RESUMO. INFORMATIVO 558 DO STJ.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR EM AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONTRATOS DE
MÚTUO E FINANCIAMENTO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES.
8/2008-STJ). Nos contratos de mútuo e financiamento, o devedor não possui
interesse de agir para a ação de prestação de contas. A ação de prestação
de contas constitui procedimento especial de jurisdição contenciosa normatizado
nos arts. 914 a 919 do CPC e presta-se, essencialmente, a dirimir
incertezas surgidas a partir da administração de bens, negócios e interesses
alheios, cabendo ao gestor a apresentação minuciosa de todas as receitas e
despesas envolvidas na relação jurídica e, ao final, a exibição do saldo, que tanto
pode ser credor quanto devedor. O art. 914 do CPC dispõe que a “ação de
prestação de contas competirá a quem tiver: I - o direito de exigi-las; II - a
obrigação de prestá-las”. A hipótese a que se refere o inciso I – única que
interessa ao presente caso – visa a permitir que o autor exija do réu o
oferecimento de contas. Fundamenta-se exclusivamente na existência ou não do
direito de exigir essas contas, sem que seja necessário que se invoque alguma
desconfiança sobre o trabalho exercido pelo administrador ou algum saldo
supostamente existente em razão da atuação deste. Assim, na ação de prestação
de contas, é fundamental a existência, entre autor e réu, de relação jurídica
de direito material em que um deles administre bens, direitos ou interesses alheios.
Sem essa relação, inexiste o dever de prestar contas. Nessa ordem de ideias,
são duas conclusões acerca do interesse de agir nesse tipo de ação: a) o
interesse sobre o qual versa a prestação de contas independe da existência ou
não de débito e b) requer apenas a existência de vínculo jurídico capaz de
obrigar uma das partes a prestá-las em favor da outra. No contrato de mútuo
bancário, a obrigação do mutuante cessa com a entrega da coisa. Nesse contexto,
não há obrigação da instituição financeira em prestar contas, porquanto a
relação estabelecida com o mutuário não é de administração ou gestão de bens
alheios, sendo apenas um empréstimo. Conclui-se, então, pela inexistência de
interesse de agir do cliente/mutuário para propor ação de prestação de contas,
haja vista que o mutuante/instituição financeira exime-se de compromissos com a
entrega da coisa. Ou seja, “a atividade da instituição financeira limita-se a
entrega de recursos ao tomador do empréstimo, no valor estipulado
contratualmente, cabendo a este a restituição da quantia emprestada, na forma
pactuada”. (REsp 1.225.252-PR, Terceira Turma, DJe 6/5/2013). No que concerne à
matéria, a Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.201.662-PR, firmou o
entendimento de que, na hipótese de contrato de financiamento, não há, para o
tomador do financiamento, interesse de agir na propositura de ação de prestação
de contas, uma vez que o banco não administra recursos do financiado. Ademais,
importante salientar que a questão analisada é diversa da regulada na Súmula
259 do STJ, que dispõe sobre o cabimento da ação de prestação de contas em
contratos de conta-corrente bancária. Aliás, toda argumentação utilizada até
aqui deve ser estendida aos contratos de financiamento em geral. Nessa espécie
contratual, assim como no empréstimo bancário, o cliente adquire certa quantia
em dinheiro com a instituição financeira, comprometendo-se a saldá-la em
determinado prazo, na forma avençada no contrato. A diferença entre eles é que,
no contrato de financiamento, há destinação específica dos recursos tomados,
como, por exemplo, para a aquisição de um bem imóvel ou de um veículo. Ademais,
geralmente o contrato de financiamento possui algum tipo de garantia, como a
hipoteca ou a alienação fiduciária. Conclui-se, então, que, na hipótese de
contrato de financiamento, assim como no de mútuo, não há, para o tomador do
financiamento, interesse de agir na propositura de ação de prestação de contas,
uma vez que o banco não administra recursos do financiado: trata-se aqui de
contrato fixo, em que há valor e taxa de juros definidos, cabendo ao próprio
financiado fazer o cálculo, pois todas as informações constam no contrato. REsp 1.293.558-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção,
julgado em 11/3/2015, DJe 25/3/2015.
DIREITO CIVIL. ADOÇÃO DE PESSOA
MAIOR DE IDADE SEM O CONSENTIMENTO DE SEU PAI BIOLÓGICO.Ante o abandono do adotando pelo pai biológico e o estabelecimento
de relação paterno-filial (vínculo afetivo) entre adotante e adotando, a adoção
de pessoa maior de idade não pode ser refutada sem apresentação de justa causa
por parte do pai biológico. Após a revogação do art. 1.621 do CC pela Lei
12.010/2009, o ECA passou a reger, no que couber, a adoção de maiores de
dezoito anos (art. 1.619 do CC). Nesse passo, convém esclarecer que o caput do
art. 45 do referido Estatuto dispõe que “a adoção depende do consentimento dos
pais ou do representante legal do adotando”. Por sua vez, o § 1° do mencionado
dispositivo do ECA preceitua que “o consentimento será dispensado em relação à
criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido
destituídos do poder familiar”. Ciente disso, importa destacar que o poder
familiar extingue-se pela maioridade (art. 1.635 do CC), pois “os filhos estão
sujeitos ao poder familiar, enquanto menores” (art. 1.630 do CC). Portanto,
considerando-se que o direito em discussão está envolto à defesa de interesse
individual e disponível de pessoa plenamente capaz e que o exercício da
autonomia da vontade do maior de dezoito anos não depende mais do consentimento
de seus pais ou de seu representante legal, não se aplica o art. 45 do ECA à
adoção de maior de idade. Além disso, o art. 48 do ECA dispõe que “o adotado
tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso
irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais
incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”. Desse modo, sendo possível ao filho
maior buscar suas origens biológicas, partindo-se de uma interpretação
teleológica desse dispositivo, é possível reconhecer também o direito de
afastá-las por definitivo, por meio de adoção quando ele atingir a maioridade. REsp 1.444.747-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado
em 17/3/2015, DJe 23/3/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR. OFENSAS
PUBLICADAS EM BLOG E NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DOS ENDEREÇOS ELETRÔNICOS PELO
OFENDIDO. Na hipótese em que tenham sido publicadas, em um blog,
ofensas à honra de alguém, incumbe ao ofendido que pleiteia judicialmente a
identificação e rastreamento dos autores das referidas ofensas – e não ao
provedor de hospedagem do blog – a indicação específica dos URLs das páginas
onde se encontram as mensagens. Os blogs são páginas na internet
cuja estrutura possibilita a rápida e constante atualização mediante acréscimo
dos denominados posts (comentários, artigos). Essas páginas são
hospedadas por provedores, que não exercem controle sobre os conteúdos das
páginas criadas e operadas pelos usuários. A esses provedores de hospedagem
compete garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais
dos usuários, bem como o funcionamento e manutenção das páginas na internet que
contenham os blogs desses usuários. Não cabe ao provedor de hospedagem
localizar os artigos ofensivos à honra do ofendido, fazer juízo prévio para
fornecer-lhe os dados requeridos, tais como IPs e outros. Cabe ao interessado
informar o respectivo URL (Universal Resource Locator, isto é,
localizador universal de recursos) em que se encontram os artigos/posts
cujo conteúdo se considera lesivo. Sem essa individualização, a providência do
provedor se assemelharia a um rastreamento, ficando ao seu arbítrio o
apontamento de interesses exclusivos do ofendido, podendo, inclusive, envolver
terceiras pessoas com quem não tem relação alguma ou que não sejam responsáveis
pelo que pretende o ofendido. É certo que a Constituição Federal, ao assegurar
o direito à liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), vedou o
anonimato. Em razão disso, deve o provedor manter dados indispensáveis à
identificação dos usuários. Isso decorre, inclusive, das disposições do art.
6º, III, do CDC, que instituiu o dever de informação nas relações de consumo.
Observe-se, porém, que isso se aplica aos usuários que contrataram os serviços
do provedor. Dessa forma, já que a CF veda o anonimato, os provedores de
hospedagem de blogs têm de manter um sistema de identificação de
usuários; todavia, não estão obrigados a exercer controle do conteúdo dos posts
inseridos nos blogs. Deve o ofendido, portanto, realizar a indicação
específica dos URLs das páginas onde se encontra a mensagem considerada
ofensiva, sem os quais não é possível ao provedor de hospedagem de blogs
localizar, com segurança, determinada mensagem considerada ofensiva. REsp 1.274.971-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
19/3/2015, DJe 26/3/2015.
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
RESPONSABILIDADE POR OFENSAS PROFERIDAS POR INTERNAUTA E VEICULADAS EM PORTAL
DE NOTÍCIAS.A sociedade empresária gestora de portal de notícias que
disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá
responsabilidade solidária por comentários, postados nesse campo, que, mesmo
relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro e que
tenham ocorrido antes da entrada em vigor do marco civil da internet (Lei
12.965/2014). Inicialmente, cumpre registrar que, de acordo com a
classificação dos provedores de serviços na internet apresentada pela Min.
Nancy Andrighi no REsp 1.381.610-RS, essa sociedade se enquadra nas categorias:
provedora de informação – que produz as informações divulgadas na Internet –,
no que tange à matéria jornalística divulgada no site; e provedora de conteúdo
– que disponibiliza na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos
provedores de informação –, no que tocante às postagens dos usuários. Essa
classificação é importante porque tem reflexos diretos na responsabilidade
civil do provedor. De fato, a doutrina e a jurisprudência do STJ têm se
manifestado pela ausência de responsabilidade dos provedores de conteúdo pelas
mensagens postadas diretamente pelos usuários (REsp 1.338.214-MT, Terceira
Turma, DJe 2/12/2013) e, de outra parte, pela responsabilidade dos provedores
de informação pelas matérias por ele divulgadas (REsp 1.381.610-RS, Terceira
Turma, DJe 12/9/2013). Não obstante o entendimento doutrinário e
jurisprudencial contrário à responsabilização dos provedores de conteúdo pelas
mensagens postadas pelos usuários, o caso em análise traz a particularidade de
o provedor ser um portal de notícias, ou seja, uma sociedade cuja atividade é
precisamente o fornecimento de informações a um vasto público consumidor. Essa
particularidade diferencia o presente caso daqueles outros julgados pelo STJ,
em que o provedor de conteúdo era empresa da área da informática, como a
Google, a Microsoft etc. Efetivamente, não seria razoável exigir que empresas
de informática controlassem o conteúdo das postagens efetuadas pelos usuários
de seus serviços ou aplicativos. Todavia, tratando-se de uma sociedade que
desenvolve atividade jornalística, o controle do potencial ofensivo dos
comentários não apenas é viável, como necessário, por ser atividade inerente ao
objeto da empresa. Ademais, é fato notório, nos dias de hoje, que as redes
sociais contêm um verdadeiro inconsciente coletivo que faz com que as pessoas
escrevam mensagens, sem a necessária reflexão prévia, falando coisas que
normalmente não diriam. Isso exige um controle por parte de quem é profissional
da área de comunicação, que tem o dever de zelar para que o direito de crítica
não ultrapasse o limite legal consistente no respeito à honra, à privacidade e
à intimidade da pessoa criticada. Assim, a ausência de qualquer controle,
prévio ou posterior, configura defeito do serviço, uma vez que se trata de
relação de consumo. Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva
existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido.
Consequentemente, a sociedade deve responder solidariamente pelos danos
causados à vítima das ofensas morais, que, em última análise, é um bystander,
por força do disposto no art. 17 do CDC. Saliente-se que, tratando-se de uma
sociedade que desenvolva atividade jornalística, não se pode admitir a ausência
de qualquer controle sobre as mensagens e comentários divulgados, porque se
mesclam com a própria informação, que é o objeto central da sua atividade
econômica, devendo oferecer a segurança que dela legitimamente se espera (art.
14, § 1º, do CDC). Cabe esclarecer que o marco civil da internet (Lei
12.965/2014) não se aplica à hipótese em apreço, porque os fatos ocorreram
antes da entrada em vigor dessa lei, além de não se tratar da responsabilidade
dos provedores de conteúdo. Consigne-se, finalmente, que a matéria poderia
também ter sido analisada na perspectiva do art. 927, parágrafo único, do CC,
que estatuiu uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco,
chegando-se a solução semelhante à alcançada mediante a utilização do CDC. REsp 1.352.053-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/3/2015,
DJe 30/3/2015.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
POSSIBILIDADE DE PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA POR MÁ-FÉ DO DEVEDOR.Não se deve desconstituir a penhora de imóvel sob o
argumento de se tratar de bem de família na hipótese em que, mediante acordo
homologado judicialmente, o executado tenha pactuado com o exequente a
prorrogação do prazo para pagamento e a redução do valor de dívida que
contraíra em benefício da família, oferecendo o imóvel em garantia e
renunciando expressamente ao oferecimento de qualquer defesa, de modo que,
descumprido o acordo, a execução prosseguiria com a avaliação e praça do
imóvel. De fato, a jurisprudência do STJ inclinou-se no sentido de que o
bem de família é impenhorável, mesmo quando indicado à constrição pelo devedor.
No entanto, o caso em exame apresenta certas peculiaridades que torna válida a
renúncia. Com efeito, no caso em análise, o executado agiu em descompasso com o
princípio nemo venire contra factum proprium, adotando comportamento
contraditório, num momento ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte,
arguindo a impenhorabilidade do mesmo bem, o que evidencia a ausência de
boa-fé. Essa conduta antiética deve ser coibida, sob pena de desprestígio do
próprio Poder Judiciário, que validou o acordo celebrado. Se, por um lado, é
verdade que a Lei 8.009/1990 veio para proteger o núcleo familiar,
resguardando-lhe a moradia, não é menos correto afirmar que aquele diploma legal
não pretendeu estimular o comportamento dissimulado. Como se trata de acordo
judicial celebrado nos próprios autos da execução, a garantia somente podia ser
constituída mediante formalização de penhora incidente sobre o bem. Nada
impedia, no entanto, que houvesse a celebração do pacto por escritura pública,
com a constituição de hipoteca sobre o imóvel e posterior juntada aos autos com
vistas à homologação judicial. Se tivesse ocorrido dessa forma, seria
plenamente válida a penhora sobre o bem em razão da exceção à impenhorabilidade
prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/1990, não existindo, portanto,
nenhuma diferença substancial entre um ato e outro no que interessa às partes.
Acrescente-se, finalmente, que a decisão homologatória do acordo tornou
preclusa a discussão da matéria, de forma que o mero inconformismo do devedor
contra uma das cláusulas pactuadas, manifestado tempos depois, quando já
novamente inadimplentes, não tem força suficiente para tornar ineficaz a
avença. Dessa forma, não se pode permitir, em razão da boa-fé que deve reger as
relações jurídicas, a desconstituição da penhora, sob pena de desprestígio do
próprio Poder Judiciário. REsp 1.461.301-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
5/3/2015, DJe 23/3/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE
AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO NA AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. Na ação de divórcio direto consensual, é
possível a imediata homologação do divórcio, sendo dispensável a realização de
audiência de conciliação ou ratificação (art. 1.122 do CPC), quando o
magistrado tiver condições de aferir a firme disposição dos cônjuges em se
divorciarem, bem como de atestar que as demais formalidades foram atendidas. Com
a edição da EC 66/2010, a nova redação do art. 226, § 6º, da CF – que dispõe
que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio – eliminou os prazos à
concessão do divórcio e afastou a necessidade de arguição de culpa, presente na
separação, não mais adentrando nas causas do fim da união, deixando de expor
desnecessária e vexatoriamente a intimidade do casal, persistindo essa questão
apenas na esfera patrimonial quando da quantificação dos alimentos. Criou-se,
dessa forma, nova figura totalmente dissociada do divórcio anterior. Assim, os
arts. 40, § 2º, da Lei 6.515/1977 (Lei do divórcio) e 1.122, §§ 1º e 2º, do
CPC, ao exigirem uma audiência a fim de se conceder o divórcio direto
consensual, passaram a ter redação conflitante com o novo entendimento, segundo
o qual não mais existem as condições pré-existentes ao divórcio: de averiguação
dos motivos e do transcurso de tempo. Isso porque, consoante a nova redação, o
divórcio passou a ser efetivamente direto. A novel figura passa ser voltada
para o futuro. Passa a ter vez no Direito de Família a figura da intervenção
mínima do Estado, como deve ser. Vale relembrar que, na ação de divórcio
consensual direto, não há causa de pedir, inexiste necessidade de os autores
declinarem o fundamento do pedido, cuidando-se de simples exercício de um
direito potestativo. Portanto, em que pese a determinação constante no art.
1.122 do CPC, não mais subsiste o referido artigo no caso em que o magistrado
tiver condições de aferir a firme disposição dos cônjuges em se divorciarem,
bem como de atestar que as demais formalidades foram atendidas. Com efeito, o
art. 1.122 do CPC cuida obrigatoriamente da audiência em caso de separação e
posterior divórcio. Assim, não havendo mais a separação, mas o divórcio
consensual direto e, principalmente, em razão de não mais haver que se apurarem
as causas da separação para fins de divórcio, não cabe a audiência de
conciliação ou ratificação, por se tornar letra morta. Nessa perspectiva, a
audiência de conciliação ou ratificação teria apenas cunho eminentemente
formal, sem nada a produzir. De fato, não se desconhece que a Lei do Divórcio
ainda permanece em vigor, discorrendo acerca de procedimentos da separação
judicial e do divórcio (arts. 34 a 37, 40, §2º, e 47 e 48), a qual remete ao
CPC (arts. 1.120 a 1.124). Entretanto, a interpretação de todos esses
dispositivos infraconstitucionais deverá observar a nova ordem constitucional e
a ela se adequar, seja por meio de declaração de inconstitucionalidade parcial
sem redução de texto, seja como da interpretação conforme a constituição ou,
como no caso em comento, pela interpretação sistemática dos artigos. REsp 1.483.841-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/3/2015, DJe
27/3/2015.
DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE PARA COBRANÇA DE
ALUGUÉIS VENCIDOS EM DATA ANTERIOR À DA ALIENAÇÃO DO IMÓVEL.O antigo proprietário – alienante – tem
legitimidade para cobrar os aluguéis que tenham vencido em data anterior à
alienação do imóvel, somente cabendo ao novo proprietário – adquirente –
direito sobre tais parcelas caso disposto no contrato de compra e venda do
imóvel. Em princípio, o contrato de locação é uma relação jurídica de
cunho obrigacional, pessoal, constituída entre o locador e o locatário, em que
o primeiro transfere ao segundo a posse direta do imóvel para uso. Já o
contrato de compra e venda celebrado posteriormente entre o
proprietário/locador e terceiro estabelece um novo negócio jurídico, que não
vincula, por si só, o adquirente do imóvel ao locatário, tendo em vista que não
foi ele quem contratou a locação, e sim o locador/vendedor, que deixou de ser
proprietário da coisa. Ademais, a alienação não altera a relação obrigacional
entre o locatário e o locador no período anterior à venda do imóvel. Sendo
assim, o locatário se tornará obrigado perante o novo proprietário somente após
o negócio jurídico, por força de sub-rogação legal, nos termos do art. 8º, §
2º, da Lei 8.245/1991. REsp 1.228.266-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
10/3/2015, DJe 23/3/2015.
DIREITO CIVIL. DIREITO A ALIMENTOS PELO
ROMPIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. É juridicamente possível o pedido de
alimentos decorrente do rompimento de união estável homoafetiva. De
início, cabe ressaltar que, no STJ e no STF, são reiterados os julgados dando
conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do
mesmo sexo sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem
como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e repúdio à
discriminação de qualquer natureza (STF: ADPF 132, Tribunal Pleno, DJe
14/10/2011; e RE 477554 AgR, Segunda Turma, DJe 26/08/2011. STJ: REsp
827.962-RS, Quarta Turma, DJe 08/08/2011; e REsp 1.199.667-MT, Terceira Turma,
DJe 04/08/2011). Destaque-se que STF explicitou que o julgamento da ADPF 132-RJ
proclamou que “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação
sexual” (RE 477.554 AgR, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). De fato, a igualdade e
o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito a
autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias,
sendo a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como
direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana. Em
outras palavras, resumidamente: o direito à igualdade somente se realiza com
plenitude se for garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não
se mostra consentânea com o ordenamento constitucional, que prevê o princípio
do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226), tendo como alicerce a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) somada à solidariedade social (art.
3º) e à igualdade substancial (arts. 3º e 5º). É importante ressaltar, ainda,
que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas
pessoas em se unirem, com escopo de constituírem família. Nesse momento, a
Constituição lhes franqueia ampla proteção funcionalizada na dignidade de seus
membros. Trilhando esse raciocínio é que o STF, no julgamento conjunto da ADPF
132-RJ e da ADI 4.277-DF, conferiu interpretação conforme ao art. 1.723 do CC
(“é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família”) para afastar qualquer exegese que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de
família. Por conseguinte, “este reconhecimento é de ser feito segundo as mesmas
regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva”. Portanto,
a legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma
expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo
regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais, trazendo
efetividade e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, não
discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade, autodeterminação, proteção
das minorias, busca da felicidade e ao direito fundamental e personalíssimo à
orientação sexual. Nessa ordem de ideias, não há como afastar da relação de
pessoas do mesmo sexo a obrigação de sustento e assistência técnica,
protegendo-se, em última análise, a própria sobrevivência do mais vulnerável
dos parceiros, uma vez que se trata de entidade familiar, vocacionalmente
amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no
espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas
relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade
(ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ). Ora, se a união homoafetiva é reconhecidamente
uma família e se o fundamento da existência das normas de direito de família
consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, parece
despropositado concluir que o elevado instrumento jurídico dos alimentos não
pudesse alcançar os casais homoafetivos, relação também edificada na
solidariedade familiar, com espeque no dever de cooperação, reciprocidade e
assistência mútuos (art. 1.724 do CC). De fato, o direito a alimentos do
companheiro que se encontra em situação precária e de vulnerabilidade assegura
a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o mínimo existencial,
com a preservação da dignidade do indivíduo, conferindo a satisfação de
necessidade humana básica. É por isso que a doutrina afirma que a proteção das
pessoas “em situação de vulnerabilidade e necessitadas de auxílio material
encontra suas requisições alimentícias na solidariedade familiar, edificada na
cooperação, ajuda, contribuição, reciprocidade e na assistência dos demais
indivíduos que compõem o seu núcleo familiar, pois é dentro das diferentes
relações de família, sejam elas de origem biológica ou advindas de vínculos
afetivos hétero ou homossexuais, que seus componentes materializam seus
direitos e suas expectativas pessoais”. Realmente, o projeto de vida advindo do
afeto, nutrido pelo amor, solidariedade, companheirismo, sobeja obviamente no
amparo material dos componentes da união, até porque os alimentos não podem ser
negados a pretexto de uma preferência sexual diversa. O art. 1.694 do CC, ao
prever que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros
alimentos, na qualidade de sujeitos potencialmente ativos e passivos dessa
obrigação recíproca, não exclui o casal homossexual dessa normatização. De
fato, a conclusão que se extrai no cotejo de todo ordenamento é a de que a
isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha
plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família (ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ), incluindo-se aí o
reconhecimento do direito à sobrevivência com dignidade por meio do pensionamento
alimentar. REsp 1.302.467-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
3/3/2015, DJe 25/3/2015.
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