quarta-feira, 15 de abril de 2015

BREVES NOTAS SOBRE A SÚMULA 385 DO STJ. POR EZEQUIEL MORAESJ.



Breves notas sobre o retrocesso impingido pela Súmula 385 do STJ.
EZEQUIEL MORAIS
Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo - USP
(Faculdade de Direito do Largo São Francisco).
Advogado, com estágio no Studio Legale Associato Pezone (Itália).
Ex-Conselheiro da OAB. Professor em Pós-graduações.
Autor e coautor de obras jurídicas.      
Sem divagações, sabemos todos que o sistema jurídico brasileiro não permite que o devedor seja constrangido na cobrança de dívida [arts. 39, VII, 42 e 71 do CDC; arts. 186 e 187 do CC; arts. 146, 147 e 345 do CP e art. 5.º, LXVII, da CF/88]. Ponto.
Mesmo assim, é sempre importante ressaltar que o exercício regular de um direito reconhecido não é constrangimento ilegal, não é prática abusiva e, portanto, não é crime ou ato ilícito, com exceção, sem dúvida, dos casos em que se configuram o abuso de direito e a inobservância do duty to mitigate the loss [ou the damage]. Este último, aliás, consubstancia-se, em resumo, não só no dever do contratante de mitigar, de diminuir a perda do outro, mas, também e principalmente, no dever de evitar a perda, de afastar provável, vindouro prejuízo. Essas, a propósito, são as claras e corretas lições dos professores Marco Fábio Morsello e Giselda Hironaka, ambos da nossa querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP.
Bem, transpostas as palavras introdutórias, rumemo-nos, caro leitor, à pedra angular do presente artigo: a Súmula 385 do STJ (DJ 08/06/2009) ofende várias normas do nosso sistema jurídico; vai de encontro com a diretriz principiológica tanto do Código de Defesa do Consumidor quanto do Código Civil, para não dizer da própria Constituição Federal.
Desde 2010, sustento isso no livro CDC Comentado (Edt. RT, pág. 223). Mas agora trago o tema novamente à tona em decorrência de uma sentença – e por ela motivado, de novo – oriunda da Comarca de Mongaguá-SP, da lavra do magistrado Fernando Cesar do Nascimento, que adotara o nosso mesmo entendimento ao não aplicar a Súmula 385 porque a mesma “não se amolda ao sistema consumerista” (proc. n.º 366.01.2008.000763, DJe 1765, de 29/10/2014, São Paulo. Obs.: apelação ainda pendente de julgamento no TJ-SP).
Eis o texto sumular que resulta em retrocesso: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
Definitivamente, não podemos concordar com os ditames da súmula acima referida, e nem poderíamos, pois contraria, como outrora dissemos, normas consumeristas e civis e, por consequência, direito constitucional que protege a pessoa, a honra, a imagem. Notemos: um (01) só apontamento negativo do nome de uma pessoa pode ter certo significado. Mas vinte (20!), por exemplo, “negativações” têm, convenhamos, outros significado, causas e conseqüências bastante diferentes.
Flávio Tartuce muito bem esclarece e complementa com exatidão: “imagina-se pela súmula que a pessoa que já teve o nome inscrito nunca mais terá direito à indenização, pois, como devedor que foi, perdeu a sua personalidade moral. [...] Sem falar que a Súmula 385 entra em conflito com a Súmula 370 do mesmo STJ, segundo a qual cabe indenização por dano moral no caso de depósito antecipado de cheque pré ou pós-datado. Imagine-se que o consumidor já teve o nome inscrito por uma dívida regular, surgindo uma inscrição posterior indevida em decorrência do citado depósito antecipado. Pela Súmula 385, não caberá a indenização moral; pela Súmula 370, a resposta é positiva, em contrariedade à ementa anterior” (Manual de direito do consumidor. Edt. Método, p. 446).
Por tais razões, reafirmamos que a Súmula 385, com conotação temerária e exageradamente generalizante, pode tornar lícito um ato ilícito apenas porque já preexistia outro registro negativo do nome do cidadão – e isto sem levar em consideração que o registro negativo preexistente pode ser irregular, indevido!
E mais: a manutenção de tal súmula é um claro incentivo à prática do abuso de direito (CC, art. 187). Inclusive, de acordo com a linha mestra aqui adotada, traçada com base nos princípios da boa-fé objetiva e da socialidade (art. 5.º da LINDB), apropriada e irretocável é a lição de Inácio de Carvalho Neto, ao afirmar que “dispõe o citado art. 5.º que o juiz, ao aplicar a lei, ‘atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. A explícita menção, como regra de aplicação da lei pelo juiz, do atendimento aos fins sociais da norma, configura claramente o reconhecimento de que deve ser coibida a prática de atos que desatendam a esses mesmos fins sociais”. Em outras palavras, como bem ressaltado, é preciso atender “à finalidade da lei e do Direito enquanto sistema ético e moral” (Abuso do direito. Edt. Juruá, p. 183).
Ainda, nem cogitamos aqui de aplicar ou não a técnica de ponderação de princípios, segundo a Teoria da Ponderação, desenvolvida por Robert Alexy. Não é essa a questão e muito menos o fator de resolução do problema, pois é certo que o registro indevido viola direito e causa dano à pessoa [física ou jurídica] negativada, configurando, assim, um ato ilícito (art. 186 do CC). E esse mesmo ato – irregular(!) – está longe de ser exercício regular de um direito reconhecido (art. 118, I, do CC). Então, é cristalina a afronta ao art. 42, § 2.º, do CDC, dentre várias outras normas.
O STJ, ao editar a infeliz Súmula 385 em 2009 e, pior, ao não revogá-la até hoje, dá guarida ao abuso do direito (art. 187, do CC); legitima, valida um ato que pode ser ilícito!
Ah... aproveitando a oportunidade, vale recordar de outra polêmica súmula que continuamos a entender ser igualmente equivocada: STJ, 381.
Saudações. Com carinho.
Ezequiel Morais - Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo - USP (Faculdade de Direito do Largo São Francisco). Advogado, com estágio no Studio Legale Associato Pezone (Itália). Ex-Conselheiro da OAB. Professor em Pós-graduações. Autor e coautor de obras jurídicas.         

BIBLIOGRAFIA BRASILEIRA E ESTRANGEIRA – OBRAS CITADAS E CONSULTADAS

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BAUDOUIN, Jean-Louis; RENAUD, Yvon. Civil Code of Québec. 9ª ed. Montreal: Wilson&Lafleur, 2010.
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TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014.
WEIDLICH, Dietmar; et tal. Bürgerliches Gesetzbuch. 73ª ed. München: C.H. Beck, 2014.
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