Da
ação de prestação de contas de alimentos. Breve análise a partir da Lei
13.508/14 e do novo CPC
Flávio Tartuce
Fonte: Migalhas. Coluna Família
e Sucessões.
A viabilidade jurídica da ação
de prestação de contas de alimentos é tema que sempre foi muito debatido nos
âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Como bem demonstra Rolf Madaleno,
"tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido
não ser exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão
alimentícia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não havendo como o
alimentante pretender a eventual restituição de alimentos desviados ou mal
empregados".1
De fato, podem ser encontrados vários julgados entendendo por sua
impossibilidade, por ilegitimidade ativa do alimentante e pela falta de
interesse processual, entre outros argumentos (ver: TJ/SP, Apelação
0003673-49.2010.8.26.0099, Acórdão 8.044.325, Bragança Paulista, 9ª câmara de
Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Bucci, julgado em 25/11/14, DJESP 20/01/15;
TJ/DF, Recurso 2013.01.1.033648-0, Acórdão 766.021, 4ª turma Cível, Rel. Des.
Arnoldo Camanho de Assis,DJDFTE 12/03/14, p. 280; TJ/MG, Apelação
cível 1.0518.13.016606-0/001, Rel. Des. Washington Ferreira, julgado em
19/08/14, DJEMG 22/08/14; TJ/MG, Apelação cível
1.0643.11.000295-0/001, Relª Desª Áurea Brasil, julgado em 10/07/14, DJEMG 22/07/14;
TJ/PR, Apelação cível 1204895-0, Palmas, 12ª câmara Cível, Rel. Juiz Convocado
Luciano Carrasco Falavinha Souza, DJPR 12/09/14, pág. 330). Na
mesma linha, conforme se retira de decisium do STJ,
"segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse
de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do
alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha
sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse
dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do
filho fiscalizar a sua manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua
ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela
genitora" (STJ, AgRg. no REsp. 1.378.928/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti,
3ª turma, julgado em 13/08/2013, DJe 06/09/13). Além dessa
argumentação, a ação de prestação de contas das verbas em estudo vinha sendo
rejeitada com base na premissa da irrepetibilidade dos alimentos.
Esse era o entendimento majoritário, que foi substancialmente alterado pela lei
13.508, de dezembro de 2014; dispositivo que trouxe modificações substanciais
em matéria de guarda. Uma dessas alterações diz respeito à introdução do § 5º
no art. 1.583 do CC, com a seguinte dicção: "a guarda unilateral obriga o
pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e,
para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte
legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou
subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde
física e psicológica e a educação de seus filhos". A menção à supervisão e
à prestação de contas, sem dúvidas, pode estar relacionada aos alimentos.
Esclareça-se, por oportuno, que a fixação da guarda compartilhada (ou
alternada) não gera, por si só, a extinção da obrigação alimentar em relação
aos filhos, devendo a fixação dos alimentos sempre ser analisada de acordo com
o binômio ou trinômio alimentar. Em complemento, quanto à prestação das contas
alimentares, passa ela a ser plenamente possível, afastando-se os argumentos
processuais anteriores em contrário, especialmente a ilegitimidade ativa e a
ausência de interesse processual. Igualmente, não deve mais prosperar a
premissa da irrepetibilidade como corolário da inviabilidade dessa prestação de
contas.
De toda sorte, acreditamos que a exigência da prestação deve ser analisada mais
objetiva do que subjetivamente, deixando-se de lado pequenas diferenças de
valores e excessos de detalhes na exigência da prestação, o que poderia
torná-la inviável ou até aumentar o conflito entre as partes. Essa também é a
percepção de João Ricardo Brandão Aguirre, em palestra recentemente ministrada
em evento do IBDFAM.2
Interessante observar que o texto legal faz referência tanto à prestação de
contas objetiva quanto à subjetiva, devendo a primeira
prevalecer. Para esta proposta que se faz, entram em cena o princípio da boa-fé
objetiva processual e o dever de cooperação imposto às partes da demanda,
regramentos que passam a ter um tratamento mais aprofundado no novo CPC, em
especial pelos seus arts. 5º e 6º.3 Consigne-se que a
boa-fé objetiva já é o norte interpretativo para a conversão da mora em
inadimplemento absoluto, a preencher o critério da utilidade da
obrigação ao credor, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC.4 Conforme o Enunciado 162, aprovado na III
Jornada de Direito Civil (2004), "a inutilidade da prestação que
autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida
objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e
não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor". Pensamos que
esses parâmetros também devem valer para a ação de prestação de contas.
A esse propósito, para a prestação de contas dos alimentos, igualmente servem como guia as precisas palavras de Rolf Madaleno, para quem "sabido quão fértil se presta o Direito de Família para a prática do abuso do direito, vedado pela legislação civil (CC, art. 187), inclusive no instituto dos alimentos, quando os filhos são prejudicados pelos desvios ou pela má gestão do seu crédito alimentar, e se existe a intenção de prejudicar, pelo exercício abusivo do genitor administrador da pensão dos filhos, atenta este ascendente contra os interesses superiores das crianças e dos adolescentes, ao encontrar no desvio dos recursos da prole um meio propício às suas vantagens pessoais, e a prestação de contas exigida pelo alimentante não destituído do poder familiar é a grande reserva a favor dos interesses superiores do alimentante. Mas também pode existir abuso por parte do devedor de alimentos ao encontrar na prestação de contas uma maneira de incomodar o ex-cônjuge com reiteradas admoestações processuais, por suspeitas inconsistentes de malversação dos alimentos, devendo ser bem dosada a rendição das contas, cuja solução também pode passar por uma demanda alternativa de inspeção judicial, realizada por assistentes sociais em visita à residência do alimentando, e sua escola, escutando outros familiares, amigos e vizinhos, até onde for possível e discreto, para apurar e avaliar a realidade e dimensão da pretensão processual de rendição de contas, correndo os custos desta diligência pela parte devedora".5
Como nota derradeira, é preciso fazer uma última atualização do tema frente ao
Novo CPC. Isso porque os arts. 914 a 919 do CPC/73 tratavam do rito especial da
ação de prestação de contas, tanto em relação àquele que teria o direito de
exigi-las quanto para o obrigado a prestá-las. No Estatuto Processual
emergente, o rito especial foi mantido somente no que concerne a quem tem o
direito de exigi-las, nos termos dos seus arts. 550 a 553 (ação de exigir
contas). Parece-nos que, para aqueles que são obrigados à sua prestação, a
ação deve seguir o procedimento comum, e não mais o especial.
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1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2010, p. 897.
1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2010, p. 897.
2 Conforme exposição
realizada no Seminário “Os Novos Paradigmas do Direito de Família”, promovido
em João Pessoa, pelo Ministério Público do Estado da Paraíba e pelo IBDFAM,
entre os dias 28 e 30 de maio de 2015, na sede da Procuradoria-Geral local.
3 Novo CPC. “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
3 Novo CPC. “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
4 CC/2002. “Art. 395.
Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação,
devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a
satisfação das perdas e danos”.
5 MADALENO, Rolf. Curso de
direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2010, p. 899-900.
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