que, embora sempre difícil o arbitramento, a Quarta Turma tem-se guiado por fixá-lo, em hipótese de morte de vítima, em aproximadamente quinhentos salários mínimos, salvo fatores excepcionais, como comportamento doloso do causador do acidente, aqui não existente. No ponto em que tange ao “direito de acrescer”, o entendimento da Turma é no sentido de prestigiá-lo. Se assim não fosse considerado, não haveria indenização justa e eqüitativa. Por exemplo, se um empregado falece e deixa um filho, todo o valor da pensão, digamos R$ 300,00, irá para ele. Já outro que percebe igual remuneração, mas tem cinco filhos, deixará a mesma quantia a ser dividida entre eles, cabendo a cada um apenas R$ 60,00. Para o causador do ilícito, o valor será o mesmo: R$ 300,00. Mas é justo que um dos filhos remanescentes, que só recebe R$ 60,00, individualmente, continue a receber a mesma quantia eternamente, ainda que os irmãos vão atingindo a idade extintiva da pensão? O Min. Relator pensa que não. Para a ré, a pensão não se modifica, mas também não é razoável que ela vá diminuindo a seu favor, paulatinamente, sem que o irmão remanescente possa ver acrescida aos seus R$ 60,00 a quota parte correspondente ao irmão mais velho, que perdeu o direito à pensão. Quanto às despesas de funeral, a Turma inclinou-se a inexigir a prova da realização dos gastos em razão da certeza do sepultamento, pela insignificância no contexto da lide, enquanto limitada ao mínimo previsto na legislação previdenciária e pelo relevo da verba e sua natureza social de proteção à dignidade humana. Precedentes citados: REsp 388.300-SP, DJ 25/11/2002; REsp 17.738-SP, DJ 22/5/1995, e REsp 148.955-PR, DJ 17/5/1999. REsp 625.161-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

PLANO. SAÚDE. CLÁUSULA. CARÊNCIA. A matéria consiste em saber se a cláusula que estabelece a carência em plano de saúde é ou não abusiva. O Min. Relator observou que, em si, a cláusula que fixa a carência não é abusiva porquanto não se afigura desarrazoada a exigência de um período mínimo de contribuição e permanência no plano de saúde para que o contratante possa fruir de determinados benefícios. As condições são voluntariamente aceitas, os planos são inúmeros e oferecem variados serviços e níveis de assistência médica, tudo compatível com a contraprestação financeira acordada e de conhecimento da pessoa que neles ingressa por livre escolha. Todavia a jurisprudência deste Superior Tribunal tem temperado a regra quando surjam casos de urgência de tratamento de doença grave, em que o valor da vida humana sobrepuja-se ao relevo comercial, além do que, em tais situações, a suposição é que, quando foi aceita a submissão à carência, a parte não imaginava que poderia padecer de um mal súbito. No caso, a autora foi acometida de doença surpreendente e grave e, aliás, já quase ao final do período de carência, vinha contribuindo há quase três anos, para uma carência de trinta e seis meses. Nessas condições particulares, torna-se inaplicável a cláusula, não propriamente por ser em si abusiva, mas pela sua aplicação de forma abusiva, em contraposição ao fim maior do contrato de assistência médica, que é o de amparar a vida e a saúde, tornando-o verdadeiramente inócuo na espécie. REsp 466.667-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.

PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. SUBSTITUIÇÃO. BEM. O impetrante assevera ser incabível o decreto de prisão por infidelidade no cumprimento do encargo de depositário judicial de bens fungíveis e da ausência de análise da substituição destes por outros. O Min. Relator destacou que a jurisprudência deste Superior Tribunal tem entendido que o depositário judicial tem a faculdade conferida ao depositário contratual de entregar a coisa ou o equivalente em dinheiro, conforme estatuem os arts. 902, I, e 904 do CPC. Uma vez que descumprida a obrigação de guarda do bem, o qual deve ser apresentado pelo depositário quando intimado para tal, resta-lhe a alternativa de fazer o depósito do valor equivalente sob pena de ser declarado infiel. Não se enxerga possibilidade de o depositário apresentar outros bens em substituição ao bem gravado na execução, visto que o seu encargo dirige-se à guarda e conservação de bens certos e determinados. Com esse entendimento, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados: RHC 10.246-SC, DJ 27/11/2000; REsp 133.600-SP, DJ 4//12/2000, e REsp 276.817-SP, DJ 7/6/2004. HC 70.440-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 27/11/2007.
COBRANÇA. ALUGUERES. PRESCRIÇÃO. ART. 2.028 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. A recorrente, mediante execução por quantia certa, busca as diferenças de alugueres pagos a menor entre junho/2001 e novembro/2005. Relativamente à prescrição da pretensão sobre alugueres de prédios urbanos ou rústicos, o Código Civil derrogado estabelecia o prazo de cinco anos para a sua ocorrência (art. 178, § 10, IV), ao passo que a Lei n. 10.406/2002 o reduziu para três anos (art. 206, § 3º, I). Resta saber qual o termo a quo da contagem do novo prazo prescricional. Esclareceu a Min. Relatora que a aplicação da lei nova de modo a reduzir o prazo prescricional referente a situações a ela anteriores e sujeitas a um lapso prescricional superior, disciplinado pela lei revogada, efetivamente importará em atentado aos postulados da segurança jurídica e da irretroatividade da lei, caso se considere a data do fato como marco inicial da contagem do novo prazo. Dessa forma, nas hipóteses em que incide a regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, o termo a quo do novo prazo é o início da vigência da lei nova, no caso, 11 de janeiro de 2003, e não a data em que a prestação deixou de ser adimplida. Precedentes citados do STF: RE 79.327-SP, DJ 7/11/1978; do STJ: REsp 698.195-DF, DJ 29/5/2006, e REsp 905.210-SP, DJ 4/6/2007. REsp 948.600-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 29/11/2007.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

INTERESSANTE ENTREVISTA DE MARIA BERENICE DIAS. CONSULTOR JURÍDICO.

Direito das famílias
Monogamia não é um princípio, é só marco regulador
por Gláucia Milicio
Sagrada família, hoje em dia, é apenas um quadro na parede. Aquela composição clássica de papai, mamãe, filhinho e filhinha também é coisa do passado. O que há agora são famílias — no plural — que são resultado de combinações completamente estranhas e inovadoras como as relações homoafetivas e as relações extramatrimoniais, bem como a união estável ou a família parental. Muito confuso? Pois a confusão é ainda maior quando se sabe que toda esta revolução de costumes está se desenrolando sem um marco legal.
É neste vazio de leis que surge o Judiciário, surpreendentemente ativo para ditar caminhos e marcar posições. Com dificuldades próprias de quem está mexendo e removendo crenças e hábitos ancestrais, são os juízes — e não os legisladores, como era de se esperar — que estão construindo o novo Direito de Família, ou o novo Direito das muitas famílias que agora existem.
Neste campo, a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é uma das pioneiras e acabou se tornando um símbolo. Do Rio Grande do Sul tem saído as decisões mais avançadas no novo Direito das famílias, conseqüência não apenas da liderança exercida pela desembargadora, como também do modo de trabalhar da corte. “Há mais de 20 anos, o TJ-RS tem câmaras especializadas. E a especialização eleva a qualidade”, diz Berenice.
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Berenice acabou se especializando, dentro de sua área de atuação, em um nicho do Direito que por enquanto ainda enfrenta resistências para ser considerado Direito de Família: trata-se do Direito Homoafetivo, que trata dos direitos e das relações entre homossexuais.
Os juízes menos apegados ao passado tendem a reconhecer como uma “sociedade de fato” a união estável de parceiros do mesmo sexo. A desembargadora acha ainda uma decisão atrasada. Para ela, a própria legislação desestimula esta solução quando determina que uma sociedade se estabelece quando as pessoas “se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha de seus resultados” (artigo 981 do Código Civil).
Reduzir a essa dimensão comercial as relações de afeto entre duas pessoas, independentemente do sexo delas, é algo como um desastre humano, entende a desembargadora. É difícil discordar da desembargadora, mas os juízes estão apenas tentando se adaptar ao que está escrito na lei.
E na Constituição está escrito que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”. Não se prevê a união entre pessoas do mesmo sexo. Quem escancara a união entre pessoas do mesmo sexo é a realidade. E aí, o que fazer? A desembargadora acredita que nestas circunstâncias cabe ao juiz ousar. “O juiz ao manejar a lei não pode ser aquele algoz que pune as pessoas que saem do modelo convencional”, diz Berenice.
O mesmo raciocínio ela aplica para as relações extramatrimoniais. O que fazer quando, na hora de repartir a herança do falecido, se descobre que ele viveu toda sua bela vida com duas famílias? Mesmo porque, diz a desembargadora, “a monogamia não é um princípio, é apenas um norte organizador da sociedade”.
Defender idéias desse tipo tem seu preço.
O nome da desembargadora freqüenta com muita assiduidade listas de candidatos a uma vaga no Supremo Tribunal Federal ou nos tribunais superiores. Mas ela não tem, nem nunca teve, ilusões quanto a isso, sabedora que é de que em um alto tribunal vanguardismos desta natureza não são bem vindos.
Maria Berenice é formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 1971. É mãe de três filhos e já passou por cinco casamentos, “todos heterossexuais”, brincou, sem preconceito, em entrevista à Consultor Jurídico.
Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro e Maurício Cardoso.
ConJur — Qual o conceito de família hoje?
Maria Berenice Dias — Não existe uma família. Existem várias. Não é mais aquele modelo que víamos nos cadernos escolares. O pai com o jornal, a mãe com a panela, o filho com a bola e a menina com a boneca. O homem com o jornal, mostrava que tinha de ser mais culto que a mulher; a mãe com a panela, lhe destinava o papel de doméstica; a menina com a boneca já estava sendo adestrada para a maternidade; e o menino com a bola indicava que tinha de ser forte e viril e brincar do lado de fora da casa. Fechando os olhos, nós todos enxergamos este modelo de família.
ConJur — A inclusão homoafetiva seria impossível sem as novas famílias?
Maria Berenice Dias — Seria. Só depois de abrir o conceito de família é possível enxergá-la fora do rótulo do casamento. Não podemos mais falar em família no singular. A própria Constituição já esgarçou esse conceito de família. Existe uma nova realidade, que nem é nova, mas ao menos é uma realidade visível que a gente tem de enxergar.
ConJur — Hoje o juiz tem situações mais complicadas para decidir. Por exemplo, pessoas que têm duas famílias. Essa outra, fora do casamento, pode ser reconhecida?
Maria Berenice Dias — Pode. As duas são entidades familiares. Já há decisões no Tribunal de Justiça gaúcho. Lá tem duas Câmaras que tratam de família, a 7ª e a 8ª. A 8ª Câmara reconhece com muita desenvoltura. Entende que a segunda família é uma entidade familiar paralela. Porque a monogamia não é um princípio, é um norte organizador da sociedade. Até a própria Constituição admite o reconhecimento de filhos fora do casamento. O único problema é que esbarra no reconhecimento de direitos, que a maioria dos estados não reconhece, tem poucas decisões nesse sentido. Recentemente o STJ não reconheceu as famílias paralelas. O juiz ao manejar a lei não pode ser aquele algoz que pune as pessoas que saem do modelo convencional.
ConJur — Qual o procedimento para que essa família seja reconhecida?
Maria Berenice Dias — É muito complicado. O que não pode é essa segunda mulher morrer de fome. O que consigo, infelizmente, é dar indenização pelos serviços domésticos prestados. Quando a Justiça não reconhece a filiação adulterina, as famílias extramatrimoniais, ela está protegendo o homem. A lei é feita pelo homem, e protege o homem.
ConJur — Mas em termos de lei, de legislativo, como é que poderia ser feito o reconhecimento da família paralela?
Maria Berenice Dias — Ao reconhecer os direitos, nós não estamos rompendo este princípio regulador de sociedade, que é a monogamia. Então, se o homem agiu errado, constituiu duas famílias, devemos condená-lo à prisão? A sociedade prefere punir a mulher, mesmo sabendo que não foi ela quem optou por ter uma família paralela, foi o homem. Para mim, não precisava nem mexer na lei. A família paralela é uma união estável, estão presentes as características da união estável.
ConJur — E como fica a questão da fidelidade?
Maria Berenice Dias — Nesta união não existe nenhum dever de fidelidade. Eu não vejo nenhuma justificativa da lei trazer deveres no casamento, porque eles não podem ser cobrados. O fato de o homem ter amante é um problema dele. Ele escolheu viver desse jeito, então tem que pagar por isso, independentemente da mulher.
ConJur — Qual a base de uma família parental?
Maria Berenice Dias — É a família formada independentemente da diferença de graus de parentesco, não é entre um grau e outro grau, a ascendência e descendência. São famílias de parentes do mesmo grau: família de irmãos, família de primos, pessoas que vivem e constituem uma entidade familiar, independentemente da diversidade de graus de parentesco.
ConJur — A família antiga tinha uma organização muito voltada para as questões econômicas. Como se coloca o aspecto econômico neste novo conceito de famílias?
Maria Berenice Dias — Antes a propriedade precisava passar de uma família a outra. Por isso é que existia o regime de comunhão universal de bens. Era exatamente para manter essa característica patrimonial. O patrimônio só poderia ser passado para os filhos com o sangue do patriarca e, para isso, ele precisava ter certeza de que os filhos eram dele. A mulher tinha que casar virgem. O princípio da virgindade nunca foi uma qualidade da mulher, nunca foi valorizada por isso. Só tinha o significado de assegurar ao homem a certeza de que os filhos eram dele e ponto. Mas já houve uma evolução na sociedade.
ConJur — Em que sentido?
Maria Berenice Dias — Eu não vejo o motivo de se prestar mais valor aos aspectos patrimoniais da família, do que aos aspectos afetivos da família. No fundo, família é um núcleo de afetividade, é onde existe um comprometimento mútuo.
ConJur — Em caso de separação, a mãe continua com a prioridade da guarda do filho?
Maria Berenice Dias — O perfil da família brasileira mudou. O homem participa mais no convívio com os filhos. Há uma disputa maior pela guarda filhos e também por uma convivência com eles depois do fim do casamento. Antes, o homem pagava a pensão e, na maioria das vezes, não convivia. Nesse novo viés de família, a convivência é um direito. A ausência dele gera o chamado dano afetivo, sem necessidade de comprovação. Basta o pai não conviver com o filho para gerar esse dano, passível de indenização. O problema da Lei do Divórcio é dizer que, na separação, o filho ficará com a mãe ou o pai, assegurado ao outro o direito de visita. Essa necessidade gera uma disputa e ganhar a guarda do filho é quase um troféu.
ConJur — O que acha da guarda compartilhada?
Maria Berenice Dias — A proposta diz que, na separação, os filhos é que ficam com a guarda compartilhada dos pais. É importante porque ainda há juízes que, por falta de previsão em lei, não reconhecem essa possibilidade, mesmo quando o casal e os filhos queiram. Se aprovada, a lei vai mudar aos poucos a cultura de que a guarda deve ser só do pai ou só da mãe. As pessoas ficam muito inseguras na separação, mas a mudança que a lei propõe é importante para modificar essa concepção.
ConJur — Essa nova concepção depende muito mais da mudança cultural do que de lei, não é?
Maria Berenice Dias — Essa proposta é muito boa e servirá como um marco. Se entrar em vigor, vai funcionar daquele jeito e as pessoas terão de se adaptar. A mesma coisa em relação ao direito dos homossexuais. A Lei Maria da Penha diz que, para efeitos da proteção da lei, independe a orientação sexual. Essa é a primeira norma no Brasil que insere famílias formadas por pessoas do mesmo sexo dentro do conceito de família. Então, para efeitos de aplicação da lei, famílias de mulheres, de transexuais ou travestis também são famílias. A Lei Maria da Penha veio reconhecer esses direitos.
ConJur — O fato de a lei Maria da Penha proteger a mulher e não os parceiros é um problema?
Maria Berenice Dias — É uma solução, porque existe um fato social. Infelizmente muitas mulheres são vítimas de violência doméstica. Quando os homens são alvos de violência, eles também estão protegidos, a legislação os protege. Agora, como a violência doméstica tem esse viés decorrente do sentimento de propriedade e tal, e os números são escandalosos, é preciso ter uma legislação adequada sim.
ConJur — Recentemente, dois episódios tiveram grande repercussão. O caso do Richarlyson, e o outro do juiz que desqualificou a lei Maria da Penha. Essas manifestações radicais refletem a imagem real do Judiciário?
Maria Berenice Dias — Não, esses casos são exceções, mas rezo bastante para que o Judiciário não se manifeste assim. Esse juiz já está sendo processado. Isso leva a crer que o Judiciário estranhou a postura. Não é corriqueiro esse tipo de atitude. Não acredito que seja reflexo do Judiciário.
ConJur — No caso Richarlyson caberia a ação? Ser chamado de gay é ofensa?
Maria Berenice Dias — Com certeza, porque ele foi chamado de uma maneira pejorativa. Da mesma forma que não dá para chamar negro de negro. Isso é crime, ainda que a pessoa seja negra. Chamar homossexual de homossexual tem conotação pejorativa. Ninguém é rotulado de heterossexual, ninguém é ofendido por ser chamado de heterossexual. Está na hora de acabar com todos esses estereótipos porque esses segmentos são alvos de tanta discriminação que eles não conseguem se impor como voz.
ConJur — O conservadorismo dos juízes impede o reconhecimento das uniões homoafetivas?
Maria Berenice Dias — Há uma resistência muito grande em reconhecer direitos aos homossexuais. Isso se vê na Justiça em geral, mas às vezes tem situações de tão escancarado direito que não reconhecer gera injustiça. Ao enxergar as uniões homossexuais só como uma sociedade de fato, os juízes tiram o vínculo afetivo, excluem a natureza sexual desta relação. Com isso, tiram a relação homoafetiva do âmbito do Direito de Família, que é o grande guarda-chuva protetor do cidadão. Dentro do Direito de Família há a possibilidade de se encontrar uma solução dentro do justo. Mas este é um caminhar difícil porque esbarra no preconceito do juiz, que não consegue enxergar aí uma família.
ConJur — Ao reconhecer a relação homoafetiva como uma sociedade de fato percebe-se que já houve um avanço do Judiciário. Mas já há uma abertura da Justiça para enquadrar esta relação como sociedade familiar?
Maria Berenice Dias — Sim. A abertura começou pelo Tribunal do Rio Grande do Sul. Eu sou de lá e estou lutando há muito tempo. Mas já tem alguns estados do país reconhecendo. O último caso de união homossexual reconhecida como entidade familiar é de Minas Gerais, que é um estado conservador. É importante lembrar que se a Justiça não reconhece a união como uma família, não é possível dar direito real de habitação, reconhecer direito sucessório, garantir direito a alimentos. Mas isso está pipocando aos poucos. Já há decisões de Tribunal de Justiça. Os tribunais superiores, no entanto, ainda não se manifestaram, depois que surgiu essa nova postura diante do assunto.
ConJur — A saída pela sociedade de fato gera problemas?
Maria Berenice Dias — Sim. A redação da lei que define a sociedade de fato deixa evidente que a união estável não pode ser considerada uma sociedade. O artigo 981 do Código Civil diz que celebra um contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica. Este é o conceito. Para alguém enxergar a relação de duas pessoas dentro desse conceito, e não dentro do conceito de família, precisa ter uma lente poderosa. Pedir o reconhecimento de uma sociedade de fato é uma maneira de encontrar uma saída sem se comprometer. Há todo um preconceito contra os homossexuais. Por isso, há uma dificuldade para que sejam aceitos como família. Nós temos ainda um conceito de família muito encharcado pela religião. Essa idéia de família — a sagrada família, pai, mãe, filho, crescei e multiplicai-vos — tem toda uma idéia, uma auréola de proteção.
ConJur — Como a Justiça resolve os casos de sucessão nos casos de união extramatrimonial?
Maria Berenice Dias — Até 1994, os parceiros em relações extramatrimoniais não tinham Direito a sucessão, não tinham direito a alimentos. A Justiça perversamente, nunca deu. Mesmo depois da Constituição Federal, que em 1988 disse que eram uma entidade familiar, a jurisprudência não reconheceu. A Justiça continuou chamando de sociedade de fato e as ações continuaram sendo julgadas nas varas cíveis, não nas varas de família. E continuava não dando nem alimento e nem direito sucessório. A Justiça fez uma legião de famintas, porque o patrimônio sempre esteve na mão dos homens.
ConJur — Como está a tramitação do anteprojeto de Estatuto da Família que o IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito da Família) entregou no Congresso?
Maria Berenice Dias — O projeto foi apresentado pelo deputado Sérgio Barradas (PT-BA), e a relatora sorteada foi a Rita Camata (PMDB-ES). Ela é uma mulher bem esclarecida e ele é um otimista. Por ele, as coisas são aprovadas muito rapidamente. Acho que vai tramitar, é um projeto viável, mas acho arrojado demais para os nossos parâmetros sociais. Apesar de ser um código da realidade da família de hoje, ele é um código que acho que vai ser entendido daqui a cinqüenta anos.
ConJur — Por que o Judiciário acaba assumindo a função do Legislativo?
Maria Berenice Dias — No meu entender, por falta de compromisso do legislador em fazer a lei que atenda à realidade da sociedade. Eles não estão preocupados com isso. Eles estão preocupados só com sua reeleição. Está muito desvirtuado o nosso legislador, a tramitação, no Legislativo, é horrorosamente morosa. Há um descomprometimento total com qualquer coisa que se tente, se consiga. Eu acho o nosso legislador péssimo.
ConJur — Há um vazio legislativo na área do Direito Homoafetivo. O Judiciário, de alguma maneira, preenche?
Maria Berenice Dias — No vácuo da lei, o Judiciário acaba tendo que enxertar esse vazio, já que ele convive mal com injustiças. Dá para enxergar isso com muita clareza nos casos de concubinatos. A união extramatrimonial ficou à margem do Direito, à margem de qualquer regulamentação por 70 anos. Esta união só foi reconhecida porque o Judiciário, ao se defrontar com o fato, buscou soluções. Como não tem lei, a jurisprudência está começando a construir um verdadeiro ramo do Direito de tutela a essas uniões. Porque eu sempre digo que o fato esbofeteia o juiz, a realidade está ali e ele não consegue negar.
ConJur — Acha que vai demorar para que esse novo ramo seja reconhecido?
Maria Berenice Dias — Não. Em sete anos, desde que eu comecei a trabalhar com relações homoafetivas, nós fizemos o que foi feito em 70 anos em relação às uniões extramatrimoniais.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2007

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NO STJ. MAIS UMA DECISÃO.

Pai que reconheceu filho, sabendo inexistir a relação biológica, não pode anular registro

Publicado em 12 de Dezembro de 2007 às 09h20

Um cidadão de Minas Gerais não conseguiu anular o registro de uma menina que assumiu como filha, mesmo comprovando não ser o seu pai biológico.
Por ter ele declarado espontaneamente a paternidade da menina, a Justiça não enxergou, na hipótese, qualquer nulidade legal que autorize a correção. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) num recurso especial julgado pela Quarta Turma. S.V.V. registrou T.D.S.V. como filha, sabendo que não havia relação biológica entre ambos. Ele tenta, desde 1996, a anulação do registro de nascimento.
Baseados em voto do relator, Ministro Hélio Quaglia Barbosa, os ministros entenderam que, salvo nas hipóteses de erro, dolo (intenção), coação, simulação ou fraude, a pretensão de anulação do ato de registro de um filho, tido como ideologicamente falso, só pode ser acionada por terceiros interessados, não sendo admitida a revogação do reconhecimento pelo próprio declarante.
Em primeiro e segundo graus, o pedido de anulação do registro foi negado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) manteve intacto o registro de nascimento da filha, atualmente com 15 anos, por entender que não haveria anulabilidade, já que o autor assumiu a paternidade espontaneamente e apenas se arrependera do ato. O nascimento da menina ocorreu, segundo afirma o pai, antes mesmo do início do relacionamento dele, então com 59 anos, com a mãe de T., a qual tinha pouco mais de 20 anos.
O pai narra que, quando conheceu a mãe, teria se sensibilizado com a situação da menina. Registrou-a como filha a pedido da mãe, em 1995, quando ainda se relacionavam. Ocorre que, logo após o reconhecimento, ela teria terminado o romance e ingressado com ação de alimentos. S., por sua vez, moveu a ação para anular o registro da menina.
Inconformado com as decisões da Justiça mineira, o pai recorreu ao STJ, mas a Quarta Turma entendeu que o TJ/MG não contrariou os dispositivos de lei apontados por ele no processo. Por isso, os Ministros não conheceram do recurso. O Ministro Quaglia Barbosa destacou que “o estado de filiação não está necessariamente ligado à origem biológica e pode assumir feições originadas de qualquer outra relação que não exclusivamente genética”. A decisão foi unânime.
O STJ já se manifestou, em maio deste ano, sobre ser possível a anulação de registro de paternidade quando é reconhecida ainda que voluntariamente pelo pai, mas baseada em erro, por exemplo, por falsa informação prestada pela mãe. (Os dados do processo não foram fornecidos pela fonte).


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ARTIGO. A POLÊMICA DO BEM DE FAMÍLIA OFERTADO.

Prezados Amigos Blogueiros,

Já está disponível em nosso site, o último artigo de nossa autoria, tratando da polêmica do BEM DE FAMÍLIA OFERTADO.

Acesse: www.flaviotartuce.adv.br. Seção ARTIGOS DO PROFESSOR.

Boa Leitura!
Boas Reflexões!

Professor Flávio Tartuce

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

STJ. SEGURO-SAÚDE.

Doença grave está acima de prazo de carência, decide STJ
UOL. Da Redação
Em São Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluiu a aplicação do prazo de carência em um contrato firmado entre o Centro Trasmontano de São Paulo e uma associada.
O prazo de carência é tempo que o alguém é obrigado a cumprir antes de ter acesso a determinado serviço. No caso, a paciente associou-se à entidade em 1996 e, quase no fim do terceiro ano de carência, foi diagnosticada com um tumor medular.
O prazo de carência era de 36 meses e a entidade negou a prestação do serviço. A associada teve de fazer uma cirurgia de emergência e arcar com os custos de internação, no valor de R$ 5,7 mil. Para o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo, que deu entrevista à Agência Estado, a cláusula que fixa um período de carência não é fora de propósito.
Entretanto, a própria jurisprudência do STJ muda a regra quando surgem casos de urgência envolvendo doença grave.
Segundo o ministro, o valor da vida deve estar acima das razões comerciais. A advogada da ProTeste, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Maria Inês Dolci, afirma que outros casos semelhantes já foram julgados e em alguns foi dado ganho de causa aos associados.
Ela reitera que este julgamento serve de parâmetro para outros semelhantes. "A decisão do STJ é importante pois gera precedentes e subsídios para novos casos", afirma. Segundo o Procon, os planos de saúde e odontológicos estão em 10º lugar no ranking de reclamações na cidade de São Paulo.
Entre janeiro e setembro deste ano foram 536 casos registrados no instituto. Outro lado A assessoria da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), associação que reúne as empresas Amil, Transmontano, Medial, Golden Cross, entre outras, declarou que prefere não comentar a decisão por se tratar de um caso pontual.

TJ/RS. CONDENAÇÃO CIGARRO.

Souza Cruz é condenada a pagar R$ 490 mil a família de fumante
DO SITE ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Por 5 votos a 3, o 3º Grupo Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) negou nesta sexta-feira (7/12) recurso da Souza Cruz e manteve a indenização à família de um fumante como forma de reparação de danos morais pela sua morte, causada por doenças decorrentes do uso de cigarros da empresa.
A condenação havia sido imposta pela 5ª Câmara Cível.
Serão beneficiadas a esposa e cinco filhos de Vitorino Mattiazzi, cada um em R$ 70 mil, e dois netos, com a quantia de R$ 35 mil cada. No total, a empresa terá de pagar R$ 490 mil.
Os valores devidos a partir da sessão de julgamento da 5ª Câmara Cível, em 27 de junho de 2007, deverão ser corrigidos aplicando-se juros legais a contar da morte, ocorrida em 24 de dezembro de 2001, na ordem de 6% ao ano.
Os magistrados entenderam, por maioria, que a venda de cigarros é lícita. Mas "a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a demandada de reparar prejuízos gerados por si comercializados e distribuídos".
Vitorino Mattiazzi nasceu em 1940 e começou a fumar na adolescência. Chegou a consumir dois maços de cigarros por dia. Em 1998, foi diagnosticado portador de câncer no pulmão, morrendo em 24 de dezembro de 2001, com a causa mortis "adenocarcinoma pulmão". A família sustentou que o único fator de risco de Vitorino foi o tabagismo.
A empresa defendeu-se afirmando que exerce atividade lícita e cumpre as regras impostas pelo governo federal. Alegou que inexistiu a propaganda enganosa do cigarro ou do nexo de causalidade entre a publicidade e a decisão de Vitorino começar a fumar.
A primeira sentença julgou os pedidos improcedentes, mas a Câmara Cível do TJ-RS proveu o recurso da família de Vitorino.
Para o relator, desembargador Paulo Sergio Scarparo, "não há falar em liberalidade ou voluntariedade do usuário do tabaco". Ele considerou que a vontade do indivíduo "estava maculada, quer pela ausência de informações a respeito dos malefícios do produto, seja pela dependência química causada por diversos componentes, especialmente, pela nicotina". A empresa interpôs embargos infringentes contra a decisão da Câmara, mas não obteve sucesso.
Para o desembargador Ubirajara Mach de Oliveira, relator no julgamento ocorrido nesta sexta, a demanda da família tem que ser analisada dentro das relações de consumo. Entendeu que o ônus da prova cabe à empresa e não aos autores da ação.
Ele observou que a relação havida entre Vitorino Mattiazzi e os produtos da empresa foi de "longa duração, constituída há mais de 40 anos", como informou o depoimento da viúva.
Registrou que "beira as raias da má-fé a alegação de que o óbito teria decorrido de culpa exclusiva do fumante, na medida em que a própria embargante reconhece que o tabagismo é, pelo menos, um fator de risco para as doenças que vitimaram o autor". "O depoimento pessoal da viúva demonstra, justamente, a dificuldade do falecido em se livrar do vício, pois tentou parar várias vezes antes da doença (inclusive com uso de spray e balas)", disse o juiz.
Sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE BRASÍLIA SUSPENDENDO OS EFEITOS DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA QUE TRATA DA ORTOTANÁSIA

DECISÃO Nº : ______________/2007-B
PROCESSO Nº : 2007.34.00.014809-3
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
DECISÃO
Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação detutela, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, questionando a Resolução CFM nº 1.805/2006,que regulamenta a ortotanásia.
Aduz, em apertada síntese, que oConselho Federal de Medicina não tem poder regulamentar paraestabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada comocrime.O processo foi ajuizado em 09 de maio de 2007.
O ilustre Juiz Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA - oficiando no feito em virtude de minhadesignação para, com prejuízo das funções, prestar auxíliona 25a Vara (Juizado Especial Federal) desta Seção Judiciária do Distrito Federal no período de 02 a 22 de maio de 2007 - despachou nodia 15 de maio de 2007 oportunizando a oitiva do Réu, no prazo de 72h, antes de apreciar a antecipação de tutela.
Intimado, o Conselho Federal de Medicina protocolou as informações preliminares no dia 31 de maio de 2007, asseverando a legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006 e a inexistência dos requisitosnecessários à concessão da antecipação de tutela.
É o relatório. Decido.
Em questão de ordem, registro que as informações preliminares prestadas pelo Réu somente foram juntadas efetivamente ao processo em 27 de agosto de 2007, em virtude da necessidade de abertura de novo volume de autos, vindo então conclusos para decisão em 17 de outubrode 2007.
Daí, recomendo à Secretaria, dentro das possibilidades quedecorrem naturalmente da limitação de pessoal para fazer frente àpletora de processos que tramitam nesta Vara, maior diligência najuntada de petições, abertura de volume de autos e conclusão para decisão nas hipóteses em que existe pedido de tutela de urgência, como no caso.
Pois bem.
A lide cinge-se à legitimidade da Resolução CFM nº 1.805/2006, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis.
Impende salientar, inicialmente, que a questão é complexa e polêmica, como se infere da petição inicial desta ação civil pública, que tem nada menos que 129 folhas, vindo instruída com osdocumentos de fls. 133-296, bem assim das informações preliminares do Réu, que têm 19 folhas e são instruídas com os documentos encartados em dois volumes de autos, totalizando mais de 400 folhas.
Na verdade, trata-se de questão imensamente debatida no mundo inteiro.
Lembre-se, por exemplo, da repercussão do filme espanhol 'Mar Adentro' e do filme americano 'Menina de Ouro'.
E o debate não vem de hoje, nem se limita a alguns campos do conhecimento humano, como o Direito ou a Medicina, pois sobre tal questão há inclusive manifestação da Igreja, conforme a 'Declaração sobre a Eutanásia' da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 05 de maio de 1980, no sentido de que 'na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo'.
Entretanto, analisada a questão superficialmente, como convém em sede de tutela de urgência, e sob a perspectiva do Direito, tenho para mim que a tese trazida pelo Conselho Federal de Farmácia nas suas informações preliminares, no sentido de que a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família, não elide a circunstância segundo a qual tal conduta parece caracterizar crime de homicídio no Brasil, nos termos do art. 121, do Código Penal.
E parece caracterizar crime porque o tipo penal previsto no sobredito art. 121, sempre abrangeu e parece abranger ainda tanto a eutanásia como a ortotanásia, a despeito da opinião de alguns juristas consagrados em sentido contrário.
Tanto assim que, como bem asseverou o representante do Ministério Público Federal, em sua bem-elaborada petição inicial, tramita no Congresso Nacional o 'anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal, colocando a eutanásia como privilégio ao homicídio e descriminando aortotanásia' (fl. 29).
Desse modo, a glosa da ortotanásia do mencionado tipo penal não pode ser feita mediante resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, ainda que essa resolução venha de encontro aos anseios de parcela significativa da classe médica e até mesmo de outros setores da sociedade.
Essa glosa há de ser feita, como foi feita em outros países, mediante lei aprovada pelo Parlamento, havendo inclusive projeto-de-lei nesse sentido tramitando no Congresso Nacional. Em última análise, para suprir a ausência de lei específica, aglosa pode ser 'judicializada' mediante provocação ao Supremo Tribunal Federal, como ocorreu, por exemplo, na Argüição deDescumprimento de Preceito Fundamental nº 54, ajuizada em 17 de junhode 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e na qual se discute se ocorre crime de aborto no caso de anencéfalo.
Registro, para efeito de documentação, a ementa do acórdão proferido em questão de ordem na referida ação constitucional, litteris:
EMENTA: 'ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACRO PROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados ainterrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do SupremoTribunal Federal. ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - GLOSA PENAL- AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham aparticipar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia'. (STF, ADPF-QO 54, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Plenário, J 27.04.2005, DJ 31.08.2007).
À luz dessas considerações, o aparente conflito entre a resolução questionada e o Código Penal é bastante para reconhecer a relevância do argumento do Ministério PúblicoFederal.
Dizer se existe ou não conflito entre a resolução e o Código Penal é questão a ser enfrentada na sentença.
Mas a mera aparência desse conflito já é bastante para impor a suspensão daResolução CFM nº 1.805/2006, mormente quando se considera que sua vigência, iniciada com a publicação no DOU do dia 28 de novembrode 2006, traduz o placet do Conselho Federal de Medicina com a práticada ortotanásia, ou seja, traduz o placet do Conselho Federal deMedicina com a morte ou o fim da vida de pessoas doentes, fim da vida essa que é irreversível e não pode destarte aguardar a solução final do processo para ser tutelada judicialmente.
Do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para suspender ose feitos da Resolução CFM nº 1.805/2006.
Intimem-se.
Cite-se.
Brasília, 23 de outubro de 2007.
ROBERTO LUIS LUCHI DEMO
Juiz Federal Substituto da 14ª Vara/DF

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

STJ. PÍLULAS DE FARINHA.

STJ - Schering vai pagar indenização coletiva de R$ 1 milhão por colocar pílulas de farinha no mercado
O Laboratório Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. deverá pagar indenização coletiva no valor de R$ 1 milhão por danos morais causados em decorrência da colocação no mercado do anticoncepcional Microvlar sem princípio ativo, ocasionando a gravidez de diversas consumidoras.
O julgamento foi encerrado ontem (29) pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a condenação do laboratório. O caso das "pílulas de farinha" – como ficou conhecido o fato, é resultante da fabricação de pílulas para o teste de uma máquina embaladora do laboratório, mas que acabaram chegando ao mercado para consumo – aconteceu em 1998.
O Estado de São Paulo e a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/SP) ajuizaram ação civil pública em função de o laboratório ter posto no mercado anticoncepcional sem o princípio ativo, o que resultou na gravidez de consumidoras do produto. Na sentença, o juiz condenou o laboratório ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 1 milhão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) manteve a sentença. A empresa farmacêutica, então, interpôs recurso especial no STJ argumentando, em síntese, que os 600 mil comprimidos que chegaram indevidamente ao mercado seriam para testes do maquinário.
Além disso, informou que o laboratório não disponibilizou o produto, e sim os farmacêuticos que venderam o anticoncepcional ao consumidor.
No recurso, o laboratório também alegou ter havido cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da ação. Questionou, ainda, a legitimidade da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP) para propor ação em defesa de suposto interesse individual homogêneo.
A Schering do Brasil sustentou, ainda, que as gravidezes resultantes do uso dos falsos anticoncepcionais constituíram sentimentos positivos, pois geraram “novas vidas”.
Em seu voto, no qual rechaçou todos os argumentos apresentados pelo laboratório, a ministra Nancy Andrighi destacou que, no tocante às consumidoras, o fundamento da compensação era a quebra de expectativa com relação à eficácia do produto e não a gravidez propriamente dita. A ministra asseverou que o vazamento de placebos manufaturados em razão de testes de maquinário feriu diretamente a necessidade de respeito à segurança dos consumidores e o direito de informação que eles possuem, na medida em que a empresa demorou a avisar os consumidores dos riscos que corriam, muito embora já ciente do vazamento dos placebos.
A ministra ressaltou, também, que as instâncias ordinárias reconheceram que a empresa não tomou cautelas mínimas em face do evidente potencial lesivo contido na fabricação das pílulas de farinha.
Como ficou demonstrado no processo, as embalagens não tinham nenhum sinal característico que as diferenciasse do produto original, e as investigações a respeito da rotina da empresa demonstraram que esta operava com sérias falhas de segurança, tanto no processo de fabricação quanto no descarte de material. Inicialmente, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, votou pelo indeferimento do pedido. Na seqüência, o ministro Castro Filho pediu vista e interrompeu o julgamento. O julgamento prosseguiu e os ministros Ari Pargendler e Humberto Gomes de Barros seguiram a decisão da ministra; dessa forma, foi negado, por unanimidade, o pedido do laboratório.
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85767

terça-feira, 27 de novembro de 2007

CURSO NA AASP. DIREITO DE FAMÍLIA. 03 a 06 de dezembro.

TEMAS ATUAIS DE DIREITO DE FAMÍLIA
Coordenação
Dr. Flávio Tartuce
Horário
19h
Carga horária
8 horas - aula
Programa
Dia 03/12 - segunda-feira
Tema: Novos Princípios do Direito de Família
Dr. Flávio Tartuce
Dia 04/12 - terça-feira
Tema: Regime de Bens no Código Civil de 2002
Dr. José Fernando Simão
Dia 05/12 - quarta-feira
Tema: Separação e divórcio. Questões teóricas e práticas. A mitigação da culpa. A possibilidade de separação e do divórcio extrajudicial
Dra. Cláudia Stein Vieira
Dia 06/12 - quinta-feira
Tema: Alimentos. Questões materiais e processuais
Des. José Luiz Gavião de Almeida
Local
Associação dos Advogados de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 151 - Centro
Taxas de inscrição
Associado: R$ 60,00
Estudante de graduação: R$ 75,00
Não associado: R$ 140,00
Inscrições: www.aasp.org.br.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

INTERESSANTE ARTIGO DE JORGE LUIZ SOUTO MAIOR.

Vôo 3459 da TAM
Jorge Luiz Souto Maior[1]


Saímos de Porto Seguro, rumo a São Paulo, às 12h e 30’, do dia 30 de setembro de 2007. Estamos, como dito pelo piloto, em céu de brigadeiro, a 9.000 metros de altura. Neste momento, para passar o tempo pus-me a pensar na hipótese de um acidente (que belo modo de se passar o tempo em um avião!).
Mas, o que me incomodou nesse pensamento não foi a possibilidade de perder a vida, e sim a lembrança de que os aplicadores do direito, posteriormente, poderiam dar guarida plena à pretensão jurídica de meus sucessores, para recebimento de uma indenização, mas talvez não agissem com a mesma presteza com relação à comissária de bordo, que, gentilmente, durante o vôo, aturou vários de nossos pedidos estranhos e serviu-nos a todos com um belo sorriso no rosto, trazendo tranqüilidade nos momentos de turbulência. É que alguns juristas insistem em dizer que o empregado somente receberá indenização por acidente do trabalho (e no caso das comissárias a questão seria tratada como tal) se provar que o empregador incorreu em dolo ou culpa, enquanto que nas relações jurídicas de natureza civil admite-se, sem qualquer oposição, que a pessoa, física ou jurídica, que expõe outro a risco está obrigada a reparar o dano independentemente da prova de culpa ou de dolo.
Verdade que a Lei 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) prevê, na alínea “b”, do § 2º., do art. 256, que a responsabilidade objetiva do transportador, devida com relação aos passageiros, estende-se “a seus tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho”. Essa responsabilidade, no entanto, nos termos do art. 246, é limitada ao recebimento da indenização de seguro prevista na própria lei (fixada em a 3.500 Obrigações do Tesouro Nacional – OTN pelo art. 257). Não cuida, portanto, de uma efetiva reparação pelos danos morais e materiais experimentados pela vítima ou seus familiares. E aí é que se situa a indevida diferença: para recebimento de uma indenização que repare de forma mais integral os danos sofridos, ultrapassando-se as amarras do art. 246, os passageiros têm sido angariados com a teoria da responsabilidade objetiva, extraída dos arts. 927, parágrafo único[2], e 932, III[3], do Código Civil, que, neste aspecto, suplantaram a previsão do art. 248 da citada lei, que estabelecia que o valor da indenização legal só não seria aplicado se fosse provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos; enquanto isso a complementação da indenização para os tripulantes tem sido conduzida ao tema acidentário, no qual algumas decisões insistem em vincular a responsabilidade do empregador, mesmo em atividades de risco, ao cometimento de culpa ou dolo, em razão do que consta do inciso XXVIII, do art. 7º., da Constituição Federal.
O efeito concreto disso é exatamente aquele a que antes me referi: meus sucessores receberiam, com maior facilidade, a indenização de ordem material e moral pela minha perda do que os sucessores da comissária de bordo, pois estes teriam que provar que a TAM teve culpa no acidente.
Não se trata, portanto, de uma simples questão de posicionamento a respeito da interpretação de uma norma jurídica. Trata-se de um fato da vida, que merece uma resposta jurídica adequada. O direito não se perfaz em si mesmo. O direito é voltado para a vida e só tem sentido quando seja apto a produzir resultados justos. O direito é antes de tudo o promotor da justiça e não o legitimador das injustiças.
É evidente que a diferença de tratamento entre mim e a comissária de bordo é profundamente injusta e, portanto, um jurista autêntico jamais poderia escorar essa situação, perpetuá-la, legitimá-la, utilizando como seu escudo o ordenamento jurídico.
O elemento culpa, ademais, é de prova bastante difícil. Disso resulta, na maioria das vezes, a completa falta de reparação pelo dano experimentado pelo empregado. O fato é que a responsabilidade pelos acidentes é daquele que obtém proveito econômico da atividade socialmente permitida e que exponha outras pessoas a risco, incluídos, por óbvio, os empregados, que são, ao que consta, pessoas também.
Ninguém contesta o fato de que os passageiros de avião têm direito a indenização independente de avaliação de culpa da empresa aérea. Então, por que essa proteção não valeria também para a comissária de bordo? A sua vida por acaso vale menos que a minha?
Relevante perceber que mesmo do ponto de vista jurídico formal, negar ao empregado a responsabilidade objetiva do empregador (sobretudo em atividades de risco) não tem sentido. Havendo norma expressa neste sentido, no artigo 927, do Código Civil, não aplicá-la nas relações de trabalho equivale a demonstrar o desconhecimento de que as normas jurídicas trabalhistas foram, historicamente, fixadas como garantias de caráter mínimo. Aliás, o artigo 7º da Constituição Federal é claro ao definir que aqueles direitos ali elencados não são exaustivos, pois que se deve a eles ajuntar “outros direitos” que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores. Assim, a toda evidência, o art. 927, do Código Civil, não está em conflito com a regra do artigo 7º., inciso XXVIII, da CF[4], quando diz o empregado tem direito a receber indenização por acidente do trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa[5]. Enxergar um conflito de normas nessa situação é não conhecer a forma de organização do ordenamento jurídico trabalhista e até mesmo permitir que, no mundo real, a vida da comissária de bordo valha menos do que a minha.
Além disso, insta reler o inciso XXVIII, do art. 7º., da Constituição Federal, pois que ali está clara a fixação da responsabilidade objetiva do empregador pelos acidentes do trabalho. A referida norma não prevê que a responsabilidade do empregador por acidente sofrido pelo seu empregado seja apenas decorrente de ato culposo. O que o dispositivo diz, expressamente, é que os trabalhadores têm direito a um “seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador”. Ora, o que isso significa? Significa que a Constituição garantiu aos empregados a obtenção de uma reparação, pelo recebimento da indenização do seguro, sem se inquirir a respeito de culpa do empregador (com exclusão, por óbvio, da hipótese de ato doloso do empregado). A responsabilidade objetiva do empregador pelo acidente do trabalho, portanto, é inquestionavelmente fixada na Constituição. Esse seguro não é um seguro social, pois, como diz a Constituição, ele será feito ao encargo do empregador e não da Previdência Social, restando devidos, por óbvio, os benefícios previdenciários decorrentes do afastamento involuntário do trabalho em virtude do acidente. Não tendo efetivado o seguro, o empregador arca com a reparação do dano, obviamente. A indenização devida, pela ausência de seguro, não elimina outra, como diz o texto em análise, que será devida decorrente de culpa ou dolo do empregador. Isto é: se o empregador cumpriu todas as suas obrigações pertinentes a eliminar ou minizar os riscos no meio ambiente do trabalho a sua responsabilidade pode ser limitada ao montante do seguro (desde que a indenização seja compatível com a lesão e leve em consideração também o dano moral) ao contrário de outro que não tenha tido os mesmos cuidados, o que se justifica até mesmo por uma questão isonômica no plano dos empregadores.
Mesmo que não se queira ver isso, o fato é que a Constituição prevê direitos aos trabalhadores de caráter mínimo (como dito expressamente no “caput” do artigo 7º), não sendo próprio ao Direito do Trabalho, portanto, negar a aplicação de normas infraconstitucionais que ampliem a proteção jurídica ao trabalhador, até para que a vida da comissária não valha menos que a de qualquer passageiro.
Importante reparar, ainda, que a norma constitucional em questão insere-se no contexto dos “direitos dos trabalhadores”. Assim, não é devido invocá-la como o “direito do empregador” de só se responsabilizar no caso de culpa ou dolo, ainda mais, repita-se, lembrando-se que o direito fixado para o trabalhador não exclui outro que lhe garanta maior proteção.
Mas, de repente, tudo isso me pareceu sem importância, pois o avião pousou tranqüilamente. Já estamos em terra firme de novo. E, ademais, neste exato momento talvez nem estejam ocorrendo acidentes do trabalho por esse Brasil afora na construção civil, nas fábricas, no trânsito etc.
Além disso, nós que costumamos viajar de avião e que criamos os entendimentos jurídicos não temos com o que nos preocupar, afinal, como consumidores, temos a proteção do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
A insegurança jurídica da comissária de bordo, dos pilotos, dos pedreiros, dos serventes, das secretárias, dos bancários, dos metroviários, dos trabalhadores em minas de carvão, é um efeito natural das coisas como elas são, que não nos toca do ponto de vista de algo que possamos fazer.
Só não nos percebemos que esse tipo de abertura para a ineficácia das normas de proteção da dignidade humana pode, lá adiante, voltar-se contra nós mesmos. Digo isso já em outro vôo: o 2050, que saiu de São Paulo, no dia 06/10, com destino a Belo Horizonte. Desta feita viajo pela Varig, mas não é a Varig, disse-me a atendente na bilheteria (“check in” para os “modernos”). Agora é a “Nova Varig”. Ela, a atendente, é a mesma. Os aviões são os mesmos. Os pilotos, comissários etc., são os mesmos. Mas a empresa, insistem os juristas, é outra, muito embora a própria atendente, com seu sorriso maroto e com conhecimento de causa, demonstre seu ceticismo quanto a isso.
O fato é que toda a segurança fixada para os familiares dos passageiros de avião, protegidos pela responsabilidade objetiva da empresa aérea, pode nada valer se mais tarde, antes da satisfação plena de seus direitos, a TAM se transforme em Nova TAM, ficando com a velha apenas um avião, também velho, evidentemente.
É como diz a sabedoria popular: “a vida dá voltas”; e “aqui se faz, aqui se paga”.
Pois bem, se os homens do direito nos armam essas ciladas, diante da fala do piloto, “Tripulação, preparar para o pouso...”, só resta pedir: que Deus nos ajude!





[1]. Juiz do trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí, SP. Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
[2]. “ Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifou-se)
[3]. “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (....) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

[4].”XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
[5]. Segundo o Enunciado 377, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília, em outubro/06: "O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal, não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, quando se tratar de atividade de risco".

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

CURSO IASP-IBDFAM. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO.


NOVO ARTIGO DO CO-AUTOR SIMÃO. NASCITURO.

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embate dos Titãs.

Chegamos ao fim de mais um ano. 2007 termina como um ano fértil para nós civilistas. Os julgados a respeito do novo Código Civil se multiplicam, a doutrina amadurece o debate, novas teorias surgem e certo aspectos começam a ser pacificados.

Não faltam projetos que pretendem alterar ou modificar a atual codificação. Dois deles se revelam bastante expressivos. O primeiro é o projeto 276/07, apresentado pelo Deputado Léo Alcântara, cuja base é o projeto 6960/02, de autoria do deputado Ricardo Fiuza. Trata-se de um grande projeto que pretende alterar mais de 300 artigos do Código Civil e que, certamente, será modificado, conforme nos informa o amigo Mario Delgado, que, por anos, foi assistente parlamentar do falecido deputado.

O segundo projeto que merece destaque é o de número 2285/2007, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro em outubro de 2007. O projeto, elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no ano em que completou 10 anos de existência, recebe o nome de Estatuto das Famílias e pretende revogar na integralidade o livro de Direito de Família do Código Civil de 2002.

Acompanhamos, de perto, ambos os projetos, e, em 2008, certamente informaremos os amigos leitores dos desdobramentos e evoluções das proposições.

Entretanto, o tema que debatemos nas presentes linhas, não é novo, tem um certo cunho filosófico, e é antigo...A pergunta é a seguinte:

Quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano?

A reposta passa pela análise do artigo 2º do Código Civil de 2002: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

A questão é das mais difíceis, porque a doutrina se divide e diverge de maneira clara. Travou-se verdadeira batalha de Titãs.

Segundo Hesíodo, os titãs eram os 12 filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Seis eram do sexo masculino - Oceano, Ceo (pai de Leto), Crio, Hipérion, Jápeto (pai de Prometeu) e Cronos - e seis do feminino - Téia, Réia (mãe dos deuses), Têmis (a justiça), Mnemósine (a memória), Febe (a Lua) e Tétis (deusa do mar). Tinham por irmãos os três hecatonquiros, monstros de cem mãos que presidiam os terremotos, e os três Ciclopes, que forjavam os relâmpagos.

Urano iniciou um conflito com os titãs ao encarcerar os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro. Gaia e os filhos revoltaram-se, e Cronos cortou com uma foice os órgãos genitais do pai, atirando-os ao mar. O sangue de Urano, ao cair na terra, gerou os gigantes; da espuma que se formou no mar, nasceu Afrodite. Com a destituição de Urano, os titãs libertaram os outros irmãos e aclamaram rei a Cronos, que desposou Réia e voltou a prender os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro.

Cronos e Réia que produziram descendência mais numerosa: Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posêidon e Zeus, a primeira geração de deuses olímpicos. Avisado de que os filhos o destituiriam, Cronos engoliu todos eles exceto Zeus, salvo por um ardil da mãe.

Ao tornar-se adulto, Zeus fez Cronos beber uma poção que o forçou a vomitar os filhos, e uniu-se aos irmãos, os deuses olímpicos na luta contra os titãs nas planícies da Tessália, pela posse do Monte Olimpo. (Emerson Luis de Farias, in http://www.nomismatike.hpg.com.br/Mitologia/Titas.html)

Ultrapassada a questão mitológica, vamos à questão jurídica.

Flávio Tartuce, em excelente trabalho sobre o tema, informa que duas são as principais teorias no tocante ao início da personalidade jurídica do nascituro: a natalista e a concepcionista. Pela teoria natalista, o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois, o Código Civil exigiria o nascimento com vida e o nascituro teria mera expectativa de direitos. São adeptos dessa teoria Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Caio Mario da Silva Pereira e Sílvio de Salvo Venosa. Pela teoria concepcionista, o nascituro é pessoa humana, tendo seus direitos resguardados pela lei. Seguem a teoria em questão: Rubens Limongi França, Giselda Hironaka, Francisco Amaral, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz (“Situação Jurídica do nascituro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

Silmara Juny de Abreu Chinelato, estudiosa da questão e bastante conhecedora do tema, é uma das adeptas à teoria concepcionista e muito bem a justifica: “o nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e a herança, como condição resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidade do nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art. 2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais a indenização de danos pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos de Bioética” (“Estatuto Jurídico do nascituro: o direito brasileiro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

O debate é realmente grande, mas, para nós, a teoria concepcionista é a realmente adequada. Lembra Tartuce, na obra mencionada, que a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), só permite a utilização de embriões inviáveis, protegendo sua integridade, indicando, claramente, a adoção da teoria concepcionista.

Também o magistério de Euclides de Oliveira “nesse contexto, impõe-se a conclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quanto moralmente, de violações a quaisquer desses direitos. Com respeito ao primeiro, que decorre do próprio Direito Natural, não teria sentido a disposição do artigo 4º do Código Civil, se não houvesse proteção integral àquela expectativa do “nascimento com vida”, e nem se justificaria a punição legal do aborto (artigos 124 a 126 do Código Penal). A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano. Os demais direitos se colocam como naturais reflexos dos anteriores. Hipótese de ofensa ao direito de imagem estaria na utilização inautorizada de captação havida por ultra-sonografia. E constituiria violação à honra, por exemplo, a imputação de bastardia ao nascituro”.

E conclui mestre Euclides, presidente do IBDFAM São Paulo: “mostra-se admissível e pertinente, pois, a indenização por danos pré-natais, como na hipótese de pais que transmitam doenças através da concepção (sífilis, AIDS), de médicos ou hospitais que se conduzam inadvertidamente, provocando danos ao feto (por medicação inadequada, omissões no tratamento, transfusão de sangue contaminado etc,...). Estará havendo, em tais circunstâncias, dano à vida ou à saúde do nascituro, passível de reparação dentro do princípio geral da culpa que informa a responsabilidade civil por ato ilícito.” (“Indenização por dano moral ao nascituro”).

Seguindo as lições de Silmara Juny de Abreu Chinelato e Euclides de Oliveira, em mais de uma oportunidade, já se reconheceu o direito à indenização por danos morais em favor do nascituro. Foi noticiado pelos meios de comunicação que “Maria Carolina Loiola da Silva será indenizada por danos morais causados a sua mãe, que sofreu constrangimento ao ser abordada ilegalmente por policiais militares, que a confundiram com bandidos avistados na cidade de Rio Verde (GO). A decisão é da 3ª Câmara Cível do TJ-GO. O fato ocorreu em 10 de novembro de 2001, quando a mãe de Maria Carolina estava com seis meses de gestação. Gilderlândia Loiola Gomes da Silva estava em companhia de outras pessoas em um carro quando o grupo foi abordado em uma barreira policial e não atendeu ao comando de parar. Os policiais estaduais dispararam tiros em direção ao carro. Ao serem abordados, foram tratados de forma vexatória, sendo presos ilegalmente. O Desembargador Rogério Arédio argumentou que toda pessoa tem direito de ter a vida respeitada, ‘desde a concepção’. Ressaltou que o abalo emocional sofrido pela mãe poderia provocar conseqüências ao feto, em razão de que o bebê poderia nascer prematuramente, ter o peso abaixo da média, além de manifestar dificuldades tais, como alimentação irregular, distúrbios de sono e choro excessivo”.

Também, temos o julgamento perante a 10ª Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, na ap. 489.775-0/7. Referia-se a empregado que faleceu em acidente do trabalho motivado por negligência da empregadora. O filho, que veio a nascer depois do evento fatal, pleiteou indenização e teve reconhecidos seus direitos nas esferas material e moral, a partir da data do nascimento. Foi unânime a decisão, relatada pelo juiz ADAIL MOREIRA, revisor MARCOS MARTINS e 3º juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA, com declaração de voto vencedor.

Emblemática a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. (REsp 399.028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002 p. 232)”.

Dessa forma, partimos para nossas conclusões. Assim como o conflito dos Titãs culminou com a derrota de Cronos e dos titãs, confinados por Zeus no Tártaro. Derrotando os Titãs e Zeus estabeleceu seu domínio como o maior dos deuses, o com conflito jurídico entre natalistas e concepcionistas foi vencido pelos últimos.

O nascituro é pessoa e, nessa qualidade é titular de direitos e merecedor da mais ampla proteção jurídica.

AQUELE JUIZ....

21/11/2007 - 11h01
Conselho irá processar juiz que criticou Lei Maria da Penha
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SILVANA DE FREITAS
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O Conselho Nacional de Justiça abriu ontem processo disciplinar contra o juiz de Sete Lagoas (MG) Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que qualificou a Lei Maria da Penha de "conjunto de regras diabólicas" em várias sentenças nas quais negou proteção a mulheres vítimas de violência doméstica.
A decisão foi unânime. Os conselheiros entenderam que o juiz excedeu-se na linguagem utilizada nas decisões judiciais.
Se ao final do processo ele for condenado por desvio de conduta, a punição máxima será a aposentadoria compulsória, com remuneração. Rumbelsperger Rodrigues prestou explicações ao CNJ. Disse que fez análise "filosófica" sobre a lei para não se ater a análise puramente jurídico-constitucional e negou intenção de agradar ou ferir alguém.
O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Cesar Asfor Rocha, que integra o CNJ como corregedor-nacional de Justiça, começou a examinar o caso há um mês, depois que a Folha publicou reportagem revelando o teor de uma sentença de 12 de fevereiro último.
"Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões", afirmou o juiz.
Ele disse ainda: "A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!"
A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) aumentou no país o rigor nas penas para agressões contra a mulher no lar, além de fornecer instrumentos para ajudar a coibir esse tipo de violência.
A corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia arquivado pedido de abertura de processo contra Rumbelsperger Rodrigues afirmando que nenhum juiz pode ser prejudicado por opiniões expressas em sentença.
Ontem, o CNJ aprovou a revisão da decisão do TJ-MG. Os conselheiros disseram que a imunidade do magistrado não é absoluta. "O juiz, como todo agente público, está sujeito aos preceitos éticos, inserindo-se aí a vedação de uso de linguagem excessiva em seu discurso judiciário", afirmou Asfor Rocha.
Na mesma linha, o conselheiro do CNJ e ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) João Oreste Dalazen afirmou: "Não há direito absoluto para constituir sinal verde à destemperança verbal".
A Folha não conseguiu localizar o juiz no começo da noite de ontem. No fórum de Sete Lagoas e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ninguém foi encontrado para falar sobre o assunto.

Colaborou FELIPE BÄCHTOLD, da Agência Folha

terça-feira, 13 de novembro de 2007

VI CONGRESSO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM. BELO HORIZONTE.

Prezados Amigos e Amigas,
Informamos que nos próximos dias 14 a 17 de novembro estaremos em Belo Horizonte, participando do VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, do IBDFAM, o maior evento de Direito Privado do Brasil.
Na oportunidade, mais especificamente na tarde do dia 15/11, teremos a honra de apresentar o trabalho científico AS VERDADES PARENTAIS E A AÇÃO VINDICATÓRIA DE FILHO, escolhido pela Comissão Científica do evento.
Também haverá sessão de autógrafos das obras DIREITO CIVIL, Volume 5 (Direito de Família, 2ª Edição) e Volume 6 (Direito das Sucessões), escritas em co-autoria com o Professor José Fernando Simão.
Demais informações podem ser obtidas no site www.ibdfam.com.br.
Abraços e Bom Feriado a todos,
Professor Flávio Tartuce

COMENTÁRIOS À PROVA DE SEGUNDA FASE DA MAGISTRATURA ESTADUAL/SP. DISSERTAÇÃO DE DIREITO CIVIL.

Direito Civil - Dissertação Princípios basilares do Código Civil brasileiro (Lei Nº 10.406, De 10.01.2002). Inovações no Direito de Família em relação ao Código Civil De 1916 (Livro IV, Título I, SubstitutoI, Capítulos I ao XI)
COMENTÁRIOS.
O aluno deveria enfocar os princípios do Código Civil Brasileiro de 2002, apontados por Miguel Reale, em apertada síntese:
a) Princípio da eticidade - valorização da ética e da boa-fé, particularmente da boa-fé objetiva, aquela que está no plano da conduta de lealdade das partes negociais.
b) Princípio da socialidade - valorização do "nós" em detrimento do "eu", ou seja, afastamento do caráter individualista e egoísta da codificação anterior. Assim, todos os institutos civis têm importante funcionalização social: a propriedade, a posse, o contrato, a empresa, a família, a responsabilidade civil.
c) Princípio da operabilidade - facilitação do Direito Privado (simplicidade) e sua efetivação, por meio do sistema de cláusulas gerais (concretude), que são janelas abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do Direito, caso a caso (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 1. Lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 3ª Edição, 2007, p. 100-107).
Quanto às inovações do Código Civil no tocante ao Direito de Família, poderiam ser apontadas as seguintes (arts. 1.511 a 1.590 do CC):
1. Igualdade entre o homem e a mulher, na esteira da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. I, e art. 226 da CF/88). No Código Civil, essa igualdade pode ser retirada do arts. 1.511, 1.565 e 1.566 do CC. Essa igualdade também atinge a capacidade para o casamento (art. 1.517 do CC).
2. Previsão expressa do princípio da não-intervenção, valorizando a autonomia privada no Direito de Família (art. 1.513 do CC).
3. Possibilidade de conversão do casamento religioso em casamento civil (arts. 1.515 e 1.516 do CC), como já previam os arts. 226 e 227 da CF/88.
4. Alteração substancial dos impedimentos matrimoniais, que estavam concentrados no art. 183 do Código Civil de 1916 de forma confusa. Os impedimentos relativos passaram a constituir causas de anulabilidade (art. 1.550 do CC). Os antigos impedimentos impedientes passaram a ser tratados como causas suspensivas do casamento (art. 1.523 do CC).
5. Previsão das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal e do casamento nos termos do que já constava da Constituição Federal de 1988 (art. 227) e da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/1977). O aluno poderia apontar que o Código Civil de 2002 continua a mencionar a culpa como fundamento da separação (arts. 1.572 e 1.573 do CC) e que essa vem sendo mitigada pela jurisprudência. Poderia apontar, também, que há autores que defendem a sua total extinção no tocante às separações judiciais (Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, entre outros).
Em suma, o candidato poderia concluir que as principais inovações, nos capítulos solicitados, não vieram com o Código de 2002, mas sim com a Constituição Federal.
Por fim, seria interessante discorrer sobre a tendência metodológica de se interpretar o Direito de Família a partir de princípios constituicionais, particularmente de acordo com a proteção da dignidade humana (art. 1º, inc. III) e a solidariedade social (art. 3º, inc. I, da CF/88). Sobre o tema: TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família Brasileiro. Disponível em http://www.flaviotartuce.adv.br. Seção Artigos do Professor. Acesso em 13/11/2007).

Boa sorte a todos!

Professor Flávio Tartuce

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

TJ/MG. CONDENAÇÃO DA SOUZA CRUZ

TJ-MG condena Souza Cruz a indenizar fumante em R$ 200 mil
Danielle Ribeiro
O TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) condenou a indústria de cigarros Souza Cruz a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 200 mil a Rélvia Braga Bittencout. Na ação, ela afirmou que "em razão do vício adquirido, teve vários transtornos como mal estar, dor, lesões e sofrimento causando amputação da perna, além de várias outras doenças".Rélvia, hoje com 58 anos de idade, começou a fumar aos 12 anos, incentivada pela "beleza, glamour e símbolo de hombridade que os fabricantes de cigarro tentavam associar ao uso do produto. Ela afirmou que diante dessa falsa imagem, ilegal e desumana, passou a consumir cada vez mais cigarros na ilusão de que, assim, poderia emergir em seu grupo de convívio social com uma jovem bem sucedida e moderna".Em seu voto, o relator revisor do processo, desembargador Elpídio Donizetti Nunes, afirmou que desde os idos de 1950, a indústria tabaqueira vem desenvolvendo pesquisas que lhe forneceram a certeza de que a nicotina é geradora de dependência físico-química, assim como estudos para sua maior liberação e absorção pelo organismo e inclusive estudos genéticos objetivando desenvolver planta de tabaco hipernicotinado. "Logo, a conclusão inafastável a que se chega é a de que as indústrias do cigarro omitiram dolosamente as informações de que dispunham, com o fito de garantir o sucesso das vendas do produto. Lamentavelmente, elas foram além. Não satisfeitas em esconder da sociedade os malefícios da nicotina, passaram a criar, por meio da publicidade, uma atmosfera socialmente positiva para o consumo da droga. Com propagandas insidiosas e sedutoras, associaram o consumo do cigarro a prestígio perante o grupo social, liberdade, modernidade e sofisticação", afirmou o relator."É por tal razão que não se pode admitir o argumento de que os fumantes agem com livre arbítrio. Se pudessem imaginar que o cigarro contém mais de 40 substâncias tóxicas e que causa doenças como câncer de pulmão, enfisema e impotência sexual, certamente não se habilitariam ao primeiro trago", concluiu o desembargador.Outro ladoA fabricante de cigarros Souza Cruz informou por meio de sua assessoria de imprensa que, por se tratar de decisão por maioria de votos, a empresa irá recorrer ao próprio TJ-MG. Além disso, a Souza Cruz afirma que já foram proferidas 296 decisões rejeitando pretensões semelhantes e 12 em sentido contrário, as quais estão pendentes de recurso. "Todas as 195 decisões definitivas já proferidas pelo Judiciário brasileiro afastaram as pretensões indenizatórias dos fumantes, ex-fumantes ou seus familiares", diz a nota.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

STJ. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA.

STJ Prazo prescricional para propor ação de indenização é contado a partir do conhecimento do fato
Prazo prescricional para entrar com uma ação de indenização deve ser contado a partir da data da ciência da lesão. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a prescrição, dando provimento a recurso especial em que proprietária de imóvel rural adquirido do Estado do Mato Grosso reclama direitos devido ao fato de a terra ser habitada por índios xavantes antes da alienação do imóvel efetivada pelo estado. O recurso especial foi interposto por L.A.M. e outros contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). A defesa alegou ofensa ao artigo 1º do decreto 20.910/32 e divergência entre o acórdão recorrido e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo tal artigo, prescrevem em cinco anos, contados do ato ou do fato do qual se originaram, as dívidas passivas da União, estados e dos municípios.
A defesa afirmou que não poderia ser reconhecida a prescrição na espécie, porquanto o prazo prescricional não deveria ser contado a partir da transferência da titulação do imóvel aos recorrentes, pois, naquele momento, os autores e seus antepassados não tinham conhecimento de que a área pertencia aos índios.
Alega que a prescrição também não poderia ser contada a partir do momento em que se deu entrada na ação de desapropriação indireta na Justiça Federal, pois, naquela oportunidade, os autores não teriam conhecimento de que os índios habitavam o imóvel antes de sua alienação pelo estado. Diante dessa argumentação, defendeu que o prazo prescricional fosse contado não a partir da emissão do título ou do ajuizamento da ação contra a União, mas sim a partir da sentença prolatada pela Justiça Federal em maio de 1998, que julgou improcedente a ação com base no laudo antropológico, entendendo que os índios já estavam na área desde o século XIX, portanto bem antes da alienação efetivada pelo estado de Mato Grosso.
Ao analisar o recurso, o ministro relator João Otávio Noronha ressaltou a jurisprudência do STJ no sentido de considerar a data da ciência da lesão como o termo inicial do lapso prescricional para propositura da ação de indenização por perdas decorrentes de ato lesivo.
O ministro entendeu que, quando foi prolatada a sentença judicial que julgou improcedente a ação de desapropriação indireta, os autores tiveram ciência inequívoca da lesão ao seu direito de propriedade. Na sentença se reconheceram as terras litigadas como pertencentes aos índios xavantes, tomando, assim, os proprietários conhecimento de que o negócio de compra e venda efetuado era nulo de pleno direito. Dessa forma, caberia aos lesados a ação indenizatória contra quem vendera coisa alheia como própria, no caso, o Estado do Mato Grosso. Desta forma, o ministro ressaltou que, tendo sido a sentença proferida em 11/5/1998, surgiu, a partir daí, o direito dos recorrentes de pedir indenização ao Poder Público pelos prejuízos sofridos.
Assim, iniciando-se a fluência do prazo prescricional de cinco anos na data de 11/5/1998, tem-se que o termo final de tal prazo é maio de 2003. Como a presente ação indenizatória foi proposta em junho de 2000, concluiu que, na espécie, não se encontrava prescrito o direito dos autores deste recurso à indenização por perdas e danos.
O ministro conclui que o acórdão recorrido merece ser reformado para afastar a prescrição, determinando o retorno dos autos às instâncias ordinárias para o prosseguimento do recurso. REsp 661520

JULGADO SOBRE CONTRATO ESTIMATÓRIO.

Contrato de consignação - descumprimento de obrigaçõesContrato de consignação - Devolução de mercadorias - Descumprimento - Rescisão contratual. Em contrato de consignação para revenda, esta não noticiada, não devolvida a mercadoria, ou pago o preço correspondente, não se pode interpretar cláusula que prevê a consolidação da venda das mercadorias contra a consignante, máxime diante da difícil situação financeira enfrentada pela consignada, sob pena de premiar-se o inadimplemento, contra o Princípio da Boa-Fé Objetiva e o indispensável substrato ético, os quais devem nortear todas as relações contratuais, quer na origem como em sua execução. Descumprimento do pacto autorizador de sua rescisão e condenação ao quantum correspondente ao valor das mercadorias como postulado na inicial. Situação em que a sentença de procedência deve ser integralmente mantida. Afastadas as preliminares. Negaram provimento ao Apelo. (TJRS - 10ª Câm. Cível; ACi nº 70018171009-Porto Alegre-RS; Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima; j. 9/8/2007; v.u).

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

TJ/BA. INTERESSANTE SENTENÇA LIMITANDO OS JUROS.

Processo Número: 0106/07
Autor: Gilmar Araújo das Mercês
Réu: Banco Finasa S.A.


Revisão Contratual. Possibilidade. Contrato de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária. Vulnerabilidade científica e fática do consumidor em face do contato de adesão. Onerosidade excessiva. Função social e boa-fé objetiva. Redução dos juros compensatórios a 12% ao ano. Re-equilíbrio contratual.



Dispensado o Relatório. (art. 38, Lei nº 9.099/95).

Em síntese, pretende o autor a revisão de cláusulas constantes em Contrato de Financiamento, de cunho nitidamente adesivo, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), celebrado com o banco Finasa S.A, tendo como objeto a aquisição de um veículo. Segundo o autor, o contrato estabelece a capitalização mensal de juros, correção monetária cumulada com comissão de permanência e juros moratórios e remuneratórios acima do limite legal, onerando excessiva e unilateralmente o contato. Ao final, requereu a revisão do valor da parcela de R$ 564,88 (quinhentos e sessenta e quatro reais e oitenta e oito centavos) para R$ 395,01 (trezentos e noventa e cinco reais e um centavo).

Contestando o pedido, o réu argumentou, preliminarmente, a incompetência do juízo devido o valor da causa e a revogação da medida liminar. No mérito, alegou que não se trata de contrato de adesão, que o devedor encontra-se em mora, defendeu a legalidade da taxa de juros pactuada, a inexistência de onerosidade excessiva, da legalidade da cobrança da comissão de permanência e inexistência de correção. Além disso, impugnou os cálculos apresentados, contestou a alegação de cobrança indevida e repetição do indébito. Ao final, requereu a improcedência da Ação.

De início, indefiro a preliminar de incompetência do juízo em razão do valor da causa, visto que se trata de pedido de revisão de cláusula contratual e o valor indicado na inicial é inferior ao limite de 40 (quarenta) salários mínimos.

I – Do contrato clássico ao contemporâneo

Em excelente texto sobre a reconstrução do conceito de contrato, Roxana Cardoso Brasileiro Borges, professora adjunta de Direito Civil da UFBA e UNEB, professora da UCSal, Doutora em Direito das Relação Sócias pela PUC/SP e Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC, fez síntese comparativa e extremamente objetiva sobre o conceito clássico de contrato e o conceito contemporâneo.[1]

No antigo conceito de contrato, enquanto acordo de vontade entre interesses opostos, em antagonismo, imperavam os princípios da intangibilidade e do “pacta sunt servanda” e o papel do Estado era simplesmente garantir seu cumprimento, pois que necessariamente justo. Contemporaneamente, no entanto, no novo conceito, prevalece a noção de contrato como vínculo de cooperação e a percepção da necessidade de atuação cooperativa entre os pólos da relação contratual.

Pois bem, desse novo conceito algumas conseqüências jurídicas decorrem de imediato: a proteção da confiança no ambiente contratual, a exigência da boa-fé e a observância da função social do contrato.

Nesse novo conceito, o papel do estado será sempre no sentido de superar, também, a noção de igualdade formal pela igualdade substancial, permitindo aos juízes interferir no contrato e relativizar o “pacta sunt servanda,” aplicando os princípios consagrados na Constituição Federal e no Código Civil.

Completamente fora de moda, consequentemente, o discurso de que a intervenção judicial nos contratos é fator de insegurança jurídica e de um suposto “custo Brasil”, como alardeiam os porta-vozes do empresariado nacional e estrangeiro, pois sobre a suposta segurança jurídica deve prevalecer, sobretudo, a justiça contratual.

A revisão contratual, portanto, não tem o objetivo de ultrapassar a vontade das partes e gerar insegurança ao vínculo contratual, mas re-equilibrar o contrato com a finalidade de preservá-lo, com a possibilidade de satisfação dos interesses legítimos em jogo, buscando, por assim dizer, o cumprimento re-equilibrado.

II – Vulnerabilidade do Consumidor

O artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor, que trata da Política Nacional de Relações de Consumo, reconhece, expressamente, a condição de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Segundo a doutrina[2], esta vulnerabilidade pode ser classificada da seguinte forma:

a) Técnica – quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo ou sobre o serviço que lhe está sendo prestado;
b) Científica – a falta de conhecimentos jurídicos específicos, contabilidade ou economia;
c) Fática ou sócio-econômica – quando o prestador do bem ou serviço impõe sua superioridade a todos que com ele contrata, fazendo valer sua posição de monopólio fático ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade do serviço.

Além disso, sabe-se que atualmente a maioria dos contratos de consumo é de “adesão”, onde o banco ou financeira já possui um contrato padrão previamente elaborado, cabendo ao consumidor apenas aceitá-lo em bloco sem discussão, seja em face da sua vulnerabilidade técnica, seja em face da falta de alternativa.

Por fim, o princípio da vulnerabilidade do consumidor não pode ser visto como mera intenção, ou norma programática sem eficácia. Ao contrário, “revela-se como princípio justificador da própria existência de uma lei protetiva destinada a efetivar, também no plano infraconstitucional, os princípios e valores constitucionais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da isonomia substancial (art. 5º, caput) e da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII).”[3]

III - Onerosidade Excessiva

O Código de Defesa do Consumidor, ao definir os direitos básicos do consumidor, artigo 6º, V, permite a modificação de cláusula contratual que estabelece prestação desproporcional ou sua revisão em razão de fato superveniente que a torne excessivamente onerosa.

A interpretação da norma não remete para o antigo conceito da teoria da imprevisão no sentido da exigência da previsibilidade inequívoca do acontecimento, ou seja, basta agora a ocorrência, mesmo na origem, da lesão ou onerosidade excessiva.

“O Código de Defesa do Consumidor assumiu uma postura mais objetiva no que diz respeito à revisão contratual por circunstâncias supervenientes. Basta uma breve análise do artigo que postula tal possibilidade, para perceber que este não menciona qualquer requisito além da excessiva onerosidade presente: não se fala em previsibilidade ou imprevisibilidade, não há questionamentos acerca das intenções subjetivas das partes no momento da contratação.”[4]

Vê-se, portanto, que a onerosidade excessiva pode ser originária, ou seja, desde a formação do contrato, pois a condição de vulnerabilidade do consumidor não lhe permite a compreensão da vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor do crédito.

Este princípio tem por fundamento, principalmente, a igualdade substancial nas relações contratuais e, por conseqüência, o equilíbrio entre as posições econômicas dos contratantes. Ao contrário do equilíbrio meramente formal, busca-se agora que as prestações em favor de um contratante não lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do empobrecimento do outro contratante.

Assim, “em face da disparidade do poder negocial entre os contratantes, a disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca, como é o caso do balanceamento das prestações.”[5]

IV - Função Social do Contrato

A nova compreensão do Direito Privado sobrepõe a perspectiva funcional dos institutos jurídicos à análise meramente conceitual e estrutural. Não se indaga mais, simplesmente, à cerca dos elementos estruturais com compõem o conceito do contrato, por exemplo, mas se a sua finalidade está sendo cumprida, pois “na perspectiva funcional, os institutos jurídicos são sempre analisados como instrumentos para a consecução de finalidades consideradas úteis e justas.”[6]

As transformações sofridas pelo Direito Privado em face da aplicação dos princípios constitucionais, de caráter normativo[7], bem como dos princípios estabelecidos no Novo Código Civil, principalmente a “função social do contrato” prevista no artigo 421, do CC, permitem ao Judiciário a intervenção no contrato para restabelecimento do seu equilíbrio.

O antigo princípio do “pacta sunt servanda”, portanto, precisa sofrer as adaptações da principiologia axiológica da CF de 1988 e do CC de 2002, ou seja, os contratos devem visar uma função social e a satisfação dos interesses das partes contratantes, em cooperação.

Assim, quando o contrato satisfaz apenas um lado, prejudicando o outro, o pacto não cumpre sua função social, devendo o Judiciário promover o re-equilíbrio contratual através da revisão das cláusulas prejudiciais a uma das partes.

Na teoria contemporânea do Direito das Obrigações, impõe-se uma mudança radical na leitura da disciplina das obrigações, que não pode mais ser considerada apenas como garantia do credor: “a obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação.... A cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação ao adimplemento do devedor.” [8]

Mais que isso, o contato não pode mais ser concebido como uma relação jurídica isolada da comunidade social e que só interessa às partes contratantes, como se impermeável às condições sociais que o cerca e que lhe afetam.

III – A Boa-fé objetiva

A boa-fé, entendida como elemento meramente subjetivo, situação ou fato psicológico, deu lugar ao princípio da boa-fé objetiva.
Agora, “o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes, no sentido da recíproca cooperação, com consideração dos interesses um do outro, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a existência jurídica do contrato celebrado.”[9]

Neste sentido, o artigo 51, IV, do CDC, considera nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que sejam incompatíveis com a boa-fé.

Ainda em termos de legislação, o artigo 422, do Código Civil Brasileiro, estabelece que os contraentes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé.

Em consequência, distanciando-se da subjetividade do antigo conceito, a boa-fé objetiva exige um dever de conduta, de ética, lealdade e de colaboração na execução do contrato.

Não se pode dizer, portanto, que está presente a boa-fé objetiva em um contrato que permite vantagens e lucros exorbitantes a um dos contratantes, resultantes de estipulação de taxas de juros em muito superiores ao razoável de uma economia estabilizada e com baixos índices de inflação.

Por fim, o Juiz não pode se esquivar do seu papel de criação do Direito, pois “a boa fé opera uma delegação ao juiz para, à luz das circunstâncias concretas que qualificam a relação intersubjetiva sub judice, verificar a correspondência do regulamento contratual, expressão da autonomia privada, aos princípios aos quais esta última deve ser funcionalizada. Tal delegação, prevista legislativamente, faz com que determinadas concepções acerca do papel do juiz ainda hoje sustentadas se tornem anacronismos com um sentido claramente retrógrado.”[10]


IV – Os Juros

A Emenda Constitucional nº 40, de fato, revogou o § 3º, artigo 192, da Constituição Federal, que limitava a taxa de juros a 12% ao ano. Aliás, antes mesmo da revogação através de Emenda Constitucional, o STF já havia decidido pela necessidade de regulamentação do artigo. Dessa forma, pode se dizer que o dito § 3º “foi sem nunca ter sido.”

Pois bem, o Código de 1916 estabelecia que a taxa de juros moratórios seria de 6% ao ano quando não convencionada de outra forma pelos contratantes. (cf art. 1.062, do CC de 1916).

Já o novo Código Civil, em seu artigo 406, estabelece que se tais juros serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A discussão pretoriana e doutrinária atual diverge em relação à aplicação da SELIC ou do Código Tributário Nacional, artigo 161, § 1º:
.
“Se a Lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.”

O Min. DOMINGOS FRANCIULLI NETTO, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 215.881-PR, assim se posicionou:

“A Taxa Selic para ser aplicada tanto para fins tributários como para fins de direito privado, deveria ter sido criada por lei, entendendo-se como tal os critérios para a sua exteriorização. Atenta contra o comezinho princípio da segurança jurídica a realização de um negócio jurídico em que o devedor não fica sabendo na data da avença quanto vai pagar a título de juros, pois, não terá bola de cristal para saber o que se passará no mercado de capitais, em períodos subseqüentes ao da realização do negócio, se repisado o aspecto de que os juros são entidades aditivas ao principal e não mera cláusula de readaptação do valor da moeda”.

Arrematou seu voto o ilustre Ministro defendendo a aplicação do CTN:

“a mora referida na segunda parte do art. 406 do CC/2002 somente pode ser composta com os juros previstos no art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172, de 25/10/66), isto é, 1% ao mês ou 12% ao ano”.

Na mesma linha, o Enunciado nº 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, sob a coordenação científica do então Ministro Ruy Rosado, do STJ, nos seguintes termos:
20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.
Por fim, os juros legais e moratórios sobre obrigações inadimplidas depois da vigência do Código Civil de 2002, segundo entendimento deste juízo, é a de 1% ao mês, excluída a aplicação da taxa SELIC, mesmo que momentaneamente estipulada abaixo desse patamar.
Com relação aos juros convencionais, o limite tem sido regulado pelo dos juros legais, uma vez que o Dec. n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ainda em vigor, estabelece:
"Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. n. 1.062)."
De outro lado, permitir taxas de juros no patamar do dobro da taxa legal, considerando a estabilidade da economia brasileira e as baixas taxas de inflação, estaríamos permitindo que o capital se transfira da esfera produtiva para a especulativa, tornando mais interessante auferir juros do capital do que investir e produzir, contrariando a função social do instituto de mútuo bancário, bem como indo de encontro aos objetivos constitucionais de "garantir o desenvolvimento nacional" (art. 3°, II, CF) e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3°, III, CF).
Esta prática tem permitido, por fim, que os bancos apresentem lucros cada vez maiores, disputando recordes de lucratividade e subvertendo a lógica de uma economia que urge desenvolver-se e permitir que a República alcance seu objetivo: “construir uma sociedade livre, justa e solidária,” conforme previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal.
Depreende-se, portanto, que os juros convencionais não podem superar, no caso de uma economia estabilizada e baixos índices de inflação, sob pena de onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual, também o patamar de 12% ao ano, sob pena de abusividade por parte do agente financeiro.
V – A Jurisprudência
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apreciando os pontos em discussão na presente lide, inclusive com relação à capitalização de juros e comissão de permanência, decidiu recentemente:
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Sendo o crédito fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão). Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. No caso concreto trata-se de contrato de financiamento firmado já na vigência do Novo Código Civil. Assim, havendo autorização expressa em lei, a incidência da capitalização dos juros remuneratórios contratados não vai afastada, sendo, entretanto, permitida apenas em periodicidade anual. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Obrigação acessória que vai afastada, na esteira de jurisprudência consolidada. A correção monetária é suficiente, e mais confiável, para servir como fator de recomposição da perda do valor real da moeda, corroída pela inflação. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. Fixado o IGP-M/FGV como índice de correção monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda inflacionária. JUROS MORATÓRIOS. Mantidos em 1% (um por cento) ao mês. MULTA MORATÓRIA. Mantida em 2% (dois por cento), porém, sobre o valor da parcela em atraso, nos termos do art. 52, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90. COBRANÇA DE TARIFA E/OU TAXA NA CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO. ABUSIVIDADE. Encargo contratual abusivo, porque evidencia vantagem exagerada da instituição financeira, visando acobertar as despesas de financiamento inerentes à operação de outorga de crédito. Inteligência do art. 51, IV do CDC. IOF. ABUSIVIDADE QUANTO À FORMA DE COBRANÇA. A cobrança do tributo diluído nas prestações do financiamento se afigura como condição iníqua e desvantajosa ao consumidor (CDC, art. 51, IV). DIREITO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS E À REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Sendo apurado a existência de saldo devedor, devem ser compensados os pagamentos a maior feitos no curso da contratualidade. Caso, porém, se verifique que o débito já está quitado, devem ser devolvidos os valores eventualmente pagos a maior, na forma simples, corrigidos pelo IGP-M desde o desembolso e com juros legais desde a citação. APELO DO BANCO PROVIDO EM PARTE E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70020790275, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 29/08/2007)
Entre nós, a 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais decidiu pela Competência dos Juizados Especiais e pela aplicação da taxa de juros em 12% ao ano.
Contrato de financiamento de veículo. Competência dos juizados especiais nas ações que discutem ilegalidade de juros. Contrato de adesão. Consumidor envolvido em juros e acréscimos exorbitantes. Princípio da boa fé objetiva. Impossibilidade de cobrança. Manifestação de cláusula contratual exagerada. Ofensa aos art. 51, IV, do CDC. Aplicação do art. 406 do CC c/c art. 161, § 1º do CTN. Juros limitados a taxa de 12% ao ano. Capitalização de juros Vedada pelo ordenamento jurídico (Súmula 121 do STF). Recurso reconhecido e parcialmente provido. Sentença modificada.
(4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Processo nº: JPCDT-TAT-00339/2004. Recorrente: José Anselmo da Cunha. Recorrido: Banco ABN Amro Real S/A. Relatora: Juíza Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel)

Mais recentemente ainda, a mesma 4ª Turma ratificou o ampliou o entendimento:

54858-8/2005-1 CV(10-5-5) Recorrente: Dilson Rocha dos Santos Advogados(as): Fabiano Samartin Fernandes OAB/BA 21439 Recorrido: Banco Bradesco S/A (Setor Jurídico) Advogados(as): Jamile Sandes Pessoa da Silva OAB/BA 17567 Juiz(a) Relator(a): Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel
Ementa: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE JUROS ILIMITADOS e ALTERADOS UNILATERALMENTE. MANIFESTAÇÃO DE CLAUSULA CONTRATUAL EXAGERADA. OFENSA AO ART. 51, IV DO CDC. JUROS LIMITADOS A TAXA DE 12% AO ANO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. CABÍVEL REPETIÇÃO DO INDÉBITO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. RECURSO CONHECIDO e PROVIDO.
Decisão: Decidiu, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença a quo para proceder à revisão dos contratos celebrados entre as partes, em face da abusividade da cláusula contratual, determinando que a Recorrida aplique sobre a dívida do Recorrente taxa de juros no percentual de 12% (doze por cento) ao ano e de multa de mora no limite de 2% (dois por cento), dando-lhe, se for o caso, quitação do débito com devolução em dobro de eventual excesso cobrado corrigido a partir da citação válida. Custas processuais e honorários sucumbenciais pelo recorrido, estes arbitrados em 15%, sobre o valor total da condenação, a teor do que dispõe o art. 55, da Lei 9099/95.
Acompanhando a decisão, a 5ª Turma Recursal referendou:
JDCSE-TAM-00411/04-1 CV(2-4-3) Recorrente: Banco Bradesco S.A Advogados(as): Marcus Leonis Lavigne OAB/BA 10943 Recorrido: Helene de Araujo Santos Advogados(as): Israel Cordeiro Neto OAB/BA 6924 Juiz(a) Relator(a): João Lopes da Cruz
Ementa: REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTIPULAM OS ÍNDICES DE JUROS, MULTAS e ENCARGOS ACIMA DO PATAMAR LEGAL. OBRIGATORIEDADE DO BANCO ACIONADO EM APRESENTAR PLANILHA DETALHADA, REFAZENDO OS CÁLCULOS PARA INCIDIR JUROS DE 1% AO MÊS, MULTA DE 2%, CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC e SEM A INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALORES PORVENTURA REMANESCENTES DEVERÃO SER RESTITUIDOS À PARTE AUTORA, DE FORMA SIMPLES. ART. 515, § 3º, DO CPC. JULGAMENTO DA LIDE, MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. PRELIMINARES REJEITADAS. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS AO JULGAMENTO DA MATÉRIA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR A ACIONADA A APRESENTAR PLANILHA DETALHADA, REFAZENDO OS CÁLCULOS PARA INCIDIR JUROS DE 1% AO MÊS, MULTA DE 2%, CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC e SEM A INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. OS VALORES REMANESCENTES DEVERÃO SER RESTITUIDOS À PARTE AUTORA, DE FORMA SIMPLES.
Decisão: Decidiu, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, reformando a sentença para condenar a acionada a apresentar planilha detalhada, refazendo os cálculos para incidir juros de 1% ao mês, multa de 2%, correção monetária pelo inpc e sem a incidência de comissão de permanência, mantendo a devoluçao de valores remanescentes à parte autora, de forma simples. Custas processuais pela acionada. Sem honorários advocatícios.
VI - O Caso e o Julgamento
Tem-se nos autos que o autor, de fato, celebrou contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária com taxa mensal de 2,46% ao mês e 33,80 ao ano. (fls. 33).
Há visível vantagem para o agente financeiro desde a celebração do contrato, visto que financiou R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao autor e receberia, ao final de 48 meses, quase o dobro do capital financiado, ou seja, R$ 26.927,04 (vinte e seis mil, novecentos e vinte e sete reais, quatro centavos).
Somente a vulnerabilidade do consumidor/autor, tanto científica quanto fática em face do contato de adesão, não lhe permitiu a compreensão da vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor do crédito.
Reconheço, portanto, que o contrato celebrado entre as partes não atende mais as exigências do contrato contemporâneo e que fere os princípios constitucionais e contratuais acima discutidos, devendo ser revisto e atualizado.
Do exposto, por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a Ação para determinar a revisão do contrato celebrado entre as partes para estabelecer a taxa de juros convencionais, bem como moratórios, em 1% ao mês, excluindo-se também os valores referentes à capitalização mensal e comissão de permanência e, por fim, adotar-se como valores das prestações mensais aqueles indicados na planilha de fls. 35,

Intime-se o acionado para promover a alteração do contrato em seus sistemas, bem como confeccionar carnê de pagamentos nos termos da presente decisão.

Sem custas e sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.


Conceição do Coité, 11 de setembro de 2007


Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito
[1] Borges, Roxana Cardoso Brasileiro. Contrato: do clássico ao contemporâneo: a reconstrução do conceito. Salvador: texto impresso, 2007.

[2] Barletta, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual por excessiva onerosidade... in Princípios de Direito Civil-Constitucional. Coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pg. 289.

[3] Calixto, Marcelo Junqueira. O Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. in Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Coord. Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 355.
[4] Barletta, Fabiana Rodrigues. Op. cit., p. 299.
[5] Negreiros, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.159.
[6] Rentería, Pablo. Considerações à cerca do atual debate sobre o princípio da função social do contato. In Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Coord. Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.294.
[7] “A Constituição é toda ela norma jurídica, seja qual for a classificação que se pretenda adotar, hierarquicamente superior a todas as demais leis da República, e, portanto, deve condicionar, permear, vincular diretamente todas as relações jurídicas, públicas e privadas.” Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 205.
[8] Perlingieri, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 212.
[9] Negreiros, Teresa. Op. cit., pg.123.
[10] Negreiros, Teresa. Op. cit., p. 265