DA POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS PELO INADIMPLEMENTO DE UMA PARCELA
NAYRON DIVINO TOLEDO MALHEIROS
Advogado, Mestrando em Direito Constitucional Econômico pela UNIALFA, Professor de Processo Civil na UNIP Goiânia, Pós-graduado em Processo Civil e Civil pela UCAM.
nayron.toledo@gmail.com
I - Introdução
Uma mãe entra em contato com o seu advogado para informar que o ex-marido está com um mês de atraso no pagamento da pensão alimentícia do filho do casal, não cumprindo assim o que havia sido determinado em decisão judicial quando foi realizado o divórcio. Em razão das necessidades que tem passado para pagar despesas corriqueiras do menor, aquela mãe pede ao advogado que este tome as medidas cabíveis, e o pergunta se já não é possível solicitar a tão conhecida prisão do devedor de alimentos. O seu advogado afirma que para pedir tal prisão é necessário que o alimentante, neste caso o Pai, fique por três meses consecutivos inadimplente, e que diante disso seria necessário aguardar esse prazo para que só então seja possível solicitar a medida coercitiva ao magistrado. Nessa ocasião, a mãe se indigna com a lei, e afirma que é um absurdo fazer o seu filho passar por três meses de necessidades para só então ser possível pedir a prisão do pai inadimplente.
Tal cenário acima exposto se repete todos os dias em escritórios de advocacia, Defensorias Públicas e Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito, que atuam em ações de direito de família, gerando a indignação daqueles que possuem necessidades imediatas de sobrevivência e que não podem esperar por três meses.
Será que essa é a melhor interpretação que deve ser dada a norma processual? Será que é possível uma interpretação sob a luz da Constituição Federal, a fim de dar mais efetividade à norma? Para isso é necessário entender como é o procedimento atualmente adotado, vejamos:
II – Do Cumprimento de Sentença contra o Devedor de Alimentos
O Cumprimento de Sentença por Quantia Certa que reconhece a exigibilidade da obrigação de o devedor prestar alimentos está disposto nos arts. 528/533 do CPC, onde foram definidos os requisitos para se solicitar a prisão civil.
Inicialmente deve-se ter em mente que conforme art. 528 § 8º do CPC o rito que garante a prisão civil é uma opção que o legislador concede a parte exequente, podendo esta abrir mão deste rito e promover diretamente o seu cumprimento com base no cumprimento de sentença por quantia certa contra devedor solvente que está disposto nos arts. 523/526.
Caso opte pelo rito da prisão, após verificada a inadimplência deverá o exequente requerer ao magistrado que intime o devedor pessoalmente para que este pague o débito, comprove que já o fez anteriormente ou que justifique a sua impossibilidade de fazer no prazo de 3 dias.
Se por acaso o devedor permaneça inerte, ou não consiga convencer o magistrado de sua impossibilidade de pagamento, o juiz ordenará que se proceda o protesto cartorário daquela decisão, bem como a sua imediata prisão civil que poderá ser fixada de 1 (um) à 3 (três) meses.
Esta prisão deverá ser cumprida em regime fechado, e o devedor deve permanecer separado dos presos comuns, só devendo ser solto caso pague a valor que autorizou a prisão além dos que porventura venham vencer enquanto estiver preso, ou ainda pelo transcurso do prazo de prisão fixado pelo juiz. Vale ressaltar que o simples fato de ter cumprido a pena não o exime do pagamento das prestações em aberto.
III – Do débito que autoriza a Prisão e a necessidade de evolução interpretativa do art. 528, parágrafo 7º
O legislador estabeleceu ainda que não é qualquer débito alimentar que gera a prisão do devedor, segundo o art. 528 parágrafo 7º[1] somente será possível conceder essa medida coercitiva referente ao débito compreendido até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Aparentemente a interpretação desse artigo é de fácil entendimento, já que leva em consideração o que tradicionalmente era adotado na prática forense desde a edição da súmula 309[2] do STJ, onde convencionou-se que só seria possível pedir a prisão do devedor de alimentos, após ser completado o período de 3 (três) prestações em aberto, devendo o alimentado esperar o transcurso desse prazo para somente então exigir tal medida ao juiz.
Porém tal entendimento além de ser equivocado, gera ainda uma prática dolosa indesejada, pois incentiva o devedor a utilizar-se da má-fé em um nítido abuso de direito onde o mesmo deixa em aberto duas prestações e quando está prestes a completar a terceira, a qual autorizaria o pedido de sua prisão, este efetua o depósito do valor, repetindo tal mecanismo sucessivamente com o nítido fim de criar embaraços ao alimentado.
Vejamos o exemplo: por determinação judicial, foi decidido que João deve pagar a pensão alimentícia para seu filho todo dia 5 de cada mês, porém, por mera implicância e com o intuito de atingir a mãe de seu filho, o alimentante não paga as prestações em dia, deixando em aberto os meses de Janeiro e Fevereiro. Já no mês de março João deposita de uma vez só os valores referentes aos 3 (três) meses (Janeiro, Fevereiro e Março), sendo assim, evita qualquer possibilidade do alimentado requerer a sua prisão, já que não ficou inadimplente por 3 (três) meses completos, e por via reflexa alcançou o seu objetivo desejado que era de gerar transtornos à vida daqueles que esperavam o pagamento da pensão.
Permitir tal manobra, significa colocar um peso excessivo nas costas do exequente que ficará a mercê do executado que age de forma dolosa, o que não é a intenção do legislador e que poderá ser resolvido com uma melhor leitura do art. 528 do NCPC vejamos:
IV – Da leitura do art. 528 §7º com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
A fim de prestar uma maior segurança jurídica e efetividade ao alimentado é necessário interpretar o artigo 528 § 7º do CPC, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, onde as verbas de natureza alimentar alcançam grau máximo de importância em nosso sistema e por isso, não é possível compreender que o legislador condicionaria o direito do exequente, que é notadamente a parte mais vulnerável dessa relação o ônus de somente requerer a medida coercitiva máxima que é a prisão civil após o decurso de três prestações inadimplidas.
O entendimento tradicional peca por desconsiderar a natureza urgente e imediatista da prestação alimentícia inadimplida, afastando a compreensão de que a sobrevivência do indivíduo depende dessa resposta rápida a ser dada com essa ordem, o que não é possível no rito do cumprimento de sentença por quantia certa, o qual concede prazo de 15 dias para pagamento voluntário, para somente após ser possível a fase de expropriação, que muitas das vezes é infrutífera, dado os mecanismos de ocultação de patrimônio.
Para resolver tal problema, não há necessidade de alteração legislativa, mas sim uma nova compreensão do artigo em destaque onde deve-se entender que o legislador não tinha intenção de condicionar o requerimento a inadimplência de três parcelas, mas sim que bastasse a inadimplência de apenas uma das três últimas parcelas (as quais são as mais recentes e por isso demonstra a urgência) para que se possa requerer a prisão civil do devedor de alimentos.
Tal interpretação pode ser feita tendo em vista que o legislador não escreve que somente após o transcurso de três prestações é que possível requerer a prisão do devedor, mas sim que o débito que autoriza a prisão é o que compreende até as três prestação anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo. O uso da palavra “até”, nesses casos, indica que a alternativa de prisão poderia ser utilizada para verbas alimentares constantes em qualquer momento a partir do primeiro dia de inadimplência até se completarem três prestações anteriores ao protocolo do requerimento. Logicamente, todas as verbas que ultrapassarem esse período deverão ser cobradas pelo rito do art. 523 e seguintes, já que não são mais urgentes, e se a parte exequente não agiu tempestivamente e conseguiu sobreviver sem elas, não pode agora requerer a medida coercitiva.
Vejamos o exemplo que podem esclarecer melhor tal entendimento:
Exemplo 1: João deixou de pagar todas as parcelas compreendidas entre janeiro e junho. Dessa forma, é cabível exigir a prisão com base nas ultimas 3 prestações em aberto, ou seja, abril, maio e junho, devendo ser essas, e as que vencerem durante o decurso da prisão serem pagas para que o devedor seja solto. Quanto as parcelas de Janeiro, Fevereiro e Março poderão ser exigidas pelo procedimento do cumprimento de sentença por quantia certa do art. 523, já que não são urgentes, e não estão acorbertadas pelo parágrafo 7º do art. 528.
Exemplo 2: João deixou de pagar a prestação de Janeiro, neste caso já é possível requerer a prisão do mesmo desde logo, já que o débito corresponde a uma parcela compreendida entre as três últimas prestações anteriores ao requerimento.
Exemplo 3: João deixou de pagar as prestações de Janeiro e Fevereiro, neste caso também é possível requerer a prisão pois o débito está compreendido entre até as três últimas prestações anteriores ao requerimento.
Tal entendimento já possui respaldo na doutrina, sendo já defendido pelo Professor Araken de Assis em sua obra, onde ressalta que: “o atraso de uma parcela, compreendida nas últimas três, basta para esse efeito, não necessitando o exequente aguardar o cúmulo de três prestações vencidas.”[3] (ASSIS, 2016, p. 1327).
Seguindo esse mesmo raciocínio, o Conselho de Justiça Federal (CJF) em 2018 realizou a II Jornada de Direito Processual Civil, encontro este que contava com a presença de vários processualistas de renome que ao discutir temas relacionados a interpretação e aplicação do CPC foi aprovado o seguinte enunciado que é um importante postulado de doutrina.
Enunciado 147 do CJF: Basta o inadimplemento de uma parcela, no todo ou em parte, para decretação da prisão civil prevista no art. 528, § 7º, do CPC.
E por fim, esse entendimento já possuí precedentes no Superior Tribunal de Justiça, que assim já se manifestou sobre a possibilidade de prisão já na época do CPC/73:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NÃO CONFIGURADA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DÉBITO ATUAL. DUAS ÚLTIMAS PARCELAS ANTERIORES À DATA DO AJUIZAMENTO, ACRESCIDAS DAS VINCENDAS. ADMISSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 733 DO CPC. (...) 3. O atraso de uma só prestação alimentícia, desde que atual, ou seja, compreendida entre as três últimas devidas, já autoriza o pedido de prisão do devedor, nos termos do artigo 733 do CPC (Súmula 309 do STJ). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 561.453/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 27/10/2015)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. (...) 2. O atraso de uma só prestação, desde que atual e compreendida entre as três últimas devidas, enseja a prisão do devedor. Hipótese em que há inadimplência também de parcelas vencidas após o ajuizamento da execução (Súmula n. 309/STJ e art. 733, § 1º, do CPC). 3. Recurso ordinário desprovido. (RHC 56.773/PE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 10/08/2015)
Desta forma, evidencia-se que o fator predominante para a concessão da prisão é a questão do débito atual compreendido até as 3 últimas prestações. Vale ressaltar que recentemente o próprio STJ restringiu a aplicação da pena de prisão, a concedendo apenas quando a prisão representar a medida de maior efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor.[4] Tal entendimento não prejudica de forma alguma o que foi exposto neste artigo, já que trata-se de apenas mais um fator a ser analisado ao magistrado no momento de sua concessão, já que deve-se evitar abusos tanto da parte exequente, quanto da executada.
Conclusão
Diante de tudo que foi exposto, resta devidamente comprovado que a doutrina e a jurisprudência já entendem que é possível a prisão do devedor de alimentos pelo débito atual que esteja compreendido entre o primeiro dia de inadimplemento até três prestações, desde que caracterizada a urgência e a necessidade do alimentante, devendo ser afastado a aplicação do entendimento anterior que exigia que se completasse três prestações em aberto.
BIBLIOGRAFIA
ASSIS, Araken de. In Manual de execução. - 16. ed. rev., atual. e ampl. _ São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1327.
GARJADONI, Fernando da Fonseca Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015 / Fernando da Fonseca Gajardoni; Luiz Dellore; Andre Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2016
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ed. São Paulo: JusPodivm, 2016
SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil, 3ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. 3.
[1] Art. 528 § 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
[2] Súmula 309 STJ - O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
[3] Assis, Araken de. In Manual de execução. - 16. ed. rev., atual. e ampl. _ São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1327.
[4] Prisão por dívida alimentar exige demonstração da urgência na prestação dos alimentos- <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Pris%C3%A...; Acesso em 01/04/2019
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