O incapaz casado.
Por Jones Figueirêdo Alves
Nos termos do art. 1.548,
inciso I, do Código Civil, “é nulo o casamento contraído pelo enfermo mental
sem o necessário discernimento para os atos da vida civil” e do art. 1550,
inciso I do Código Civil, é "anulável o casamento do incapaz de consentir
ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento".
Agora, o artigo 144 da
recente Lei nº 13.146, de 06.07.29015, revoga expressamente o inciso II do art.
3º e o inciso I do art. 1.548, ambos do Código Civil, e introduz parágrafo 2º, ao
artigo 1.550 do CC, dispondo que “a pessoa com
deficiência mental ou intelectual, em idade núbil, poderá contrair matrimônio,
expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”.
Importa assinalar, antes de mais, que
deficiência (retardo) mental não significa enfermidade, a representar causa de
impedimento ao casamento e, designadamente, a proibição legal de pessoa
absolutamente incapaz contrair casamento (ou constituir união estável) antagoniza
a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova
York, EUA/2007) incorporada ao nosso sistema jurídico sob promulgação do
Decreto nº 6.949, de 25.08.2009, após aprovação pelo Decreto Legislativo nº
186, de 09.07.2008, com o “status” de Emenda Constitucional.
De fato. A doutrina formulada por
Maximiliano Roberto Ernesto Führer (2014) intervém a dizer que “a
proibição imposta ao doente mental para se casar atenta frontalmente contra
Dignidade da Pessoa Humana, princípio diretor da República Brasileira (art. 1º,
III, da CF) e, destarte, é inconstitucional, além de desumana. Com efeito, a
negação ao status familiar e amoroso afronta diretamente a natureza humana. O
deficiente mental e o doente mental não podem ser considerados “menos humanos”
ou portadores de uma “humanidade condicionada ou restrita”(...)”. (Processo
nº 0055593-54.2012.8.26.0564 – SP).
Segue-se, então, dizer que as mudanças
agora trazidas pela Lei nº 13.146/15 são extremamente significativas,
apontando-se:
(i) em relação aos desprovidos de
condições de expressão volitiva, a sua incapacidade civil apresentar-se-á,
doravante, apenas relativa, diante da inclusão do revogado inciso III do art.
3º, CC, como novo inciso acrescentado ao art. 4º do mesmo Código Civil.
Sublinha-se, inclusive, que a nova ordem legal não limita o tempo da causa,
podendo ser esta transitória ou permanente;
(ii) diante da supressão do inciso II ao
artigo 3º, CC, os enfermos ou deficientes mentais, sem o necessário
discernimento para a prática de atos da vida civil, poderão exercê-los através
do seu responsável ou curador;
(iii) a pessoa com deficiência mental
não terá afetada a sua plena capacidade civil para casar ou constituir união
civil e exercer seus direitos sexuais, reprodutivos de planejamento familiar,
de conservar sua fertilidade e os direitos à família e aos seus institutos
jurídicos (art. 6º, Lei 13.416/15 e parágrafo 2º ao artigo 1.550 do Código
Civil).
Diante disso, quando a incapacidade
civil absoluta se restringe, agora, apenas ao menor de dezesseis anos de idade,
duas reflexões imediatas são impostas:
(i) O que muda, afinal, em face de os
incisos II e III do art. 3º do Código Civil - onde se achavam previstas a
incapacidade absoluta dos que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem
o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil, ou dos que,
mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade - terem sido
revogados pelo artigo 114 da Lei nº 13.416/15?;
(ii) Como resultará inequívoca a vontade
livre e manifesta do incapaz feita por meio de curador, tornando hígido o
consentimento, a inibir a anulabilidade do casamento?
O jurista FLAVIO TARTUCE (http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/)
oferece, de pronto, as primeiras respostas, afirmando, em recente estudo, o
seguinte:
(i) “não há que se falar mais em ação de
interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são
interditados. Todas as pessoas com deficiência, passam a ser, em regra,
plenamente capazes para o Direito Civil o que visa sua plena inclusão social,
em prol de sua dignidade”;
(ii) “o sistema de incapacidades deixou
de ter um modelo rígido, passando a ser mais maleável, pensado a partir das
circunstâncias do caso concreto”;
(iii) “em resumo, o casamento do enfermo
mental, sem discernimento, passa a ser válido”.
Vale sublinhar, portanto, que em função
de cada uma das doenças mentais que acometa seu portador as variadas
consequências, nos estágios de consciência do cometimento, devem ser
interpretadas no caso concreto.
A literatura jurídica sob o escopo da
realidade subjacente terá, induvidosamente, o seu catálogo adequado de
referência. Aliás, no ponto, recolhe-se o exemplo do matemático americano John
Nash, cuja luta contra a esquizofrenia foi objeto do filme “Uma Mente
Brilhante” (Oscar Melhor Filme, 2012). Ganhador do Nobel de Economia (1994) por
suas descobertas agrupadas na chamada “Teoria dos Jogos”, casou-se (1957)
quando já professor do “Massachusetts Institue of
Technolog” (MIT), com Alice, uma estudante de origem salvadorenha. Embora
separados seis anos mais tarde, ela continuou como “peça-chave” em sua busca de
cura da doença, afinal conseguida nos anos 80. Voltaram a se casar em 2001,
trabalhando juntos e em 23 de maio passado morreram juntos em um acidente de
carro.
Com efeito, portadores de moléstia mental
permanente (revogado o art. 1.548, I, CC) poderão contrair núpcias ou conviver
em união estável, reconhecido o direito de constituírem família.
Como
observado, o casamento é aspecto relevante no processo de inserção social que
portadores de doenças e deficiencias mentais devem obter. Mais que simples
exercício de um direito, constitui uma afirmação de suas individualidades.
Que assim seja, por dignidade de sua
condição humana, para que se concretizem como pessoas. Suficiente entender que
a expressão da vontade começa pelo permissivo da nova lei.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES
– O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de
Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família.
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