A TEORIA DO ADIMPLEMENTO
SUBSTANCIAL NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA.[1]
Doutor em Direito Civil pela USP.
Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Privado da lato sensu da Escola Paulista de Direito.
Professor da Rede LFG.
Advogado e consultor jurídico em São Paulo.
A teoria do adimplemento
substancial goza de grande prestígio doutrinário e jurisprudencial na atualidade
do Direito Contratual Brasileiro. Por essa teoria, nos casos em que o contrato
tiver sido quase todo cumprido, sendo a mora insignificante, não caberá sua
extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de
indenização por perdas e danos.
A origem da teoria se
encontra no Direito Costumeiro Inglês, especialmente na utilização do termo substancial performance, sendo
mencionado como um dos seus primeiros casos a contenda Boone v. Eyre, de 1779.
No Código Civil Italiano, há previsão expressa sobre o adimplemento substancial,
no seu art. 1.455, segundo o qual o contrato não será resolvido se o
inadimplemento de uma das partes tiver escassa
importância, levando-se em conta o interesse da outra parte.
No caso brasileiro, a
despeito da ausência de previsão expressa na codificação material privada,
tem-se associado o adimplemento substancial com os princípios contratuais
contemporâneos, especialmente com a boa-fé objetiva e a função social do
contrato. Nesse sentido, na IV Jornada de Direito Civil, evento
promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
em 2006, aprovou-se o Enunciado n. 361 CJF/STJ, estabelecendo que “O
adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a
fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva,
balizando a aplicação do art. 475”. Vale lembrar que o art. 475 do Código Civil
trata do inadimplemento voluntário ou culposo do contrato, preceituando que a
parte lesada pelo descumprimento pode exigir o cumprimento forçado da avença ou
a sua resolução por perdas e danos.
Pontue-se que diante de
divergência sobre qual princípio fundamentaria a teoria, aprovou-se um
enunciado doutrinário em sentido amplo naquele evento, para satisfazer as duas
correntes então existentes. De toda sorte, esclareça-se que, na opinião deste
autor, o esteio principiológico do adimplemento substancial é a função social
do contrato (art. 421 do CC), diante da busca de preservação da autonomia
privada e da conservação do negócio jurídico.
No âmbito da jurisprudência
superior, numerosos são os arestos que aplicam o adimplemento substancial. Partindo
para os casos concretos, de início, incidiu-se a ideia à hipótese envolvendo a
busca e apreensão de veículo objeto de venda com reserva de domínio, confirmando-se
a impossibilidade de retomada do bem, com a consequente extinção do negócio (STJ,
Agravo n. 607.406/RS, QUARTA TURMA, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, julgado
em 09.11.2004, DJ 29.11.2004, p. 346). O mesmo caminho foi percorrido
para afastar a liminar em ação de busca e apreensão concernente a alienação
fiduciária em garantia de bem móvel, considerando-se o pequeno montante da
dívida em relação ao valor do bem e o fato de ser a coisa essencial à atividade
da devedora (STJ, REsp. 469.577/SC, QUARTA TURMA, Rel. Ministro Ruy Rosado de
Aguiar, julgado em 25.03.2003, DJ 05.05.2003, p. 310).
Mais
recentemente, e na mesma linha, o Tribunal da Cidadania aplicou a teoria substantial performance a contrato de leasing celebrado entre duas empresas,
uma financeira e uma empresa transportadora de mercadorias. O contrato dizia
respeito à aquisição de 135 carretas, para a atividade da última. Como houve o
adimplemento de 30 das 36 parcelas, correspondente a cerca de oitenta e três
por cento do contrato, foi confirmado o afastamento da então ação reintegração
de posse das carretas (STJ, REsp. 1.200.105/AM, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 19.06.2012, DJe 27.06.2012). O
aresto também traz como conteúdo a função social da empresa, pelo fato de que a
retomada dos bens móveis fariam com que a atividade da devedora se tornasse totalmente
inviável.
A evidenciar o grande
desafio da ideia de cumprimento relevante, deve-se analisá-lo
casuisticamente, tendo em vista a finalidade econômico-social do contrato e dos
negócios envolvidos. Sobre a análise dos critérios para a aplicação da teoria,
elucida Anderson Schreiber que “o atual desafio da doutrina está em fixar
parâmetros que permitam ao Poder Judiciário dizer, em cada caso, se o
adimplemento afigura-se ou não significativo, substancial. À falta de suporte
teórico, as cortes brasileiras têm se mostrado tímidas e invocado o adimplemento
substancial apenas em abordagem quantitativa. A jurisprudência tem, assim,
reconhecido a configuração de adimplemento substancial quando se verifica o
cumprimento do contrato ‘com a falta apenas da última prestação’, ou o
recebimento pelo credor de ‘16 das 18 parcelas do financiamento’, ou a
‘hipótese em que 94% do preço do negócio de promessa de compra e venda de
imóvel encontrava-se satisfeito’. Em outros casos, a análise judicial tem
descido mesmo a uma impressionante aferição percentual, declarando substancial
o adimplemento nas hipóteses ‘em que a parcela contratual inadimplida
representa apenas 8,33% do valor total das prestações devidas’, ou de pagamento
‘que representa 62,43% do preço contratado’.” (A boa fé objetiva e o
adimplemento substancial. Direito contratual. Temas atuais. In: HIRONAKA,
Giselda Maria Fernandes Novaes e TARTUCE, Flávio. São Paulo: Método, 2008, p.
140).
De fato, como pondera o
jurista, a análise do adimplemento substancial não deve ser meramente quantitativa,
levando-se em conta somente o cálculo matemático do montante do cumprimento do
negócio. Deve-se considerar também o aspecto qualitativo, afastando-se a sua
incidência, por exemplo, em situações de moras sucessivas, purgadas
reiteradamente pelo devedor, em claro abuso de direito.
A propósito, como têm
pontuado doutrina e jurisprudência italianas, a análise do adimplemento substancial
passa por dois filtros. O primeiro
deles, é objetivo, a partir da medida
econômica do descumprimento, dentro da relação jurídica existente entre os
envolvidos. O segundo é subjetivo, sob
o foco dos comportamentos das partes no processo
contratual (CHINÉ, Giuseppe; FRATINI, Marco; ZOPPINI, Andrea. Manuale di Diritto Civile. Roma: Nel Diritto, IV
Edizioni, 2013, p. 1369; citando a
Decisão n. 6463, da Corte de Cassação Italiana, prolatada em 11 de março de
2008). Acreditamos que tais parâmetros também possam ser perfeitamente utilizados
nos casos brasileiros, incrementando a sua aplicação em nosso País.
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