Do
tratamento da união estável no novo CPC e algumas repercussões para o Direito
Material. Segunda Parte.
Flávio Tartuce
Fonte: Migalhas. Coluna Família e Sucessões.
Como antes exposto neste canal, o novo CPC traz a
opção de equalizar a união estável ao casamento em vários de seus
dispositivos, o que fará com que o tema seja analisado de maneira diversa no
âmbito do direito material. Também conforme o texto que antecede ao presente,
começamos a analisar o art. 73 do Novo Estatuto Processual – equivalente ao
art. 10 do CPC/73 –, especialmente a menção à separação absoluta, prevista no
seu caput, que não encerrou polêmica anterior sobre o assunto,
infelizmente.
Para este novo artigo, frise-se que o impacto principal a ser estudado diz respeito à aplicação da regra do art. 73 do Novo CPC para os casos de união estável, como é expresso no seu § 3º, desde que a relação de convivência seja comprovada nos autos. No âmbito do Direito Civil, sempre existiu grande polêmica, doutrinária e jurisprudencial, quanto à incidência, ou não, do art. 1.647 do CC para as hipóteses de união estável, exigindo-se uma outorga convivencial para os atos ali referidos.
De qualquer maneira, a outorga do companheiro passa a ser exigida nos casos do inciso II do art. 1.647, em diálogo com o Novo CPC. Como é notório, esse comando material – no mesmo sentido do art. 73 da Norma Instrumental – exige a outorga do cônjuge para pleitear, como autor ou réu, acerca de bens ou direitos relativos a imóveis. A dúvida que se coloca é a seguinte: nas situações dos demais incisos do art. 1.647, que dizem respeito a atos puramente materiais, como a venda ou outras alienações de imóvel, como ficam a fiança e a doação de bens comuns? Haverá necessidade de outorga convivencial em tais hipóteses?
Para este novo artigo, frise-se que o impacto principal a ser estudado diz respeito à aplicação da regra do art. 73 do Novo CPC para os casos de união estável, como é expresso no seu § 3º, desde que a relação de convivência seja comprovada nos autos. No âmbito do Direito Civil, sempre existiu grande polêmica, doutrinária e jurisprudencial, quanto à incidência, ou não, do art. 1.647 do CC para as hipóteses de união estável, exigindo-se uma outorga convivencial para os atos ali referidos.
De qualquer maneira, a outorga do companheiro passa a ser exigida nos casos do inciso II do art. 1.647, em diálogo com o Novo CPC. Como é notório, esse comando material – no mesmo sentido do art. 73 da Norma Instrumental – exige a outorga do cônjuge para pleitear, como autor ou réu, acerca de bens ou direitos relativos a imóveis. A dúvida que se coloca é a seguinte: nas situações dos demais incisos do art. 1.647, que dizem respeito a atos puramente materiais, como a venda ou outras alienações de imóvel, como ficam a fiança e a doação de bens comuns? Haverá necessidade de outorga convivencial em tais hipóteses?
Entre os civilistas, para uma primeira corrente,
o art. 1.647 do CC aplica-se à união estável, pelo fato de que o regime de
bens, que é regra tanto do casamento quanto da união estável, é o da comunhão
parcial de bens (arts. 1.640 e 1.725 do CC/02). Nesse sentido, Regina Beatriz
Tavares da Silva afirma que "devem ser consideradas as regras constituídas
por disposições especiais (arts. 1.658 a 1.666) e as disposições gerais (arts.
1.639 a 1.657), em que se destaca a proibição de alienação de bem imóvel sem o
consentimento do consorte, a não ser que seja escolhido o regime da separação
absoluta (art. 1.647), sob pena de anulação do ato". Esse
entendimento é compartilhado por Paulo Lôbo, na sua obra Famílias, com
primeira edição de 2008 (Saraiva). O STJ assim já decidiu anteriormente,
conforme se depreende da seguinte ementa:
"Processo civil. Execução fiscal. Penhora de
bem imóvel em condomínio. Exigência de consentimento dos demais. 1. A lei civil
exige, para alienação ou constituição de gravame de direito real sobre bem
comum, o consentimento dos demais condôminos. 2. A necessidade é de tal modo
imperiosa, que tal consentimento é, hoje, exigido da companheira ou convivente
de união estável (art. 226, § 3º, da CF), nos termos da Lei 9.278/1996. 3.
Recurso especial improvido" (STJ, REsp 755.830/SP, Segunda Turma, Rel.
Min. Eliana Calmon, j. 07.11.2006, DJ 01.12.2006, p. 291).
Entretanto, pontue-se que sempre seguimos uma segunda
corrente, que responde negativamente, ou seja, a outorga só pode ser
exigida dos cônjuges, e não dos companheiros, pelo fato de ser o art. 1.647 do
CC uma norma restritiva de direitos que não comporta interpretação extensiva ou
analogia. Por essa linha, a outorga somente é imposta por expressa previsão
legal, o que não se verifica no tocante à união estável, a não ser agora, pela
regra do art. 73 do CPC/15, para o que consta do inciso II do art. 1.647 do
CC/02. Reafirme-se que essa é a melhor posição a ser adotada, mesmo existindo
contrato de convivência entre as partes, inclusive celebrado por escritura
pública. Concluindo desse modo a jurisprudência estadual:
"Apelação cível. Ação declaratória de nulidade
de ato jurídico. União estável não declarada. Venda de bem imóvel a terceiro de
boa-fé. Inexistência de hipóteses de invalidade do negócio jurídico.
Inexistência de nulidade. 1 – Ainda que seja possível vislumbrar pelas provas
carreadas a existência de união estável entre apelante e primeiro apelado, a
venda de bem imóvel a terceiro de boa-fé não é nula, tendo em vista que a Lei
não exige a outorga uxória da companheira. 2 – Não provadas nenhuma das
hipóteses de invalidade do negócio jurídico, previstas nos arts. 166 e ss. do
CC 2002, não há nulidades a serem declaradas" (TJMG, Apelação Cível
1.0284.07.006501-6/0011, Guarani, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Bernardes,
j. 17.02.2009, DJEMG 16.03.2009).
"Ação declaratória de nulidade. Escritura
pública de compra e venda. Imóvel. Sentença de improcedência. Negócio jurídico
celebrado pelo companheiro sem a anuência da companheira. Possibilidade.
Outorga uxória. Desnecessidade. Exigência legal que não se aplica à hipótese de
união estável. (...)" (TJSP, Apelação com Revisão 396.100.4/6, Acórdão
2567068, Itararé, Segunda Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ariovaldo
Santini Teodoro, j. 15.04.2008, DJESP 16.05.2008).
Esse posicionamento segue a linha de necessidade de
diferenciação da união estável em relação ao casamento. Adotando a mesma
premissa, e a não subsunção do art. 1.647 do CC à união estável, vejamos
recente aresto do STJ, referente a contrato de fiança, assim publicado no seu Informativo
n. 535, do ano de 2014:
"Direito Civil. Inaplicabilidade da Súmula 332
do STJ à união estável. Ainda que a união estável esteja formalizada por meio
de escritura pública, é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a
autorização do outro. Isso porque o entendimento de que a ‘fiança prestada sem
autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia’ (Súmula
332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em
relação à união estável. De fato, o casamento representa, por um lado, uma
entidade familiar protegida pela CF e, por outro lado, um ato jurídico formal e
solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo
ordenamento jurídico. A união estável, por sua vez, embora também represente
uma entidade familiar amparada pela CF – uma vez que não há, sob o atual regime
constitucional, famílias estigmatizadas como de ‘segunda classe’ –, difere-se
do casamento no tocante à concepção deste como um ato jurídico formal e solene.
Aliás, nunca se afirmou a completa e inexorável coincidência entre os
institutos da união estável e do casamento, mas apenas a inexistência de
predileção constitucional ou de superioridade familiar do casamento em relação
a outra espécie de entidade familiar. Sendo assim, apenas o casamento (e não a
união estável) representa ato jurídico cartorário e solene que gera presunção
de publicidade do estado civil dos contratantes, atributo que parece ser a
forma de assegurar a terceiros interessados ciência quanto a regime de bens,
estatuto pessoal, patrimônio sucessório etc. Nesse contexto, como a outorga
uxória para a prestação de fiança demanda absoluta certeza por parte dos
interessados quanto à disciplina dos bens vigente, e como essa segurança só é
obtida por meio de ato solene e público (como no caso do casamento), deve-se
concluir que o entendimento presente na Súmula 332 do STJ – segundo a qual, a
‘fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total
da garantia’ –, conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade
em relação à união estável. Além disso, essa conclusão não é afastada diante da
celebração de escritura pública entre os consortes, haja vista que a escritura
pública serve apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe
ao certo quando começa nem quando termina, não sendo ela própria o ato
constitutivo da união estável. Ademais, por não alterar o estado civil dos
conviventes, para que dela o contratante tivesse conhecimento, ele teria que
percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que seria inviável e
inexigível" (STJ, REsp 1.299.866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
25.02.2014).
Ao final de 2014 surgiu uma outra forma de julgar
na Superior Instância, que parece indicar uma terceira via, respondendo depende
para a necessidade da outorga convivencial nos casos descritos no art. 1.647 do
CC. Conforme acórdão publicado no Informativo n. 554 do Tribunal de
Cidadania, de fevereiro de 2015, a invalidade da venda de imóvel comum, fundada
na ausência de outorga do companheiro, depende da publicidade conferida à união
estável.
E essa publicidade se dá mediante a averbação de
contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união
estável no Cartório de Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns,
ou da demonstração de má-fé do adquirente. Conforme se retira da
publicação do aresto, "a interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º
da lei 9.278/96 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as
alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no
fato de que a mesma ratio – que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a
estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento – mostra-se
presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a
qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente).
Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem
como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os
efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável
dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação
do imóvel que integra o patrimônio comum), da existência de uma prévia e ampla
notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação
registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de
pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa
ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável,
a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de
convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em
que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união" (STJ, REsp.
1.424.275/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04.12.2014, DJe
16.12.2014).
A este autor parece que, no plano jurisprudencial, a segunda corrente exposta parece ser a tendência da jurisprudência superior. Contudo, não se negue que o Novo CPC tende a aprofundar o debate a respeito dessa problemática nos próximos anos, por mencionar a necessidade da outorga conjugal para a hipótese que está prevista no inciso II do art. 1.647 do CC.
Então, por que não aplicar a mesma premissa para as demais situações desse comando material? Confesso que continuo a entender, até o presente momento, que a incidência do Novo CPC diz respeito apenas ao inciso II do preceito civil. Todavia, estou refletindo sobre essa nova extensão, e o meu posicionamento até pode ser alterado no futuro.
A este autor parece que, no plano jurisprudencial, a segunda corrente exposta parece ser a tendência da jurisprudência superior. Contudo, não se negue que o Novo CPC tende a aprofundar o debate a respeito dessa problemática nos próximos anos, por mencionar a necessidade da outorga conjugal para a hipótese que está prevista no inciso II do art. 1.647 do CC.
Então, por que não aplicar a mesma premissa para as demais situações desse comando material? Confesso que continuo a entender, até o presente momento, que a incidência do Novo CPC diz respeito apenas ao inciso II do preceito civil. Todavia, estou refletindo sobre essa nova extensão, e o meu posicionamento até pode ser alterado no futuro.
1 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código
Civil comentado. In: FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.427.
Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Professor do
programa de mestrado e doutorado da FADISP - Faculdade Especializada em
Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Privado
da lato sensu da EPD - Escola Paulista de Direito, sendo coordenador dos
últimos. Professor da Rede LFG. Diretor nacional e estadual do IBDFAM -
Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em
São Paulo.
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