RESUMO. INFORMATIVO 782 DO STJ. 15 DE AGOSTO DE 2023.
RECURSOS REPETITIVOS
Processo
REsp 1.951.662-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por maioria, julgado em 9/8/2023. (Tema 1132).
REsp 1.951.888-RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por maioria, julgado em 9/8/2023 (Tema 1132).
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária em garantia. Comprovação da mora. Notificação extrajudicial com Aviso de Recebimento (AR). Envio no endereço do devedor indicado no instrumento contratual. Suficiência. Tema 1132.
DESTAQUE
Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia cinge-se a definir se, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual e se é dispensável, por conseguinte, a prova de que a assinatura do Aviso de Recebimento (AR) seja do próprio destinatário.
O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 é expresso ao prever que a mora nos contratos de alienação fiduciária decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com Aviso de Recebimento, não exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.
Consequentemente, uma interpretação literal do dispositivo enseja a conclusão de que, para a constituição do devedor em mora, exige-se tão somente o vencimento do prazo para pagamento, não havendo dúvida sobre isso, porquanto o texto da lei utiliza a expressão "simples vencimento", que, nesse caso, quer literalmente dizer tão somente ou nada mais que o vencimento do prazo para pagamento.
Com efeito, ao dispensar a interpelação do devedor para sua constituição em mora, o legislador estabelece regra que a doutrina denomina de dies interpellat pro homine, ou seja, a chegada do dia do vencimento da obrigação corresponde a uma interpelação, de modo que, não pagando a prestação no momento ajustado, encontra-se em mora o devedor. Assim, se a mora decorre do mero inadimplemento, prescinde de qualquer atitude do credor, já que advém automaticamente do atraso.
Após dispor que a mora decorre do simples vencimento do prazo, o legislador estabeleceu, ainda, que a mora poderá ser comprovada por "carta registrada com Aviso de Recebimento", dispondo expressamente que não se exige "que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". Nesse contexto, a literalidade da lei, que escolheu o vocábulo "poderá" em vez de "deverá", e os conceitos jurídicos que ela exprime, por si sós, já são elementos suficientes para dirimir a controvérsia.
Verifica-se, portanto, que a lei estabeleceu que a comprovação é mera formalidade, pois primeiro usa o termo "poderá" e, na sequência, dispensa que a assinatura seja do próprio destinatário. Se é a própria lei que torna não exigível a demonstração cabal de ciência do próprio devedor, não pode ser outra a interpretação do Tribunal de origem e, menos ainda, a do STJ, cuja responsabilidade não se limita à análise do caso concreto, mas vincula, de forma transcendental, as relações contratuais à sua decisão.
Além dessa interpretação literal do dispositivo, da análise sistemática ressai a conclusão de que pretendeu a lei tão somente estabelecer a forma do processo nas hipóteses em que a garantia do crédito deu-se por alienação fiduciária, na medida em que não se pode ignorar que a cláusula de alienação fiduciária nos contratos caracteriza-se por uma via de mão dupla, ou seja, é uma garantia bilateral, uma vez que a vantagem econômica do contrato é buscada por ambas as partes, não somente pelo credor.
Assim, se, na origem, o contrato é um negócio jurídico bilateral, em que se estabelece a alienação fiduciária em garantia e cujo objetivo é a vantagem econômica e o equilíbrio das relações entre as partes, não se pode permitir que, na conclusão desse mesmo negócio, ocorra um desequilíbrio, ou seja, as regras sejam tendenciosas e, portanto, tragam mais ônus ao credor em benefício exclusivo do devedor.
Também, uma análise teleológica do dispositivo legal enseja inafastável a conclusão de que a lei, ao assim dispor, pretendeu trazer elementos de estabilidade, equilíbrio, segurança e facilidade para os negócios jurídicos, de modo que é incompatível com o espírito da lei interpretação diversa, que enseja maior ônus ao credor, em benefício exclusivo do devedor fiduciante.
Observa-se, ainda, que o entendimento pacífico da Segunda Seção já é no sentido de que, na alienação fiduciária, a mora constitui-se ex re, isto é, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. Ou seja, a mora decorre do simples vencimento do prazo. Naturalmente, tal particularidade significa que o devedor estará em mora quando deixar de efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma contratados (arts. 394 e 396 do Código Civil).
Então, se o objetivo da lei é meramente formal, deve ser igualmente formal o raciocínio sobre as exigências e, portanto, sobre a própria sistemática da lei, concluindo-se que, para ajuizar a ação de busca e apreensão, basta que o credor comprove o envio de notificação por via postal ao endereço indicado no contrato, não sendo imprescindível seu recebimento pessoal pelo devedor.
Por fim, frisa-se que essa conclusão abarca como consectário lógico situações outras igualmente submetidas à apreciação deste Tribunal, tais como quando a notificação enviada ao endereço do devedor retorna com aviso de "ausente", de "mudou-se", de "insuficiência do endereço do devedor" ou de "extravio do aviso de recebimento", reconhecendo-se que cumpre ao credor demonstrar tão somente o comprovante do envio da notificação com Aviso de Recebimento ao endereço do devedor indicado no contrato.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Decreto-Lei n. 911/1969, art. 2º, § 2º
Código Civil (CC), arts. 394 e 396
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.986.320-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Fornecimento de gás. Tarifa de medição individual de consumo. Legalidade. Proporcionalidade da cobrança. Ausência de abusividade.
DESTAQUE
Não se mostra abusiva a cobrança de tarifa para medição individualizada quando assegurada a livre escolha dos consumidores na contratação, com liberdade na formação do preço, de acordo com seus custos e em atenção às características da atividade realizada, respeitando-se a equivalência material das prestações e demonstrada a correspondente vantagem do consumidor.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No fornecimento de gás a condomínios residenciais, as empresas distribuidoras de GLP disponibilizam duas formas de contratação, quais sejam, a modalidade medição coletiva e a de fornecimento com leitura individualizada, cabendo a escolha à assembleia condominial de acordo com seus interesses.
Na segunda modalidade, adotada na hipótese vertente, há o fornecimento de gás a granel, mas com medição e gestão individualizada do consumo de cada unidade autônoma do condomínio - serviço executado pelo fornecedor do produto, que, em razão disso, cobra um preço previsto no respectivo contrato.
Não se mostra abusiva a cobrança de tarifa para medição individualizada quando assegurada a livre escolha dos consumidores na contratação, com liberdade na formação do preço, de acordo com seus custos e em atenção às características da atividade realizada, respeitando-se a equivalência material das prestações e demonstrada a correspondente vantagem do consumidor no caso.
Portanto, indiscutivelmente cada uma das modalidades colocadas à disposição gera riscos e custos diversos, tanto para a fornecedora como para os consumidores, cabendo a estes ponderarem quais delas melhor lhes atendem diante dos benefícios proporcionados e os custos por estes gerados.
É incontroverso que, na modalidade de contratação por medição individualizada, a distribuidora passa a ter inúmeros contratos em um mesmo condomínio, de modo que as diferentes contratações encerram características específicas para cada caso, justificando a cobrança de uma tarifa para a prestação de um serviço mais eficiente.
Portanto, denota-se que a escolha quanto à modalidade de contratação e à distribuidora que irá fornecer o serviço é livre aos condomínios, os quais são previamente informados sobre as características dos serviços prestados e seus custos, notadamente em relação à cobrança da taxa pelo serviço adicional de medição que integra o objeto da contratação por fornecimento com leitura individualizada.
Assim, não há uma imposição por parte da distribuidora quanto ao tipo de contratação do serviço, podendo o condomínio exercer sua escolha de forma livre, conforme a percepção do que melhor atenda aos seus interesses e aos dos condôminos, que optaram, por meio de assembleia condominial, pelo serviço proposto.
Consoante se depreende do parecer ofertado, a modalidade por medição coletiva gera, na verdade, uma vantagem para a distribuidora e uma desvantagem para o consumidor, visto que o pagamento da integralidade do débito fica a cargo do condomínio, reduzindo as chances de não pagamento, e eventual inadimplemento de algum condômino pode causar o aumento da cota condominial dos demais condôminos adimplentes, assim como gera um custo maior para aqueles condôminos que consomem menor quantidade de GLP, já que serão obrigados a pagar o valor do rateio.
Dessarte, o parecer ainda afirma que o exame do valor cobrado dos condôminos para o serviço de medição individual do consumo deve-se realizar em relação às vantagens identificadas na modalidade contratual, que pressupõe esta atividade como meio necessário para determinar certo modo de cobrança do efetivo proveito, assim como desonera o condomínio da responsabilidade pelo rateio entre os condôminos, e de suportar o custo dos inadimplentes.
A liberdade de iniciativa econômica consagrada pela ordem constitucional (arts. 1º, IV, e 170 da Constituição Federal) é pautada na livre concorrência, fomentando a competitividade entre os fornecedores em benefício dos consumidores, motivo pelo qual pode haver uma internalização moderada dos custos conforme as características da prestação do serviço.
Essa diferenciação será benéfica aos consumidores quando demonstrada a efetiva liberdade de escolha do consumidor quanto às modalidades de serviço com e sem a vantagem específica - com a observância do dever de informação e esclarecimento prévio dos consumidores em relação às opções existentes para sua escolha - e não houver restrições ou barreiras criadas pelo fornecedor com o propósito de desestimular o consumidor a optar pela contratação menos custosa.
Diante disso, vê-se que, na hipótese em apreço, o valor da tarifa é proporcional ao serviço prestado; a opção pela medição individualizada foi feita livremente pelo condomínio, sem nenhum constrangimento por parte da fornecedora, estando comprovada a real vantagem para os consumidores, não se tratando da transferência de um custo ordinário do produto ou do seu fornecimento. Isso porque os condôminos pagam exclusivamente pela quantidade de produto efetivamente consumida e evita que o conjunto dos condôminos seja onerado pelos custos da parcela do rateio não paga por eventuais inadimplentes.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Constituição Federal (CF), arts. 1º, IV, e 170
Processo
REsp 2.075.284-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema
Princípio da unirrecorribilidade. Interposição do segundo recurso dentro do prazo recursal. Inadmissibilidade. Adequação do segundo inconformismo. Desinfluência. Preclusão consumativa que impede o seu conhecimento.
DESTAQUE
A preclusão consumativa pela interposição de recurso enseja a inadmissibilidade do segundo inconformismo interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, pouco importando se o recurso posterior é o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido o prazo recursal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia visa definir se a interposição do recurso correto antes de decorrido o prazo recursal contra decisão já impugnada anteriormente pela mesma parte, mas por meio de recurso descabido - e que, por isso, não mereceu conhecimento -, teria o condão de suplantar o malferimento ao princípio da unirrecorribilidade.
O sistema recursal do ordenamento jurídico pátrio é regido pelo princípio da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade recursal). Por outro lado, a doutrina leciona que há violação ao princípio em voga quando a parte interpõe, sucessiva ou concomitantemente, duas espécies recursais contra a mesma decisão.
No âmbito da jurisprudência do STJ, é pacífica a encampação do mencionado princípio, asseverando-se que, havendo a sua violação, pela interposição de dois recursos de natureza diversas contra a mesma decisão e pela mesma parte, ficará caracterizada a preclusão consumativa quanto ao segundo recurso interposto.
No caso, o Tribunal de origem consignou que "não há se cogitar de violação ao princípio da unirrecorribilidade, tendo em vista que, conquanto a recorrente tenha anteriormente impugnado a sentença por meio de recurso impróprio (Agravo de Instrumento), que não foi conhecido, o recurso de apelação foi interposto tempestivamente".
Todavia, impende destacar que o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 não ampara a interposição de um novo recurso, em substituição ao anterior que se revelou descabido, por inequívoca ocorrência da preclusão consumativa. Os vícios passíveis de saneamento, que se atêm aos aspectos estritamente formais, devem se referir ao mesmo recurso, não possibilitando a interposição de um novo, em substituição ao recurso anterior que tenha se revelado descabido para impugnar a decisão combatida.
Nesse contexto, ressai incontestável a inadmissibilidade da apelação interposta no caso. Houve violação ao princípio da unirrecorribilidade pela interposição de agravo de instrumento anterior contra a mesma decisão que extinguiu o cumprimento de sentença, a caracterizar a preclusão consumativa.
Portanto, é de se concluir que a antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil (CPC), art. 932
QUARTA TURMA
Processo
AgInt no AREsp 1.964.268-DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 19/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Plano de saúde. Lúpus eritematoso. Pielonefrite. Rituximabe. Medicamento antineoplásico de uso off-label. Registro na ANVISA. Medicação assistida. Aplicação por profissional habilitado. Recusa indevida.
DESTAQUE
A recusa da operadora do plano de saúde em custear medicamento registrado pela ANVISA e prescrito pelo médico do paciente é abusiva, ainda que se trate de fármaco off-label ou utilizado em caráter experimental, especialmente na hipótese em que se mostra imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia à verificação do dever de cobertura de tratamento de beneficiária de plano de saúde diagnosticada com Pielonefrite em decorrência de complicações de Lúpus Eritematoso, cujo medicamento foi negado sob o fundamento de se tratar de uso off-label.
De fato, o uso do rituximabe (MabThera) para o tratamento da glomerulopatia por lesões mínimas é off-label.
Com efeito, de acordo com o atual entendimento do STJ, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, que não se enquadre em nenhuma das hipóteses de cobertura determinadas pela Lei 9.656/1998, quais sejam os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim.
Ressalta-se que o STJ entende que o medicamento para tratamento domiciliar de que trata o art. 10, VI, da Lei n. 9.656/1998 é aquele adquirido diretamente nas farmácias e autoadministrado pelo paciente, cuja indicação não tenha por fim substituir o tratamento ambulatorial ou hospitalar, nem esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar, excluindo-se dessa classificação a medicação injetável que necessite de supervisão direta de profissional de saúde, por se tratar de hipótese de uso ambulatorial ou espécie de medicação assistida.
Ainda, a jurisprudência desta Corte há muito se firmou no sentido de ser abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que seja tratamento off-label, ou utilizado em caráter experimental.
Dessa forma, conclui-se que por qualquer ângulo que se analise a questão, é de rigor a cobertura do tratamento indicado, uma vez que se trata de medicamento de uso ambulatorial, com necessidade de aplicação intravenosa, portanto com necessidade de supervisão de profissional de saúde, devidamente registrado na Anvisa, ainda que indicado seu uso off-label.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
LEGISLAÇÃO
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