quinta-feira, 28 de abril de 2016
ENTREVISTA SOBRE O PLS 757/2015, QUE ALTERA O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SITE DO IBDFAM
Especialista vê divergências relacionadas ao
Estatuto da Pessoa com Deficiência
Fonte:
IBDFAM. Assessoria de Comunicação Social (com informações da Agência Senado).
Apesar de ter entrado em vigor recentemente, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) já está sofrendo alterações. Isto
porque o Código de Processo Civil de 2015 revoga expressamente dispositivos do
Código Civil que foram alterados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência
(artigos 1.768 e 1.772). O Estatuto, de acordo com o jurista Flávio Tartuce,
diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), foi
elaborado sem se atentar para as regras do CPC que estava sendo gestado. Para
ele, existem alguns "atropelamentos legislativos" graves.
A confusão toda se deve ao artigo 1.072 do CPC
2015. Tartuce argumenta que o novo Código está todo baseado no processo de
interdição, enquanto que a ideia constante do artigo 1.768 do Código Civil,
alterado pelo Estatuto, é de um processo com nomeação de curador. “Todavia,
esse artigo não existe mais no sistema, pois está revogado expressamente neste
momento, reafirme-se”, disse.
O CPC de 2015, de acordo com o jurista, influencia
uma legislação especial porque houve a citada revogação expressa. “Assim, não
cabe alegar que a norma é especial e anterior pelo fato dela não se encontrar
mais vigente no sistema jurídico brasileiro”, frisou.
Já em relação ao Projeto de Lei (PLS) 757/2015, em
tramitação no Senado, que altera o Código Civil, o Estatuto da Pessoa
com Deficiência e o Código de Processo Civil para não vincular
automaticamente a condição de pessoa com deficiência a qualquer presunção de
incapacidade, mas garantindo que qualquer pessoa com ou sem deficiência tenha o
apoio de que necessite para os atos da vida civil, Tartuce não vê como um
retrocesso. “Primeiro, porque ele repara o citado problema dos
atropelamentos legislativos provocados pelo novo CPC. Segundo, porque regula
situações específicas de pessoas que não têm qualquer condição de exprimir
vontade, e que devem continuar a ser tratadas como absolutamente incapazes, na
opinião de muitos. Ademais, penso haver problema no uso do termo retrocesso
quando a lei tem pouco mais de três meses de vigência e vem causando profundos
debates e inquietações nos meios jurídicos. O próprio texto da proposta
demonstra essas divergências”, destacou.
Na opinião de Flávio Tartuce, o Estatuto da Pessoa
com Deficiência é um avanço. “Sem dúvidas, em muitos aspectos. Mas a lei
necessita de reparos urgentes, especialmente frente ao novo CPC e quanto ao
artigo 3º do Código Civil. Não se sabe, na prática, sequer se o processo de
interdição ainda é possível na nossa realidade jurídica. Penso que vivemos um
verdadeiro caos jurídico a respeito dessas questões procedimentais”.
O jurista não acredita que o PLS 757/2015 está
tentando desconstituir os avanços perpetrados pela Lei 13.146/2015. Muito ao
contrário, já que para ele o projeto visa a resolver graves problemas. “Mas o
projeto também merece reparos, como na proposta relativa ao art. 1.548 do
Código Civil e na redação projetada ao art. 4º, inciso II da codificação
material”, disse.
quarta-feira, 27 de abril de 2016
O BEM DE FAMÍLIA VAZIO. COLUNA NO MIGALHAS DE ABRIL DE 2016
O
BEM DE FAMÍLIA VAZIO[1]
Flávio
Tartuce[2]
A Lei n. 8.009/1990 representa
uma das normas jurídicas de maior relevo prático na realidade jurídica
brasileira. Baseada no trabalho acadêmico do Professor Álvaro Villaça Azevedo,
dispõe ela sobre a impenhorabilidade do bem de família legal, que passou
a ser o imóvel residencial, rural ou urbano, próprio do casal ou da entidade
familiar, protegido pela impenhorabilidade, independentemente de inscrição no
Registro de Imóveis. Originariamente, ensina o Professor do Largo de São
Francisco que “pode-se dizer, seguramente, que o bem de família nasceu com
tratamento jurídico específico, na República do Texas, sendo certo que, no
Direito Americano, desponta ele como sendo uma pequena propriedade agrícola,
residencial, da família, consagrada à proteção desta” (AZEVEDO, Álvaro Villaça.
Bem de família. São Paulo: José Bushatsky, 1974, p. 19). Assim, o
embrião desse amparo é relacionado à tutela do homestead, o que
significa local do lar.
Nos termos do art. 1º dessa
lei, “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas na lei”. Trata-se de importante norma de ordem pública que protege
tanto a família quanto a pessoa humana, especialmente o direito à moradia,
previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988.
Isso justifica, de início,
a edição da Súmula n. 364 pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o
manto da impenhorabilidade também atinge o imóvel onde reside pessoa solteira,
separada ou viúva. Nos termos dos precedentes que geraram a ementa, o fim
teleológico da Lei n. 8.009/1990 não é proteger um grupo de pessoas, mas a
pessoa, em especial o citado direito social e fundamental à moradia. Sem
dúvida, trata-se de uma interpretação extensiva dada à lei, pois, expressamente,
a proteção alcança apenas aqueles que vivem em família. Não só nessa hipótese,
mas também em outras, a jurisprudência superior tem concluído desse modo, ampliando
o sentido da norma, em sadio diálogo com
o Texto Maior.
Cite-se, em complemento,
que o mesmo Tribunal da Cidadania tem entendimento consolidado no sentido de
que, em caso de locação do bem, utilizada a renda do imóvel para a mantença da
entidade familiar, a proteção permanece. Nesse contexto, “a orientação
predominante no STJ é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei
8.009/1990 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache locado
a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em
outro bem alugado” (STJ, AgRg 385.692/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, julgado em 09.04.2002, DJ
19.08.2002). A questão se consolidou de tal forma que, em 2012, foi editada a
Súmula n. 486 dessa Corte Superior, in
verbis: “é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja
locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para
a subsistência ou a moradia da sua família”.
Trata-se do que denominamos
bem de família indireto, pois a
tutela da moradia é dada de forma mediata ou reflexa. A propósito, entende-se,
ainda, que a afirmação igualmente vale para o caso de único imóvel do devedor
que esteja em usufruto, para destino de moradia de sua mãe, pessoa idosa (STJ,
REsp 950.663/SC, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.04.2012). No
último decisum, além da proteção da
moradia, julgou-se com base no sistema de tutela constante do Estatuto do
Idoso.
Tal tendência de ampliação
da tutela da moradia também pode ser retirada de aresto mais recente, publicado
no Informativo n. 543 do STJ, ao julgar
que “constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel
residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o proprietário
nele não habite”. Nos termos da publicação, que mais uma vez conta com o nosso total
apoio, “deve ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei
que dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito
constitucional à moradia estabelecido no caput
do art. 6.º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer
integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem
de família” (STJ, EREsp 1.216.187/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j.
14.05.2014).
Pois bem, além de todas
essas hipóteses, de interpretações extensivas da norma jurídica em prol da
moradia, direito fundamental e social indeclinável, o Superior Tribunal de
Justiça também tem entendido que “o fato do terreno encontrar-se desocupado ou
não edificado são circunstâncias que sozinhas não obstam a qualificação do
imóvel como bem de família, devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a
este atribuída” (tese número 10, publicada na Ferramenta Jurisprudência em Teses, Edição n. 44). Trata-se do que se pode
denominar bem de família vazio.
A análise de um dos acórdãos
que gerou a afirmação jurisprudencial resumida merece análise depurada. Nos
termos do julgamento constante do Recurso Especial n. 825.660/SP, de relatoria
do Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 1º de dezembro de 2009, “ocorreram
danos no imóvel causados pelo transbordamento das águas da rede de águas
pluviais. A referida ação foi julgada procedente, e a Prefeitura Municipal de
Osasco foi condenada: a) a providenciar o desvio da rede canalizada e a reparar
o imóvel; b) a reembolsar despesas com correspondências e aluguéis; e c) a
pagar danos morais. A impenhorabilidade do bem de família serve para assegurar
a propriedade da residência da entidade familiar de modo a assegurar-lhe uma
existência digna. Verifica-se, no caso, que os devedores tiveram que desocupar
o imóvel em razão do dano causado por fato de terceiro que tornou-o inabitável.
Ora, não se pode afastar a impenhorabilidade do imóvel em razão de os devedores
nele não residirem por absoluta ausência de condições de moradia. A parte
recorrida não teve opção. A desocupação do imóvel era medida que se impunha. Não
pode agora os devedores sofrerem a perda de seu único imóvel residencial, quando
já estão sendo privados de utilizá-lo em razão de fato de terceiro. Assim,
incabível a penhorabilidade de imóvel, quando os devedores, por fato alheio a
sua vontade, deixam de nele residir em razão da falta de serviço estatal”.
De fato, não se pode impor
a impenhorabilidade em casos semelhantes ou próximos, pois o fato de o imóvel
encontrar-se vazio, desocupado, inabitado, não é imputável à conduta do
devedor, mas a ato ou omissão da administração pública. Sendo assim, a
impenhorabilidade é medida que se impõe, com vistas à proteção de um direito à moradia potencial, que se
encontra dormente no momento da discussão da penhora, mas que pode voltar a ter
incidência concreta a qualquer momento.
Em verdade, todas essas
interpretações extensivas do texto legal mantêm relação direta com a
metodologia do Direito Civil Constitucional, segundo a qual se deve analisar os
institutos privados de acordo com os direitos fundamentais e os princípios
constitucionais, encartados na CF/1988. Muito ao contrário do que sustentam
alguns, tal metodologia não se encontra esgotada em nosso País. Tanto isso é
verdade que acabou por ser expressamente positivada, indiretamente, pelo art.
1º do Novo Código de Processo Civil, eis que “o processo civil será ordenado,
disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições
deste Código”. Diz-se indiretamente
diante do fato de se atingir primeiramente os institutos processuais; e depois
os materiais. Sendo assim, acreditamos que essa visão unitária do sistema jurídico seja incrementada nos próximos
anos. Como bem demonstram Anderson Schreiber, Carlos Nelson Konder e outros
juristas em obra coletiva recentemente lançada, o Direito Civil Constitucional ainda tem pela frente muitos desafios
a superar (Editora GEN/Atlas, 2016).
[1] Artigo publicado na coluna Família
e Sucessões do Migalhas, em abril de 2016. Agradeço à Defensora Pública do
Estado do Amazonas e mestranda pela FADISP Melissa Credie, que trouxe a questão
para debate em exposição realizada na nossa disciplina de mestrado naquela
Faculdade, no último dia 18 de março de 2016.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Professor do
programa de mestrado e doutorado da FADISP – Faculdade Especializada em
Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD – Escola Paulista de Direito,
sendo coordenador dos últimos. Professor da Rede LFG. Diretor nacional e
estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e
consultor jurídico em São Paulo.
terça-feira, 26 de abril de 2016
DEBATE. TV ESA DA OABSP. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL.
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Prezados Leitores do Blog.
Abaixo segue o link para o debate promovido pela TV ESA da OABSP sobre negócio jurídico processual.
Também participarem dos debates os Professores Doutores Ricardo Aprigliano, Arlete Aurelli, Maria Carolina Beraldo e Fernanda Tartuce.
Bons estudos a todos.
Professor Flávio Tartuce
https://www.youtube.com/watch?v=r2k9vAQyWSY.
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quinta-feira, 21 de abril de 2016
CONSIDERAÇÕES SOBRE MUDANÇAS NA INTERNET FIXA
Especialista em
Direito do Consumidor comenta sobre mudanças na internet fixa
Fonte: GEN Jurídico.
Professor Flávio Tartuce
aponta que proposta de limitar acesso à banda larga constitui abuso e
desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, assim como apresenta risco de
prejuízo social
A adoção de franquias pelos provedores de
internet para limitar o tráfego de dados nos serviços de banda larga fixa tem
gerado grandes discussões e, principalmente, dúvidas entre os usuários. Nesta
semana, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) condicionou o bloqueio
ou redução na velocidade de conexão à criação de mecanismos que permitam ao
usuário acompanhar o uso de dados e ser informado que está próximo de esgotar a
franquia.
A decisão adia, temporariamente, as
restrições de uso da rede, mas valida o novo modelo para a banda larga fixa, em
prejuízo ao funcionamento atual e com grandes possibilidades de aumento de
custos para o usuário. Para o Doutor em Direito Civil, Flávio Tartuce, membro
do Instituto Brasileiro de Política e de Direito do Consumidor (Brasilcon), a
imposição de novos planos para a internet fixa “constitui clara e gravíssima
abusividade, um verdadeiro retrocesso social”.
Professor de Direito Civil e de Direito do
Consumidor, Tartuce diz que a adoção do sistema de franquias desrespeita a
regra prevista no artigo 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, que
considera como prática abusiva a conduta de exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva. Ele cita também o inciso X do mesmo artigo, que
igualmente considera abusivo o ato de elevar, sem justa causa, o preço dos
serviços.
“A nova regra não deve valer para qualquer
contrato”, afirma Tartuce, autor dos livros Manual de Direito Civil e Manual de Direito do Consumidor, com edições lançadas neste ano pelo
Grupo Editorial Nacional (GEN).
O professor reforça os termos da petição
inicial da ação civil coletiva proposta nesta semana pelo IDEC (Instituto
Brasileiro de Direito do Consumidor), a fim de suspender as cláusulas
contratuais que estipulem franquia de dados na banda larga fixa e,
consequentemente, a redução da velocidade de navegação ou o bloqueio de acesso
à internet. No pedido, o IDEC argumenta a violação do CDC, assim como da Lei de
Crimes Econômicos, já que as empresas que pleiteiam o modelo de franquia detêm
90% do mercado brasileiro, e sustenta que o Marco Civil da Internet – a lei que
define os direitos para uso da internet no Brasil, criada há dois anos – proíbe
provedores de desconectar seus clientes uma vez alcançado o limite de tráfego.
O professor concorda com o entendimento do IDEC de que a adoção de franquias se
respalda apenas na busca de lucro das empresas.
“Se essa medida for realmente adotada haverá
um grande prejuízo social, pois grande parte da população brasileira
ficará segregada das informações
que estão na internet”, alerta o jurista.
quarta-feira, 20 de abril de 2016
RESUMO. INFORMATIVO 579 DO STJ.
RESUMO.
INFORMATIVO 579 DO STJ.
DIREITO
CIVIL. PROTESTO POR TABELIONATO DE COMARCA DIVERSA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR E
ESGOTAMENTO DOS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO PARA A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR POR EDITAL.
RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC/1973 E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 921. Tese
firmada para fins do art. 543-C do CPC/1973: 1- O tabelião, antes de intimar o
devedor por edital, deve esgotar os meios de localização, notadamente por meio do
envio de intimação por via postal, no endereço fornecido por aquele que
procedeu ao apontamento do protesto; 2- é possível, à escolha do
credor, o protesto de cédula de crédito bancário garantida por alienação
fiduciária, no tabelionato em que se situa a praça de pagamento indicada no
título ou no domicílio do devedor. De início, ressalte-se que a doutrina, à luz do ordenamento jurídico,
esclarece que há inúmeras possibilidades de o protesto ser realizado em
cartório diverso do domicílio do obrigado. O próprio art. 6º da Lei de Protesto
estabelece que, tratando-se de cheque, poderá o ato ser lavrado no lugar do
pagamento ou do domicílio do emitente, não havendo dúvidas acerca da
possibilidade de intimação postal em Município diverso do tabelionato. No
tocante à duplicata, há precedente da Quarta Turma, cujo entendimento é no
sentido de que o protesto pode ser tirado na praça de pagamento (REsp
1.015.152-RS, DJe 30/10/2012). Ademais, a União, no tocante ao protesto de
certidão de dívida ativa, também realiza o protesto em cartório diverso daquele
de domicílio do devedor, conforme pesquisa realizada no sítio da PFN.
Acrescente-se que, para a correta compreensão do art. 15 da Lei n. 9.492/1997,
é imprescindível proceder-se a uma interpretação sistemática, de modo a
harmonizar os dispositivos do mencionado diploma, que não são estabelecidos de
modo caótico. Com efeito, não parece a melhor interpretação afirmar que o
referido dispositivo veda que o Tabelionato de Protesto envie intimação postal
com aviso de recepção (AR) para quem resida fora da competência territorial do
tabelionato. É que, ao admitir-se essa interpretação, em caso de protesto de
título em que existam coobrigados residentes em domicílios diversos, o cartório
só poderia intimar por AR aquele que residisse no mesmo município do
tabelionato (cabendo ressaltar que, em vista do princípio da unitariedade, não
é possível realizar dois protestos envolvendo a mesma dívida). Desse modo, a
"competência" territorial dos tabelionatos diz respeito, por exemplo,
à sua própria localização para o adequado atendimento ao público local, o
recebimento de apontamentos, a realização de intimação por meio de prepostos,
bem como o protesto especial para fins falimentares - que deve ser lavrado na
comarca do principal estabelecimento do devedor -, não se afastando, em
absoluto, a possibilidade de intimação por via postal. Nessa linha de
intelecção, consagrando o princípio da publicidade imanente, o art. 2º do
Diploma do Protesto estabelece que são "Os serviços concernentes ao
protesto, garantidores da autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos
atos jurídicos". Com efeito, não faz o menor sentido restringir a
possibilidade de publicidade real ao principal interessado, no tocante ao
protesto. Outrossim, o art. 14 estabelece que, protocolizado o título ou
documento de dívida, o Tabelião de Protesto expedirá a intimação ao devedor, no
endereço fornecido pelo apresentante do título ou documento, considerando-se
cumprida quando comprovada a sua entrega no mesmo endereço, ademais, o § 1º
esclarece que a intimação poderá ser feita por qualquer meio, "desde que o
recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo, aviso de
recepção (AR) ou documento equivalente". O próprio § 2º do mesmo art. 15
estabelece que "Aquele que fornecer endereço incorreto, agindo de má-fé,
responderá por perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções civis,
administrativas ou penais", deixando nítido o propósito de se evitar que o
tabelião tenha de promover intimação ficta, isto é, por meio de edital. A
propósito, essa é a pacífica jurisprudência das duas turmas de direito privado
(AgRg no AREsp 589.602-AC, Quarta Turma, DJe 11/12/2014; e AgRg no AREsp
365.727-RS, Terceira Turma, DJe 24/10/2013). Ademais, um dos claros propósitos
da lei é propiciar a solução extrajudicial de conflitos, pois, a teor do art.
19, § 2º, cabe ao tabelião não apenas receber o montante devido, mas também dar
a respectiva quitação. Dessarte, obviamente, esse preceito só será bem atendido
caso o tabelião esgote os meios legítimos de intimação, antes de ter de lançar
mão da via editalícia. Some-se que, no que concerne à cédula de crédito
bancário, impende asserir que é bem de ver que, na mesma linha do que o
ordenamento jurídico define para protesto de duplicata, nota promissória e
cheque, o art. 28, parágrafo único, do Decreto n. 2.044/1908 estabelece que o protesto
pode ser tirado no lugar indicado na letra para o aceite ou para o pagamento.
Uma vez sacada ou aceita a letra para ser paga em outro domicílio que não o do
sacado, naquele domicílio deve ser tirado o protesto. É o que também assenta a
doutrina especializada. Assim, no caso em que o acordo prevê de forma genérica
o pagamento na praça da sede da instituição financeira credora, ou à sua ordem,
mediante carnê de pagamento, cheques ou qualquer outra forma convencionada,
pode ser efetuado o protesto no domicílio da mesma instituição. E mais, é cada
vez mais rara, atualmente, a possibilidade de se deparar com a forma
tradicional de pagamento, em que o devedor se dirigia à praça de eleição para
entregar ao credor certa quantia em dinheiro, mediante recibo, em pagamento da
dívida. O pagamento por meio de boleto é utilizado para quitar obrigações em
geral, resultando em comodidade e diminuindo os custos da operação, em
benefício do próprio devedor. O recebimento, por meio de boleto, não significa
que houve a efetivação do pagamento no domicílio do consumidor, mas apenas que,
por intermédio da rede bancária, o credor recebeu o valor na agência e conta
vinculadas ao boleto. Em suma, o pagamento é, efetivamente, efetuado e
verificado com o recebimento da quantia na agência do credor, por intermédio da
rede bancária. Nesse contexto, a credora faltaria com os deveres inerentes à
boa-fé objetiva se impusesse que, para o pagamento das prestações, tivesse o
devedor de se locomover todos os meses para a praça de pagamento - hipótese em
que se poderia cogitar em violação do dever de cooperação. Tanto é assim que
entendimento doutrinário leciona que "quando se diz que a observância do
critério da boa-fé, nos casos concretos, assenta em apreciação de valores, isto
é, repousa em que, na colisão de interesses, um deles há de ter maior valor, e
não em deduções lógicas, apenas se alude ao que se costuma exigir no trato dos
negócios". Ademais, faz-se necessário consignar que, como é necessário ao
apontamento a protesto que o documento tenha executividade, isto é, seja dotado
de certeza, liquidez e exigibilidade, a medida é bem menos severa ao devedor se
comparada à execução do título, pois não envolve atos de agressão ao patrimônio
do executado, sendo certo que os órgãos de proteção ao crédito também fazem uso
de dados de caráter público da distribuição do Judiciário - o que, igualmente,
resulta na "negativação" nos órgãos de proteção ao crédito (REsp
1.344.352-SP, Segunda Seção, DJe 16/12/2014, julgado conforme o rito do art.
543-C do CPC/1973). REsp 1.398.356-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado
em 24/2/2016, DJe 30/3/2016.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. CREDISCORE E INTERESSE DE AGIR EM AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO
DE DOCUMENTOS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC/1973 E RES. STJ N.
8/2008). TEMA 915. Em relação ao sistema credit
scoring, o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de
exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para
obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição
responsável pelo sistema de pontuação, com a fixação de prazo razoável para
atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da
pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema Scoring.De início, cabe ressaltar que a
Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.419.697-RS (DJe 17/11/2014),
também submetido ao regime do art. 543-C do CPC/1973, definiu que, no tocante
ao sistema scoring de pontuação, "apesar de
desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele
fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados
considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais
valoradas". Como sabido, o interesse de agir é condição da ação que possui
três aspectos: (i) utilidade, pois o processo deve trazer algum proveito para o
autor; (ii) adequação, uma vez que se exige correspondência entre o meio
escolhido e a tutela pretendida; (iii) necessidade, haja vista a demonstração
de que a tutela jurisdicional seja imprescindível para alcançar a pretensão do
autor. Nesse sentido, conforme jurisprudência sedimentada desta Corte Superior,
inclusive em sede de recurso repetitivo, haverá interesse de agir para a
exibição sempre que o autor pretender conhecer e fiscalizar documentos próprios
ou comuns de seu interesse, notadamente referentes à sua pessoa e que estejam
em poder de terceiro, sendo que, conforme entendimento doutrinário,
"passou a ser relevante para a exibitória não mais a alegação de ser comum
o documento, e sim a afirmação de ter o requerente interesse comum em seu
conteúdo". Verifica-se, pois, que haverá interesse de agir daquele
consumidor que intente ação de exibição de documentos objetivando conhecer os
principais elementos e critérios considerados para a análise do seu histórico,
e também as informações pessoais utilizadas - respeitado o limite do segredo
empresarial -, e desde que diretamente atingido por tais critérios quando
pretendeu obter crédito no mercado. No tocante ao interesse de agir, não se
pode olvidar que se trata de "uma condição da ação essencialmente ligada
aos princípios da economicidade e da eficiência. Partindo-se da premissa de que
os recursos públicos são escassos, o que se traduz em limitações na estrutura e
na força de trabalho do Poder Judiciário, é preciso racionalizar a demanda, de
modo a não permitir o prosseguimento de processos que, de plano, revelam-se
inúteis, inadequados ou desnecessários. Do contrário, o acúmulo de ações
inviáveis poderia comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário,
inviabilizando a tutela efetiva das pretensões idôneas" (STF, RE 631.240-MG,
Tribunal Pleno, DJe 10/11/2014). Nessa perspectiva, vem a jurisprudência
exigindo, em algumas circunstâncias, sob o aspecto da necessidade no interesse
de agir, a imprescindibilidade de, ao menos, uma postura ativa do interessado
em obter determinado direito (informação ou benefício), antes do ajuizamento da
ação pretendida. Dessarte, a mesma lógica deve valer em relação ao sistema scoring de pontuação mantido por entidades
de proteção ao crédito, inclusive em razão da transparência e boa-fé objetiva
que devem primar as relações de consumo e tendo-se em conta a licitude de
referido sistema já reconhecida pela Segunda Seção do STJ. Nessa ordem de
ideias, o interesse de agir para cautelar de exibição de documentos, no que
tange ao crediscore, exige também que o requerente
comprove que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe
foi atribuída. Somado a isso, deverá, ainda, demonstrar que houve requerimento
ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de
pontuação para permitir, inclusive, que o fornecedor exerça o seu dever de
informação e, ao mesmo tempo, que o consumidor realize o controle dos dados
considerados e as respectivas fontes para atribuição da nota (art. 43 do CDC e
art. 5° da Lei n. 12.414/2011), podendo retificá-los ou restringi-los caso se
tratem de informações sensíveis ou excessivas, que venham a configurar abuso de
direito, tudo com um prazo razoável para atendimento. Aliás, referida exigência
é consentânea com a legislação brasileira no tocante ao habeas data - remédio
jurídico que também salvaguarda os direitos do consumidor com relação às suas
informações em registros e bancos de dados -, haja vista a determinação de que
a petição de introito seja instruída com a prova da recusa (art. 8° da Lei n.
9.507/1997). Realmente, não se mostra razoável, tendo como norte a atual
jurisprudência do STF e do STJ, que o pedido de exibição de documentos seja
feito diretamente ao Judiciário, sem que antes se demonstre que a negativa da
pretensão creditória ao estabelecimento comercial tenha ocorrido justamente em
virtude de informações constantes nocrediscore e que, posteriormente, tenha havido resistência da instituição
responsável pelo sistema na disponibilização das informações requeridas em prazo
razoável. REsp 1.304.736-RS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Segunda Seção, julgado em 24/2/2016, DJe 30/3/2016.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ASSOCIAÇÃO PARA DEFENDER OS INTERESSES
DE SEUS FILIADOS. Associação não tem legitimidade ativa para defender os
interesses dos associados que vierem a se agregar somente após o ajuizamento da
ação de conhecimento. Por
ocasião do julgamento do RE 573.232-SC (Tribunal Pleno, DJe 19/9/2014), sob o
regime do art. 543-B, do CPC/1973, o STF decidiu que as "balizas
subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é
definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização
expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial". Registre-se,
por oportuno, que não se desconhece a existência de precedentes do STF,
posteriores ao entendimento proferido no RE 573.232-SC, que reconhecem a
ausência de repercussão geral do debate acerca da ilegitimidade ativa de
servidores e trabalhadores para executar sentença condenatória, quando há
previsão expressa no título executivo judicial de extensão dos efeitos da
decisão a toda a categoria (ARE 901.963-SC, Tribunal Pleno, DJe 16/9/2015).
Todavia, esses julgados não têm aplicabilidade ao caso em apreço. Primeiro,
porque o presente processo cuida de ação ordinária (fase de conhecimento)
proposta por associação em nome de atuais e futuros associados e não de
execução individual de sentença proferida em ação civil pública. Segundo,
porque o debate travado nas instâncias ordinárias não abarca a questão federal
sobre limites da coisa julgada formada em sentença condenatória genérica proferida
em processo de conhecimento, matéria de natureza infraconstitucional. Terceiro,
porquanto o fundamento da legitimidade ativa da associação, no presente caso,
não dispensa exame sobre a necessidade de autorização das associações para a
representação de seus associados, matéria reconhecidamente de repercussão geral
no RE 573.232-SC. REsp 1.468.734-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
1º/3/2016, DJe 15/3/2016.
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO POSSESSÓRIA POR INVASOR DE TERRA
PÚBLICA CONTRA OUTROS PARTICULARES. É cabível o ajuizamento de ações
possessórias por parte de invasor de terra pública contra outros particulares.Inicialmente, salienta-se que não
se desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a ocupação de área
pública sem autorização expressa e legítima do titular do domínio constitui
mera detenção (REsp 998.409-DF, Terceira Turma, DJe 3/11/2009). Contudo,
vislumbra-se que, na verdade, isso revela questão relacionada à posse. Nessa
ordem de ideias, ressalta-se o previsto no art. 1.198 do CC, in verbis: "Considera-se detentor
aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a
posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas". Como
se vê, para que se possa admitir a relação de dependência, a posse deve ser
exercida em nome de outrem que ostente o jus
possidendi ou
o jus possessionis. Ora, aquele que invade terras
públicas e nela constrói sua moradia jamais exercerá a posse em nome alheio, de
modo que não há entre ele e o ente público uma relação de dependência ou de
subordinação e, por isso, não há que se falar em mera detenção. De fato, o animus domni é evidente, a despeito de ele ser
juridicamente infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem públicas e,
dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por usucapião, não altera esse
quadro. Com frequência, o invasor sequer conhece essa característica do imóvel.
Portanto, os interditos possessórios são adequados à discussão da melhor posse
entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a terras públicas. REsp 1.484.304-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 10/3/2016, DJe 15/3/2016.
DIREITO
CIVIL. SOBRE-ESTADIA (DEMURRAGE) NO CASO DE APREENSÃO DE CONTÊINER PELA
ALFÂNDEGA. Mesmo que o valor devido a título de pagamento de sobre-estadias (demurrages)
seja muito maior do que o preço médio de venda de um contêiner idêntico ao
locado, não é será possível limitar esse valor se o seu patamar elevado apenas
foi atingido em razão da desídia do locatário do bem, o qual, diante da
apreensão alfandegária do contêiner e das mercadorias contidas neste, quedou-se
inerte. Consoante
se extrai do art. 2.035 do CC, a intangibilidade do contrato compreende
integralmente os planos de sua existência e validade, mas, apenas parcialmente,
o plano de sua eficácia, podendo sua força obrigatória vir a ser mitigada. E
essa mitigação terá lugar quando a obrigação assumida, diante das
circunstâncias postas, mostrar-se inaceitável do ponto de vista da
razoabilidade e da equidade, comprometendo a função social do contrato e a
boa-fé objetiva, valores expressamente tutelados pela lei civil e pela própria
CF. A situação presente, contudo, não configura hipótese justificadora da
relativização do princípio do pacta
sunt servanda.
Ora, é certo que o container não se confunde com a mercadoria
transportada nem constitui embalagem dela, mas sim é uma parte ou acessório do
veículo transportador, de modo que inexiste amparo jurídico para sua apreensão
juntamente com a mercadoria (REsp 678.100-SP, Terceira Turma, DJ 5/9/2005; REsp
526.767-PR, Primeira Turma, DJ 19/9/2005; REsp 908.890-SP, Segunda Turma, DJ
23/4/2007). Além disso, os embaraços aduaneiros sequer podem ser caracterizados
como fortuito, à vista de sua previsibilidade. Assim, não reflete a boa-fé, que
deve pautar as relações contratuais, a conduta do locatário de container que, além de deter a
responsabilidade pelo desembaraço de mercadoria, também poderia ter
diligenciado por obter a liberação do contêiner perante as autoridades
alfandegárias, para que, dessa maneira, pudesse cumprir sua obrigação de
restituí-lo ao locador. Nesse sentido, a Primeira Turma do STJ já se manifestou
no sentido de que: "Por força do art. 1.210, § 2º, do Código Civil, o
locatário de contêiner, por ser detentor da posse direta, tem legitimidade ativa ad causam para discutir sua liberação,
quando apreendido, juntamente com as mercadorias nele contidas, pela
administração pública" (REsp 1.295.900-PR, DJe 19/4/2013). Salienta-se,
ainda, que a eventual circunstância de o valor da indenização pelo descumprimento
contratual poder atingir montante expressivo em razão, unicamente, da desídia
da parte locatária não justifica sua redução pelo Poder Judiciário, sob pena de
se premiar a conduta faltosa de devedor. De fato, não há falar na incidência do
art. 412 do CC, uma vez que as demurrages têm natureza jurídica de
indenização, e não de cláusula penal. Entende-se, perante esse contexto, que
deve ser aplicado, analogicamente, o entendimento do STJ de que: "A
análise sobre o excesso da multa deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas
no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor. Não
se pode analisá-la na perspectiva de quem, olhando para fatos já consolidados
no tempo, depois de cumprida a obrigação, procura razoabilidade quando, na raiz
do problema, existe um comportamento desarrazoado de uma das partes" (REsp
1.135.824-MG, Terceira Turma, DJe 14/3/2011). REsp 1.286.209-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 8/3/2016, DJe 14/3/2016.
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO E INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. Em execução de alimentos devidos a filho menor
de idade, é possível o protesto e a inscrição do nome do devedor em cadastros
de proteção ao crédito. Não há impedimento legal para que se determine a negativação do nome de
contumaz devedor de alimentos no ordenamento pátrio. Ao contrário, a exegese
conferida ao art. 19 da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968), que prevê
incumbir ao juiz da causa adotar as providências necessárias para a execução da
sentença ou do acordo de alimentos, deve ser a mais ampla possível, tendo em
vista a natureza do direito em discussão, o qual, em última análise, visa
garantir a sobrevivência e a dignidade da criança ou adolescente alimentando.
Ademais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente encontra
respaldo constitucional (art. 227 da CF). Nada impede, portanto, que o
mecanismo de proteção que visa salvaguardar interesses bancários e empresariais
em geral (art. 43 da Lei n. 8.078/1990) acabe garantindo direito ainda mais
essencial relacionado ao risco de vida que violenta a própria dignidade da
pessoa humana e compromete valores superiores à mera higidez das atividades
comerciais. Não por outro motivo o legislador ordinário incluiu a previsão de
tal mecanismo no Novo Código de Processo Civil, como se afere da literalidade
dos arts. 528 e 782. Precedente citado: REsp 1.533.206-MG, Quarta Turma, DJe
1º/2/2016. REsp 1.469.102-SP, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 8/3/2016, DJe 15/3/2016.
DIREITO
CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. A impenhorabilidade do bem de
família no qual reside o sócio devedor não é afastada pelo fato de o imóvel
pertencer à sociedade empresária. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado
que a impenhorabilidade do bem de família estabelecida pela Lei n. 8.009/1990
está prevista em norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e a
incidência do referido diploma somente é afastada se caracterizada alguma
hipótese descrita em seu art. 3º (EREsp 182.223-SP, Corte Especial, DJ
7/4/2003). Nesse passo, a proteção conferida ao instituto de bem de família é
princípio concernente às questões de ordem pública, não se admitindo sequer a
renúncia por seu titular do benefício conferido pela lei, sendo possível,
inclusive, a desconstituição de penhora anteriormente feita (AgRg no AREsp
537.034-MS, Quarta Turma, DJe 1º/10/2014; e REsp 1.126.173-MG, Terceira Turma,
DJe 12/4/2013). Precedentes citados: REsp 949.499-RS, Segunda Turma, DJe
22/8/2008; e REsp 356.077-MG, Terceira Turma, DJ 14/10/2002. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul Araújo,
julgado em 3/3/2016, DJe 10/3/2016.
DIREITO
DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA PELA MERA INCLUSÃO DE VALOR
INDEVIDO NA FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. Não há dano moral in re ipsa quando
a causa de pedir da ação se constitui unicamente na inclusão de valor indevido
na fatura de cartão de crédito de consumidor. Assim como o saque indevido,
também o simples recebimento de fatura de cartão de crédito na qual incluída
cobrança indevida não constitui ofensa a direito da personalidade (honra,
imagem, privacidade, integridade física); não causa, portanto, dano moral
objetivo, in re
ipsa.
Aliás, o STJ já se pronunciou no sentido de que a cobrança indevida de serviço
não contratado, da qual não resultara inscrição nos órgãos de proteção ao
crédito, ou até mesmo a simples prática de ato ilícito não têm por consequência
a ocorrência de dano moral (AgRg no AREsp 316.452-RS, Quarta Turma, DJe
30/9/2013; e AgRg no REsp 1.346.581-SP, Terceira Turma, DJe 12/11/2012). Além
disso, em outras oportunidades, entendeu o STJ que certas falhas na prestação
de serviço bancário, como a recusa na aprovação de crédito e bloqueio de
cartão, não geram dano moral in re
ipsa (AgRg
nos EDcl no AREsp 43.739-SP, Quarta Turma, DJe 4/2/2013; e REsp 1.365.281-SP,
Quarta Turma, DJe 23/8/2013). Portanto, o envio de cobrança indevida não
acarreta, por si só, dano moral objetivo, in
re ipsa,
na medida em que não ofende direito da personalidade. A configuração do dano
moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem
alegadas e comprovadas nos autos. Com efeito, a jurisprudência tem entendido
caracterizado dano moral quando evidenciado abuso na forma de cobrança, com
publicidade negativa de dados do consumidor, reiteração da cobrança indevida,
inscrição em cadastros de inadimplentes, protesto, ameaças descabidas,
descrédito, coação, constrangimento, ou interferência malsã na sua vida social,
por exemplo (REsp 326.163-RJ, Quarta Turma, DJ 13/11/2006; e REsp 1.102.787-PR,
Terceira Turma, DJe 29/3/2010). Esse entendimento é mais compatível com a
dinâmica atual dos meios de pagamento, por meio de cartões e internet, os quais
facilitam a circulação de bens, mas, por outro lado, ensejam fraudes, as quais,
quando ocorrem, devem ser coibidas, propiciando-se o ressarcimento do lesado na
exata medida do prejuízo. A banalização do dano moral, em caso de mera cobrança
indevida, sem repercussão em direito da personalidade, aumentaria o custo da
atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor.
Por outro lado, a indenização por dano moral, se comprovadas consequências
lesivas à personalidade decorrentes da cobrança indevida, como, por exemplo,
inscrição em cadastro de inadimplentes, desídia do fornecedor na solução do
problema ou insistência em cobrança de dívida inexistente, tem a benéfica
consequência de estimular boas práticas do empresário. REsp 1.550.509-RJ, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 3/3/2016, DJe 14/3/2016.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
TJSP CONDENA ASSOCIAÇÃO POR NÃO ADMITIR COMPANHEIRA DE SÓCIA COMO DEPENDENTE
Associação é condenada por não admitir companheira de sócia como
dependente
Fonte: Migalhas
A Associação Desportiva Polícia Militar do Estado de SP - Falcão Azul
deve admitir a inclusão da companheira de uma sócia – com união estável
homoafetiva reconhecida – como dependente.
A decisão é da 6ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, que ainda condenou
o clube a pagar R$ 5 mil de indenização, por danos morais decorrentes da recusa
em acolher o pedido da autora, mesmo com o envio de toda a documentação
necessária.
No caso, a ré alegou que a negativa se deu única e exclusivamente em
razão dos documentos necessários à inclusão de sócios, na qualidade de
dependente, não terem sido apresentados pela autora.
Entretanto, ao analisar a matéria em 2º grau, o relator, desembargador
Paulo Alcides Amaral Salles, adotou os fundamentos da sentença, destacando em
seu voto que os documentos que acompanhavam a inicial não deixaram dúvidas de
que a autora possui toda a documentação necessária a embasar seu pleito.
"Reconhecida a união estável, deve o réu ser obrigado a aceitar a
convivente da autora como dependente. Por esse motivo, entende-se que ficou
configurada a prática de ato ilícito pelo réu, eis que, a recusa da inclusão da
convivente da autora decorre de ato discriminatório, em razão de se tratar de
união estável homoafetiva, já que outra razão não foi apresentada."
·
Processo: 0176477-49.2012.8.26.0100
Confira a decisão.
sábado, 16 de abril de 2016
A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE CORTESIA (CARONA). POR MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO
A responsabilidade civil no transporte de cortesia
(carona)
Marco Aurélio Bezerra de Melo é Mestre em Direito pela Universidade
Estácio de Sá. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil e do Consumidor da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro..
O transporte de
cortesia é um fato social que integra o cotidiano das cidades e dos campos.
Quantas vezes assistimos uma pessoa, dirigindo seu veículo automotor conduzir
gratuitamente o carona, a pedido ou mediante oferecimento, até
determinado local que, muitas vezes, nem é o seu destino final.
Há em determinadas
universidades o incentivo a tal prática, existindo pontos específicos de
carona, assim como revezamento entre colegas de trabalho que moram na mesma
localidade, dentre outros diversos exemplos, inclusive, ocasionais entre pessoas
que sequer se conhecem. Importa apenas que seja efetivamente gratuito, ou seja,
sem remuneração direta ou indireta como, por exemplo, o custeio do combustível.
O direito sempre
teve dificuldade em categorizar essa situação, utilizando-se, em um primeiro
momento, da ideia de que haveria um tipo de transporte gratuito a atrair a
norma jurídica contida no artigo 392 do Código Civil[1], sendo essa orientação defendida, dentre
outros, por Wilson Melo da Silva[2].
Por esse ângulo de
visada, o contrato de transporte seria, em regra, oneroso, admitindo-se a
unilateralidade e gratuidade se assim fosse o querer dos contratantes.
O verbete 145 da
súmula de jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça, aprovada
em período anterior ao Código Civil de 2002, adotou essa linha de pensamento ao
dizer que “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o
transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado
quando incorrer em dolo ou culpa grave”. Orlando Gomes[3], em época bem anterior à atual
codificação, entendia ser justo proporcionar à pessoa que faz um favor a
proteção de somente responder por dolo ou culpa grave.
Adepto dessa tese,
José Fernando Simão[4] lança interessante fundamento no sentido
de que a permanência dessa ótica pode produzir o efeito de fomentar a salutar
prática da carona, uma vez que quem a oferecer somente responderá pelo dano se
ficar provado que o causou por dolo ou culpa grave. Diz o ilustre civilista que
“a carona deve ser estimulada e não punida. Já que o transporte público é
ineficiente, a carona é uma das formas de reduzir o número de carros nas ruas,
e com isso, reduzir o trânsito e melhorar o meio ambiente, sem poluição. É ato de
solidariedade e que faz bem ao meio ambiente”.
Passados mais de
quinze anos de vigência da atual Codificação e a perspectiva de apenas
responsabilizar o motorista que dá carona quando agir com dolo ou culpa grave,
aplicando-se o artigo 392 do Código Civil que dispõe sobre os efeitos dos
contratos gratuitos, continua sendo prestigiada pela jurisprudência pátria no
Superior Tribunal de Justiça[5] e nos Tribunais Estaduais[6].
Com o devido
respeito às opiniões em contrário, o entendimento supra não nos parece o mais
adequado e nem se afina com a orientação da atual codificação. O caput do
artigo 736 do Código Civil coloca a questão no seu devido lugar quando diz que “não
se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por
amizade ou cortesia”.
Se não há
subordinação é porque não se trata de contrato de transporte e sim um fato
social que apenas receberá a incidência de alguma norma jurídica se o motorista
causar dano ao carona pelo cometimento de ato ilícito culposo, ou seja,
se proceder com negligência ou imprudência ao dirigir o veículo automotor,
sendo tal comportamento a causa do dano[7].
Mesmo antes da
vigência do atual Código Civil, Mário Moacyr Porto[8] demonstrara que a doutrina e
jurisprudência francesa já tinham abandonado a contratualização do transporte
de favor ou cortesia e se posicionava por entender artificioso e forçado
“pretender que os gestos de pura cortesia possam ser catalogados como autênticos
contratos”. Em adendo a tal assertiva, traz instigante ilustração,
reflexionando que se um amigo é convidado para jantar e aceita, há um acordo de
vontades para determinado fim, “mas nunca um contrato para … jantar”.
Enfim, a nosso
sentir, não há necessidade de prova de culpa grave ou dolo para o fim de
responsabilização civil do motorista, na forma como o artigo 736 do Código
Civil tratou a questão. A culpa, em qualquer de seus graus, será o suficiente,
devendo ser aplicada a regra geral da responsabilidade civil aquiliana com a
combinação dos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil[9], aplicando-se a vetusta regra cunhada por
Ulpiano do in lege aquilia et levissima culpa venit (a lei aquilia
aplica-se até na culpa levíssima), máxima a que Pontes de Miranda[10] com a argúcia costumeira denominou de
“princípio da suficiência de qualquer culpa”.
Sob o ponto de
vista da vítima do dano, esse último entendimento parece mais justo e
consentâneo com a ordem legal e constitucional que asseguram ao cidadão
ofendido a reparação do dano que aqui se fará sem as incertezas e inseguranças
da demonstração do grau de culpa exacerbado do motorista.
[1] Art. 392. Nos contratos
benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato
aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos,
responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.
[4] José Fernando Simão. Quem
tem medo de dar carona? Mobilidade urbana e o transporte gratuito. Disponível
em http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/quem-tem-medo-de-dar-carona-mobilidade-urbana-e-o-transporte-gratuito/14373.
[5] Informativo nº
423/2010. Terceira Turma Responsabilidade Civil. Cortesia.
Transporte. A Turma decidiu que, no caso de transporte desinteressado, de
simples cortesia, só haverá possibilidade de condenação do transportador
mediante a prova de dolo ou culpa grave (Súm. n. 145-STJ). Outrossim, responde
por culpa grave o condutor de veículo que transporta passageiro gratuitamente,
de forma irregular, em carroceria aberta de caminhão, em que é previsível a
ocorrência de graves danos, mesmo crendo que não acontecerão. No caso, não cabe
a pretendida redução da condenação, por não ter sido apontada a lei vulnerada
pelo acórdão recorrido, razão pela qual incide a Súm. n. 284-STF por analogia. REsp 685.791-MG, Rel. Min. Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 18/2/2010.
[6] Responsabilidade civil.
Acidente fatal de trânsito. Transporte gratuito ou de cortesia (carona), em
automóvel GM Corsa, de propriedade do primeiro réu, conduzido, por ocasião do
sinistro, pelo segundo. Ação de indenização por danos materiais e morais.
Sentença de improcedência, com apelo só dos dois autores (pais). Intelecção
da Súmula 145, do C. STJ. Só se poderia condenar os réus ao pagamento das
indenizações pleiteadas, caso comprovada a existência de dolo ou culpa grave. Aplicação
do art. 333, I, do CPC. Mantida a r. decisão monocrática, por seus próprios
fundamentos. Nega-se provimento ao apelo dos demandantes. (TJSP, 27ª Câmara de
Direito Privado, Apelação nº 0001896-84.2013.8.26.0370, Rel. Des. Campos
Petroni, julg. em 26/01/2016).
[9] No mesmo sentido: Pontes
de Miranda. Tratado de Direito Privado, Vol. 45. 1954, p. 23/24; Renan
Lotufo. O Contrato de Transporte de Pessoas no Novo Código Civil. in
Revista de Direito do Consumidor, vol. 43, 2002, p. 205/214; Flávio
Tartuce. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 10ª ed.
2015, p. 618; Em sentido contrário, prestigiando a súmula 145 do STJ e o artigo
392, do Código Civil para o caso: Gustavo Tepedino. Comentarios ao
Código Civil. Vol. X. 2008, p. 527/528; José Maria Trepat Cases. Código
Civil Comentado. Vol. VIII. 2003, p. 164; Paulo Jorge Scartezzini
Guimarães. Dos Contratos de Hospedagem, De Transporte de Passageiros e
de turismo. 2ª ed. 2010, p. 88/89; Araken de Assis. Obra citada, p.
359; Humberto Theodoro Júnior. Humberto Theodoro Júnior. Do
transporte de pessoas no novo Código Civil. in Revista Forense, Vol. 367,
2003, p. 103. Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado.
Parte Geral. Vol. 2. 1954, p. 263. Cláudia Lima Marques;
Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem. Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor. 3ª ed. 2010, p. 158.
sexta-feira, 15 de abril de 2016
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