quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

RESUMO. INFORMATIVO 616 DO STJ. O PRIMEIRO DO ANO DE 2018

RESUMO. INFORMATIVO 616 DO STJ.
SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO
EREsp 1.508.190-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 08/11/2017, DJe 20/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Embargos de divergência. Seguro de vida em grupo e acidentes pessoais. Aposentadoria por invalidez. Presunção relativa da incapacidade. Perícia médica. Necessidade.
DESTAQUE
A aposentadoria por invalidez permanente concedida pelo INSS não confere ao segurado o direito automático de receber indenização de seguro contratado com empresa privada, sendo imprescindível a realização de perícia médica para atestar o grau de incapacidade e o correto enquadramento na cobertura contratada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Segunda Seção do STJ, em apreciação aos embargos de divergência, ratificou orientação já consolidada pelas Turmas responsáveis pela uniformização das matérias relativas a Direito Privado, no sentido de que o reconhecimento por parte do órgão previdenciário oficial de que o segurado faz jus à aposentadoria por incapacidade laboral não o exonera de fazer a demonstração de que efetivamente se encontra inválido, total ou parcialmente, para fins de percepção da indenização fundada em contrato de seguro privado. O Ministro Relator salientou que, conquanto o contrato de seguro preveja cobertura para incapacidade por acidente ou por doença, se existir controvérsia quanto à natureza (temporária ou permanente) e à extensão (total ou parcial) da invalidez sustentada pelo segurado, é de rigor a produção de prova pericial médica, sob pena de cerceamento de defesa. Isso porque a concessão de aposentadoria por invalidez pelo INSS não induz presunção absoluta da incapacidade total do segurado, não podendo, dessa forma, vincular ou obrigar as seguradoras privadas. Aliás, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), perfilhando tal posicionamento, normatizou a matéria no art. 5º, parágrafo único, da Circular n. 302/2005, dispondo que a aposentadoria por invalidez concedida por instituições oficiais de previdência, ou assemelhadas, não caracteriza por si só o estado de invalidez permanente nos seguros de pessoas (Cobertura de Invalidez Permanente por Acidente - IPA, Cobertura de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença - ILPD e Cobertura de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença - IFPD), devendo a comprovação se dar através de declaração médica.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.591.298-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 21/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Embargos à execução. Pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar. Impenhorabilidade reconhecida. Executado que não reside no imóvel e débito que não se relaciona à atividade produtiva. Circunstâncias irrelevantes.
DESTAQUE
A impenhorabilidade da pequena propriedade rural não exige que o débito exequendo seja oriundo da atividade produtiva, tampouco que o imóvel sirva de moradia ao executado e à sua família.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O art. 5º, XXVI da Constituição Federal estabelece que "a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento". Em consecução do mandamento constitucional acima referido, o Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 649, VIII, preceituou ser absolutamente impenhorável a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família (com redação similar, o art. 833, VIII, do CPC/2015). Ademais, é evidente que não passou despercebido do constituinte originário o fato de que o desenvolvimento da atividade agrícola (sujeita às mais variadas intempéries de tempo e circunstâncias outras), cujo propósito é o de viabilizar o sustento do agricultor e de sua família — e, não, propriamente, o de gerar lucros —, demandaria, com certa frequência, a utilização de financiamentos. A especial menção deveu-se, assim, à necessidade de se salientar que, nem mesmo a dívida oriunda da atividade produtiva, teria o condão de autorizar a constrição judicial da pequena propriedade rural. Deste modo, essas normas citadas estabelecem como requisitos únicos para obstar a constrição judicial sobre a pequena propriedade rural: i) que a dimensão da área seja qualificada como pequena, nos termos da lei de regência; e ii) que a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua família. Conclui-se, portanto, que, nos termos dos arts. 5º, XXVI, c/c o art. 649, VIII, do CPC/1973 (art. 833, VIII, do CPC/2015), a proteção da impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar, como direito fundamental que é, não se restringe às dividas relacionadas à atividade produtiva. De igual modo, não se exige que o imóvel seja a moradia do executado, impõe-se, sim, que o bem seja o meio de sustento do executado e de sua família, que ali desenvolverá a atividade agrícola.
PROCESSO
REsp 1.677.772-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Protesto de cheques prescritos. Irregularidade. Higidez da dívida. Possibilidade de manejo de ação de cobrança fundada na relação causal e de ação monitória. Abalo de crédito inexistente. Dano moral não caracterizado.
DESTAQUE
O protesto irregular de cheque prescrito não caracteriza abalo de crédito apto a ensejar danos morais ao devedor, se ainda remanescer ao credor vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cumpre ressaltar, inicialmente, que o apontamento de cheque a protesto mostra-se viável dentro do prazo da execução cambial – que é de 6 (seis) meses contados da expiração do prazo de apresentação –, desde que indicados os devedores principais (emitente e seus avalistas). Em relação aos coobrigados (endossantes e respectivos avalistas), o art. 48 da Lei n. 7.347/1985 impõe que o aponte a protesto seja realizado no prazo para apresentação do título ao sacado. Não observados esses prazos, perde o portador o direito de sujeitar à ação cambial executiva os coobrigados. Nada obstante, permanece ao credor a faculdade de protestar o cheque, indicando o nome dos devedores principais (emitente e respectivos avalistas), enquanto o título se revestir dos requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade, ou seja, enquanto não prescrita a ação cambiária executiva – orientação essa consolidada pelo STJ por ocasião do julgamento do recurso especial repetitivo n. 1.423.464-SC. Especificamente quanto ao protesto considerado "indevido", não se desconhece a existência de julgados deste Tribunal que afirmam que o dano moral, nessa situação, se caracteriza in re ipsa. Todavia, a jurisprudência desta Corte, de um modo geral, vem evoluindo para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias, afastando o caráter absoluto da presunção de existência de dano moral indenizável. No âmbito do protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está inequivocamente atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de "mau pagador" perante a praça. Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há se falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.Nesse contexto, enquanto remanescer ao credor a faculdade de cobrança da dívida – seja por meio do ajuizamento de ação cambial por locupletamento ilícito, de ação de cobrança fundada na relação causal, e ainda, de ação monitória – permanece o devedor na condição de inadimplente, razão pela qual não está caracterizado abalo de crédito apto a ensejar dano moral.
PROCESSO
REsp 1.644.405-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 09/11/2017, DJe 17/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Aquisição de pacote de biscoito com corpo estranho no recheio de um dos biscoitos. Não ingestão. Levar à boca. Exposição do consumidor a risco concreto de lesão à saúde e segurança. Fato do produto. Existência de dano moral.
DESTAQUE
O simples "levar à boca" do alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O objeto do debate consiste em analisar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária sua ingestão ou se o simples fato de levar tal resíduo à boca é suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa. De pronto, verifica-se que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto de gênero alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física. No entanto, na hipótese analisada, há a peculiaridade de não ter havido ingestão, ainda que parcial, do produto contaminado, visto que, conforme estabelecido no acórdão recorrido, o corpo estranho – um anel indevidamente contido em uma bolacha recheada – esteve prestes a ser engolido por criança de 8 anos, sendo cuspido no último instante. É necessário, assim, indagar se a hipótese dos autos alberga um mero vício (de qualidade por inadequação, art. 18, CDC) ou, em verdade, um defeito/fato do produto (vício de qualidade por insegurança, art. 12, CDC). Registre-se que um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros – o que aconteceu no caso em tela, pois o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o consumidor a risco, na medida em que, levando-o à boca por estar encoberto pelo produto adquirido, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto. Nesse contexto, verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do art. 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança à risco concreto.
PROCESSO
REsp 1.653.421-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 13/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Sociedade limitada. Ação de dissolução parcial. Sócio majoritário. Prática de falta grave. Exclusão. Iniciativa dos sócios minoritários. Dispensa da maioria de capital social. Possibilidade.
DESTAQUE
quorum deliberativo para exclusão judicial do sócio majoritário por falta grave no cumprimento de suas obrigações deve levar em conta a maioria do capital social de sociedade limitada, excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se, na origem, de ação de dissolução parcial de sociedade limitada proposta pelo espólio do sócio falecido, em que se alega a quebra da affectio societatis e a prática de concorrência desleal pelo sócio administrador. Na hipótese analisada, não há discussão a respeito da efetiva quebra da affectio societatis, girando a controvérsia apenas quanto à necessidade de interpretação do art. 1.030 do CC/02 de forma conjunta ao art. 1.085 do mesmo diploma legal, exigindo-se, portanto, a iniciativa dos sócios detentores da maioria do capital social para a exclusão por falta grave. Sobre o tema cumpre salientar que, nos termos do Enunciado n. 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, "o quorum de deliberação previsto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples". Segundo a doutrina, "a maioria será computada excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar. Se o sócio a ser excluído detém a maioria do capital social da sociedade, a sua exclusão poderá, em tese, se dar por decisão dos sócios restantes, ou seja, por decisão dos sócios minoritários". Frise-se que interpretação diversa redundaria na impossibilidade de exclusão judicial do quotista majoritário, por mais nocivos que fossem os seus atos em relação aos interesses e objetivos da sociedade, o que, em determinados aspectos, não se coaduna com o princípio da preservação da empresa. Assim, o caput do art. 1.030 do Código Civil, ao dispor que a exclusão judicial de sócio majoritário por falta grave é de "iniciativa da maioria dos demais sócios", determina que apenas as quotas dos sócios minoritários sejam consideradas, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir. Desse modo, na exclusão judicial de sócio em virtude da prática de falta grave não incide a condicionante prevista no art. 1.085 do CC/02, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.
QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.689.152-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO CIVIL
TEMA
Dissolução de união estável. Partilha de bens. Companheiro sexagenário. Súmula 377 do STF. Bens adquiridos na constância da união estável. Partilha igualitária. Demonstração do esforço comum dos companheiros para legitimar a divisão. Necessidade. Prêmio de loteria. Fato eventual ocorrido na constância da união estável. Necessidade de meação.
DESTAQUE
O prêmio de loteria, recebido por ex-companheiro sexagenário, durante a relação de união estável, deve ser objeto de meação entre o casal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal consiste em definir se, numa dissolução de união estável de companheiro sexagenário, é necessário, para fins de partilha, a prova do esforço comum, bem como se o prêmio de loteria, ganho no período da relação conjugal, é comunicável ao parceiro. No caso em exame, a lide ganha especial relevo por envolver sexagenário ao qual, por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), era imposto o regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei n. 12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70 anos). Nos ditames da súmula 377 do STF, aplicada ao caso em concreto, "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento" e, por conseguinte, apenas os bens adquiridos na constância da união estável devem ser amealhados pela companheira. A partir de uma interpretação autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso também estabeleceu que somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso, companheiros) é que se defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime legal ou convencional (RTJ 47/614). Dessa forma, a ex-companheira fará jus à meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o esforço comum. No entanto, em relação ao prêmio lotérico, por se tratar de bem comum, em regra, ocorre sua comunicabilidade em favor do casal, sendo que tal benesse não se confunde com as aquisições a título gratuito, por doação, herança ou legado, que integram o patrimônio pessoal do donatário (CC, art. 1.659). A loteria ingressa na comunhão sob a rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II). Com isso, no caso em que o prêmio de loteria foi recebido por sexagenário durante relação de união estável, é de se observar que este deve ser objeto de partilha com a ex-companheira pelas seguintes razões: a) é bem comum que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um, pouco importando se houve ou não despesa do accipiens; b) o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade; c) a comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de bens, sendo que aquele de separação legal do sexagenário é diverso do regime de separação convencional; d) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por interesse ou em união meramente especulativa.
PROCESSO
REsp 1.348.532-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 30/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO
TEMA
Ação civil pública. Cartão de crédito. Cláusulas abusivas. Compartilhamento de dados pessoais. Necessidade de opção por sua negativa. Desrespeito aos princípios da transparência e confiança.
DESTAQUE
É abusiva e ilegal cláusula prevista em contrato de prestação de serviços de cartão de crédito que autoriza o banco contratante a compartilhar dados dos consumidores com outras entidades financeiras ou mantenedoras de cadastros positivos e negativos de consumidores, sem que seja dada opção de discordar daquele compartilhamento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cabe registrar que a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça editou a Portaria n. 5, de 28/8/2002, ampliando o leque de cláusulas abusivas constante no art. 51 do Código do Consumidor, passando a considerar abusiva, nos termos de seu art. 1º, nos contratos de fornecimento de produtos e serviços, a cláusula que: I - autorize o envio do nome do consumidor, e/ou seus garantes, a bancos de dados e cadastros de consumidores, sem comprovada notificação prévia; II - imponha ao consumidor, nos contratos de adesão, a obrigação de manifestar-se contra a transferência, onerosa ou não, para terceiros, dos dados cadastrais confiados ao fornecedor. Por oportuno, merece destaque, também, a "Nota" tirada do sítio eletrônico do Banco Central do Brasil, acerca do Sistema de Informações de Créditos (SCR), que informa que a Lei Complementar 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, em seu art. 1º, § 3º, determina que somente não constituirá violação do dever de sigilo a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, quando observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil. E complementa: "...o CMN, por sua vez, por meio da Resolução 3.658/2008, dispõe que as instituições financeiras poderão consultar as informações consolidadas por cliente constantes do sistema, desde que obtida autorização específica do cliente para essa finalidade. Em realidade, depende de o tomador de crédito permitir ou não o compartilhamento de dados. Sem a autorização do cliente, nenhuma instituição financeira pode acessar seus dados no sistema. O SCR preserva a privacidade do cliente, pois exige que a instituição financeira possua autorização expressa do cliente para consultar as informações que lhe dizem respeito". Por fim, a Lei n. 12.414/2011, dispõe que o compartilhamento de informação de adimplemento só é permitido se autorizado expressamente pelo cadastrado, por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada. Assim, é possível concluir que a cláusula posta em contrato de serviço de cartão de crédito que não possibilite ao consumidor a opção de discordar do compartilhamento de dados é abusiva por deixar de atender a dois princípios importantes da relação de consumo: transparência e confiança.

PROCESSO
REsp 1.432.579-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por maioria, julgado em 24/10/2017, DJe 23/11/2017
RAMO DO DIREITO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de usucapião. CPC/73. Cumulação de pretensões: usucapião e delimitatória. Citação do cônjuge do confinante. Não ocorrência. Nulidade relativa do feito. Necessidade de demonstração do prejuízo.
DESTAQUE
A ausência de citação dos confinantes e respectivos cônjuges na ação de usucapião ensejará nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De plano, destaca-se que, na ação de usucapião, com relação ao proprietário e seu cônjuge, constantes no registro de imóveis, é indispensável a citação destes (e demais compossuidores e condôminos) como litisconsortes necessários, sob pena de a sentença ser absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável. Por outro lado, no tocante à citação do confrontante, apesar de amplamente recomendável, a sua falta não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento e, pelo fato de que seu liame no processo é bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominado, pela doutrina, de litisconsórcio sui generis. No ponto, como sabido, o processo moderno é infenso às nulidades estéreis, sem que haja proteção de qualquer valor relevante para tanto ou que se verifique efetivo prejuízo às partes. Destarte, tanto o CPC/73 (art. 249, § 1°) como o novel instrumental (art. 282, § 1°) determinam que o ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte. Nessa ordem de ideias, salienta-se que o verdadeiro intento da citação dos confinantes do imóvel usucapiendo é o de delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos. Em assim sendo, verifica-se que a posse ad usucapionem causa efetivo prejuízo apenas ao antigo proprietário, mas não com relação aos vizinhos, já que, como dito, o chamamento deles ao feito teria apenas o escopo de delimitar a gleba usucapienda, de modo a evitar que ocorra a indevida invasão, pelo título a ser conferido ao usucapiente, de terrenos adjacentes. Em verdade, conforme esclarece doutrina, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

SALA DE AULA VIRTUAL. PRIMEIRO WEBINAR. 18 DE JANEIRO DE 2018. 16 HORAS.

Prezados Amigos. 
Amanhã, dia 18 de janeiro às 16 horas, farei o primeiro Webinar na minha Sala Virtual, exclusiva para os leitores das edições 2018 dos meus livros. 
Cada obra traz um acesso único para a Sala Virtual. 
Para aqueles que já adquiram os livros, acessem já e comecem a usufruir dessa inovadora ferramenta. 
Informo que faremos transmissões, chats e desafios mensais sobre temas importantes de Direito Civil. 
Na primeira transmissão, tratarei dos Novo Danos na Responsabilidade Civil. 
Abraços a todos. 
Professor Flávio Tartuce

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O ANO DO DIREITO CIVIL. ARTIGO DE ANDERSON SCHREIBER.

O Ano do Direito Civil
Anderson Schreiber. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil da UERJ. Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi del Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor de várias obras, dentre elas Direitos da Personalidade, Editora Atlas.
Fonte: Jornal Carta Forense.
O ano que se inicia carrega em si um simbolismo profundo para o direito brasileiro: representa o aniversário de trinta anos da Constituição da República, depositária dos valores fundamentais da nossa ordem jurídica. De um lado, a ocasião exprime uma inegável vitória do regime jurídico democrático sobre o autoritarismo que irrompia com tanta frequência na História brasileira. De outro lado, contudo, não se pode deixar de lamentar que três décadas não tenham sido suficientes para realizar concretamente o projeto de sociedade traçado em 1988, pululando, entre nós, demandas sociais básicas que estão longe de terem sido minimamente atingidas. Saneamento, educação e segurança são apenas alguns dos setores onde temos falhado clamorosamente.
A Administração Pública, refém de uma política oportunista, quando não de atos ilícitos, tem se revelado incapaz de realizar as elevadas aspirações do texto constitucional brasileiro. Tudo no direito público parece, hoje, em compasso de espera, no aguardo de transformações capazes de atribuir maior eficiência à prestação de serviços públicos – eficiência que exigiria um flexibilização do excesso de amarras jurídicas que recaem sobre a atuação dos agentes públicos, em um momento do país em que a falta de confiança nos agentes políticos que ocupam a cúpula do aparato administrativo retira qualquer apoio a tentativas de flexibilização (ainda que seja evidente que a legislação que aí está, com toda a sobreposição de controles e limites impostos à atividade do agente público, falhou comprovadamente em prevenir atos de corrupção). O direito público encontra-se, assim, paralisado em meio a esse paradoxo: não se adotam medidas para melhorar a sua aplicação porque se tem receio de que seja mal aplicado.
O ano de 2018 traz, todavia, um segundo aniversário, quase esquecido: quinze anos de vigência do “novo” Código Civil, que começou a vigorar em 2003. Alguns poucos aplausos ecoam no salão. A atual codificação civil brasileira, ao contrário da Constituição de 1988, não representou nenhuma revolução, nenhuma grande ruptura com o passado. Em larga medida, sua promulgação foi decepcionante: institutos já não tão novos deixaram de ser contemplados, houve erros técnicos graves para uma codificação e a ampla maioria do seu conteúdo consistiu em mera reprodução literal do Código Civil de 1916. Luiz Edson Fachin, hoje Ministro do STF, chegou a sustentar, em brilhante parecer redigido em co-autoria com Carlos Eduardo Pianovsky, a inconstitucionalidade do projeto de lei que viria a dar origem à nova codificação. Gustavo Tepedino, em célebre editorial, anunciou a chegada do novo Código Civil como um duro golpe na experiência constitucional brasileira.
O aniversário de quinze anos do Código Civil hoje vigente não seria, portanto, motivo de qualquer celebração, pelo seu texto, mas é preciso observar o que nossa doutrina e jurisprudência conseguiram fazer dele. Em quinze anos, a falta de atualidade da codificação civil foi sendo, pouco a pouco, corrigida por interpretações vanguardistas e corajosas. Os tribunais prontificaram-se a acolher o que de mais inovador a doutrina ofereceu para contornar os retrocessos criados pela promulgação do Código Civil. Adimplemento substancial, responsabilidade pré-contratual, responsabilidade pós-contratual, proibição de comportamento contraditório, inadimplemento antecipado, responsabilidade por perda da chance são apenas alguns dos exemplos de construções hoje sedimentadas nos nossos tribunais, apesar do embaraçoso silêncio de um Código Civil aprovado no ano de 2002. No campo da proteção à pessoa humana, uma disciplina tipificadora dos direitos da personalidade, repleta de erros e impropriedades, foi convertida, na prática jurisprudencial, em um canal de aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas.
O ano de 2018 reserva algumas perspectivas importantes nesse sentido. Espera-se, por exemplo, que o STF conclua o julgamento do Recurso Extraordinário 845.779, que contempla pedido de danos morais formulado por mulher transexual impedida de usar o banheiro feminino por funcionários de um shopping center. O relator do caso, Ministro Luís Roberto Barroso, manifestou-se pelo reconhecimento de um direito dos transexuais a serem tratados de acordo com a sua identidade de gênero. Merece menção, ainda, nesse julgamento o voto do Ministro Luiz Edson Fachin, que, seguindo o relator, analisou a matéria na perspectiva do direito civil-constitucional, destacando que a solução imaginada por algumas pessoas, de introduzir um terceiro banheiro, seria violadora do direito à identidade, uma vez que, em suas palavras, “certamente enfraqueceria o próprio senso de inclusão no seio comunitário”. Ainda se aguarda o voto-vista do Ministro Luiz Fux para a retomada do julgamento.
Também se aguarda para este ano de 2018 a retomada do julgamento conjunto, pelo STF, da ADI 4.275 (Rel. Min. Marco Aurélio) e do RE 670.422/RS (Rel. Min. Dias Toffoli), que versam sobre a possibilidade de alteração do nome e sexo de pessaos transexuais no registro civil, independentemente da realização da cirurgia de transgenitalização, como já reconhecem diversos tribunais brasileiros, inclusive o STJ. A possibilidade de alteração já conta com votos favoráveis dos Ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
Outro tema que promete ocupar o Supremo Tribunal Federal é o tema do direito ao esquecimento, objeto do RE 1.010.606/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli. O direito ao esquecimento, que impõe à nossa Suprema Corte uma reflexão mais profunda em torno da colisão entre liberdade de informação e privacidade, já foi tema de coluna anterior, à qual me permito remeter o leitor interessado em mais detalhes sobre essa instigante matéria: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/direito-ao-esquecimento-criticas-e-respostas/17830.
Outro debate desafiador é o que envolve o exame da legitimidade constitucional das normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que restringem a doação de sangue por parte de homens homossexuais – tema da ADI 5543. O Ministro Luiz Edson Fachin, relator desse processo, afirmou em seu voto que têm caráter discriminatório as referidas normas, que estabelecem um grupo de risco com base na orientação sexual, ou seja, uma característica intrínseca da pessoa, quando, na verdade, deveriam eleger por parâmetro condutas de risco, estas sim comportamentos concretos capazes de gerar dano aos receptores do sangue doado. O posicionamento, porém, tem encontrado certa resistência entre os demais ministros e no debate público, tendo alguns Ministros manifestado “preocupação” quanto aos impactos de uma decisão do STF sobre matéria regulada por normas técnicas baseadas na ciência médica. Não custa lembrar, porém, que todas as práticas sociais, inclusive as médicas, se submetem a parâmetros jurídicos e, especialmente, aos princípios fundamentais da Constituição da República, não sendo possível concordar com a formação de guetos imunes ao controle de constitucionalidade em razão de um suposto caráter técnico da medicina – que, de resto, tem, como se sabe, espaços de interpretação tão amplos quanto os espaços da ciência jurídica.
Como se vê, além de alguns julgamentos importantes sob o prisma puramente técnico do direito civil, como aqueles que versam sobre a imposição de taxa de manutenção por associações de moradores em condomínios de fato (STF, RE 695.911/SP, com repercussão geral já reconhecida) e a taxa de juros aplicável às hipóteses nas quais o termo inicial dos juros de mora não coincide com o termo inicial da atualização monetária (STJ, Corte Especial, Recurso Especial 1.081.149), o ano de 2018 promete algumas tomadas de posição pelos nossos tribunais superiores em matérias que exprimem passos relevantes na concretização do projeto constitucional brasileiro, por meio do direito civil

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

REFORMA TRABALHISTA. DANO EXTRAPATRIMONIAL. PARTE 4. TEXTO DE JOSÉ FERNANDO SIMÃO.

Reforma Trabalhista. Dano extrapatrimonial: dano moral, estético e existencial? Parte 4
Fonte: Jornal Carta Forense.
José Fernando Simão. Livre-docente, Doutor e Mestre pela USP. Professor da Faculdade de Direito da USP e da Escola Paulista de Direito. Advogado.
Em nossas últimas colunas da Carta Forense fizemos algumas reflexões da noção de dano extrapatrimonial e sua indenização. Analisamos a tormentosa relação entre danos moral e estético e a possibilidade de sua cumulação.
Afirmamos que a reforma da CLT, em matéria de indenização, trouxe coisas óbvias, que consistem em lugar comum (artigos 223 A, B, C, D e F). Apesar disso, há uma nova regra que altera substancialmente a questão da reparação do dano. Ela está prevista no novo artigo 223-E da CLT:
“São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”.
Como se sabe, o dano pode ser causado por mais de um ofensor. Nessa hipótese, temos um ilícito praticado por mais de uma pessoa e o resultado desse ato é o dano experimentado pela vítima. Pelo direito civil temos, para casos que tais, responsabilidade solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil.
“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
A regra da solidariedade não é nova na hipótese de dano decorrente de ato ilícito. Já estava presente na Consolidação de Teixeira de Freitas (art. 806), na Nova Consolidação de Carlos de Carvalho (art. 1.004), no Projeto Beviláqua (art. 1.543), no Projeto Câmara (art.1.520) e no Código Civil de 1916 (art. 1.518).[1]. Aliás, é bem mais antiga, pois já existia no direito romano conforme indicam as fontes[2].
No Direito Civil, portanto, a vítima do dano pode escolher de qual causador do dano cobrar e quanto cobrar[3].
A CLT rompe com essa regra e cria a divisibilidade da obrigação de indenizar de acordo com a “proporção da ação ou omissão”. Isso significa que o dever de reparar passa a ser obrigação divisível e não mais solidária e, pior, que caberá à vítima provar essa proporção.
Imaginemos que o trabalhador tenha dois empregos (jornada parcial) em duas diferentes indústrias que desenvolvem atividades semelhantes. O empregado é enfermeiro em duas UTI oncológica de hospitais distintos e fica sujeito à exposição à radiação o que lhe causa[4] uma doença qualquer. Qual dos dois hospitais responde pelo dano? No sistema do Código Civil, ambos respondem solidariamente. Para a CLT, com a nova sistemática, cada um responde na proporção de sua conduta. Imaginemos que a jornada seja dividida do seguinte modo: 30% em um hospital e 70% no outro. A divisão da responsabilidade, portanto, se daria em partes desiguais de acordo com a proporção da conduta.
A vítima deverá provar a conduta do empregador, sua culpa[5], o dano sofrido, o nexo de causalidade e, ainda, a proporção dessa conduta. No caso concreto, essa prova pode ser impossível de se fazer e caberá ao juiz, então, aplicar a regra do artigo 257 do Código Civil: divisão em partes iguais (concursu partes fiunt).
Para se afastar a nefasta questão, o empregado deverá invocar o art. 818, §1º da CLT que cria ônus dinâmico da prova. Assim, nos casos em que houver impossibilidade ou excessiva dificuldade de produzir a prova ou se houver maior facilidade de produção da prova do fato contrário, o juízo poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso ao tradicional. Considerando ainda o princípio da hipossuficiência do trabalhador, esse dispositivo acabará por suavizar esse efeito da reforma.
Em suma, a vítima do dano extrapatrimonial, com a reforma trabalhista, passa a ser uma vítima de segunda classe, que terá não só um ônus da prova distinto daquele das demais vítimas, como ainda as decorrências da obrigação divisível.
Como primeira consequência, o trabalhador lesado extrapatrimonialmente deverá demandar todos os causadores do dano e não apenas um. Isso significa que contará o processo com mais réus para que se consiga a indenização integral, pois cada causador do dano só responde na proporção de sua conduta.
Uma segunda consequência é a redução na chance de a vítima efetivamente receber a indenização. No exemplo supra, se um dos hospitais vier a falir e não houver bens para responder por suas dívidas, o empregado nada poderá cobrar do outro hospital, salvo a quantia por ele já devida. A solidariedade garantia tal vantagem.
Ainda, uma terceira consequência é perder a vantagem dos juros de mora. Pelo Código Civil, todos os devedores solidários respondem pelos juros de mora, independentemente da culpa[6]. Essa é uma grande vantagem para vítima do dano. Com a nova regra trabalhista, cada devedor só responde pela sua mora e não pela mora alheia.
 Em suma, a regra que se cria é injustificada, rompe com a tradição histórica e milenar, além de prejudicar sensivelmente o empregado com relação aos danos extrapatrimoniais, que, normalmente, representam afronta a bens jurídicos valiosíssimos.
 Em uma palavra: a reforma é um enorme retrocesso nessa questão.

[1] Código Civil anotado, João Luiz Alves, v. 2, 1935, p. 555
[2] “Os delitos cometidos por várias pessoas ou contra várias vítimas, geram, em virtude de disposição do direito justinianeu, obrigações solidárias (se cometidos por várias pessoas, surge a solidariedade passiva, se contra várias vítimas, a solidariedade ativa). Moreira Alves, 17ª edição, GEN, 2016, pp. 391/392.
[3] CC, Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
[4] Para fins de exemplo, presumimos o nexo causal.
[5] CF, Art. 7º, XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. Se a atividade do empregador for de risco, a responsabilidade pelos danos causados ao empregado é objetiva por força do art. 927, parágrafo único do Código Civil.
[6] Art. 280 do CC.

PRIMEIRO EVENTO DE 2018. CURSO DE FÉRIAS. AASP E ENA. PRESENCIAL, TELEPRESENCIAL E ONLINE

Demais informações: www.aasp.org.br. 



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL EM CONTRATO DE CONSUMO. DEBATE COM O PROFESSOR FERNANDO GAJARDONI

DEBATE. JORNAL CARTA FORENSE.
MATÉRIA DE CAPA DE JANEIRO DE 2018.
Negócio jurídico processual em contrato de consumo: impossibilidade.
Flávio Tartuce. Advogado e parecerista. Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor do G7 Jurídico. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Autor do Grupo GEN Editorial.
Festejado por muitos e criticado por outros, o negócio jurídico processual é uma das principais novidades do Código de Processo Civil de 2015, previsto nos seus arts. 190 e 191, sem prejuízo de outros comandos. Trata-se de instituto que vem sendo abordado há tempos por processualistas de destaque como Fredie Didier Júnior, Antonio do Passo Cabral, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira e Fernando Gajardoni.
Cuida-se de projeção da teoria geral dos atos e negócios jurídicos para o âmbito do processo civil brasileiro, estando presente, na expressão alemã, um contrato processual (Prozessvertrage) ou um Processo Civil convencionado (Konventionalprozess). Como bem define Pedro Henrique Nogueira, em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito da UFBA, o negócio jurídico processual “é o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou de estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais. Estando ligado ao poder de autorregramento da vontade, o negócio jurídico processual esbarra em limitações preestabelecidas pelo ordenamento jurídico, como sucede em todo negócio jurídico” (Negócios Jurídicos Processuais.Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10743/1/Pedro%20Henrique.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2017).
 Na verdade, a categoria não é uma total novidade no sistema processual, pois já existiam negócios jurídicos processuais típicos tratados anteriormente pela lei. A título de exemplo, podem ser citadas a convenção de arbitragem e a cláusula de eleição de foro, a última tratada desde a remota Súmula 335 do STF, do ano de 1963.
 Neste breve artigo, analisaremos o debate a respeito de se convencionar negócios jurídicos processuais em contratos de consumo. O cerne da discussão jurídica gira em torno do conteúdo do art. 190 do Novo CPC, segundo o qual, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento, com o fito de ajustá-lo às especificidades da causa. As partes ainda podem convencionar sobre os seus ônus probatórios, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Ademais, conforme o parágrafo único do mesmo dispositivo, de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções processuais celebradas entre as partes, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade absoluta ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
No último preceito é que parece haver sério entrave técnico para que seja estabelecido o negócio jurídico processual em contratos de consumo. Como é notório, o CDC é expresso ao vedar um dos negócios jurídicos processuais típicos, qual seja a cláusula compromissória de arbitragem, quando esta for compulsória (art. 51, inc. VII, da Lei n. 8.078/1990). Não obstante algumas quebras doutrinárias e jurisprudenciais, a verdade é que a arbitragem ainda não mergulhou de verdade no âmbito dos contratos de consumo.
A afirmação também vale para os demais negócios jurídicos processuais, pelo fato de ter o legislador processual utilizado o termo vulnerabilidade ao final do parágrafo único do art. 190 do Estatuto Processual emergente. Como se sabe, há forte corrente doutrinária que defende existir uma presunção absoluta ou iure et de iure de vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, conclusão retirada da dicção do art. 4º, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor. Segundo essa mesma visão, essa vulnerabilidade é inafastável, o que justificou a elaboração da norma consumerista, diante do mandamento constitucional constante do art. 48 das Disposições Finais e Transitórias da CF/1988. Essa também é a posição que sigo, sendo certo que a vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo, ou seja, todo consumidor é vulnerável, sem exceção. Em outras palavras, trata-se de um conceito jurídico que não aceita declinação ou objeção, sendo fixado previamente, sem qualquer análise casuística.
Por outra via, a hipossuficiência é uma disparidade fática a que está submetido o destinatário final da relação jurídica de consumo, podendo ser ela econômica, política, social ou até técnico-informacional, pelo desconhecimento específico que se tem em relação ao produto ou serviço que está sendo adquirido. Todo consumidor é vulnerável, mas nem sempre será hipossuficiente. Sendo o consumidor vulnerável – expressão que chega a ser pleonástica –, justifica-se a aplicação do CDC. Se, além de ser vulnerável, for hipossuficiente, o consumidor terá a seu favor um plus, qual seja a possibilidade de pleitear a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inc. VIII, da Lei n. 8.078/1990.
Em conclusão, penso que o legislador processual pecou ao utilizar o termo vulnerabilidade na limitação dos negócios jurídicos processuais. Se tivesse utilizado a expressão hipossuficiência, teria aberto a possibilidade jurídica de se instituírem negócios jurídicos processuais em contratos de consumo.
 Com o devido respeito à posição em contrário, concluo que, pela vulnerabilidade reconhecida nas relações de consumo, sempre haverá invalidade do negócio jurídico processual inserido em contrato de consumo, pelo fato de estar a previsão em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, nos termos do art. 51, inc. XV, do CDC. O caso, sem dúvidas, é de nulidade absoluta, como está previsto no art. 190, parágrafo único, do CPC, pois estamos diante de hipótese de cláusula ou previsão abusiva, que não é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
 Como palavras finais, não desconheço que os processualistas têm uma visão diferente a respeito da vulnerabilidade, analisada casuisticamente, como fazem os consumeristas em relação à hipossuficiência. O tema, a propósito, foi desenvolvido por minha irmã, Fernanda Tartuce, em sua tese de doutorado defendida na USP, com que debato o tema há tempos (Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2012). Porém, o legislador parece ter ignorado as visões multifacetadas da ideia de vulnerabilidade e, infelizmente, fechou as portas para os negócios processuais em contratos de consumo.
Negócio jurídico processual em contratos de consumo: possibilidade
Fernando da Fonseca Gajardoni. Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP (FD-USP). Professor Doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP – Ribeirão Preto (FDRP-USP), do programa de Mestrado em Direitos Coletivos e Cidadania da UNAERP, e do G7 Jurídico.
A vontade das partes é, no CPC/2015, fonte da norma processual. O art. 190 permite que elas possam convencionar sobre procedimento, bem como sobre seus poderes, deveres, faculdades e ônus processuais. Exemplificativamente, reconhece-se às partes o poder de, antes ou no curso do processo judicial, ampliar ou reduzir prazos, renunciar antecipadamente à interposição de recursos, fixar hipóteses de impenhorabilidade além das previstas em lei, e até mesmo autorizar a penhora sobre vencimentos (no limite de 30%).
Já tive a oportunidade de discorrer sobre o tema e afirmar a existência de 06 (seis) requisitos de validade/eficácia dos negócios jurídicos processuais atípicos. Só serão aceitas convenções processuais nas hipóteses em que: 1) as partes sejam as titulares da situação jurídica a respeito do qual pretendam dispor, sendo vedada convenção processual que atinja deveres, direitos, ônus e faculdades de terceiros; 2) o objeto da convenção seja lícito, de modo a não se admitir negócios jurídicos processuais que acabem por violar o conteúdo mínimo do processo constitucional (regras constitucionais de competência, o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, a motivação, a licitude da prova, etc.); 3) a celebração da convenção seja feita por escrito (especialmente no negócios jurídicos pré-processuais), pois só assim é possível se operacionalizar judicialmente, com o mínimo de segurança e presteza, a alteração da regra legal por convenção das partes; 4) haja preservação da autonomia da vontade do contratantes, devendo o juiz deixar de aplicar a convenção processual nos casos de nulidade (erro, dolo, coação, etc.), inserção abusiva em contrato de adesão ou vulnerabilidade manifesta de um dos celebrantes; 5) as partes sejam civilmente capazes, vedada a celebração de convenção por incapazes, ainda que representados ou assistidos; e 6) o direito objeto da convenção processual seja autocomponível, isto é, esteja na esfera de disponibilidade das partes (GAJARDONI, DELLORE, ROQUE e OLIVEIRA JR, Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015. 2ª ed. São Paulo. Método, 2018, p. 683-688).
Observados tais requisitos, perfeitamente possível a celebração convenções processuais nos contratos de consumo entre partes capazes, não sendo a suposta presunção legal de vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, III, do CDC) suficiente para impedir a incidência da regra processual.
Primeiro, porque, de ordinário, os contratos consumeristas encerram direito autocomponível, estando seu objeto na esfera de disponibilidade dos contratantes, conforme exige o art. 190, caput, do CPC.
 Segundo, pois a presunção legal de vulnerabilidade do CDC não parece absoluta, cedendo diante da demonstração da preservação da autonomia de vontade das partes e da oportunidade real de livre negociação. Note-se que o CPC/2015, ao tratar do reconhecimento do vício da convenção processual, não tolera presunções, exigindo que a parte celebrante esteja em “manifesta situação de vulnerabilidade” (art. 190, parágrafo).
Terceiro, pois mesmo no regime processual revogado já se admitia – sem resistência acadêmica/jurisprudencial -, a celebração de convenções pré-processuais típicas em contratos de consumo. As convenções de eleição de foro sempre estiveram presentes nestes contratos e jamais se cogitou de pronunciar automaticamente a nulidade delas com base na presunção de vulnerabilidade do consumidor. Ao contrário, sempre se exigiu para a decretação da nulidade da cláusula a constatação judicial da efetiva dificultação do exercício da defesa em juízo (art.112, parágrafo, CPC/1973).
 Quarto, porque o autoregramento das partes é tendência do direito pátrio, já tendo alcançado espaços até mais tutelados pelo Estado do que o das relações de consumo. Basta ver, neste sentido, a recente admissão, no direito brasileiro, de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos com a Fazenda Pública (art. 1º e §§ da Lei 9.307/96, conforme redação da Lei 13.129/2015) e nos individuais de trabalho (art. 507-A da CLT, conforme redação da Lei 13.467/2017).
E quinto, pois vedar, prima facie, o cabimento das convenções processuais nos contratos de consumo, implica privar o consumidor da celebração de negócios processuais que lhe sejam vantajosos, tais como aqueles em que o fornecedor renuncia antecipadamente ao direito ao recurso, caso sua condenação não supere determinada alçada; ou que aceite pagar integralmente as custas de eventual processo judicial, independentemente da sorte da causa.
Portanto, não há nulidade automática das convenções processuais celebradas nos contratos do consumo, inclusive em vista da regra geral do sistema processual de que não se decretará nulidade sem prejuízo (art. 277 do CPC).
Eventual vício de vontade ou a situação de vulnerabilidade real do consumidor deve ser analisado pelo juiz no caso concreto, na forma do art. 190, parágrafo único, do CPC, e somente se for constatado o vício na celebração e o prejuízo é que a convenção processual constante do contrato de consumo deixará de ser aplicada.
Evidentemente, a questão se torna mais complexa quando, além da relação de consumo, o contrato entre as partes também seja de adesão (art. 54 do CDC).
Para estes casos, à luz do art. 190, parágrafo único, do CPC, também se entende que a nulidade não é automática e depende da aferição se a inserção da convenção processual foi ou não abusiva; se causou ou não prejuízo ao aderente. “Talvez um bom parâmetro para interpretação da hipótese seja o do artigo 4.º, § 2.º, da Lei de Arbitragem n.º 9.307/1996, que só reconhece a eficácia da convenção se, em juízo, o aderente concordar expressamente com a regra, ou tomar a iniciativa de utilizá-la” (GAJARDONI, DELLORE, ROQUE e OLIVEIRA JR, Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015. 2ª ed. São Paulo. Método, 2018, p 700).