quarta-feira, 13 de abril de 2016

PROJETO DE LEI 757/2015. ALTERA O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, HARMONIZANDO-O COM O NOVO CPC.

Prezados Leitores do Blog. 


Segue abaixo o inteiro teor do Projeto de Lei n. 757/2015, em trâmite no Senado Federal, que visa alterar modificações feitas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, harmonizando-o com o Novo CPC.
Tenho a honra de ser um dos doutrinadores citados no texto.
Boa leitura e boas reflexões.
Professor Flávio Tartuce
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 757, DE 2015



Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para dispor sobre a igualdade civil e o apoio às pessoas sem pleno discernimento ou que não puderem exprimir sua vontade, os limites da curatela, os efeitos e o procedimento da tomada de decisão apoiada.
CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei tem por finalidade harmonizar dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto das Pessoas com Deficiência) e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, relativos à capacidade das pessoas com deficiência e das demais pessoas para praticar os atos da vida civil, bem como às condições para exercício dessa capacidade, com ou sem apoio.
Art. 2º Ficam revogados os incisos II, IV, VI e VII do art. 123 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, e as alterações promovidas pelo art. 114 dessa lei nos arts. 3º, 4º, 1.548, 1.767, 1.769 e 1.777 da Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002.
Art. 3º O inciso II do art. 1.072 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.072. ...
II – os arts. 227, caput, 229, 230, 456, 1.482 e 1.483 da Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
... (NR)”
Art. 4º O inciso II do art. 3º, o inciso II e o parágrafo único do art. 4º, o inciso I do art. 1.548 e os arts. 1.767, 1.769, 1.772 e 1.777 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º ...
II – os que, por qualquer motivo, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
... (NR)”
“Art. 4º ...
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por qualquer causa, tenham o discernimento severamente reduzido;
III – (revogado);
...
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (NR)”
“Art. 1.548. ...
– por incapaz, ressalvado o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 1.772;
... (NR)”
 “Art. 1.767. Estão sujeitas à curatela os incapazes de que tratam: I – os incisos II e III do art. 3º;
II – os incisos II e IV do art. 4º. (NR)”
“Art. 1.769. O Ministério Público somente promoverá o processo que define os termos da curatela:
I – nos casos de doença mental ou de deficiência que comprometam severamente o discernimento ou tornem a pessoa incapaz de manifestar a própria vontade.
...
III – se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no inciso II. (NR)”
“Art. 1.772. O juiz determinará, segundo a capacidade de fato da pessoa de compreender direitos e obrigações e de manifestar a própria vontade, os limites da curatela, buscando equilíbrio entre a maior esfera
possível de autonomia dessa pessoa e as limitações indispensáveis à proteção e à promoção de seus interesses.
§ 1º Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de
influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa.
§ 2º Excepcionalmente, o juiz poderá estender os limites da curatela para atos de caráter não patrimonial, inclusive para efeito de casamento,
quando constatar que a pessoa não tiver discernimento suficiente para a prática autônoma desses atos.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá condicionar a prática de determinados atos não patrimoniais a uma prévia autorização
judicial, que levará em conta o melhor interesse do curatelado. (NR)”
“Art. 1.777. As pessoas incapazes sujeitas à curatela receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que as afaste desse convívio. (NR)”
Art. 5º A Seção II do Capítulo II do Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e o art. 1.780 da mesma lei passam a vigorar com a seguinte redação:
“Seção II
Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou da Pessoa com Deficiência
...
Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou da pessoa com deficiência, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou de alguns de seus negócios ou bens. (NR)”
Art. 6º Os arts. 747 e 748 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 747. A interdição pode ser promovida pelas pessoas indicadas no art. 1.768 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Parágrafo único.... (NR)”
Art. 748. O Ministério Público só promoverá interdição no caso do art. 1.769 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. (NR)”
Art. 7º O art. 85 da Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 85. A curatela das pessoas com deficiência será limitada ao aspectos considerados estritamente necessários para a defesa e a promoção de seus interesses, preferencialmente limitando-se aos atos e negócios jurídicos de natureza patrimonial, respeitada a maior esfera possível de autonomia para os atos da vida civil.
...
§ 4º As limitações previstas no § 1º deste artigo não se aplicam nas hipóteses excepcionalíssimas do art. 1.772 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. (NR)”
Art. 8º O art. 1.783-A da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, nos termos do disposto no art. 116 da Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015, fica acrescido dos seguintes §§ 12, 13 e 14:
Art. 116...
Art. 1.783-A. ...
...
§ 12. Os negócios e os atos jurídicos praticados pela pessoa apoiada sem participação dos apoiadores são válidos, ainda que não tenha sido adotada a providência de que trata o § 5º deste artigo.
§ 13. Excepcionalmente, não será devida a tomada de decisão apoiada quando a situação da pessoa exigir a adoção da curatela.
§ 14. A tomada de decisão apoiada não será registrada nem averbada no Registro Civil de Pessoas Naturais. (NR)’”
Art. 9º A Seção X do Capítulo XV do Título III do Livro I da Parte Especial da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 763-A:
Art. 763-A. Aplica-se, no que couber, o disposto nas Seções IX e X do Capítulo XV do Título III deste Código ao processo de tomada de decisão apoiada.
Parágrafo único. Se o juiz entender que não estão presentes os requisitos legais da tomada de decisão apoiada, poderá, se for o caso, definir a curatela.”
Art. 10 O art. 127 da Lei nº 13.146, de 6 julho de 2015, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 127. Esta Lei entra em vigor em 17 de março de 2016. (NR)”
Art. 11. Fica revogado o inciso III do art. 4º da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação
oficial.
JUSTIFICAÇÃO
1. Da urgência da proposição
A presente proposição objetiva retificar, a tempo, gravíssima falha que, a partir de janeiro de 2016, causará enormes prejuízos às pessoas que, por qualquer causa, tenham discernimento reduzido ou não tenham plena capacidade de manifestar a própria vontade.
Com efeito, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) foi publicada recentemente em 7 de julho de 2015, e entrará em vigor após 180 dias de sua publicação. Sem esquecer os muitos méritos desse diploma legal, enquanto não forem sanados os equívocos que esta proposição pretende corrigir, poderão ocorrer incalculáveis danos jurídicos às pessoas que, por qualquer causa – relacionada ou não com deficiência –, precisam de apoio para praticar os atos formais da vida civil.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi, sem dúvida, um dos maiores avanços legislativos brasileiros em matéria de proteção, valorização e inclusão das pessoas com deficiência, mas, provavelmente em razão da vasta dimensão dos seus 127 artigos, acabou por veicular lapsos e inconsistências legislativas que deixarão juridicamente desprotegidas pessoas desprovidas do mínimo de lucidez ou de capacidade comunicativa.
Não nos referimos apenas às pessoas com discernimento intelectual reduzido, mas especialmente àquelas em profundo grau de obnubilação.
Não se propõe, aqui, restabelecer qualquer espécie de preconceito ou de discriminação contra as pessoas com deficiência – a maioria das quais é perfeitamente apta para exercer plenamente a sua autonomia na vida civil. O que se pretende é garantir que quaisquer pessoas, com ou sem deficiência, tenham garantido o apoio de que porventura necessitem para a prática dos atos da vida civil, conforme determina o art.
12.3 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o qual assim dispõe:
3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal.
Alguns aspectos do Estatuto, todavia, são extremamente problemáticos e não refletem adequadamente o disposto na citada Convenção. Renomados civilistas vêm denunciando isso por meio de textos divulgados na internet, como:
a) o professor José Fernando Simão (no seu texto “Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade”), o qual chega a apontar que, no tocante à pretensão do Estatuto em tornar capaz quem não possui o mínimo discernimento cognitivo ou a mínima condição de exprimir a vontade, o “descompasso entre a realidade e a lei será catastrófico”, visto que, “com a vigência do Estatuto, tais pessoas ficam abandonadas à própria sorte, pois não poderão ser representadas, pois são capazes por ficção legal”;
b) o professor e juiz Atalá Correia (no seu texto “Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas”), que demonstra perplexidade diante de imprecisões do Estatuto no Direito Civil e assevera que “a pessoa que se tornou deficiente por moléstia incurável e que não consegue escrever seu nome não passará, após a vigência da lei, a manifestar sua vontade”;
c) o professor Flávio Tartuce (no seu texto “Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015”), que, confessando que “tudo está muito confuso, deixando-nos perdidos”, prognosticou que, se nada for modificado, os juristas terão trabalho “grande e intenso nos próximos anos, com o fim de sanar todas essas controvérsias e curar os feridos pelos atropelamentos da lei”; e
d) o professor e juiz Vitor Frederico Kümpel em conjunto com o jurista Bruno de Ávila Borgarelli (no seu texto “As aberrações da Lei 13.146/2015”), que, com vocabulário aterrador, sublinham, em relação ao Estatuto, que “o seu pretenso alvo de proteção é, ao mesmo tempo, sua maior vítima!”.
2. Mecanismos de proteção jurídica dos incapazes (arts. 3º e 4º da presente proposição)
Atualmente, a legislação envolve as pessoas desprovidas de discernimento total ou parcial (por serem incapazes) com um robusto arsenal de proteção jurídica aos incapazes, a exemplo destes casos:
a) Invalidade dos negócios e atos jurídicos praticados pelos incapazes sem assistência ou representação do curador (arts. 166, I, 171, I, 185 e 1.767 e seguintes do Código Civil);
b) Nulidade do casamento (e, por consequência, de eventual união estável) no caso de total falta de discernimento (arts. 1.548, I, e 1.727 do Código Civil);
c) Suspensão do prazo de prescrição e de decadência contra o absolutamente incapaz (arts. 198, I, e 208 do Código Civil);
d) Descabimento de repetição de indébito contra o incapaz no caso de invalidação do negócio jurídico, salvo prova de proveito dele (arts. 181, 588 e 589 do Código Civil);
e) Invalidade da quitação dada pelo incapaz (art. 310 do Código Civil).
f) Inexigibilidade de aceitação da doação pura pelo absolutamente incapaz (art. 543 do Código Civil).
g) Direito do incapaz de pedir a devolução do valor pago em jogo ou aposta (art. 814 do Código Civil);
h) Responsabilidade civil subsidiária com valor de indenização fixado com base na equidade e na garantia de sobrevivência do incapaz (art. 928 do Código Civil).
Como o Estatuto da Pessoa com Deficiência excluiu do rol de incapazes as pessoas que não possuem discernimento intelectual adequado, todas essas proteções jurídicas não estão mais disponíveis a essas pessoas, com ou sem deficiência.
Em outras palavras, se o Estatuto entrar em vigor sem qualquer retificação, acontecerá o seguinte: se uma pessoa – por qualquer motivo que seja – imergir em um estado de total ausência de lucidez mental (como casos de pessoas que perdem totalmente a memória ou que avocam para si identidade misteriosa por conta de delírios, ou que estiverem em plena confusão mental causada por lesão cerebral ou trauma psicológico), ela, por exemplo:
a) poderá celebrar um contrato de empréstimo e de doação em favor de terceiros, sem possibilidade de reivindicar a invalidade dessas avenças;
b) poderá ser manipulada por uma pessoa que, apesar de não lhe tributar qualquer afeto, conseguirá dela uma declaração positiva de casamento em um momento em que aparentará uma falsa lucidez perante a autoridade celebrante do casamento, caso em que o casamento não poderá ser invalidado por falta de previsão legal;
c) perderá direitos e pretensões por conta da decadência e da prescrição;
d) terá de restituir os valores que, em estado de confusão mental, despendeu com questões não proveitosas, no caso de invalidação de negócio;
e) poderá dar quitação de dívidas pagas, ainda que não tenha lucidez para compreender os efeitos jurídicos desse ato;
f) terá de manifestar aceitação para receber uma doação pura por exigência da lei, embora não tenha condições práticas, reais, para tanto;
g) não poderá recuperar os valores que tenha perdido em jogos, ainda que a sua falta de lucidez o tenha arremessado em um estado de gastança compulsiva e irresponsável, do qual pessoas inescrupulosas costumam saber se aproveitar;
h) responderá direta, exclusiva e integralmente por todos os danos que causar, ainda que tais danos tenham decorrido de eventual surto proveniente de situação de transtorno mental;
i) será obrigada a cumprir deveres previamente contraídos ainda que não tenha discernimento ou capacidade comunicativa alguma, ou seja, não tenha condições objetivas de praticar esses atos;
j) não conseguirá constituir advogado para se defender em juízo caso venha a ser acusada ou demandada, justa ou injustamente, pois será presumida juridicamente capaz, ainda que não tenha capacidade real de compreender ou de agir, inclusive para outorgar procurações.
Enfim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, se entrar em vigor sem retificações, recolherá o manto protetor que o Direito reservou para as pessoas sem discernimento ou sem capacidade de manifestar a própria vontade, não importando se essas condições resultam de deficiência, de enfermidade ou de qualquer outra causa.
Para impedir essa tragédia jurídica, propõem-se ajustes no Estatuto da Pessoa com Deficiência, no Código Civil e no Código de Processo Civil, sem vincular automaticamente a condição de pessoa com deficiência a qualquer presunção de incapacidade, mas garantindo que qualquer pessoa com ou sem deficiência tenha o apoio de que necessite para os atos da vida civil.
É importante lembrar que as pessoas sem discernimento não se confundem com as pessoas que "por causa transitória ou permanente puderem exprimir sua vontade” (texto proposto pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ao inciso III do art. 4º do Código Civil). Essas últimas envolvem casos de pessoas que, embora possam ter pleno discernimento, estão impossibilitadas de expressar sua vontade por algum motivo de saúde, a exemplo de um estado de coma hospitalar. Nesses casos, a pessoa não tem condição alguma de exprimir sua vontade, de maneira que jamais poderia ser considerada relativamente incapaz, dada a sua impossibilidade de praticar atos da vida civil sob assistência. Por essa razão, essas pessoas devem ser consideradas absolutamente incapazes, como sucede atualmente, para que possam ser representadas na defesa de seus interesses.
E não se deixe de enfatizar! Em nenhum momento, a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, incorporada pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, pretendeu abolir as proteções jurídicas dadas às pessoas que possuem discernimento significativamente limitado, por deficiência ou por qualquer outra causa. Pelo contrário, o espírito da Convenção é no sentido de garantir que as pessoas com deficiência não sofram discriminação motivada por essa condição, mas tenham acesso aos mesmos mecanismos de apoio disponíveis para quaisquer outras pessoas. Infelizmente, em vez de adaptar o Código Civil aos comandos da Convenção, o Estatuto da Pessoa com Deficiência eliminou garantias que favorecem pessoas com ou sem deficiência que precisam de assistência.
Ora, o que a Convenção condena, com veemência, é que uma pessoa não possa exercer seus direitos apenas porque tem deficiência, de maneira que seria absurdo considerar civilmente incapaz uma pessoa com deficiência física motora ou sensorial, ou mesmo muitas pessoas com deficiência intelectual, que não necessariamente têm comprometimento das habilidades de compreensão ou de raciocínio, podendo ter, por exemplo, déficits relativos apenas em habilidades sociais, comunicativas ou de cuidados pessoais.
Todavia, no caso de pessoas que não possuem o discernimento mínimo para autodeterminar-se, o ordenamento jurídico precisa protegê-la com razoabilidade e de modo muito excepcional, impedindo, por exemplo, que ela – por um ato de desvario decorrente de um surto – perca todo o seu patrimônio com um negócio jurídico celebrado, ou seja prejudicada por não ter condições de compreender os riscos inerentes a alguns negócios, ou ainda fique indefesa diante de ataques aos seus interesses, por não ter condições de agir em defesa de si mesma e não ter representante que o faça em seu nome.
A presente proposição busca proteger essas pessoas que não se comunicam ou não possuem discernimento suficiente, independentemente de a sua carência de lucidez decorrer de deficiência ou de qualquer outro motivo.
E mais. Desconhecem-se países que tenham deixado ao relento as pessoas sem adequado discernimento. Pelo contrário, nos Estados Unidos da América, na Alemanha, no Reino Unido e na Suécia, por exemplo, continua sendo concedido tratamento legislativo especial para essas pessoas. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, num evidente contrassenso, fará o Brasil ser um dos poucos países do mundo que não apoia e não protege as pessoas sem a mínima lucidez. Num retrocesso inadmissível, tanto negaria às pessoas com deficiência o apoio de que porventura possam necessitar quanto declararia civilmente capazes quaisquer pessoas que, com ou sem deficiência, estão de fato inaptas para exercer sozinhas os atos da vida civil.
3. Risco de revogação de regras do Estatuto da Pessoa com Deficiência em razão de conflitos com o novo Código de Processo Civil: a harmonização das normas e a questão da vacatio legis (arts. 3º, 4º, 6º e 10)
3.1. A harmonização das normas (arts. 3º, 4º e 6º)
O Estatuto da Pessoa com Deficiência entrará em vigor em janeiro de 2016; todavia, poucos meses depois, em março, entrará em vigor o novo Código de Processo Civil (CPC).
Ora, pelo critério cronológico, que disciplina as regras de lei no tempo, a norma posterior revoga a anterior naquilo que for incompatível, conforme art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Em outras palavras, o novo CPC revogará tacitamente dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência por conta de incompatibilidades, como no que diz respeito aos legitimados para a promoção do processo de definição da curatela. Vários juristas, como Flávio Tartuce, chegam a falar em atropelamento legislativo para se reportar a essa revogação parcial do Estatuto pelo novo CPC. Além do mais, o novo CPC não terá disciplina expressa quanto ao instituto da tomada de decisão apoiada, que o Estatuto da Pessoa com Deficiência pretende inaugurar no ordenamento jurídico brasileiro.
Para evitar esse transtorno decorrente de desencontros legislativos, é forçoso reajustar o texto de dispositivos do novo CPC para tentar eliminar essas antinomias e suprir lacunas, missão de que a proposição em pauta se desincumbe por meio dos seus arts. 3º, 4º e 6º.
3.2. A questão da vacatio legis (art. 10)
Para evitar confusões doutrinárias por conta de outras possíveis antinomias que possam ser identificadas entre o novo CPC e o Estatuto da Pessoa Deficiência, convém prorrogar, por apenas dois meses, a vacatio legis desse último diploma legal, para que a sua entrada em vigor ocorra no mesmo dia em que novo CPC.
Com essa providência, eventuais antinomias existentes entre os dois diplomas não serão resolvidas pelo critério cronológico, de maneira que não se poderá falar em revogação do Estatuto da Pessoa com Deficiência pelo novo CPC.
Por essa razão, a presente proposição, no seu art. 10, reposiciona o marco inicial da entrada em vigor do Estatuto para a mesma data de encerramento da vacatio legis do novo CPC.
4. Tomada de decisão apoiada: necessidade de esclarecimentos (arts. 8º e 9º)
O instituto da Tomada de Decisão Apoiada será inaugurado no direito brasileiro pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Acontece que a disciplina legal desse instituto tem algumas omissões que poderão causar confusões nos juristas, razão por que a presente proposição, nos seus arts. 8º e 9º, faz pequenos ajustes para enfatizar o caráter preferencial desse instituto, indicar o caminho processual de sua implementação e para delinear as suas consequências jurídicas, tudo dentro do espírito que inicialmente inspirou o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
5. Curatela do nascituro e do enfermo ou da pessoa com deficiência (art. 5º)
O Código Civil não reserva a curatela a casos de incapacidade civil, mas também o admite em outras situações em que a gestão dos negócios de uma pessoa precisava estar, por imperativo físico, aos cuidados de outrem. Um exemplo é o ausente, que, por estar desaparecido, depende de um curador para a gestão de seus bens, conforme o art. 22. 
Um caso de curatela que não deve ser revogado é a hipótese facultativa do art. 1.780 do Código Civil, que defere às pessoas com deficiência ou enfermidade a faculdade (e não a obrigatoriedade) de pedir ao juiz a nomeação de curador para a gestão de alguns ou de todos os seus negócios ou bens. Por exemplo, uma pessoa que, em razão de deficiência, tenha dificuldade para desempenhar sozinha os atos da vida civil, poderia pedir a nomeação de um curador que cuidaria dos seus negócios, com os limites aplicáveis e sob a devida fiscalização (como o dever de prestar contas). Nesse exemplo, embora a pessoa não seja incapaz, a lei dá uma ferramenta para facilitar o exercício dos atos da vida civil.
É preciso, no entanto, adaptar o referido art. 1.780 do Código Civil à nomenclatura e à nova realidade normativa, o que se logra fazer no art. 5º da presente proposição, inclusive porque as deficiências físicas são, de modo geral, as que menos afetam as habilidades relativas ao discernimento e à comunicação.
6. Conclusão
Trata-se de proposição urgentíssima, que reivindica a adesão célere dos nobres Congressistas para retificação do Estatuto da Pessoa com Deficiência antes de serem causados prejuízos incalculáveis às pessoas que, por falta de discernimento suficiente ou de mínima capacidade comunicativa, resultante de deficiência ou de qualquer outra causa, precisam de apoio para praticar os atos jurídicos formais da vida civil.
Sala das Sessões,
Senador Antonio Carlos Valadares
PSB-SE
Senador Paulo Paim 
PT-RS

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