quarta-feira, 21 de novembro de 2007

NOVO ARTIGO DO CO-AUTOR SIMÃO. NASCITURO.

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embate dos Titãs.

Chegamos ao fim de mais um ano. 2007 termina como um ano fértil para nós civilistas. Os julgados a respeito do novo Código Civil se multiplicam, a doutrina amadurece o debate, novas teorias surgem e certo aspectos começam a ser pacificados.

Não faltam projetos que pretendem alterar ou modificar a atual codificação. Dois deles se revelam bastante expressivos. O primeiro é o projeto 276/07, apresentado pelo Deputado Léo Alcântara, cuja base é o projeto 6960/02, de autoria do deputado Ricardo Fiuza. Trata-se de um grande projeto que pretende alterar mais de 300 artigos do Código Civil e que, certamente, será modificado, conforme nos informa o amigo Mario Delgado, que, por anos, foi assistente parlamentar do falecido deputado.

O segundo projeto que merece destaque é o de número 2285/2007, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro em outubro de 2007. O projeto, elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no ano em que completou 10 anos de existência, recebe o nome de Estatuto das Famílias e pretende revogar na integralidade o livro de Direito de Família do Código Civil de 2002.

Acompanhamos, de perto, ambos os projetos, e, em 2008, certamente informaremos os amigos leitores dos desdobramentos e evoluções das proposições.

Entretanto, o tema que debatemos nas presentes linhas, não é novo, tem um certo cunho filosófico, e é antigo...A pergunta é a seguinte:

Quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano?

A reposta passa pela análise do artigo 2º do Código Civil de 2002: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

A questão é das mais difíceis, porque a doutrina se divide e diverge de maneira clara. Travou-se verdadeira batalha de Titãs.

Segundo Hesíodo, os titãs eram os 12 filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Seis eram do sexo masculino - Oceano, Ceo (pai de Leto), Crio, Hipérion, Jápeto (pai de Prometeu) e Cronos - e seis do feminino - Téia, Réia (mãe dos deuses), Têmis (a justiça), Mnemósine (a memória), Febe (a Lua) e Tétis (deusa do mar). Tinham por irmãos os três hecatonquiros, monstros de cem mãos que presidiam os terremotos, e os três Ciclopes, que forjavam os relâmpagos.

Urano iniciou um conflito com os titãs ao encarcerar os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro. Gaia e os filhos revoltaram-se, e Cronos cortou com uma foice os órgãos genitais do pai, atirando-os ao mar. O sangue de Urano, ao cair na terra, gerou os gigantes; da espuma que se formou no mar, nasceu Afrodite. Com a destituição de Urano, os titãs libertaram os outros irmãos e aclamaram rei a Cronos, que desposou Réia e voltou a prender os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro.

Cronos e Réia que produziram descendência mais numerosa: Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posêidon e Zeus, a primeira geração de deuses olímpicos. Avisado de que os filhos o destituiriam, Cronos engoliu todos eles exceto Zeus, salvo por um ardil da mãe.

Ao tornar-se adulto, Zeus fez Cronos beber uma poção que o forçou a vomitar os filhos, e uniu-se aos irmãos, os deuses olímpicos na luta contra os titãs nas planícies da Tessália, pela posse do Monte Olimpo. (Emerson Luis de Farias, in http://www.nomismatike.hpg.com.br/Mitologia/Titas.html)

Ultrapassada a questão mitológica, vamos à questão jurídica.

Flávio Tartuce, em excelente trabalho sobre o tema, informa que duas são as principais teorias no tocante ao início da personalidade jurídica do nascituro: a natalista e a concepcionista. Pela teoria natalista, o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois, o Código Civil exigiria o nascimento com vida e o nascituro teria mera expectativa de direitos. São adeptos dessa teoria Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Caio Mario da Silva Pereira e Sílvio de Salvo Venosa. Pela teoria concepcionista, o nascituro é pessoa humana, tendo seus direitos resguardados pela lei. Seguem a teoria em questão: Rubens Limongi França, Giselda Hironaka, Francisco Amaral, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz (“Situação Jurídica do nascituro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

Silmara Juny de Abreu Chinelato, estudiosa da questão e bastante conhecedora do tema, é uma das adeptas à teoria concepcionista e muito bem a justifica: “o nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e a herança, como condição resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidade do nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art. 2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais a indenização de danos pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos de Bioética” (“Estatuto Jurídico do nascituro: o direito brasileiro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

O debate é realmente grande, mas, para nós, a teoria concepcionista é a realmente adequada. Lembra Tartuce, na obra mencionada, que a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), só permite a utilização de embriões inviáveis, protegendo sua integridade, indicando, claramente, a adoção da teoria concepcionista.

Também o magistério de Euclides de Oliveira “nesse contexto, impõe-se a conclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quanto moralmente, de violações a quaisquer desses direitos. Com respeito ao primeiro, que decorre do próprio Direito Natural, não teria sentido a disposição do artigo 4º do Código Civil, se não houvesse proteção integral àquela expectativa do “nascimento com vida”, e nem se justificaria a punição legal do aborto (artigos 124 a 126 do Código Penal). A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano. Os demais direitos se colocam como naturais reflexos dos anteriores. Hipótese de ofensa ao direito de imagem estaria na utilização inautorizada de captação havida por ultra-sonografia. E constituiria violação à honra, por exemplo, a imputação de bastardia ao nascituro”.

E conclui mestre Euclides, presidente do IBDFAM São Paulo: “mostra-se admissível e pertinente, pois, a indenização por danos pré-natais, como na hipótese de pais que transmitam doenças através da concepção (sífilis, AIDS), de médicos ou hospitais que se conduzam inadvertidamente, provocando danos ao feto (por medicação inadequada, omissões no tratamento, transfusão de sangue contaminado etc,...). Estará havendo, em tais circunstâncias, dano à vida ou à saúde do nascituro, passível de reparação dentro do princípio geral da culpa que informa a responsabilidade civil por ato ilícito.” (“Indenização por dano moral ao nascituro”).

Seguindo as lições de Silmara Juny de Abreu Chinelato e Euclides de Oliveira, em mais de uma oportunidade, já se reconheceu o direito à indenização por danos morais em favor do nascituro. Foi noticiado pelos meios de comunicação que “Maria Carolina Loiola da Silva será indenizada por danos morais causados a sua mãe, que sofreu constrangimento ao ser abordada ilegalmente por policiais militares, que a confundiram com bandidos avistados na cidade de Rio Verde (GO). A decisão é da 3ª Câmara Cível do TJ-GO. O fato ocorreu em 10 de novembro de 2001, quando a mãe de Maria Carolina estava com seis meses de gestação. Gilderlândia Loiola Gomes da Silva estava em companhia de outras pessoas em um carro quando o grupo foi abordado em uma barreira policial e não atendeu ao comando de parar. Os policiais estaduais dispararam tiros em direção ao carro. Ao serem abordados, foram tratados de forma vexatória, sendo presos ilegalmente. O Desembargador Rogério Arédio argumentou que toda pessoa tem direito de ter a vida respeitada, ‘desde a concepção’. Ressaltou que o abalo emocional sofrido pela mãe poderia provocar conseqüências ao feto, em razão de que o bebê poderia nascer prematuramente, ter o peso abaixo da média, além de manifestar dificuldades tais, como alimentação irregular, distúrbios de sono e choro excessivo”.

Também, temos o julgamento perante a 10ª Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, na ap. 489.775-0/7. Referia-se a empregado que faleceu em acidente do trabalho motivado por negligência da empregadora. O filho, que veio a nascer depois do evento fatal, pleiteou indenização e teve reconhecidos seus direitos nas esferas material e moral, a partir da data do nascimento. Foi unânime a decisão, relatada pelo juiz ADAIL MOREIRA, revisor MARCOS MARTINS e 3º juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA, com declaração de voto vencedor.

Emblemática a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. (REsp 399.028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002 p. 232)”.

Dessa forma, partimos para nossas conclusões. Assim como o conflito dos Titãs culminou com a derrota de Cronos e dos titãs, confinados por Zeus no Tártaro. Derrotando os Titãs e Zeus estabeleceu seu domínio como o maior dos deuses, o com conflito jurídico entre natalistas e concepcionistas foi vencido pelos últimos.

O nascituro é pessoa e, nessa qualidade é titular de direitos e merecedor da mais ampla proteção jurídica.

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