O fim da audiência de conciliação no divórcio
Mário Luiz Delgado
Fonte:
Migalhas.
A
decisão encerra uma velha polêmica no que diz respeito à obrigatoriedade da
audiência da ratificação. O § 2º, do art. 1.122, do CPC atual2, alude
expressamente ao referido ato processual e diz ser cogente o comparecimento das
partes, sob pena de arquivamento do processo. Não obstante, muitos juízos de
família, em prol da celeridade processual, já dispensavam a realização dessa
audiência.
A
imposição da audiência tinha origem na antiga lei do divórcio (lei 6.515/77) e seu objetivo originalmente era promover todos
os esforços para a reconciliação dos cônjuges. Posteriormente a audiência
passou a ser utilizada também para aferir a higidez das manifestações de
vontade apostas no acordo. Em acórdão do TJ/RS, colhe-se o registro “que na
perspectiva atual a finalidade desse ato deve centrar-se na efetiva verificação
da convergência de vontade das partes com o que consta plasmado na petição (e
não na intervenção do juiz na tentativa de manter o vínculo, como antigamente),
o que, largamente demonstra a experiência, frequentemente se verifica não
ocorrer - desdobrando-se, posteriormente, em inúmeros feitos na tentativa de
modificar os termos do acordo, sob os mais diversos argumentos, como coação,
desconhecimento das suas consequências, etc”3. Essa posição parece ser
majoritária em muitos tribunais estaduais4.
Para
Rolf Madaleno, ainda “prevalece sim, um interesse de proteção estatal na justa
composição da separação ou do divórcio, para que cônjuges possam ser
induvidosamente esclarecidos, ou que assim manifestem perante o juiz, de
estarem efetivamente cientes dos efeitos das cláusulas por eles ajustadas na
sua separação no seu divórcio e, portanto, para que não saiam prejudicados em
seus direitos”.5
Com
todo respeito, os argumentos a favor da obrigatoriedade da audiência nos
parecem francamente ultrapassados. De fato, com o nível de inclusão social da
população brasileira na atual quadra da sociedade da informação aliado ao
volume descomunal de processos que atola os escaninhos (físicos ou virtuais) do
Judiciário, não faz qualquer sentido a obrigatoriedade da audiência em um
procedimento consensual.
Os
riscos de fraude, ou mesmo de prejuízo a um dos cônjuges ou aos filhos, podem
ser coibidos pelos instrumentos previstos na legislação, a exemplo da ação
anulatória.
Demais
disto, se o acordo for pernicioso, o juiz pode se recusar a homologá-lo,
consoante previsão do parágrafo único do art. 1.574 do CC, a repetir o § 2º do art. 34 da lei 6.515/77,
independentemente de ter havido ou não a audiência6. Constatada a possibilidade
concreta de prejuízo a um dos cônjuges, mostra-se “plenamente possível ao juízo
rejeitar a homologação de acordo, que entenda desatender aos interesses de um
dos consortes”7.
Registre-se,
finalmente, que o novo CPC, a entrar em vigor em março de 2015, não mantém mais
a exigência, implicando o fim de qualquer controvérsia que ainda pudesse ser
suscitada.
Atualmente,
enquanto vigente o CPC/73, nada impede que os juízes de família continuem a
realizar as audiências de ratificação, por deliberação própria, sabendo, de
antemão que a sua não realização não implicará qualquer nulidade. A partir da
entrada em vigor do NCPC, a imposição da audiência contra a vontade das partes
será manifestamente ilegal.
_______________
1 No julgamento do REsp 1.483.841, a
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a audiência de
conciliação ou ratificação que antecede a homologação de divórcio consensual
tem cunho meramente formal, e a falta de sua realização não justifica a
anulação do divórcio quando não há prejuízo para as partes. Confira-se a
ementa: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO
CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO.
INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada
pela EC 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio.
2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo.4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art.226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto.5.Não cabe,in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria.6. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1483841/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 27/03/2015)
2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo.4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art.226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto.5.Não cabe,in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria.6. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1483841/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 27/03/2015)
2 Art. 1.122. Apresentada a petição ao
juiz, este verificará se ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos
antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação
consensual, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.§ 1o
Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a
separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir
o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o homologará; em caso
contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 (quinze) a 30 (trinta) dias de
intervalo, para que voltem a fim de ratificar o pedido de separação
consensual.§ 2o Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada
ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e
arquivar o processo.
3 Apelação Cível Nº 70053849014, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
Julgado em 19/04/2013.
4 * CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA.
DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO.
AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA. SENTENÇA CASSADA. 1. A AUSÊNCIA DE
RECONHECIMENTO DE FIRMA DAS PARTES NA PETIÇÃO INICIAL DE DIVÓRCIO, ALIADA A NÃO
DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO, GERA INSEGURANÇA JURÍDICA E É CAUSA DE
NULIDADE DA SENTENÇA QUE HOMOLOGA O DIVÓRCIO. 2.RECURSO PROVIDO. SENTENÇA
CASSADA.
(TJ-DF - APC: 20130310162204 DF 0015977-03.2013.8.07.0003, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 06/11/2013, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/11/2013 . Pág.: 130) * PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. NECESSIDADE. INTERESSE DE MENOR. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Acordo que envolve menor não pode ser homologado judicialmente sem que antes seja realizada audiência de ratificação, sendo necessária a intervenção do Ministério Público no feito, já que o principal interesse a ser protegido é o da criança. "Os interesses dos menores se sobrepõem aos princípios da celeridade e economia processual". (Desembargador Mazoni Ferreira).(TJ-SC - AC: 663005 SC 2009.066300-5, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 15/09/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)
(TJ-DF - APC: 20130310162204 DF 0015977-03.2013.8.07.0003, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 06/11/2013, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/11/2013 . Pág.: 130) * PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. NECESSIDADE. INTERESSE DE MENOR. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Acordo que envolve menor não pode ser homologado judicialmente sem que antes seja realizada audiência de ratificação, sendo necessária a intervenção do Ministério Público no feito, já que o principal interesse a ser protegido é o da criança. "Os interesses dos menores se sobrepõem aos princípios da celeridade e economia processual". (Desembargador Mazoni Ferreira).(TJ-SC - AC: 663005 SC 2009.066300-5, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 15/09/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)
5 Separação extrajudicial: praticidade,
trâmite e fraude. In: Antonio Coltro, Mario Luiz Delgado (Org.). Separação, divórcio, partilha e inventário
extrajudiciais. 2 ed.
São Paulo: Método, 2011, p. 266.
6 Essa faculdade atribuída ao juiz, também
chamada de “cláusula de dureza”, é ato fundamentado do magistrado no exercício
de seu munus, adotado com ou sem manifestação do interessado. Por
interferir na autonomia privada dos cônjuges a regra é considerada
inconstitucional por parcela da doutrina.(Vide DIAS, Maria Berenice. Manual
de direito das familias 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p.292).
7 STJ- REsp 1203786/SC, DJe 19/03/2014.
________________
* Mário
Luiz Delgado é advogado do escritório MLD – Mário Luiz Delgado
Advogados. Doutor pela USP. Mestre pela PUC/SP. Professor. Diretor de
Assuntos Legislativos do IASP. Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos
do IBDFAM.
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