A
maternidade por opção e a mulher que nela existe.
Jones Figueirêdo Alves
“Eu não estou grávida. Estou
é farta” – expressou a atriz Jennifer Aniston, de 47 anos, reagindo a cobranças
sociais e à matéria da revista “In Touch”, (13.07.16) “depois de ter mais uma
gravidez falsa anunciada pela mídia americana”, como anota Roberta Jungmann, na
sua coluna “Persona” (Folha de Pernambuco, 17.07.16). Antes, a revista
americana “Ok Magazine” anunciara (setembro/2015), que a atriz estaria gravida
de gêmeas depois de submetida a técnicas de reprodução assistida.
A exclamação incontida avoca,
de saída, diversas questões jurídicas relevantes, na seara do direito de
família. A primeira delas é a da opção de não ter filhos, como escolha e
realização, impondo-se reconhecer que os muitos arranjos de experimentação procriativa
são, a todo rigor, direitos reprodutivos e não deveres.
De fato, fenômeno crescente tem sido o
de mulheres que, nas duas últimas décadas, permanecem “childless” (sem filhos), na nova realidade da maternidade
postergada, quando são adiados os projetos parentais em preferência/prioridade
à independência profissional e financeira. A maternidade é protraída,
significando, antes de mais, uma redefinição da identidade feminina, no mercado
de trabalho, sem implicar na rejeição de filhos. O tema é abordado na obra “Le Conflit: la femme et la mére” da
filósofa francesa Elisabeth Badinter (Éditions Flamarion, Paris, 224 p., 2010),
lançada no Brasil pela Editora Record.
No capítulo “A Greve dos Ventres” (pp.
161-189), Badinter oferece um estudo demográfico a apontar que embora os níveis
de fertilidade se mantenham altos na Europa e nos Estados Unidos, os
percentuais de mulheres não-estéreis que não engravidam observam tendência
evolutiva, notadamente nos EUA onde estima-se que entre 18 a 20% das mulheres
permanecem sem filhos, duas vezes mais que há trinta anos. Enquanto isso, os
percentuais europeus são expressivos: entre 21 e 26% (Alemanha), 20% (Itália),
16% (Áustria) e 11% (França). Ela afirma que o fenômeno de controle da
reprodução irradia-se em ritmo constante nos países anglo-saxões, no Japão ou
no sul da Europa, implicando no que denominam os alemães “o ideal da ausência
de filhos” (“Kinderlosigkeit”).
O exemplo alemão apresenta a mais baixa
expectativa de filhos na Europa e não obstante seja a Alemanha o país mais
populoso da Europa, ali registra-se índice negativo de crescimento natural há
mais de três décadas.
Impende observar o alcance da atual
crise de maternidade, a partir dos estudos de Badinter e diante dos países mais
afetados pelas quedas de fecundidade. No ponto, os modelos impostos em
valorização do papel maternal devem ser repensados em dialética de garantia dos
novos papéis sociais da mulher, quando estão presentes nas universidades e nas
empresas. Ou seja, a mãe moderna não está mais submetida às prisões
domiciliares pela ideia da mãe tradicional, admirável e sacrificial.
O estudo francês indicou, precisamente,
que as mulheres postergam a idade da maternidade e engravidam cada vez menos. O
dado mais relevante é o de que “nenhum país pode ficar muito tempo indiferente
ao seu índice de natalidade”. Realmente.
A segunda questão jurídica relevante diz
respeito à maternidade como bem jurídico. Bem de ver que inexiste um estatuto
jurídico da maternidade, como microuniverso normativo que a celebre ou a
discipline em sua multifacetada realidade de relação parental.
Aliás, a maternidade foi (re)inventada
em 1762. A
sua formulação, na concepção atual, foi feita pelo filósofo genebrino
Jean-Jacques Rousseau, na obra "Emílio, ou Da Educação", publicada
naquele ano. Ele repudiou a instituição dominante das amas-de-leite,
encorajando as mulheres a assumirem, em definitivo, a maternidade. Foi a
"revolução do sentimento", no alvorecer do Iluminismo, escola filosófica
articuladora do amor romântico. Desse movimento, o amor tornou-se "a razão
principal para o casamento e para o filho ser considerado o fruto ou um dom
desse amor", introduzindo a ideia do amor materno.
Em "L´Historie des méres"
(1980), Kniebiehler e Fouquet apontam que a exaltação do amor materno é fato
recente na civilização ocidental. De fato, ela começou no final do século
XVIII, vindo a celebração da maternidade influir na proteção da mulher e da
criança, assegurando-lhe os seus valores sociais. Não é demais lembrar que o
"matrimônio" canônico, em
seu caráter sagrado e sacramental, significa, etimologicamente, a proteção da
mãe e da prole.
Em tempos modernos, a remoção de óvulos,
a fertilização assistida, os embriões congelados podendo ser gestados a
qualquer tempo por outra mulher, a sub-rogação de útero, e sobremodo, os
vínculos socioafetivos desvinculados de origens genética ou biológica, informam
outras definições ou significados de maternidade. Novas maternidades são
celebradas, para além do modelo tradicional.
Assim, a busca do filho, por meios não naturais, encontra o
caminho dos avanços da tecnologia, mediante técnicas de reprodução assistida, o
que faz também encontrar “novas famílias”. Tal sucede nos casos da mulher
solteira, em produção independente, que obtém o sêmen de doador desconhecido
(famílias monoparentais), e de casais homoafetivos, obtendo gametas em doação
(famílias de dois pais ou duas mães).
Anota-se, no
último caso, situação que foi tratada no filme “Minhas Mães e Meu Pai” (“The
Kids are all right”) (2010), onde um casal de lésbicas tem dois filhos
concebidos por inseminação artificial, vindo um deles, Laser, então
adolescente, procurar seu pai biológico (doador do sêmen) e ao encontrá-lo,
este termina por se envolver com uma das mães. Em discussão, as figurações
múltiplas e concomitantes de filiação (biológica e socioafetiva).
Cumpre
lembrar, ainda, o famoso e pioneiro “Caso Baby M.”, onde a mãe portadora e
genética pretendeu anular o contrato no
qual se obrigava a entregar a criança gerada ao pai biológico e a consentir na
adoção pela mulher daquele. A Suprema Corte de New Jersey (EUA) ao
confirmar (1988) a decisão do tribunal de primeira instância, ponderou pela
prioridade dos interesses da criança, que na hipótese, admitiu-os protegidos
pela ligação afetiva revelada ao pai e à sua mulher, não cuidando de avaliar os
fundamentos éticos e psicológicos da mãe genética para descumprir o contrato.
Lado outro,
todavia, impõe-se, refletir sobre o direito de a atriz não pretender ser mãe ou
o seu direito de postergar a maternidade, colocando-os em livre opção do não
agir.
No mesmo
sentido de autodeterminação parental, apurando-se os direitos em termos de
procriação, no plano dos direitos da personalidade, interessante estudo foi
escrito em Portugal sobre “O Direito do Homem a rejeitar a paternidade de filho
nascido contra a sua vontade. A igualdade na decisão de procriar”, de Jorge
Martins Ribeiro (Coimbra Editora, 2013). Nele, o autor propõe-se a refletir
sobre as rejeições da maternidade e paternidade, no plano da igualdade de
direitos, acentuando os regimes substantivos da lei que os secundarizam.
Segue-se, também, o surgimento de novas
políticas públicas onde, sem desprezo às normas sociais da boa mãe - quando a
sociedade privilegia o papel de mãe em detrimento do da mulher – são postas em
prática medidas de auxilio no sentido de a mulher assumir os seus diferentes
papéis, na vida familiar e na esfera social. Essas políticas ajudam conciliar
os referidos papéis, facilitando novos indicadores, recuperando o desejo da
maternidade e, sobremodo, superando a imagem mítica da mãe, pela mãe profissionalmente
realizada e apoiada pelo Estado em seus deveres maternais.
Como a família ocupa, sempre, o primeiro
lugar na escala de valores e os filhos são considerados indispensáveis ao
equilíbrio conjugal/convivencial, a seu turno a socióloga Pascale Donati
(2000), defende a importância da função parental da maternidade, asseverando
que “a não procriação é um afastamento da norma”.
Também é certo, noutro oposto, que
pessoas sós (“singles”) também são famílias. Pessoas solteiras, separadas e
viúvas, compõem um microuniverso familiar ou mais precisamente unidades
familiares, como realidades sócio-jurídicas que o direito alberga em tutela
protetiva. Na jurisprudência, a Súmula n. 364 do
Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que a
impenhorabilidade do bem de família é assegurada àquelas pessoas, com amparo na
Lei n. 8.009/90. Também não
haverá óbice à instituição do bem de família por pessoa solteira, a teor do
art. 1.711 do Código Civil, porque afinal ela constitui uma entidade familiar
própria, enquanto sozinha, nos efeitos de garantia dos seus direitos de
dignidade (STJ – Eresp. Nº 182.223, j. em 06.02.2002).
Assim, postas as questões, pondere-se
que a instituição da maternidade, como produto de tempo, lugar e circunstância,
sempre está a merecer densas reflexões do seu significado social e afetivo,
observada na dignidade do seu papel na sociedade contemporânea. Afinal, todas
as mães são benvindas e “benditas, porque trabalham para a paz na terra”.
Mas há um novo discurso na exclamação de
Jennifer Aniston, quando muitas mulheres tencionam “realizar-se à margem da
maternidade, tal como ela lhes é imposta (Badinter, 2010): o de a função
materna não exigir da mãe que sacrifique a mulher que nela existe.
Jones Figueiredo Alves é Desembargador
Decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Mestre em Ciências
Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa (FDUL).
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